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Revista Historia de la Educación Latinoamericana

versión impresa ISSN 0122-7238

Rev.hist.educ.latinoam. vol.18 no.26 Tunja ene./jun. 2016

https://doi.org/10.19053/01227238.4358 

CARTA A LÓS LICTORES Y LEITORAS

DOI: http://dx.doi.org/10.19053/01227238.4358

Educadora, Feminista, Indigenista: Leolinda Figueiredo Daltro, uma "Dama" da educação brasileira no final do século XIX


Apresentar ao público de fala hispânica essa mulher brasileira e sua atuação instigante e plural em diversos setores da vida nacional no final do século XIX e começo do XX, não é tarefa fácil, mas, por outro lado, necessário para resgatar, na memória latino-americana, a luta também no Brasil, pelo reconhecimento da cidadania dos povos indígenas; pela exigência de uma educação para todos e pelo protagonismo da mulher numa sociedade masculina. É neste intuito que a Revista de História da Educação Latino-americana, homenageia nesse número -a professora, feminista e indigenista - Leolinda Figueiredo Daltro. Utilizo-me da nota bibliográfica do curriculum vitae publicada na capa de seu livro, editado em 1918 - "Inicio do Feminismo no Brazil: subsídios para a história" - Parte 1:

Leolinda Figueiredo Daltro, professora pública jubilada no Districto Federal; sócia fundadora da União Cívica Brazileria (1906), fundadora da Associação Protectora dos Selvícolas1 Brazileiros(1902), Collaboradora dos Congressos (congressista) 1° de Instrucção Pública (1906), o 1° de Geographia (1909) e 5° de Esperanto (1912); fundadora e presidente da Junta Feminil Pró-Hermes Wencesláo (1909) e fundadora e presidente do Partido Republicano Feminino (1910). Fundadora e directora da Escola de Sciencias, Artes e Profissões Orsina da Fonseca (1911), fundadora da Ia Escola de enfermeiras laicas do Brazil, da Cruz Vermelha e da Linha de Tiro Rosa da Fonseca (1911). Redactora-Proprietária dos periódicos de livre Idea - "A Verdade"(1902) "A Política" (1909) e a "Tribuna Feminina" (1916); fundadora das Escolas populares ao ar livre (1918).

Sua biografia e sua atuação têm sido objeto de análise por historiadores e pesquisadores2, assim como por militantes do movimento feminista e dos povosindígenas. Nessa apresentação, nos utilizamos de suas obras e das referencias da literatura nacional com fins a apresentar à comunidade hispano-hablante esta "dama" da educação brasileira no final do século XIX.

O título de "dama" não empobrece em nada a sua atuação militante em ambos os movimentos acima citados. Utilizo-o apenas para situa-la no interior de sua própria classe social (classe média) no Brasil do final do XIX. Caberia também o título de "missionária" como alguns lhe tem dado, pela sua decisão e empreendimento de alfabetizar os indígenas do centro-oeste brasileiro, mas, sobretudo, no final caberia o epíteto de "feminista", pois foi, numa sociedade patriarcal que se tornou militante e encampou a luta pela participação política da mulher brasileira na sociedade e, mais especificamente pelo direito de votar e ser votada. Todos esses apelidos podem cair muito bem à nossa personagem homenageada por rhela.

Diante da diversidade de ações de uma Mulher no século XIX, muitas reflexões podem ser feitas sobre a vida e atuação da professora Daltro. Não sou especialista no assunto, caberá ao artigo de fundo encomendado a um especialista, dar conta destas questões, entretanto, não me furtarei de tecer alguns comentários prévios sobre esses campos de atuação de Leolinda.

Primeiro, sua paixão pela causa indígena e a luta pelo direito à cidadania desses povos originários da terra brasilis. É quase que anacrônico pensar nas propostas de Leolinda para esse tema. No campo do indigenismo, temos pistas em sua bibliografia que, tendo ascendentes nesta etnia, seu lugar de pertencimento, pode ter sido um forte sensibilizador com a causa dos povos originários do Brasil. A fundação de uma associação protetora desses brasileiros, sem voz desde os primórdios da colônia e dizimados como povos pelos colonizadores, respaldam a validam sua empresa missionária. O mais notório é sua condição de gênero, que lhe permitiria pouca mobilidade para realizar sua empreitada. Em sua empresa missionária há um sentido salvífico desses povos, aos quais pertence. O ensino (alfabetização) é um componente forte em sua luta, pela restauração da dignidade e da cidadania desses povos. Pois numa sociedade de letrados, somente por meio da palavra, se conegue dignidade e cidadania. Ainda que pareça anacrônico - Leolinda Daltro buscava não civilizar, como o fizera as missões católicas, mas dar dignidade por meio da Palavra (dita e escrita). Ensinar o índio a ler e escrever era dar-lhe possibilidade de ser brasileiro.

Segundo, sua dedicação incondicional a causa dos direitos da mulher brasileira numa jovem República. A professora Daltro quando da criação da Junta Feminil Pró-Hermes Wancesláo em 23/12/1909, registrou em seu livro (1918) notas sobre a ata da sessão de fundação, relatando os argumentos para a luta pela inserção da mulher nos direitos da jovem república e convocando as 25 "damas" presentes à militância na busca de direitos para a mulher no país.

Na opinião do Coronel Rondon a mulher só tem competência para administrar o departamento culinário do lar, acalentar crianças, lavar e engomar ou então passear pelas avenidas, entregando-se aos prazeres do luxo...e...basta. Pensei então que era necessário, antes de tudo, despertar a mulher, promovendo o ideal da emancipação feminina. Esperava eu, um momento oportuno da eleição presidencial (...) a convocação de maio veio reviver no meu espírito as esperanças mortas (...) Convenci-me tanto mais da possibilidade da realização dessa idea, quando, a cada instante, nos chegam do velho mundo, noticias do trabalho intenso de propaganda feminista das mulheres inglezas e noroeguezas, sendo igualmente registradas significativas victorias do feminismo na América do Norte (...) Minhas Senhoras! O convite que vos dirigi para que viésseis tomar parte nessa reunião, longe de ter um cunho partidário, destina-se afins mais duradouros, elevados. Tendo em vista a propaganda corôada pela Victória de uma causa de grande futuro e utilidade para todas as mulheres brazileiras3.

Os comentários acima permitem ao leitor escrutinar os motivos pelos quais homenageamos essa brasileira. Mas sobretudo, é conveniente ressaltar que sua luta e militância estão respaldadas pela natureza da sua profissão docente. É destacada por todos os que estudaram suas atividades, o realce que dava a sua função de educadora. Não seria possível estudá-la somente por sua inserção política, mas sobre tudo por sua dedicação a obra da educação comum para todos no solo brasileiro. Alguns exemplos:

1. Seu empenho em abrir escola para os pobres por onde passou, conforme seu relato: "pelo meu grande amor a instrucção mantive um curso noturno gratuito no edifício do Matadouro de Santa Cruz, durante todo o tempo que lá estive. Esse meu ato foi motivado pela piedade que eu tenho das crianças impedidas de frequentar as escolas diurnas por terem que ajudar os país no serviço do matadouro"4.

2. Por sua preocupação com os menos favorecidos, e movida por ideais republicanas, sua ação pedagógica5 tinha forte influência das ideias liberais6 que marcaram o início do século XX acerca do papel da educação para a construção da nação, para a modernização do país e para a moralização e normatização da vida dos cidadãos republicanos. Sua atuação foi notória nas escolas do povo em cursos noturnos para atender aqueles (menores trabalhadores) que não tinham as condições do estudar nos cursos diurnos, destinadas às classes médias e para as moças operárias de incipiente indústria que começava no Brasil. Leolinda tinha preocupação em formar o trabalhador, conforme explicita no fragmento abaixo:

Transferida por conveniência do ensino e por meio de dois - abaixo-assinados -para a "praia pequena" continuei com o curso nocturno no qual se matricularam sessenta e quatro operárias da fábrica de phosphosro Cruzeiro, tendo eu a felicidade de ensinar pobres moças analphabetas, das quais duas hoje são professoras cathedráticas, algumas floristas, modistas etc.Esses cursos foram mantidos (...flòra do programma official e por minha própria conta, como ainda hoje o pode atestar o meu ex-Inspector Escolar (...) Dr. Fábio Luz7.

Assim também o fora em sua Escola de Artes e Profissões Orsina da Fonseca na qual se dedicava a dar um saber escolarizado as moças trabalhadoras. Enquanto na Escola Normal, se formavam as moças de fino-trato na escola da professora Leolinda formavam-se para as profissões ligadas ao serviço que a crescente população urbana do Brasil, mais necessitava - para o bordado, corte e costura, fabricação de chapéus, enfermagem, além dos estudos propedêutico de ilustração geral.

3. Na perspectiva do pensamento liberal, toma para si tarefas espinhosas, como por exemplo, formar enfermeiras laicas no Brasil, que embora de maneira não oficial, causa certa inquietação na formação religiosa da enfermagem que as ordens de religiosas traziam como carisma8, Diferentemente de sua empreitada de levar o ensino laico aos indígenas, o que lhe custou muita controvérsia e perseguições por sua empresa missionária com o ensino laico aos indígenas, no caso da enfermagem, as referencias são lacunares, não se encontra pesquisas sobre sua influência nessa área, visto que na literatura da História da Enfermagem no Brasil, pouco se fala das ações Leolinda Daltro. Todavia não se deve desconsiderar sua ousadia laica numa área absorvida pelo carisma religioso do cuidado dos órfãos e enfermos.

Finalizo essa apresentação com alguns reconhecimentos que a pátria lhe outorgou. Certa feita ao final de sua vida (1934) já retirada da vida pública, mas ainda mantendo sua ocupação como professora da Escola Orsina da Fonseca, um jornal carioca9 tendo como pauta as recentes conquistas das mulheres à época, como por exemplo, o direito de se candidatar a cargos públicos, lhe indagou sobre o esquecimento do movimento feminista (da época) ao seu nome com respeito às lutas e conquistas daquele momento. A resposta veio à maneira daqueles que mesmo "saindo, permanecem":

"Enquanto puder hei de lutar pela mulher! Principalmente agora que ela começa a ter seus direitos reconhecidos pelos homens. Fui a primeira eleitora que se qualificou. O feminismo que eu preguei e defendi com enorme sacrifícios, não pregava diretamente a conquista de postos de representação. Não tínhamos ambições pessoais. Queríamos, antes de tudo, dar à mulher um lugar melhor na sociedade, como elemento de progresso, libertando-a, tanto quanto possível, da escravidão e da situação de inferioridade em que viviam".

No século XXI, após um século das suas ações educativas, políticas e sociais, conta o Brasil com grande avanço nas questões do feminismo, do reconhecimento da diversidade e da inclusão social, ainda que na causa indígena tenhamos avançado pouco e a nossa escola básica já tenha pretensões de universalização. Leolinda Daltro recebeu homenagem e reconhecimento de sua luta Em 2003, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou a Resolução n° 233, que instituiu o Diploma Mulher Cidadã Leolinda de Figueiredo Daltro. Essa homenagem é concedida anualmente a dez mulheres por seu destaque na vida pública e na defesa dos direitos femininos.

Tenham todos, uma boa leitura!

José Rubens Lima Jardilino
Brasil 20 janeiro de 2016
Integrante grupo investigación HISULA - UPTC


1 No dicionário da Língua Portuguesa diz respeito a quem vive nas florestas. Mas o termo foi utilizado com conotações mais segregacional: no inicio do século XX, significava o selvagem, indígena, aborígene, habitante primitivo do país. No Estatuto do Índio (Lei n° 6.001 de 19/12/1973 - art. 3°, I) a designação do termo "Índio ou silvícola, é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional"

2 Dentre os muitos trabalhos sobre Leolinda e suas atividades, destacamos: Corrêa, Mariza. Os índios no Brasil elegante & a professora Leolinda Daltro. In:__Antropólogos & Antropologia. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2003; Santos, Paulete M.C. Leolinda Daltro: a caminhante do futuro: uma análise de sua trajetória de catequista à feminista(Rio de Janeiro/Goiás 1896-1920). Tese de Doutorado - História. Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISSINOS), RS, 2014;__trajetórias e memória de uma "missionária" entre os "silvícolas" do Araguaia e Tocantis. In: Veredas da História, ano IV, Ed.2. 2011;__. Um "álbum" que virou livro: o atestado final da "missão" de Leolinda de Figueiredo Daltro em educar os índios nos sertões do norte de Goiás. In: Revista de História e Estudos Culturais. Vol 10, n.2, 2013; Rocha, Eliane P Entre a pena e a espada: trajetória de Leolinda Daltro (1859-1935) - patriotismo, indigenismo e feminismo. Tese de Doutorado (História Social) Universidade de São Paulo -USP, 2002; Karawejcczyk, Mônica. As filhas de Eva querem votar: dos primórdios da questão à conquista do sufrágio feminino no Brasil (1850-1932). Tese de doutorado (História) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013; Gregório, Patrícia. Leolinda Daltro e os missionários: disputa pela catequese indígena em Goiás (1896-1910). Dissertação de Mestrado (História). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012; Abreu, Maria Emilia.Pofessora Leolinda Daltro: uma proposta de catequese laica para os indígenas no Brasil (1895-1911). Dissertação de Mesatrdo (História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC,SP), 2007.

3 Daltro (1918). pp. 15,16.

4 op. cit. p. 5.

5 Conforme suas palavras: "O programma primário era, naquella época, por demais deficiente; o ensino limitava-se à leitura, escripta, grammatica e ás quatro operações fundamentaes da arithmetica. Achei que isso era pouco e que eu podia, como professora, amplial-o, o que fiz, inaugurando um novo regimen escolar. Iniciei, portanto, o ensino de artes e profissões, de que o programma oficial não cogitava, de fórma que as creanças cursassem, além das matérias do programma oficial, mais outras, facultando-lhes assim aptidões necessárias afim de que, ao sahirem da escola, podessem obter, com trabalho, os meios de subsistência" in. DALTRO, Leolinda. Início do Feminismo no Brasil. Subsídios para a História. Rio de Janeiro: Typographia da Escola Orsina da Fonseca, 1918, p. 4.

6 Não é sem justificativa que dentre os seus apoiadores estão muitos protestantes paulistas, que oriundos de uma fé calvinista e reformada trouxeram para o Brasil os ideais da uma educação de modelo liberal, até então pouco visto no país. Fundaram Escolas a partir desse modelo em vários locais do Brasil (São Paulo, Rio, Bahia) Leolinda, quando vai para sua viagem missionária entre os indígenas no norte de Goiás, deixa seus filhos sobre os cuidados de Horace Lane missionário presbiteriano e diretor do Mackenzie College (colégio protestante americano,em SP). Para aprofundar a discussão sobre Protestantismo e Educação, leia: Jardilino, J.R.L. Protestantismo e Educação: Escolas Paroquiais no contexto de ensino das primeiras letras em São Paulo. Cadernos de História da Educação. v. 10, p. 257-270, Uberlândia, MG, 2011. Leolinda recebeu também o apoio da médica Marie Rennotte, belga, ex professora do Colégio Piracicabano, de tradição Metodista, em Piracicaba, SP.

7 op. cit. p. 5.

8 Dentre essas ordens a de maior expressão nacional e no exterior é a ordens das Irmãs da Caridade São Vicente de Paula - Vicentinas.

9 A fonte desta informação é o blog da pesquisadora Patrícia Gregório. In. http://noticiasedocumentosparahistoria.blogspot.com.br/2014/02/professora-indigenista-feminista-as.html. acessado em 10/11/2015.