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Papel Politico

Print version ISSN 0122-4409

Pap.polit. vol.21 no.2 Bogotá July/Dec. 2016

https://doi.org/10.11144/Javeriana.papo21-2.fdhe 

Ciencia política

Fundamentação dos direitos humanos a partir da ética discursiva habermasiana*

Fundamentacion de los derechos humanos a partir de la ética discursiva habermasiana

The Foundation of Human Rights from Habermasian Discursive Ethics

Andrei Zanon **  

Marcio G. Trevisol ***  

**Pontificia Universidad Javeriana (Colombia). Correo electrónico: azanon@javeriana.edu.co

***Universidade do Oeste de Santa Catarina (Brasil). Correo electrónico: marcio.trevisol@unoesc.edu.br


Resumo

O presente estudo pretende analisar a fundamentação dos direitos humanos a partir da perspectiva habermasiana da ética discursiva. No livro Direito e democracia (2003), o autor apresenta um sistema de direitos construídos a partir do princípio do discurso, do princípio da democracia e da forma jurídica que introduz cinco categorias de direitos fundamentais. Esses direitos são denominados absolutos e relativos. Tendo em vista esses grupos de direitos a objetividade do artigo está localizada na tentativa de situar a discussão habermasiana dos direitos humanos na esfera do Direito. Habermas localiza sua discussão sobre a legitimidade dos direitos humanos em sociedades democráticas e altamente diversas e plurais. Sua perspectiva é traçar um diagnóstico seguro que possa sustentar um conjunto de direitos a partir da ação comunicativa. A inovação hebermasiana reside na racionalidade de compreender que a fundamentação de um conjunto de direitos somente é possível através da linguagem como condição para o consenso. A condição da linguagem permite formalizar o consenso de forma intersubjetiva que supera a fragmentação, o relativismo e a dogmatização e estabelece a condição democrática como elemento essencial para definir os direitos humanos. Ao fundamentar teoricamente o conjunto de direitos humanos a partir da ética discursiva será possível lançar um olhar crítico sobre o processo de legitimação dos direitos humanos. A ética discursiva efetiva os direitos.

Palavras-chaves: direitos humanos; ética discursiva; legitimação

Resumen

En este estudio, se pretende analizar el fundamento de los derechos humanos en la ética discursiva desde una perspectiva habermasiana. En el libro Derecho y Democracia (2003), el autor introduce un sistema de derechos que se construye a partir del origen del discurso, de la democracia y de la dimensión jurídica, sustentada en cinco grandes categorías fundamentales de derechos fundamentales. Estos derechos se denominan absolutos y relativos. Teniendo en cuenta tales grupos de derechos, el objetivo del artículo es procurar situar la discusión habermasiana de los derechos humano en la esfera del derecho. Habermas sitúa el debate sobre la legitimidad de los derechos humanos en sociedades democráticas altamente diversas y pluralistas. Su perspectiva es trazar un diagnóstico seguro que pueda sustentar un conjunto de derechos a partir de la acción comunicativa. La innovación habermasiana radica en la racionalidad de comprender que la fundamentación de un conjunto de derechos solo es posible a través del lenguaje como condición para el consenso. La condición del lenguaje permite formalizar el consenso de una manera intersubjetiva que supera la fragmentación, el relativismo y la dogmatiza- ción, y establece una condición democrática como elemento esencial para definir los derechos humanos. Al fundamentar teóricamente este conjunto de derechos, desde una ética discursiva, valorando el diálogo, es posible una mirada crítica a su proceso de legitimación. La tensión entre legalidad y legitimidad es vital y necesaria para garantizar el proceso de legitimización de los derechos humanos. La ética discursiva hace eficaces los derechos.

Palabras clave: derechos humanos; ética discursiva; legitimación

Abstract

This study aims to analyze the foundation of human rights from the Habermasian perspective of discursive ethics. In the book Law and Democracy (2003), the author presents a system of rights constructed from the origin of discourse, the principle of democracy and the legal form that introduces five categories of fundamental rights. These rights are called absolute and relative. Given these groups of rights, the aim of the article is to situate Habermas’ human rights debate in the sphere of law. Habermas focuses his discussion on the legitimacy of human rights in highly diverse and pluralistic democratic societies. His perspective is to draw a safe diagnosis that can sustain a set of rights from communicative action. The Habermasian innovation lies in the rationality of understanding that the foundation of a set of rights is only possible through language as a condition for consensus. The condition of language allows us to formalize the consensus in an intersubjective form that overcomes fragmentation, relativism and dogma, and establishes a democratic condition as an essential element to define human rights. Theoretically grounding this set of human rights from discursive ethics, enables a critical view on the process of their legitimization. The tension between legality and legitimacy is vital and necessary for guaranteeing the process of legitimization of human rigths. Discursive ethics makes rights effective.

Keywords: human rights; discourse ethics; legitimation

Introdução

O atual momento histórico nos coloca frente a inúmeros desafios de ordem social, política, econômica e cultural que cobram do indivíduo e da humanidade um compromisso planetário capaz de superar as barbáries que a sociedade é acometida. As barbáries contra a humanidade são históricas, mas especialmente, no século XX e XXI ficam em evidência com a segunda guerra mundial, apartheid, os atentados terroristas, as ditaduras, o extermínio de direitos políticos, as perseguições religiosas e culturais, a exclusão social, a miséria dentre outras. Essas violações fazem a humanidade buscar um conjunto mínimo de direitos que devem ser garantidos e protegidos diante de situações adversas.

A ideia de fundamentar um conjunto de direitos humanos é histórica e dialética. É histórica, pois, desde os jusnaturalistas a humanidade esforça-se para determinar certos direitos que devem ser inalienáveis e protegidos para além da soberania dos Estados e, dialética porque é um campo de intenso conflito e mudança. Os direitos humanos são conquistas que se dão através de luta, no entanto, não são acabados estão sempre abertos ao novo e ao diferente.

Na esteira da discussão sobre os direitos humanos Habermas propõem conceitos importantes para discutir a questão da legitimidade dos direitos humanos. Na obra, “Direito e Democracia” (2003), o autor estabelece uma ligação entre a forma positiva do direito com a garantia institucionalizada de um conjunto de direitos humanos. Esses direitos são chamados de absolutos e relativos. Tendo em vista esses grupos de direitos, o presente artigo pretende, como objetivo principal, analisar a diferença entre as duas maneiras de fundamentar os direitos defendidos por Habermas na gênese lógica desse sistema de direitos. Para tanto, o artigo será divido em duas partes. Na primeira, abordaremos a questão dos direitos humanos a partir da fundamentação da ética discursiva. Na segunda, desenvolveremos a tese dos direitos humanos absolutos e relativos defendidos por Habermas.

A legitimidade dos direitos humanos passa pelo reconhecimento dos sujeitos. A fundamentação desses direitos encontra-se na teoria do discurso, a qual se desdobra no princípio do discurso, na forma do direito e no princípio da democracia. Esses conceitos são fundamentais para entender a complexa forma de fundamentação dos direitos humanos dada por Habermas.

Fundamentação dos direitos humanos a partir da teoria do discurso

O direito para Habermas deve considerar não somente a institucionalização de uma formação da vontade política, mas também proporcionar o próprio médium no qual essa vontade pode expressar-se de forma livre entre os participantes do direito. A fundamentação de um sistema de diretos deve contemplar a autonomia privada, garantia de liberdade de ação e autonomia pública como um processo racional democrático discursivo de formação intersubjetiva da opinião e da vontade. Esse processo é garantido pelo direito

de participação democrática. A eficácia desse sistema de direitos é baseada, segundo Habermas, nos conceitos de forma jurídica, princípio do discurso e o princípio da democracia. A citação a seguir, expressa a ideia básica da construção da filosofia do direito em Habermas.

[...] o princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica. Eu vejo esse entrelaçamento como uma gênese lógica de direitos, a qual pode ser construída passo a passo. Ela começa com a aplicação do princípio do discurso ao direito de liberdades subjetivas de ação em geral - constituindo para a forma jurídica enquanto tal - e termina quando acontece a institucionalização jurídica de condições para um exercício discursivo da autonomia política, a qual pode equiparar retroativamente a autonomia privada, incialmente abstrata, com a forma jurídica. Por isso, o princípio da democracia só pode aparecer como núcleo de um sistema de diretos. A gênese lógica desses direitos forma um processo circular, no qual, o código do direito e o mecanismo para a produção de direito legítimo, portanto o princípio da democracia, se constituem de modo co-originário. (Habermas, 2003, p. 138)

O princípio da democracia pretende responder a questão da legitimidade do direito. Para Habermas, a legitimidade do direito se encontra no reconhecimento das normas e leis juridicamente fundamentadas pelos próprios destinatários. Por isso, é fundamental construir canais que possibilitem que os sujeitos se sintam participantes da elaboração do direito positivo. Neste contexto, o princípio da democracia interliga a forma jurídica (leis positivas) com o princípio do discurso construído pelos destinatários do direito. O princípio da democracia é o elo entre a forma jurídica e a princípio do discurso.

Por forma jurídica, estabelece-se um domínio de liberdade de escolha que tem consequências estruturais para as modernas ordens jurídicas. Para Dutra, “a forma jurídica pode ser entendida a partir do modelo Kantiano de diferenciação entre direito e moral. Dessa distinção, resulta a forma jurídica que é constituída para liberdade subjetiva de ação e coação” (2005, p. 255). De acordo com o autor, a forma jurídica é dada formalmente pelas leis positivas.

O princípio do discurso está ligado ao conceito de racionalidade comunicativa e permite a participação dos envolvidos no processo de formulação de leis, direitos e normas. O princípio do discurso é definido por Habermas da seguinte forma: “São válidas as normas de ação ás quais todos os possíveis atingidos poderiam dar seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais” (2003, p. 142). Neste caso, o princípio do discurso pretende levar a um consenso que se dá através do uso da linguagem. A formulação discursiva deve ser neutra do ponto de vista moral.

O “discurso racional” é toda a tentativa de entendimento sobre as pretensões de validade problemáticas, na medida em ele se realiza sob condições da comunicação que permitem o movimento livre de temas e contribuições, informações e argumentos no interior de um espaço público constituído através de obrigações ilocucionárias (Habermas, 2003, p. 142)

O princípio do discurso pode ser de duas formas, a saber, como princípio de universalização ligado a moral e o princípio da democracia ligado ao direito. O princípio da democracia, que neste momento nos interessa, resulta da interligação do princípio do discurso e a forma jurídica. A forma jurídica é constituída para estabilizar os conflitos sociais. Essas determinações são positivas e verticalizadas. A legitimidade da forma jurídica está no reconhecimento dos destinatários dessas leis que é possível através do princípio da democracia. O princípio da democracia significa que “[...] somente podem pretender validade os parceiros do direito, num processo jurídico de normatização discursiva” (Habermas, 2003, p. 145). A legitimidade do direto encontra-se na formulação do princípio do discurso. O direito, segundo Habermas, não pode derivar de um direito moral superior, mas deve emanar da autonomia dos cidadãos. A estabilidade do ordenamento jurídico em uma sociedade pluralista é possível pelo procedimento democrático. Pelo princípio da democracia, os sujeitos de direitos são capazes de examinar quais os direitos são válidos para a convivência social. Enquanto sujeitos de direito, devem acatar a prática da autolegislação no médium do próprio direito. Para Habermas:

[...] eles têm que institucionalizar juridicamente os próprios pressupostos comunicativos e os procedimentos de um processo de formação da opinião e da vontade, no qual é possível aplicar o princípio do discurso. Por conseguinte, o código de direito, levado a cabo o auxílio do direito geral a liberdades subjetivas de comunicação e de participação, os quais garantem um uso público e qualitativo de liberdades comunicativas. (2003, p. 145)

Neste sentido, o princípio do discurso assume a figura jurídica de um princípio da democracia. É verdade, que autolegislação de cidadãos não pode ser deduzida, simplesmente, de uma autolegislação moral particular. O princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica. (Habermas, 2003, p. 319). No princípio da democracia aparece como núcleo de um sistema de direitos. Com esse processo fica estabelecida a diferença entre normas jurídicas e demais normas de ação. Enquanto o princípio moral baseia a fundamentação de suas leis e normas de ação na justificação a partir da experiência moral, o princípio da democracia pretende legitimar as ações a partir do direito, isto é, o princípio da democracia garante o entendimento e o consenso sobre normas de ação institucionalizadas que devem fornecer integração entre os sujeitos em uma sociedade pluralista. Por esse fato, o princípio da democracia não deve apenas estabelecer um processo de normatização, mas também orientar a produção do próprio médium do direito. É necessário criar não somente o sistema dos diretos, mas também um sistema de linguagem que permite à comunidade entender-se enquanto associação voluntária de membros do direito igual e livre (Habermas, 2003, p. 146).

Esses aspectos analisados apontam que não se deve apenas institucionalizar uma formação da vontade política racional, mas deve-se proporcionar canais participativos que possam garantir um médium na qual a vontade pode ser expressa como vontade comum de membros que participam de uma associação livremente associada. Neste caso, a fundamentação dos direitos humanos precisa ser analisada a partir dos mecanismos que possibilitam o entendimento de certos direitos construídos intersubjetivamente em uma comunidade. Nesse processo de criação dos direitos humanos são pensados a partir do princípio do discurso, da forma jurídica e do princípio da democracia.

[...] os direitos humanos, segundo sua estrutura, permanecem a uma ordem do direito positivo e coercitivo o que fundamenta reivindicações jurídicas subjetivas que podem se reclamadas em juízos. Em tal medida, é inerente ao sentido dos diretos humanos o fato que exigiram para si o status de direitos fundamentais cuja observância se deve assegurar no âmbito de uma ordem jurídica subsistente, seja ela nacional, internacional ou global. (Habermas, 2007, p. 22)

Portanto, se os direitos humanos possuem status de direitos fundamentais, então, podemos entender os direitos humanos a partir de uma teoria do discurso. Essa fundamentação é absoluta, pelo menos para a maior parte dos direitos humanos fundamentais. Neste ponto, aparece uma questão central trabalhada por Habermas. O sistema de direitos fundamentais não pode ser simplesmente institucionalizado a partir da vontade política racional, mas deve ser pensado a partir dos próprios destinatários de tais direitos. O conjunto de direitos deve expressar como vontade comum de sujeitos livremente associados. Em outras palavras, os direitos humanos devem ser construídos através de um processo intersubjetivo que reconhece através da participação democrática as liberdades individuais, a autonomia pública e diferenças culturais. Na próxima seção trabalharemos a questão da fundamentação absoluta e relativa dos direitos humanos na perspectiva habermasiana.

Construção absoluta e relativa dos Direitos Humanos em Habermas

A fundamentação dos direitos humanos para Habermas deve garantir a ligação entre a autonomia privada e pública dos cidadãos. O sistema jurídico deve contemplar os direitos fundamentais que os cidadãos são obrigados a se atribuir mutuamente, caso queiram regular sua convivência com os meios legítimos. Pois bem, como proporcionar a participação dos destinatários desses direitos em um processo democrático? Essa é a questão que Habermas pretende responder. Os direitos fundamentais estão ligados à ideia de autolegislação de civis exige que aqueles que estão submetidos ao direito, na qualidade de destinatários, possam entender-se também enquanto autores do direito. (Habermas, 2003, p. 157). O direito encontra força legitimadora em um tipo de coer- ção jurídica que garante certos motivos racionais de obediência do direito, em outras palavras, o direito positivo não pode obrigar os seus destinatários a obediência sem garantir o mínimo de autonomia e participação democrática no processo de construção do direito positivo. Para responde essa inquietação com referência aos direitos humanos Habermas garante o princípio do discurso.

Por isso, introduzi um princípio do discurso, que é indiferente em relação à moral e ao direito. Esse princípio deve assumir - pela via da institucionalização jurídica - a figura de um princípio da democracia, o qual possa conferir força legitimadora ao processo de normatização. A ideia básica é a seguinte: o princípio da democracia resulta de interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica (Habermas, 2003, p. 158).

O princípio da democracia aparece como um núcleo de sistemas de direitos. Neste sentido, a interligação entre a forma jurídica dará gênese lógica a um sistema de direitos, constituídos por um conjunto de cinco direitos fundamentais, os que devem gerar o próprio código jurídico (Dutra, 2005, p. 277). Então se partirmos da institucionalização de direitos fundamentais não poderá haver qualquer direito legítimo sem um discurso consensual sobre esses direitos fundamentais. A interligação entre o princípio do discurso, a forma jurídica e o princípio da democracia dará o sistema de direitos fundamentais.

Essa interligação terá como resultado a gênese lógica de um sistema de direitos constituído por um conjunto de direitos fundamentais que contemplam boa parte dos direitos humanos elencados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela começa com a aplicação do princípio do discurso ao direito de liberdades de ação subjetiva em geral - constitutiva para a forma jurídica - e termina quando acontece a institucionalização jurídica das condições para o exercício discursivo da autonomia política. Essa é, na perspectiva de Habermas, a relação interna existente entre democracia e direitos humanos (Tonetto, 2005, p. 123).

Fica evidente com a colocação que é possível construir um conjunto de direitos fundamentais a partir da intersubjetividade mediada linguisticamente pelo princípio da democracia que aparece como núcleo de um sistema de direitos. O sistema de direitos deve precisar certos direitos que os cidadãos são obrigados a atribuir-se reciprocamente, caso queiram regular legitimamente sua convivência com os meios do direito positivo. Desse modo, os direitos fundamentais passaram a ser construídos pelo princípio da democracia que interliga o princípio do discurso a forma jurídica. Para Habermas, o conceito de “forma jurídica”, que estabiliza as expectativas sociais de comportamento do modo como foi dito, e o princípio do discurso, à luz do qual é possível examinar a legitimidade das normas de ação em geral [...]. (Habermas, 2003, p. 159).

Os direitos fundamentais para Habermas podem ser agrupados em cinco categorias básicas:

(1) Direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do direito à maior medida possível de iguais liberdades subjetivas de ação.

Esses direitos exigem como correlatos necessários:

(2) Direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do status de um membro numa associação voluntária de parceiros do direito;

(3) Direitos fundamentais que resultam imediatamente da possibilidade de postulação judicial de direitos e da configuração politicamente autônoma da proteção jurídica individual. (Habermas, 2003, p. 159)

As três formas expressas de direitos têm a origem na aplicação do princípio do discurso que atua como médium para a forma jurídica. Esses direitos regulam as relações entre civis livremente associados, antes de qualquer regulamentação ou organização do poder do Estado, contra o qual os civis devem proteger-se. Os conjuntos de direitos expressos garantem a autonomia dos sujeitos jurídicos à medida que estes são destinatários das leis. Habermas cita como exemplos no item (1), os direitos liberais clássicos como a dignidade do homem, à liberdade, à vida e integridade física da pessoa, à liberdade de escolha da profissão, à propriedade, à inviolabilidade da resistência. Para Dutra, “a igualdade é o princípio de legitimação, de justiça: “a simples forma dos direitos subjetivos não permite resolver o problema da legitimidade dessa lei” (2005, p. 228). A legitimidade do código de direito moderno encontra-se no princípio do discurso, o qual, possibilita uma maior medida possível de participação de iguais liberdades de ação subjetiva. Nesta perspectiva, a fundamentação dos direitos humanos habermasiana supera a forma Kantiana de fundamentação dos direitos humanos a partir do imperativo categórico. Para Kant, a fundamentação dos direitos humanos como lei geral dá-se pelo reconhecimento racional do indivíduo. Já para Habermas a legitimidade dos direitos humanos como lei geral dá-se pela forma linguística expressa no princípio do discurso.

O item (2) apresenta um direito fundamental o pertencimento a um grupo social, ou seja, a identidade como membro de uma comunidade. Esses direitos também provem do princípio do discurso. Como exemplo, o autor cita os direitos de proibição da extradição, o direito ao exílio e a participação política.

Em comunidades organizadas na forma de Estado, tais direitos assumem a forma de direitos de participação no Estado. Os aspectos exteriores da pertença ao Estado, que se apoiam no reconhecimento do respectivo Estado, não nos interessa aqui. Segundo eles, o status de membro forma a base para a atribuição das posições jurídicas materiais que perfazem o status de um civil no sentido da cidadania. Da aplicação do princípio do discurso resulta que cada um deve ser protegido contra a subtração unilateral dos direitos de pertença; porém ele deve ter o direito de renunciar ao status de membro. O direito à imigração implica que a pertença a uma associação deve repousar sobre um ato de aceitação por parte do sócio (ao menos suposto). Ao mesmo tempo, a imigração, portanto, a ampliação à comunidade de direito através de estrangeiros que desejarem obter direitos de associação, implica uma regulamentação que seja de interesse simétrico tanto dos membros como dos candidatos. (Habermas, 2003, p. 161).

O status de membro de uma comunidade é inalienável. O princípio do discurso auxilia na perspectiva de reconhecimento do status do sujeito no grupo, mas em especial os diretos relativos ao exílio político ou o direito de não ser extraditado. Esses direitos estão presentes no Brasil. Por um lado, as questões de extradição política envolvendo agentes políticos acusados de corrupção, e, por outro lado, o número de estrangeiros que fugindo da miséria de seus países entram nas fronteiras e passam a ser reconhecidos pelo Estado de Direito Brasileiro.

No item (3), Habermas expõe a ideia de igualdade perante a lei.

A institucionalização jurídica do código de direito exige, finalmente, a garantia dos caminhos jurídicos, pelos quais a pessoa que se sentir prejudicada em seus direitos possa fazer valer suas pretensões. [...] À luz do princípio do discurso, é possível fundamentar direitos elementares a justiça, que garantem a todas as pessoas igual proteção jurídica, igual pretensão a ser ouvida, igual aplicação do direito, portanto, o direito de serem tratadas como iguais perante a lei, etc. (Habermas, 2003, p. 162).

Neste sentido, o princípio do discurso atuaria na garantia do tratamento igual perante a lei. Como exemplos históricos de direitos: a proibição dos tribunais de exceção, proibição do efeito retroativo, a proibição do castigo repetido no mesmo delito, bem como a interdependência pessoal do juiz (Habermas, 2003, p. 1962).

No item (4) Habermas define a seguinte formula: “Direitos fundamentais a participação, em igualdade de chances, em processo de formação da opinião e da vontade, nos quais os civis exercitam sua autonomia política e através dos quais eles criam direito legítimo. (Habermas, 2003, p. 163). Estes direitos estão ligados a participação política. É nesse processo que os atores sociais passam de destinatários a autores do direito. Neste ponto, observamos a passagem do princípio do discurso para o princípio da democracia.

Iguais direitos políticos fundamentais para cada um resultam, pois, de umajurisdição simétrica da liberdade comunicativa de todos os membros do direito; e esta exige, por seu turno, uma formação discursiva da opinião e da vontade que possibilita um exercício da autonomia política através da assunção dos direitos dos cidadãos (Habermas, 1992, p. 164).

Para Dutra, “trata-se, portanto, de um conjunto de direitos políticos visando à participação de todos os atingidos nos processos de decisão, de modo que a liberdade comunicativa de argumentar possa vir à tona nos processos legislativos” (2005, p. 232). Portanto, esses direitos garantem a liberdade de opinião, a liberdade de fé, participação em eleições e votações políticas, participação em movimentos sociais e em partidos.

No item (5), Habermas trabalha os direitos fundamentais relativos as questões sociais e ecológicas. Formula da seguinte forma: “Direitos fundamentais a condições de vida garantidas social, técnica e ecologicamente, na medida em que isso for necessário para um aproveitamento, em igualdade de chances, dos direitos elencados de (1) até (4)” (Habermas, 2003, p. 160).

Em particular os direitos fundamentais expressos no item (5) se diferenciam dos apresentados nos itens de (1) até (4), pois, enquanto os direitos de (1) até (4) são absolutos os direitos fundamentais do item (5) são relativos. Sendo assim, Habermas pretende fundamentar um sistema de direitos que faça jus a autonomia privada e a autonomia pública. Desse modo, podemos apontar duas considerações; a) que os direitos elencados de (1) a (4), que se referem aos direitos de participação são fundamentados de forma absoluta porque garante a condição para a ação comunicativa ou a formação intersubjetiva da opinião dos cidadãos. São condições necessárias para a democracia. Por isso, esses direitos fundamentais são absolutos, pois, são indisponíveis e inalienáveis; b) Os direitos fundamentais expressos em (1) a (4) também garantem os pressupostos que Alexy utilizou para esclarecer o princípio do discurso. A saber:

  1. todos podem participar de discursos;

  2. todos podem problematizar qualquer asserção;

  3. todos podem introduzir qualquer asserção no discurso;

  4. todos podem manifestar suas atitudes, desejos e necessidades;

  5. todos podem exercer o direito acima. (Alexy, 1990 apud Dutra, 2005, p. 226)

Contudo, quando nos referimos aos direitos fundamentais relativos às regras parece não se aplicar da mesma maneira. No item (5) se apresenta os direitos relativos como uma forma de distribuir equitativamente as liberdades de ação que devem ser protegidas pelo direito de foram absoluta. Para Habermas, dos direitos sociais e ecológicos devem guardar algumas ressalvas como:

Um Estado social providente, que distribui chances de vida, garantido a cada um a base material para uma exigência humana digna através do direito ao trabalho, a segurança, à saúde, à habitação, à educação, ao lazer, à constituição de um patrimônio e às condições naturais de vida, correria o risco de prejudicar, através de suas intervenções antecipadas, a própria autonomia que ele deve proteger, preenchendo os pressupostos fáticos de um aproveitamento, em igualdade de chances, das liberdades negativas. (2003, p. 145)

Como podemos verificar a formalização do direito pode se transformar em uma ameaça a autonomia privada. Para Habermas, caso os direitos fundamentais ligados às questões sociais e ecológica fossem fundamentados de forma absoluta poderia ocorrer uma instrumentalização que acabaria por aniquilar a autonomia pública e privada. Em outras palavras, a formalização do direito poderia retirar aquilo que deve proteger - a liberdade e a emancipação dos destinatários do direito em participar comunicativamente das decisões. Na medida em que o sistema de direitos assegura, tanto a autonomia pública quanto a privada, ele operacionaliza a tensão entre fac- ticidade e validade, que descrevemos inicialmente como tensão entre a positividade e a legitimidade do direito. Essa tensão entre legitimidade e legalidade do direito somente será possível de resolver quando os destinatários do direito se reconhecerem como coparticipantes da formulação dos códigos jurídicos. A legitimidade do direito encontra-se na interligação do princípio do discurso com o princípio da democracia e a forma jurídica.

Mas ainda nos cabe a maneira de Habermas responder a seguinte pergunta: “como será possível garantir as autonomia pública e privada de um indivíduo fundamentando os direitos sociais e ecológicos apenas de forma relativa?” Respondendo a essa questão, o autor, tece críticas ao Estado de Bem-estar social, por considerar que esse modelo de Estado garante as condições materiais mínimas para o cidadão, mas gradativamente vai tornando os cidadãos como clientes do Estado. O Estado passaria a ser paternalista. Essa forma de Estado diminui os espaços de participação e por fim dilui a possibilidade de formação da vontade coletiva.

Para Habermas existe uma tensão entre os direitos de liberdade e os direitos sociais. A tradição socialista promove os direitos sociais em detrimento dos direitos de liberdade. Por outro lado, a corrente liberal tende a restringir os direitos sociais e ampliar os direitos de liberdade.

A fundamentação dos direitos somente será possível através da relação entre o princípio do discurso e o princípio da democracia, pois segundo Habermas, somente com a liberdade comunicativa que podemos garantir de forma legítima a democracia e o direito. No princípio da democracia que embasamos os direitos fundamentais que se dá através da cidadania e do direito de votar. Neste sentido, o princípio da democracia não tem relação com o desenvolvimento econômico.

O substrato social, necessário para a realização do sistema de direitos, não é formado pelas forças de uma sociedade de mercado operantes espontaneamente, nem pelas medidas de Estado de bem-estar que agem intencionalmente, mas pelos fluxos comunicacionais e pelas influências públicas que procedem da sociedade civil e da esfera pública política, os quais são transformados em poder comunicativo pelos processos democráticos (Habermas, 2003, p. 186).

O sistema econômico não pode neutralizar a autonomia pública e privada dos sujeitos, por isso, é necessário assegurar no sistema capitalista e no Estado de bem estar-social a autonomia dos sujeitos através de direitos subjetivos que podem ser discutidos amplamente através da ação comunicativa. Para Habermas, é fundamental garantir a autonomia da pessoa. Por este fato, o autor, salienta a necessidade do cultivo de esfera pública autônoma que possam organizar um debate independente do controle do Estado e do sistema capitalista. Essas esferas são os partidos políticos, movimentos sociais, ONGs, sindicatos etc, que podem ampliar a participação das pessoas e fazer frente à domesticação ao poder da mídia e do sistema político-social. Essas esferas estão localizadas no mundo da vida, no qual, os assuntos de interesse geral podem ser discutidos, onde as opiniões possam ser expostas e resolvidas através de argumentos racionais sem o controle ou coação de um poder prévio que possa contaminar as discussões.

Conclusão

Por meio do artigo podemos tirar três conclusões referentes à construção dos direitos humanos fundamentais a partir da teoria discursiva habermasiana. Em primeiro lugar, a inter-relação entre o princípio do discurso, o princípio da democracia e a forma jurídica são essenciais para a legitimidade dos direitos humanos. Neste ponto, encontramos a tensão entre legitimidade e facticidade que pode ser resolvida quanto os destinatários dos direitos humanos se reconhecem como coparticipantes da elaboração dos mesmos. A legitimidade encontra-se no princípio do discurso que se dissolve no princípio da democracia.

O segundo ponto, refere-se ao reconhecimento dos direitos em absolutos e relativos. Os direitos absolutos são legitimados a partir da ação comunicativa e reconhecidos pelas regras do discurso pertencendo a todos os indivíduos e a todos os Estados. Já os direitos relativos que são tratados no item (5) dizem respeito aos direitos sociais e ecológicos e devem ser tratados de forma relativa, pois, é um campo aberto ao debate devido a sua complexidade e as relações com o mundo da vida. Essa dinâmica de tratá-los de forma relativa os protege do paternalismo do Estado e da contaminação do mundo sistêmico. E por fim, esses direitos são contingentes, pois, possuem conteúdo variável de sociedade para sociedade.

Em terceiros lugar, é possível perceber que Habermas realiza uma releitura analítica dos direitos humanos a partir da ação comunicativa. Essa forma de entender os direitos humanos amplia a visão positivada da fundamentação e faz emergir um paradigma intersubjetivo de fundamentação dos direitos humanos. Essa possibilidade amplia a participação e a diversidade para a definição positiva dos direitos humanos.

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Trevisol, M. G.; Dutra, D. V. (2007). A legitimidade do direito na proposta haberma- siana da ética discursiva. Florianópolis: 124 f. [ Links ]

*Artigo de reflexão.

Cómo citar este artículo: Zanon, A. y Trevisol, M. G. (2016). Fundamentação dos direitos humanos a partir da ética discursiva habermasiana. Papel Político, 21(2), 395-407. https://doi.org/10.11144/Javeriana.papo21-2.fdhe

Recebido: 19 de Agosto de 2014; Aceito: 18 de Novembro de 2015

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