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Cuadernos de Desarrollo Rural

Print version ISSN 0122-1450

Cuad. Desarro. Rural vol.10 no.72 Bogotá July/Dec. 2013

 

Ocupações e renda das mulheres e homens no rural do estado do Paraná, Brasil: uma perspectiva de gênero*

Occupation and income of women and men in rural areas of the State of Parana, Brazil: a gender perspective

Occupation et revenus des femmes et des hommes dans la zone rurale de l'état de Parana, Brésil: une perspective de genre

Ocupación e ingresos de las mujeres y hombres del área rural del Estado de Paraná, Brasil: una perspectiva de género

Jefferson Andronio Ramundo Staduto**
Carlos Alves Nascimento***
Marcelino de Souza****

*Artigo baseado em projetos de pesquisas desenvolvidos no período de 2008 a 2012 com o Apoio Financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil. Os projetos intitulam-se: Desenvolvimento rural e gênero: análise do perfil sócio-econômico e qualidade do emprego das mulheres das famílias rurais nos estados do Paraná e Rio Grande do Sul e Análise do perfil sócio-econômico e qualidade do emprego das mulheres das famílias rurais nos estados do Paraná e Rio Grande do Sul.
**Professor, doutor, Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq, Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Email: jstaduto@yahoo.com.br
***Professor, doutor, Universidade Federal de Uberlândia. Email: can@ie.ufu.br
****Professor, doutor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: marcelino.souza@uol.com.br

Recibido: 2013-02-18 Aceptado: 2013-02-26 Evaluado: 2013-07-18 Publicado: 2013-12-30


Cómo citar este artículo

Ramundo Staduto, J., Alves Nascimento, C., & De Souza, M. (2013). Ocupações e renda das mulheres e homens no rural do estado do Paraná, Brasil: uma perspectiva de gênero. Cuadernos de Desarrollo Rural, 10 (72), 91-115.


Resumo

Este trabalho examina as formas de ocupações e fontes de renda de mulheres e homens das famílias das áreas rurais do estado do Paraná, Brasil, no período de 2001 a 2008, privilegiando a abordagem de gênero. As estimativas mostraram que o número das famílias no período analisado ficou estabilizado, revertendo a queda que ocorreu na década de 1990. Verificou-se a intensa redução das ocupações agrícolas e o preocupante processo de proletarização, sendo que ambos os fenômenos atingem mais intensamente as mulheres. A ocupação não agrícola foi um importante lócus para as mulheres gerarem renda independentemente do espaço masculino. A renda dos homens oriunda das ocupações agrícolas ainda é a maior responsável pela formação da renda familiar e as transferências sociais são as maiores fonte de renda das mulheres.

Palavras-chave: Mulher, ocupação rural, renda rural, gênero, agricultura familiar, desenvolvimento rural.

Palavras-chave descriptores: Rural trabalho, Paraná (Brasil), custos e padrão de vida, a economia, a igualdade de gênero.


Abstract

This paper examines, from a gender perspective, the types of occupation and sources of income of family women and men from the rural areas of the state of Paraná, Brazil, in the period between 2001 and 2008. The estimates reflected that the number of families in the analyzed period was stabilized, reversing a decline occurred in the nineties of the last century. A sharp reduction in agricultural occupations and a worrying process of proletarianization were found, being women the most affected by these phenomena. The non-agricultural occupations opened an important place for women income generation separate from male spaces. Men revenues from agricultural occupations are still the largely responsible in the formation of family income and social transfers are the major source of income for women.

Keywords author: Women, rural employment, rural income, family farming, rural development.

Keywords plus: Rural work, Paraná (Brazil), cost and standard of living, economics, gender equity.


Résumé

Ce travail examine les sources d'occupation et de revenus des femmes et des hommes des familles des zones rurales de l'état de Parana, Brésil, de 2001 à 2008, en privilégiant la perspective de genre. Les estimations ont démontré que le nombre de familles s'est stabilisé dans cette période, en détournant une chute qui s'est passée dans les années quatre-vingt-dix du dernier siècle. La grande diminution des occupations agricoles et une inquiétante prolétarisation se sont vérifiées, en étant les femmes les plus affectées par les deux phénomènes. L'occupation non-agricole a ouvert un lieu important pour la génération de revenus de la part des femmes, séparé des espaces masculins. Les revenus des hommes, provenant des occupations agricoles, sont encore les plus grands responsables de la formation du revenu familier et les transferts sociaux sont la plus grande source de revenus pour les femmes.

Mots-clés auteurs: Femme, occupation rurale, revenu rural, agriculture familière, développement rural.

Mots-clés descripteur: Travail rural, Paraná (Brésil), coût et niveau de vie, économie, égalité des sexes.


Resumen

Este trabajo examina las formas de ocupación y fuentes de ingreso de mujeres y hombres de las familias de áreas rurales del estado de Paraná, Brasil, en el período entre 2001 y 2008, privilegiando la perspectiva de género. Las estimaciones demostraron que el número de familias en el periodo analizado se estabilizó, revirtiendo una caída ocurrida en la década del noventa del siglo pasado. Se verificó la intensa reducción de las ocupaciones agrícolas y un preocupante proceso de proletarización, siendo las mujeres las más afectadas por ambos fenómenos. La ocupación no agrícola abrió un lugar importante para la generación de ingresos por parte de las mujeres independiente de los espacios masculinos. Los ingresos de los hombres provenientes de ocupaciones agrícolas todavía son los mayores responsables en la formación del ingreso familiar y las transferencias sociales son la mayor fuente de ingreso para las mujeres.

Palabras clave: Mujer, ocupación rural, ingreso rural, agricultura familiar, desarrollo rural.

Palabras clave descriptores: Trabajo rural, Paraná (Brasil), costo de vida, economia, igualdad de género.


Introdução

As políticas setoriais de modernização da agricultura implantadas no Brasil na década de 1970 foram importantes para as inúmeras transformações que o setor passou nas últimas quatro décadas, impactando na organização económica e social do meio rural. Essas políticas contribuíram para aumentar a importância do setor agropecuário para o desenvolvimento económico do país, gerando excedentes de produção, divisas e demanda de produtos industriais, bem como na ocupação do território nacional por meio da expansão das fronteiras agrícolas e dinamizando as cidades do interior afastadas dos grandes centros urbanos. Por outro lado, elas aprofundaram a disparidade económica no nível de desenvolvimento dos estados do Centro Oeste, Sudeste e Sul em relação ao Nordeste e Norte (Gasques e Conceição, 2001; Freitas e Bacha, 2004; Freitas, Bacha e Fassati, 2007), os níveis de renda e o grau de pobreza na agropecuária em termos regionais (Hoffmann e Kageyama, 1986).

Essas mudanças no padrão tecnológico da agropecuária brasileira a partir da década de 1970 refletiram em várias dimensões no meio rural, dentre as quais se destacou o grande deslocamento populacional rural-urbano inter e intra regionalmente. No início da década de 1990, ainda ocorria esse movimento populacional (Camarano e Abramovay, 1999), e também estava em curso um novo ciclo de inovações tecnológicas, no qual equipamentos agrícolas substituíam a habilidade humana na colheita de várias culturas tropicais. Isto acarretou forte redução dos postos de trabalho agrícola, e novamente dinamizou o movimento populacional rural-urbano (Staduto, Shikida e Bacha, 2004).

Nas últimas duas décadas a migração rural-urbano foi mais intensa entre jovens do sexo feminino, gerando uma relativa masculinização e envelhecimento da população do campo no Brasil (Camarano e Abramovay, 1999; Castro e Aquino, 2008). A literatura aponta algumas situações que conduzem a esse processo demográfico: a condição de subalternidade da mulher nas relações familiares; desvalorização das atividades que desempenham na agricultura familiar (Brumer, 2006); dificuldade em distinguir entre as atividades de produção e reprodução (Abramovay e Da Silva, 2000); o pouco espaço destinado às mulheres na atividade agrícola comercial, na qual atuam apenas como auxiliares (Lombardi, 2006; Brumer, 2006); dificuldade de acesso a terra, porque prevalecem os contratos sociais que privilegiam os homens na transmissão da herança e na direção da propriedade rural (Deere e León, 2002; Deere, 2004; Gómez García e Rico González, 2004; Spanevello, 2008); mais oportunidades de as mulheres encontrarem emprego no centro urbano em relação ao rural (Gómez García e Rico González, 2004); distribuição do poder intrafamiliar de decisão de alocação dos recursos da propriedade desfavorável às mulheres (Hernández, 2009); e ao árduo trabalho desenvolvido nos ambientes rurais (Mello, Abramovay, Silvestro, Dorigon, Ferrari e Testa, 2003).

O desequilíbrio demográfico entre homens e mulheres gerou alterações nas unidades familiares rurais, as quais podem acarretar prejuízos sociais em razão da desagregação familiar, assim como económicos porque coloca em risco a sucessão familiar e aumenta a propensão da redução do número das propriedades familiares que são responsáveis por parcela importante do produto agropecuário e, principalmente, para algumas cadeias produtivas, tais como do frango, leite e hortifrutigranjeiros.

Nos últimos anos vem sendo questionada a ausência das mulheres no meio rural: tanto do ponto vista físico, pois elas estão migrando para as cidades e, mais recentemente também, do ponto vista da participação nas esferas social, política e económica. Essa ausência é influenciada em grande parte pelos rígidos papeis de gênero (Instraw/ONU, 1995, p. 15)1 no meio rural, alicerçada na estrutura familiar fortemente patriarcal, na qual é reservado às mulheres o trabalho reprodutivo que está associado ao espaço privado e aos homens o trabalho produtivo e o espaço público.

García Sanz (2004) destaca a necessidade de criar alternativas de trabalho para as mulheres, evitando o aprofundamento do processo de masculinização, por meio da promoção de um espaço equilibrado entre os sexos para a manutenção sustentável das comunidades rurais. Neste sentido, a implantação de projetos de desenvolvimento rural que não contemplam as mulheres rurais e suas necessidades tendem a aumentar a probabilidade de insucesso. As políticas públicas não somente devem reconhecer o papel importante das mulheres no meio rural como parte da força laboral, mas também devem ser sensíveis ao gênero, criando condições reais de capacitá-las para que elas aumentem suas participações na vida económica, social e política nessas comunidades.

O desenvolvimento rural está associado às estratégias de sobrevivência familiares por meio da diversificação da renda (Kageyama, 2003) e dos modos de vida rurais (Ellis, 1998). A participação da mulher é fundamental dentro da estrutura familiar e para que ela possa expressar o seu potencial e contribuir para o desenvolvimento das comunidades rurais, por exemplo, ao elevar o nível de capital social, ativo intangível, e fundamental para criar uma rota de desenvolvimento. Neste sentido, o desenvolvimento rural passa necessariamente pelo maior envolvimento das mulheres nas atividades rurais das quais ainda são tradicionalmente excluídas.

O espaço rural brasileiro nos últimos 20 anos revelou-se mais complexo e menos dependente das atividades exclusivamente agrícolas. As famílias pluriativas, ou seja, com membros ocupados em atividades agrícolas e não agrícolas são interpretadas por muitos autores como uma estratégia para viabilizar a agricultura familiar, ou simplesmente como reação a situações de pobreza rural (Sacco dos Anjos, 2001; Graziano da Silva, 2002; Schneider, 2003; Souza, 2004; Nascimento, 2002; 2005). Nesse contexto de alteração das ocupações, segundo Osakabe (2005) nas famílias pluriativas a participação das mulheres ocupadas pode ser mais significativa, sustentando a pluriatividade entre os membros da família.

O trabalho destinado às mulheres é resultado de um processo cultural, guiado pelos costumes. No entanto, quando desenvolvido principalmente na esfera doméstica ou próxima a ela, tem alto grau de invisibilidade. Nas áreas rurais esta característica é ainda mais evidente, uma vez que as desigualdades de gênero são ainda mais acentuadas (Heredia e Cintrão, 2006).

No debate sobre o desenvolvimento do meio rural tanto nos estudos empíricos como na construção e implantação das políticas públicas, está ganhando importância a questão de gênero, particularmente nos aspectos relacionados à participação das mulheres no âmbito produtivo e social, principalmente, intrafamiliar na pequena produção rural. Neste sentido, a análise da evolução das ocupações exercidas por mulheres e homens agrega elementos ao debate e, principalmente, oferece subsídios para as políticas públicas. Vale destacar que as mulheres, tornando-se atoras sociais ativas do desenvolvimento da sua comunidade, poderia haver uma redução da tendência vigente de migração para as cidades e o preocupante desequilíbrio populacional entre os sexos.

De acordo com Stege (2011) ao estudar o nível de desenvolvimento rural das microrregiões brasileiras, propós oito níveis de desenvolvimento, sendo que a região Sul do Brasil a qual é formada pelos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná apresentaram 94,7% das microrregiões nos quatro maiores níveis de desenvolvimento, enquanto que a segunda região, a Sudeste apresentou apenas 51,2% das microrregiões. O desenvolvimento rural da região Sul se caracteriza pelo grande número de pequenas propriedades familiares e com diversificação das atividades (Kageyama, 2004; 2008; Melo e Parré, 2007; Stege, 2011; Orlandi, Willers, Staduto, Eberhardt e Piacenti, 2012). A estrutura familiar é fundamental para o perfil de desenvolvimento principalmente do estado do Sul do Brasil, portanto estudá-la e discutir o seu comportamento é importante para desenhar e implementar políticas públicas apropriadas para o desenvolvimento rural. Apesar das grandes similaridades entre os estado da região Sul em relação às demais regiões e homogeneidade em termos de desenvolvimento rural (Kageyama, 2008; Stege, 2011), elas têm percursos sociais, económicos e políticos particulares, os quais produzem disparidades entre eles. Portanto, estudos desses estados isoladamente e comparativamente são fundamentais para perceber estas diferenças.

Este traba lho examina o comportamento agregado das famílias rurais do estado do Paraná, Brasil. Examina especialmente a evolução dos contingentes de mulheres e homens quanto às formas de ocupações e fontes de renda no período de 2001 a 2008, privilegiando a abordagem de gênero. Nesta pesquisa as relações de gênero serão percebidas no exame do comportamento do conjunto das mulheres e homens a partir do diálogo com a vasta bibliografia sobre o tema, considerando o ponto de vista que estas relações afetam também o comportamento das famílias. A descrição das tendências do conjunto das traba lhad oras e traba lhad ores do meio rural pode ser uma importante ferramenta complementar para pensar as políticas públicas para a agropecuária nacional.

1. Procedimentos metodológicos

A unidade de análise utilizada neste trabalho é a chamadafamííia extensa. Uma tipologia foi construída a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A família extensa comporta além da família nuclear, os parentes e agregados que vivem sob o mesmo domicílio. Desta forma, procurou-se construir uma unidade de consumo e de renda das pessoas que vivem sob um mesmo teto e que partilham entre si um "fundo comum" de recursos monetários e não monetários2.

Essa opção metodológica se deve a duas razões: primeiro, a necessidade de se ter em conta a dissociação crescente entre a família e a exploração agropecuária, seja em relação à renda, seja em relação à ocupação dos seus membros, o que leva a um processo crescente de individualização da gestão da unidade de produção, mesmo naquelas regiões em que predominam pequenas explorações familiares. Segundo, que não se pode mais reduzir o rural ao setor agropecuário, seja em função das múltiplas atividades que são lá realizadas, seja porque há uma dissociação crescente entre local de moradia e local de trabalho para um determinado local ou território.

Para a construção da tipologia de famílias foram utilizados os microdados da PNAD para os anos 2001 a 2008. A inserção na atividade económica (agrícola e não agrícola) das mulheres e homens dos tipos de famílias rurais foi analisada com base nas seguintes variáveis: setor de atividade e rendimento na ocupação principal.

A pesquisa apresenta como universo de análise diferentes tipos de famílias classificadas da seguinte forma: 1) Pela posição na ocupação dos membros da família (empregador, conta-própria, assalariado): a) famílias empregadoras: se na família houver algum membro empregador, tal família é classificada como empregadora; b) famílias conta-própria: não havendo nenhum membro empregador, mas pelo menos um conta-própria, a família é compreendida como de conta-própria; c) famílias assalariadas: na ausência de empregador e de conta-própria, a família será considerada de assalariados caso algum membro esteja ocupado como tal na semana de referência da PNAD; e 2) Pelo ramo de atividade em que estão inseridos (agrícola, não agrícola, pluriativo): a) famílias agrícolas: pelo menos um membro ocupado na agricultura e nenhum outro fora da agricultura, ou todos os membros exercerem atividades agropecuárias como ocupação principal; b) famílias pluriativas: pelo menos um membro ocupado na atividade agrícola e pelo menos um outro ocupado em outro setor económico, ou exerce dupla atividade agrícola (principal e secundária) na semana de referência da pesquisa; c) famílias não agrícolas: pelo menos um membro ocupado fora da agricultura e nenhum outro na agricultura.

Em relação à situação de domicílio (rural e urbano) Graziano da Silva (2002) explica que, com o objetivo de superar a dicotomia rural-urbana, a qual prevaleceu até a última PNAD dos anos 1980, e também buscando reduzir as distorções nos dados provocadas pela não atualização dos perímetros urbanos por parte de muitos municípios, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a partir do Censo Demográfico de 1991, introduziu novas aberturas para os domicílios, de forma a captar com mais detalhes as áreas do continuum rural-urbano, mantendo a situação legal, mas também distinguindo níveis diferenciados de densidade demográfica e acesso a serviços. Desse modo, passou a incluir as seguintes situações para a localização dos domicílios pesquisados: 1) Áreas Urbanas (Urbanizadas); 2) Áreas Urbanas Não Urbanizadas; 3) Áreas Urbanas Isoladas; 4) Áreas Rurais-Extensão Urbanas (critério de contiguidade); 5) Áreas Rurais-Povoados; 6) Áreas Rurais-Núcleo; 7) Áreas Rurais- Outros; 8) Áreas Rurais-Exclusive. Para o objetivo do presente artigo analisaremos as categorias que envolvem as áreas rurais, que será o agrupamento das áreas 6 e 8. Portanto, apenas as famílias rurais residentes nas áreas não metropolitanas denominadas rurais agropecuarios, conforme metodologia aplicada por Graziano da Silva (2002).

A verificação de se existe ou não uma tendência na evolução do número de famílias e de pessoas (homem e mulher) é baseada em um modelo de regressão log-linear contra o tempo3.

2. Perfil das ocupações e rendas das mulheres e homens rurais no estado do Paraná, Brasil

A Tabela 1 apresenta a distribuição e a evolução do número dos diferentes tipos de famílias residentes nas áreas rurais agropecuárias do estado do Paraná, no período de 2001 a 2008. Observa-se na Tabela 1 que em 2008 havia 405 mil famílias no meio rural paranaense, sendo que as famílias de conta-própria eram as mais numerosas (193 mil), representando 48% das famílias rurais, as quais conceitualmente se aproximam da denominação "agricultura familiar"; e o grupo de empregados era o segundo mais numeroso (157 mil), correspondendo a 39% do total. Estes dois tipos de famílias representavam 87% das famílias rurais agropecuárias no Paraná, portanto serão examinados com mais cuidado. O número de famílias empregadoras era muito pequeno, cerca de 3%, sendo inferior ao de famílias não ocupadas, cerca de 10%.

O número de famílias residentes nas áreas rurais agropecuárias paranaenses no período analisado (2001 a 2008) teve crescimento pouco expressivo (0.4% a.a.), estatisticamente não significativo, evidenciando estabilidade do total das famílias. Esse comportamento foi o resultado, de um lado, da redução, estatisticamente significativa, do número de famílias de conta-própria (1.9% a.a.), e, por outro lado, do crescimento, estatisticamente significativo, das famílias de empregados (2.6% a.a.) e das famílias de não ocupadas (5.0% a.a.). As famílias de empregadores apresentaram estabilidade, com variações não significativas estatisticamente.

As famílias de empregados tiveram importante crescimento no período analisado, e deve-se observar que estritamente não são de produtores rurais, são de fato proletários, e o meio rural em última instância é local de moradia. Podem se beneficiar das externalidades positivas do meio rural, por exemplo, produção para o auto consumo e das taxas reduzidas de alguns serviços públicos: energia elétrica e imposto sobre a propriedade territorial. No entanto, de modo geral, potencialmente pode significar redução de bem-estar em razão da distância e das dificuldades de acesso aos centros urbanos, onde estão disponíveis os serviços de saúde, educação e lazer, além disso, pode ser mais facilmente alcançados por outras políticas públicas. Esse crescimento foi liderado pelo tipo de família não agrícola (3.6% a.a.), a qual tende a ter propensão à migração rural-urbano mais alta do que os demais tipos de famílias, pois não tem nenhum vínculo com a atividade agrícola.

Na década de 1990, período anterior a nossa análise, também houve importante crescimento das famílias de empregados, tanto que foram criadas algumas políticas de moradia rural para mitigar os problemas sociais, por exemplo, o programa do estado do Paraná das Vilas Rurais para as famílias de trabalhadores agrícolas temporários (Esser, Wadi, Staduto e Souza, 2006). Neste sentido, Souza e Del Grossi (2002) sugeriram a possibilidade do meio rural ser um lócus de moradias mais acessíveis para aposentados, pensionistas e famílias de baixa renda. As famílias de conta-própria que conceitualmente aproximam-se à definição de agricultura familiar tiveram expressiva redução (3.2% a.a), liderada pela redução estatisticamente significativa (2% a.a.) das famílias agrícolas. A tecnificação da agricultura e a terceirização de operações mecanizadas contribuyem para reduzir as necessidades de mão de obra nas atividades laborais agrícolas (Graziano da Silva, 2002; Staduto, et al., 2004). Pelo menos, parte da população agrícola excedente pode ter sido absorvida por novas atividades agrícolas e não agrícolas, explicando parcialmente a estabilização do número das famílias pluriativas e não agrícolas4 dentro do grupo das famílias de conta-própria.

Os grupos de famílias empregadoras —até dois empregados e com mais de dois empregados—, apesar das flutuações no período, não apresentaram nenhuma tendência clara de crescimento ou redução, ficando estável. Isto não significa que no futuro irão se comportar desta mesma maneira.

Na década de 1990 ocorreu forte redução do número de famílias paranaenses rurais (Souza e Del Grossi, 2002; Nascimento, 2005), pois neste período houve uma série de ajustes e choques na economia nacional que refletiram no setor agropecuário, impactando diretamente na viabilidade económica dessas famílias. Neste cenário deve-se considerar que a agricultura familiar, de modo geral, não foi beneficiada pelas políticas setoriais de tecnificação da agropecuária nacional implantadas nas décadas de 1970 e 1980. Portanto, este grupo de produtores do ponto de vista económico iniciou mais fragilizado a década de 1990 em relação aos demais produtores.

A abertura económica expós abruptamente o setor agropecuário brasileiro a concorrência externa. Em resposta a esta nova conjuntura ocorreram várias formas de ajustamento para aumentar a competitividade nacional. Desta forma, foi solidificado um novo paradigma competitivo para várias culturas, baseado na produção em grande escala e mecanizada, tornaram-se inviável para grande parte da agricultura familiar, especialmente a mais descapitalizada. O exemplo mais expressivo foi a cultura do algodão, produto cultivado por milhares de pequenos produtores, que na primeira metade da década de 1990, foi deslocada para o Centro-Oeste, em busca desta nova rota tecnológica, enfraquecendo financeiramente os produtores familiares.

A principal política setorial para os agricultores familiares é o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado na metade nos anos 1990. Nos primeiros anos de sua implantação os recursos não eram muito expressivos e abrangentes, não contribuindo efetivamente para evitar a redução ocorrida do número de famílias rurais paranaense. No entanto, na década seguinte ocorreu uma conjuntura macroeconómica mais favorável para a agricultura, e também se ampliou o espaço da agricultura familiar na agenda do Estado, traduzido pela implantação de vários programas de caráter transversais, de apoio a esses produtores rurais, os quais incluíam vários ministérios, bem como a ampliação de recursos e abrangência do Pronaf.

Segundo Nascimento (2008), este novo cenário positivo para a produção familiar foi fundamental para a reversão da redução do número das famílias rurais nos primeiros anos desse século. Souza, Nascimento e Staduto (2011) encontraram uma clara inflexão do comportamento de declínio das famílias rurais que ocorreu na década de 1990 no Rio Grande do Sul, pois no período de 2001 a 2007 constataram crescimento estatisticamente significativo de 1.1% a.a. No estado do Paraná houve a estabilização do número de famílias rurais, no período de 2001 a 2008.

Conforme ainda a Tabela 1, observa-se que no meio rural paranaense ocorreu crescimento estatisticamente significativo das famílias de empregados (2.6% a.a.) liderado pelo vigoroso aumento das famílias não agrícolas (3.6% a.a.), sendo que são apenas famílias residentes no meio rural sem vínculo nenhum com as atividades agropecuárias. A Tabela 1 apresenta fortes evidências de que deve estar ocorrendo no Paraná o processo apresentado por Nascimento (2008), ou seja, famílias de conta-própria agrícola convertem-se em pluriativas, para depois passarem a serem não agrícolas. A velocidade desta transição no meio rural paranaense parece mais acelerada em relação ao das famílias do estado do Rio Grande do Sul. Ambos estados estão localizados na região Sul do Brasil, portanto, é muito comum serem vistos e analisados como se tivessem desempenho e comportamentos sociais e económicos muito próximos. No entanto, Freitas e Bacha (2004) e Freitas et al. (2007) evidenciam ritmos de crescimento económico bastante distintos, para os dois estados, sendo que o Paraná vem apresentando crescimento bastante vigoroso e superior ao Rio Grande do Sul no setor agropecuário.

Do ponto de vista da análise de gênero, na Tabela 2 pode-se observar a forte tendência de redução, estatisticamente significativa, de 7.3% a.a. do número de mulheres ocupadas em atividades agrícolas no estado do Paraná no período de 2001 a 2008. Em 2008, cerca de 80% das mulheres ocupadas em atividades agrícolas pertenciam às famílias de conta-própria, as quais lideraram esta forte redução, com a queda de 8.6% a.a., estatisticamente significativo. Estes dados revelam a baixa capacidade do "lado agrícola" do meio rural em garantir a permanência das mulheres nas famílias rurais, ou mesmo, conforme apontaram os estudos de Camarano e Abromovay (1999) e Castro e Aquino (2008) as mulheres mais jovens do meio rural são as que tendem a migrarem em maiores proporções.

As famílias rurais são predominantemente alicerçadas na estrutura patriarcal, o que dificulta construir práticas sociais que reduzam a propensão a migrar das mulheres. As atividades agrícolas estão sob a esfera dos homens e, independentemente do grau de participação da mulher, esta sempre vista como uma ajudante (Brumer, 2006; Lombardi, 2006), e não como uma "sócia", mesmo que minoritária do empreendimento familiar. Isto se traduz em reduzida participação feminina nas decisões sobre as atividades produtivas da propriedade. Mesmo que elas executem tarefas laborais importantes para a geração de renda, prevalecem as relações sociais intrafamiliares, que reservam o espaço reprodutivo para as mulheres e o produtivo para os homens. A estrutura de decisão do planejamento e da administração das atividades agropecuárias é construída pelas disposições sociais que privilegiam o patriarcado, o qual estabelece relações de poder favorável ao homem e enfraquece o poder de barganha intrafamiliar da mulher.

A Tabela 3 apresenta a evolução do número de mulheres ocupadas em atividades não agrícolas no estado do Paraná. Em 2008, havia 86 mil mulheres em ocupações não agrícolas. Apesar de o número de mulheres nesta ocupação ser inferior em relação as que estavam ocupadas em atividades agrícolas (112 mil), no entanto, tiveram robusto crescimento de 5.3% a.a., significativo estatisticamente, no período analisado (2001-2008). Para as mulheres ocupadas nas atividades não agrícolas, o grupo de famílias de empregados tinha maior participação delas em 2008, cerca 55%, e com crescimento mais vigoroso (6.0% a.a) do que nas famílias de conta-própria (3.2% a.a.), ou seja, a agricultura familiar.

A maior participação das mulheres no mercado de trabalho não agrícola, no período analisado, coincide com o forte aquecimento da economia brasileira expresso pelo aumento do trabalho formal e o crescimento do salário médio e do salário mínimo, tornando-se muito atrativo para trabalhadores, assim como as traba lhad oras da agricultura familiar que têm altíssimo grau de informalidade. Do ponto de vista pessoal para as mulheres que trabalhavam na agricultura familiar pode ser avaliado como uma ascensão social e económica por meio da participação do mercado de trabalho formal, porque podem criar importantes oportunidades de novas sociabilidades quando elas entram em contato com as instituições do trabalho.

Por outro lado, sob a ótica do desenvolvimento rural deve-se considerar que está em curso um processo de relativa deterioração da estrutura familiar da pequena propriedade e o prematuro e acelerado esvaziamento populacional liderado pelas mulheres, o que pode comprometer a estabilidade das comunidades rurais, mesmo que inicialmente aumente a renda familiar como demonstram várias pesquisas5. Além disso, deve-se levar em conta o potencialmente aumento da propensão das mulheres migram para os centros urbanos resultado da atração dos centros urbanos e a precariedade social e económica do trabalho no meio rural. Este processo parece muito verossímil visto que o menor número de mulheres no meio rural já pode estar refletindo na redução do número de famílias no meio rural. Contudo, pelo menos por enquanto, o processo de esvaziamento não é necessariamente inexorável, mas apenas tendencial no período analisado.

Para o meio rural do estado do Rio Grande do Sul, Souza et al. (2011) encontraram resultados semelhantes ao paranaense: o forte crescimento de mulheres ocupadas em atividades não agrícolas no grupo de família de empregados. No Rio Grande do Sul em termos de proporção as mulheres no grupo de famílias de conta-própria são muito superiores ao de empregados, por outro lado, no rural paranaense essa relação é desfavorável para a agricultura familiar. Este dado é importante para o Paraná, porque revela que está em curso um processo mais intenso de as trabalhadoras agrícolas perderem vínculo com a atividade agrícola do que estava ocorrendo no Rio Grande do Sul.

As políticas públicas direcionadas às mulheres devem ser sensíveis ao gênero, com o intuito de aumentar o poder de barganha da mulher no núcleo familiar para criar novas motivações e compensações para elas participarem das ocupações agrícolas. As estratégias de desenvolvimento das comunidades rurais estão baseadas em grande parte na dinamização do capital social, neste sentido, de aumentar o empoderamento das mulheres nas esferas privada e pública por meio dos programas transversais que contribuam para elas serem agentes promotoras do desenvolvimento.

A importância da pluriatividade como motivadora do questionamento dos papéis e das relações de gênero entre os casais agricultores é controversa na literatura. De acordo com Gasson e Winter (1992), muitos sociólogos rurais acreditam nessa motivação. Porém, as autoras têm uma visão negativa sobre esta situação porque, nessas circunstâncias as mulheres somente aumentariam a carga de trabalho para contribuir com as despesas da propriedade, sem que desfrutem de aumento expressivo de poder em intervir nas atividades realizadas.

A diversidade de estratégias intensificada pela combinação de ocupações agrícolas e não agrícolas parece que teve forte adesão das mulheres e com clara tendência de crescimento. Porém, não há uma relação linear entre as oportunidades de as mulheres gerarem e apropriarem-se da renda no meio rural, bem como com a capacidade de problematizarem os papeis de gênero. No caso em que as mulheres geram renda distante do espaço masculino, pode aumentar o poder de barganha intrafamiliar para que elas possam participar da renda e no planejamento das tarefas produtivas da propriedade.

Em 2008 havia 635 mil pessoas ocupadas no meio rural paranaense, sendo que 437 mil eram homens, o que correspondia a 69% do total da mão de obra ocupada, e destes, 342 mil homens estavam ocupados nas atividades agrícolas (Tabela 4), correspondendo a 78.3% do total de homens ocupados. Observa-se que as mulheres rurais ocupadas em atividades agrícolas são em proporções bem menores (56.6%, no total de mulheres ocupadas) comparativamente ao dos homens. Entre 2001 e 2008 ocorreu forte redução do número de homens ocupados nas atividades agrícolas de 3.2% a.a., estatisticamente significativa, mas, mesmo assim, em ritmo menor do que a redução das mulheres (7.3% a.a.). Esta forte queda é liderada pela redução desses homens nas famílias de conta-própria (4,6% a.a.) que representa cerca de 64.0% da população masculina ocupada nesta atividade em 2008. O número de empregados agrícolas homens ficou estável (sentido estatístico) no período analisado, semelhante às mulheres, no mesmo período. No cenário geral, as atividades agrícolas não têm conseguido criar postos de trabalho para ocupar a população paranaense, principalmente para as mulheres.

Pode-se verificar na Tabela 5 que, em 2008, 95 mil homens estavam ocupados em atividade não agrícola. Esse total correspondia a 21.7% dos trabalhadores homens ocupados no meio rural agropecuário paranaense. É uma tendência de crescimento de 1.5% a.a., significativo estatisticamente. No entanto, a magnitude da taxa de crescimento é inferior ao das mulheres (5.3% a.a.).

Nas famílias de empregados está o maior contingente de homens ocupados em atividades não agrícolas (55 mil homens), assim como para as mulheres, em 2008, que é diferentemente do meio rural do Rio Grande do Sul, conforme mostraram Souza et al. (2011), onde a maioria de homens e mulheres ocupados em atividades não agrícolas está na agricultura familiar (famílias de conta-próprias). A taxa de crescimento do número de homens ocupados nas atividades não agrícolas nas famílias de empregados (2.4% a.a.) é superior em relação à taxa de crescimento dos homens ocupados na agricultura familiar (-0.9% a.a.), no período analisado. Isto é uma situação interessante e preocupante, pois o grupo de empregados na verdade não é mais agricultor, o meio rural é utilizado apenas como residência. Muitos desses trabalhadores fazem o rotineiro movimento pendular casa-trabalho-casa, podendo ser o local de trabalho os centros urbanos das cidades do interior. Este movimento pode acarretar a migração definitiva6, contribuindo para o processo de esvaziamento do meio rural.

A Tabela 6 apresenta as informações relativas à contribuição das mulheres e homens na composição das rendas médias familiares, segundo o tipo de família nas áreas rurais do estado do Paraná no ano de 2008. A principal fonte de renda dos homens é agrícola, e corresponde quase à totalidade dessa fonte de renda, o que equivale a 53.5% do total da renda familiar. Por outro lado, para as mulheres a principal fonte de renda são as aposentadorias e pensões, e corresponde 9.5% do total da renda familiar, e para elas a renda não agrícola é segunda fonte mais importante, e a renda agrícola é pouco expressiva.

Os resultados, no seu conjunto, confirmam o importante papel social e económico desempenhado pelas rendas oriundas das transferências sociais no meio rural, como já analisado por outros trabalhos (Delgado e Cardoso, 2000). As mulheres rurais, a partir de intensa mobilização obtiveram importantes conquistas para obtenção da aposentadoria, reduziram a idade para obter a aposentaria para 55 anos; já os homens se aposentam a partir de 60 anos, direito previsto na Constituição de 1988 e regulamentado pelas Leis 8212 e 8213 de 1991 (Brumer, 2002; Heredia e Cintrão, 2006; Kreter e Staduto, 2013). Antes da Constituição de 1988 existia aposentadoria por idade para a trabalhadora rural, mas as mulheres perdiam este direito de se aposentar a partir do momento que passavam a viver maritalmente com seu cônjuge, pois o benefício era apenas concedido ao chefe da família. A partir 1991 a comprovação do exercício da atividade rural, mesmo de forma descontínua, era necessária para pudessem ser concedidas a aposentadoria por idade às mulheres da agricultura familiar como traba lhad ora rural (Kreter e Bacha, 2006).

Assim como Souza et al. (2011) constataram para o Rio Grande do Sul, as mulheres do Paraná tinham esperança de vida superior (77.9 anos) a dos homens (71.6 anos), em 2008 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010). A maior longevidade das mulheres e a aposentadoria mais precoce contribuyem para a maior participação das aposentadorias e pensões na renda delas. Apesar deste dado favorável para as mulheres, Kreter e Bacha (2006) constataram que havia viés na concessão das aposentadorias em favor dos homens em relação às mulheres, muitas das trabalhadoras não usufruíram o direto de aposentar por idade com a simplificação da legislação brasileira. A comprovação de trabalhar no setor agropecuário ainda é uma importante barreira para que todas as mulheres tenha este direito (Kreter e Staduto, 2013).

Os homens são os maiores responsáveis pela formação da renda familiar no meio rural paranaense, seja do ponto de vista das fontes de renda do trabalho agrícola, seja do ponto de vista das demais fontes -não agrícola e outras fontes-, exceto das aposentadorias e pensões. Percebe-se que as mulheres ainda estão muito distantes de equalizar as suas rendas com a dos homens, mesmo considerando que elas proporcionalmente são em menor número. Pode-se também observar que a renda do trabalho, ou seja, as atividades agrícolas e não agrícola, para as mulheres corresponde apenas 11.9% do total da renda familiar, e eleva-se para 23.3%, considerando todas as rendas7.

A participação da renda agrícola para as mulheres é muito menor em relação aos dos homens. Isto é uma constatação bastante verossímil, no entanto, não garante que reflita o empenho laboral dessas mulheres principalmente na propriedade familiar (conta-própria). Os papeis de gênero culturalmente e socialmente construídos estabelecem que cabem às mulheres o trabalho reprodutivo circunscrito no âmbito privado -o espaço doméstico- e o produtivo aos homens. No entanto, como evidenciaram Abramovay e Da Silva (2000), há certa dificuldade em distinguir entre as atividades de produção e reprodução, dificultando a contabilidade da renda indireta do auto-consumo e a venda do seu excedente. Além disso, deve-se considerar a qualidade da informação do banco de dados da PNAD que está francamente subordinada ao tipo de relação existente entre mulheres e homens. Mesmo que as mulheres tenham intensa participação e empenho laboral na produção agropecuária na propriedade rural, o produto do seu esforço será majoritariamente transferido ao homem e considerado a sua renda, em razão desta renda ter sido gerada no espaço considerado dos homens.

As mulheres potencialmente geram renda, mas não se apropriam dela. Do ponto de vista do desenvolvimento das comunidades rurais isto pode gerar impactos importantes. Segundo Monsen (2004), normalmente, grande parte da renda da mulher é direcionada à educação e alimentação dos demais membros das famílias sem renda, tais como os filhos, que permite reduzir o risco social da família.

3. Considerações finais

Este traba lho examinou as formas de ocupações e fontes de renda de mulheres e homens das famílias das áreas rurais do estado do Paraná, Brasil, no período de 2001 a 2008, privilegiando a abordagem de gênero. Especificamente procurou verificar a atividade das mulheres em vários tipos de famílias (agrícola, pluriativa e não agrícola) segundo a posição na ocupação (empregador, conta-própria e empregado). Considerou-se um contexto de mudanças nas ocupações rurais e no perfil da migração rural-urbano e, segundo a literatura, é mais intensa entre jovens do sexo feminino, gerando relativa masculinização e envelhecimento da população do campo.

As análises realizadas ao longo do trabalho permitiram apresentar três conclusões. A primeira conclusão é a relativa reversão da queda do número de famílias rurais paranaenses em relação à década 1990, pois no período de 2001 a 2008 foi constatada estatisticamente a estabilização no número dessas famílias rurais. Por outro lado, as políticas públicas transversais para a agricultura familiar não foram suficientes para estancar a redução do número das famílias de conta-própria. No entanto, as políticas contribuíram para estabilizar o número de famílias pluriativas, mas não o suficiente para reduzir o forte crescimento da proletarização das famílias rurais paranaense.

A segunda conclusão é que a redução das ocupações agrícolas afeta mais intensamente as mulheres. De acordo com a literatura as disposições sociais vigentes no meio rural contribuyem para as mulheres migrarem para as cidades, as quais criam dificuldades nas vidas das mulheres agricultoras: tanto do ponto de vista de suas vidas pessoais enquanto membro do núcleo familiar quanto do ponto de vista produtivo. A participação das mulheres nas ocupações agrícolas teve forte redução. A ocupação não agrícola no grupo de famílias de conta-própria (agricultura familiar) e no grupo de empregados está tornando-se grande "refúgio" ocupacional para as mulheres gerarem e obterem renda morando no meio rural, distante do espaço laboral masculino. Isto pode contribuir para reduzir a predisposição de as mulheres migrarem para a cidade.

A terceira conclusão é que os homens ainda são os maiores responsáveis pela formação da renda familiar, tanto do ponto de vista das fontes de renda do trabalho, como das outras fontes de renda, exceto aposentadoria e pensões. Por outro lado, as transferências governamentais -aposentadorias e pensões- são as principais fontes de renda das mulheres.


Rodapé

1Para o Instraw/ONU, "genero éum conceito que se refere a um sistema depapeis e de relações entre mulheres e homens, os quais não são determinados pela biologia, mas pelo contexto social, político e econômico. O sexo biolo'gico é dado pela natureza; o genero éconstruído".
2Ver mais detalhes metodológicos em Nascimento (2005).
3Ver mais detalhes em Neder (2000).
4As famílias de conta-própria não agrícolas são as que moram no meio rural e seus membros não são agricultores e não são proletárias, entretanto, elas possuem geralmente em suas propriedades um pequeno negócio classificado em outros setores da atividade rurais, por exemplo, comércio, mecânica, pesque-pague, produção de artesanato e entre outras atividades.
5Por exemplo, Nascimento (2005; 2007) e Souza (2004).
6Ver mais detalhes sobre o movimento pendular nos municípios do interior em Stamm e Staduto (2008). A Tabela 6 apresenta as informações relativas à contribuição das mulheres e homens na composição das rendas médias familiares, segundo o tipo de família nas áreas rurais do estado do Paraná no ano de 2008. A principal fonte de renda dos homens é agrícola, e corresponde quase à totalidade dessa fonte de renda, o que equivale a 53.5% do total da renda familiar. Por outro lado, para as mulheres a principal fonte de renda são as aposentadorias e pensões, e corresponde 9.5% do total da renda familiar, e para elas a renda não agrícola é segunda fonte mais importante, e a renda agrícola é pouco expressiva.
7A fonte de dados utilizados para dimensionar as fontes de renda, a PNAD, não discrimina entre aposentadoria e pensões e, sobretudo qual é a origem da aposentadoria, se é por idade ou por contribuição por tempo por serviço. Para uma discussão mais detalhada ver Kreter e Staduto (2013).


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