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Palabra Clave

versión impresa ISSN 0122-8285

Palabra Clave vol.20 no.1 Chia ene./mar. 2017

https://doi.org/10.5294/pacla.2017.20.1.9 

Artículo

O Projeto Troika em Portugal: media, resiliência e vulnerabilidade

El Proyecto Troika en Portugal: media, resistencia y vulnerabilidad

The Troika Project in Portugal: Media, Resilience and Vulnerability

Vanessa Rodrigues1 

Henrique Diz2 

Maria José Palma Lampreia Dos-Santos3 

1 Universidade Lusófona do Porto, Portugal. vna.ribeiro.rodrigues@gmail.com

2 Universidade Lusófona do Porto, Portugal. diz.henrique@gmail.com

3 Escola Superior de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL), Portugal. mjpls1963@gmail.com


Resumo

Este artigo tem como principal objetivo analisar em que medida o Projeto Troika de narrativas visuais (2014) contribuiu para dar voz a histórias de vulnerabilidade e resiliência em Portugal, empoderar a sociedade portuguesa para o progresso humano e de que forma se enquadra no jornalismo para o desenvolvimento. Além disso, pretende perceber como o projeto se harmoniza, tematicamente, nas problemáticas das Nações Unidas da agenda para o desenvolvimento pós-2015. Para responder a essas questões, realizamos um estudo exploratório por meio de entrevistas estruturadas a três membros desse coletivo independente. Concluímos que o documentário se afirma com maior potencial para promover a reflexão do que as fotografias, no que diz respeito a questões de desenvolvimento e progresso humano, e que os seus contributos poderão ser ao nível da promoção do debate para a consciencialização. No entanto, não parecem ter criado potencial imediato para o empoderamento da sociedade civil. Assim, sugere-se que, em futuros trabalhos jornalísticos nesse âmbito de jornalismo para o desenvolvimento, sejam combinadas, sempre que possível, narrativas que associem quer documentários, quer entrevistas registradas em áudio aos principais intervenientes, como forma de empoderar a sociedade e contribuir de forma mais eficaz para a mudança social.

Palavras-chave: Comunicação para o desenvolvimento; jornalismo para o desenvolvimento; Projeto Troika

Resumen

Este artículo tiene como principal objetivo analizar en qué medida el Proyecto Troika de narrativas visuales (2014) contribuyó para dar voz a historias de vulnerabilidad y resistencia en Portugal, potenciar a la sociedad portuguesa para el progreso humano y de qué forma se encuadra en el periodismo para el desarrollo. Además, pretende percibir cómo el proyecto se armoniza, temáticamente, en las problemáticas de las Naciones Unidas de la agenda para el desarrollo post-2015. Para responder a estas cuestiones, realizamos un estudio exploratorio mediante entrevistas estructuradas a tres miembros de ese colectivo independiente. Concluimos que el documental se afirma con mayor potencial para promover la reflexión de las fotografías, en lo que se refiere a cuestiones de desarrollo y progreso humano, y que sus contribuciones podrán ser al nivel de la promoción del debate para la concientización. Entretanto, no parecen haber creado potencial inmediato para el empoderamiento de la sociedad civil. De este modo, se sugiere que, en futuros trabajos periodísticos en ese ámbito de periodismo para el desarrollo, se combinen, siempre que sea posible, narrativas que asocien ya sea documentales o entrevistas registradas en audio a los principales interventores, como una forma de facultar a la sociedad y contribuir de forma más eficaz para el cambio social.

Palabras clave: Comunicación para el desarrollo; periodismo para el desarrollo; Proyecto Troika

Abstract

This paper aims to analyze the extent to which the Troika Project on visual narratives (2014) helped to give voice to stories of vulnerability and resilience in Portugal, empower the Portuguese society for human progress and how it fits into journalism for development. Furthermore, the article seeks to understand how the project is thematically harmonized in the United Nations problems of the post-2015 development agenda. To address these issues, we conducted an exploratory study through structured interviews of three members of this independent collective. We concluded that, as far as development and human progress issues are concerned, the documentary is more likely to encourage reflection than photographs, and that it may contribute to promoting debate to raise awareness. On the other hand, they do not appear to have generated an immediate potential to empower civil society. Therefore, we suggest combining, whenever possible, narratives that associate either documentaries or recorded audio interviews with key players in future journalistic works in this field of journalism for development, as a way to empower society and contribute more effectively to social change.

Keywords: Communication for development; journalism for development; Troika Project

Introdução

A crise económica e financeira iniciada em 2007 nos Estados Unidos da América, conhecida como a crise do subprime, disseminou-se aos Países Mediterrânicos, nomeadamente, a Portugal, país que acolheu, à semelhança de outros, o espartilho como doença endémica, cujos impactos obrigaram a reajustes das suas políticas orçamentais e afetaram, para além dos grandes agregados macroeconómicos, a dimensão social do país Fonseca, Diz, Dos Santos [sd]. Nesse enquadramento, tanto a economia social e solidária como a comunicação social têm um papel preponderante e crescente. No primeiro caso, promovendo o emprego, a proteção social e a criação de riqueza; no segundo caso, sendo escrutínio dos valores democráticos, denunciando situações de desigualdade e violação de direitos humanos, na promoção de uma sociedade mais justa e equitativa conforme advogam organismos internacionais como as Nações Unidas (NU) e a Organização Mundial do Trabalho (OMT).

Em Portugal, o impacto da crise do subprime, associado a um excessivo endividamento público e privado, conduziu à impossibilidade de o país conseguir financiar nos mercados externos, que culminou em 2011 com um pedido de assistência económica e financeira à tríade: Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, conhecida como a Troika. Tratou-se de um Programa que obrigou Portugal a um conjunto muito alargado de medidas orçamentais restritivas com impactos socioeconómicos na economia e na população portuguesa que se traduziram em desemprego e pobreza, e configuraram simultaneamente realidades sociais de resiliência e vulnerabilidade.

Paralelamente, as NU, no âmbito dos objetivos de desenvolvimento do Milénio até 2015, tem na sua agenda a erradicação da pobreza como um dos objetivos prioritários na promoção do desenvolvimento e na diminuição das desigualdades sociais. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2015) refere que, por um lado, a pobreza continua a ser uma realidade latente não apenas em países em desenvolvimento, como também afeta, atualmente, países considerados desenvolvidos.

Por outro lado, a divulgação dos Objetivos do Milénio falhou na sua efetiva comunicação (PNUD, 2015). Esta tem-se revelado, ao longo da história, estratégica para as questões de desenvolvimento, como sucede com o jornalismo, que tem dado voz a protagonistas de contextos de resiliência e vulnerabilidade. No entanto, parece irónico que, numa época em que a tecnologia está mais do que nunca disponível para ajudar no desenvolvimento dos países, a desigualdade e os cenários de vulnerabilidade aumentem, como sucedeu no caso português, e conduzam para cenários de pobreza e miséria.

Nesse contexto, surge o Projeto Troika em 2013, formado por um coletivo de oito fotógrafos e um documentarista, que desenvolveram um trabalho de jornalismo para o desenvolvimento, financiado por crowdfunding, com o intuito de expor ao país e ao mundo os efeitos dessas medidas de austeridade e com a missão de consciencializar para os seus impactos sociais.

Assim, este trabalho tem como objetivo responder às questões: de que forma o Projeto Troika contribuiu para desvelar histórias invisíveis de vulnerabilidade e resiliência? De que forma as narrativas visuais que realizaram podem contribuir ou não para o desenvolvimento? Que mudança social o projeto Troika poderá ou não promover? Em que medida o projeto desenvolvido se relaciona com a comunicação para o desenvolvimento? E de que forma o trabalho desenvolvido pode empoderar a sociedade civil para o desenvolvimento humano?

Desenvolvimento e comunicação: aliados?

As relações entre comunicação e desenvolvimento conquistaram legitimidade académica depois da publicação de Wilbur Schramm em 1964 que, enquanto consultor da Unesco, formulou uma estratégia de comunicação para o desenvolvimento dos países menos desenvolvidos de então.

Na análise do conceito de desenvolvimento, consideram-se três períodos. Na primeira década de desenvolvimento (1960), a noção de modernização e desenvolvimento é praticamente sinónima. Nessa época de otimismo, a industrialização impôs-se à agricultura. Desenvolvimento significa "um tipo de mudança social em que novas ideias são introduzidas num sistema social, a fim de produzir maior rendimento per capita e maiores níveis de vida através de métodos de produção mais inovadores modernos e melhoria da organização" Rogers, 1969, p. 18). Nessa época, o investimento intensivo de capital em tecnologia e respetiva transferência para o sul motivam um avanço naquilo que se configura como os primeiros sinais de desenvolvimento. Esse processo de tendência pró-inovação acabou por se revelar mais complicado, conforme Melkote e Steeves (2001), uma vez que a conjuntura e o contexto dos países menos desenvolvidos expõem questões muito mais abrangentes e de raiz. As comunidades locais não tinham a formação e, muito menos, a informação que lhes concediam capacidade para utilizar essas tecnologias. Nesse contexto, a importância dos meios de comunicação como aliados para o desenvolvimento começa, desse modo, a ser reconhecida como forma de informação, isto é, de partilhar conhecimento de maneira mais sistematizada, que pudesse ser útil a essas comunidades no sentido de que fossem capazes de perceber e usar essa tecnologia.

Todavia, a resistência dessas comunidades a essa mudança de raiz das suas condições laborais pressupôs a adoção da tendência Pró-persuasão Melkote e Steeves, 2001, com o intuito de, como o nome indica, persuadir as populações a alterarem os seus estilos de vida por meio dessa comunicação. Esses planos de comunicação estavam a cargo das NU, que na fase inicial recrutou especialistas e uniu-se numa task force com os Ministérios da Agricultura dos Países em Vias de Desenvolvimento (PVD), na tentativa de treinar os agricultores nas técnicas modernas do setor agrícola por meio da extensão rural. Nessa fase, o propósito não era somente a transferência de tecnologia em vez da formação técnica desses agricultores, que não tinham qualquer formação académica. O modelo de difusão de inovações assume que uma combinação adequada de estratégias de comunicação interpessoais e massificadas pode mover as pessoas de um processo de consciencialização por meio de participação, avaliação, julgamento e, finalmente, da adoção dessa tecnologia (Melkote e Steeves, 2001).

A grande maioria dos programas de extensão rural dos Ministérios da Agricultura dos PVD teve como pilar fundamental o modelo de Difusão de Inovações de Rogers (1969), reconhecido como o pai da comunicação para o desenvolvimento. De facto, a missão era transformar o agente de extensão rural num agente de mudança que pudesse influenciar as decisões dos destinatários. Esse processo de intervenção pressupunha uma orientação hierarquizada e unidirecional de mensagens, com um objetivo específico e impositivo. Tal como considera Srampickal (2006), o papel da comunicação era de transferir as inovações tecnológicas das agências de desenvolvimento para os seus destinatários e criar um ambiente para a modernização entre os membros das comunidades.

No entanto, a noção ocidental de desenvolvimento ignorou, de facto, as especificidades culturais, geográficas, ideológicas e históricas locais. Não obstante, comunicação e desenvolvimento incorporavam-se como aliados indissociáveis e basilares para o crescimento económico. Contudo, conforme Mota-Paula (2012, p. 6), diversas variáveis conduziram ao insucesso dessas estratégias de comunicação, como por exemplo, o papel passivo das comunidades locais perante a receção das mensagens, isto é, devido à imprecisão dos conceitos difundidos que ignoravam a dimensão cognitiva da comunicação e distorciam, na realidade, a ideia de comunicação como processo. Outra razão foi o facto de se ignorar as preferências, os fracos conhecimentos dos destinatários e demais entraves no terreno. Para além disso, não se incluíam os segmentos populacionais mais pobres e marginalizados, bem como as mulheres, que trabalhavam na agricultura. Por conseguinte, as desigualdades de género eram cada vez mais evidentes por via da tendência patriarcal da modernização que considerava a mulher como um entrave ao desenvolvimento. Além disso, se, por um lado, menosprezavam o crescente fosso informacional, comunicacional e tecnológico norte-sul, urbano-rural e, até, rural-rural, por outro, configuravam modelos orientados para a autoridade e a imposição que desfavoreciam modelos dirigidos ao utilizador.

Segundo Melkote e Steeves (2001), há questões éticas e etnográficas a ter em conta quando se fala em desenvolvimento: qualquer discussão sobre desenvolvimento deve incluir o crescimento físico, mental, social, cultural e espiritual dos indivíduos num ambiente livre de coerção ou dependência. Além disso, não se pode negligenciar a preservação e manutenção das culturas tradicionais.

Desenvolvimento e comunicação participativa

Na década seguinte, a segunda etapa da noção de desenvolvimento, período do qual emerge um certo pessimismo, impõe-se uma desilusão com os resultados e com a natureza do desenvolvimento. A exploração dos países menos desenvolvidos é uma crítica contundente dessa época, o que dá origem à exposição das desigualdades crescentes. Não obstante, emergem configurações alternativas da noção de desenvolvimento, estruturadas em arquétipos centrados na concepção de crescimento mais equitativo e equilibrado, e focado no apelo à participação ativa das pessoas envolvidas nas atividades em causa. Dessa forma, dá-se primazia à comunicação participativa advogando que os recetores das mensagens devem ser atores ativos, intervenientes, processando, interpretando e difundindo a informação veiculada pelos media. Outra conceção alternativa da noção de desenvolvimento é a partir da autodeterminação e autoconfiança das comunidades locais e a sua respetiva libertação da dependência externa. Além disso, teve-se em conta a integração da tecnologia a partir das estruturas, crenças e saberes locais, para, assim, adaptar ao contexto. Paulo Freire propõe uma pedagogia da autonomia na medida em que sua proposta está "fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando" Freire, 2000a, p. 11.

Em 1972, discutiram-se, pela primeira vez, modelos de desenvolvimento sustentáveis na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente, com o objetivo de transpor a visão ocidental da natureza, que pressupunha a exploração e subjugação. Nesse sentido, pretendia-se estabelecer uma nova relação entre a sociedade e a natureza, no contexto do desenvolvimento, por meio da comunicação para o desenvolvimento. Nessa década, orienta-se a política desenvolvimentista de uma concepção economicista hierarquizada para uma configuração humanista e equitativa da distribuição dos benefícios do desenvolvimento, ou seja, há uma preocupação em promover a participação nas decisões, a dignidade humana e o respeito, e, ainda, o direito socioeconómico aos recursos internacionais Melkote e Steeves, 2001. Outras questões relevantes são o respeito pela cultura local e a religião como áreas primordiais, que funcionam como canais para a mudança social. Nessa perspectiva, ao valorizar-se os canais tradicionais de comunicação para o desenvolvimento, considera-se, de facto, que são extensões da cultura local. Por outro lado, ao contrário da primeira década de desenvolvimento, consciencializa-se para as crescentes desigualdades de género no desenvolvimento, como consequência do fortalecimento dos movimentos feministas internacionais, como Women in Development, por meio dos mass media, que exigiam igualdade. Surgiram também novas estratégias para diminuir a infoexclusão, Unesco (1980), as quais chamavam a atenção para a necessidade de instituir uma nova ordem mundial da informação e da comunicação, que realçasse a importância basilar dos atores, dos recursos, das infraestruturas, das organizações, dos contributos e dos media locais.

Comunicação e desenvolvimento: um passo em frente

A década de 1970 cunhou, formalmente, a expressão comunicação para o desenvolvimento (C4D), quando começaram a surgir especialistas dessa área no grupo dos países menos desenvolvidos. A expressão C4D foi usada, pela primeira vez, em 1972, por Nora Quebral. Segundo a autora (2002), "a arte e a ciência da comunicação humana aplicada à transformação rápida de um país e da sua população, da pobreza para um estado dinâmico de crescimento econômico possibilita uma maior igualdade social e uma maior realização do potencial humano" (p. 16).

Ainda conforme essa autora Quebral, 2002, os holofotes devem estar focados no comunicador, nos media comunitários e, essencialmente, na radiodifusão comunitária com programação educativa. O objetivo então passa a ser:

Veicular conhecimento que irá informar as pessoas dos eventos significativos, oportunidades, riscos e mudanças. [...] Proporcionar um fórum onde as questões que afetam a vida nacional ou a comunidade pode ser debatido. [... ] Ensinar essas ideias, capacidades e atitudes que as pessoas precisam para alcançar uma vida melhor. [...] Criar e manter uma base de consensos que é necessária para a estabilidade do Estado. Quebral, 2002, p. 6 citado por Manyozo, 2006, p. 87-88)

Com essa reconfiguração, o conceito de desenvolvimento altera-se para a melhoria do bem-estar do indivíduo e a melhoria da qualidade de sua vida. Também se altera o papel atribuído à comunicação nos processos de desenvolvimento: "colocando mais ênfase sobre a contribuição da comunicação para a promoção dos direitos sociais e democráticos, o que levou ao desenvolvimento das rádios comunitárias e agências de comunicação no Sul" (Dagron, 2001 citado por Srampickal, 2006, p. 9).

Segundo Mota (2012), esse modelo desenvolvimentista da década de 1970 fracassou por múltiplas razões. Por um lado, a comunicação de massas era percecionada como mera transmissão de informação e dava pouco espaço de resposta ao recetor; por outro, a relação entre comunicação e cultura foi subvalorizada, novamente, tal como os valores, as tradições e as línguas locais. Além disso, a visão etnocentrista do desenvolvimento, que olha para os países menos desenvolvidos como atrasados, limitou o processo. Outra questão foi o controlo de comunicações por parte de grandes instituições, com poder de decisão e controlo de informação, e também a ignorância da relação entre comunicação, desenvolvimento e empoderamento, não os percecionando como interdependentes e promotores de progresso. A C4D era, pois, considerada como um processo de marketing persuasivo e não como um motor das capacidades nacionais e um método de construção de consensos e de angariação de alianças, alicerçado nas estruturas societais políticas, económicas, religiosas, culturais e ideológicas (Mota, 2012). Além disso, os modelos e/ou estratégias de desenvolvimento não eram cultural e historicamente sensíveis; ignoravam a importância das diferenciações de género, classe, raça, etnia, religião, escalão etário e nacionalidade.

De acordo com Mota (2012), a terceira década de desenvolvimento (1980) foi conhecida por "década perdida do desenvolvimento", devido a problemáticas como a recessão global na maioria dos países industrializados; sérias dificuldades económicas e financeiras nos PVD; a imposição de políticas de ajustamento estrutural pelas agências doadoras aos países devedores, que visassem reanimar as suas economias paralisadas; implementação de um modelo económico neoliberal ou redução do papel do Estado, dependência crescente dos mercados e redução significativa dos gastos estatais no setor dos serviços sociais. Consequentemente, surgem o aumento da pobreza entre os carenciados e os marginalizados, bem como a crescente consciencialização das desigualdades de género e das diferenças globais ao nível das prioridades femininas. Igualmente, as críticas à abordagem das necessidades básicas e respetiva retórica marcam o discurso sobre "desenvolvimento", dado que as necessidades humanas permaneciam insatisfeitas.

Na década de 1990 até os dias de hoje, temos assistido a uma proposta de desenvolvimento -e, nesse sentido, de comunicação para o desenvolvimento- focada nos seguintes pontos-fortes:

mobilização de recursos, implementação de estratégias e alteração de comportamentos em prol de um ambiente sustentável Melkote e Steeves, 2001;

debate de políticas globais sobre bem-estar social;

foco nas abordagens participativas de C4D: reforço da consciência crítica entre as populações nas suas comunidades e de estratégias de empoderamento local;

maior abertura à diversidade cultural como pilar fundamental da identidade;

maior preocupação com a equidade de género e/ou emancipação feminina;

abordagens de desenvolvimento centradas nas pessoas e que sublinham a importância da autoconfiança, da capacitação, da participação local e da sustentabilidade ambiental;

aumento exponencial das tendências a favor da globalização de estilos de vida, gostos, modas e do entretenimento mediado pelos meios de comunicação de massas;

ascendência dos mercados globais;

aparecimento do ciberespaço: novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) geram maior caudal de informações;

um modelo de desenvolvimento que tivesse em consideração os aspetos económicos sociais e ambientais (Deaton, 2014).

Nesse âmbito, a globalização veio colocar novos dilemas/novos objetivos de desenvolvimento e, consequentemente, novas estratégias de C4D. De igual forma, reconfigurou a necessidade de novas expressões de comunicação, que, por um lado, permitissem a disseminação de informação para o desenvolvimento e que, por outro, cobrissem assuntos relacionados com a temática.

Desenvolvimento: qual o papel do jornalismo?

Segundo Xiaonge (2009), o conceito jornalismo para o desenvolvimento está mais disseminado na Índia, China e África. A expressão foi mencionada pela primeira vez em 1960 na Press Foundation of Asia Stevenson, 1994, nas Filipinas. Os jornalistas filipinos Alan Chalkley e Juan Mercado estavam preocupados com o facto de os meios de comunicação estarem a fazer cobertura de assuntos de desenvolvimento socioeconómico de forma superficial escrevendo notícias, maioritariamente, a partir de comunicados de imprensa governamentais, o denominado churnalism (Zakir, 2008), que deixavam pouco espaço para a análise, avaliação e cobertura efetiva dos programas de desenvolvimento. Nesse sentido, impôs-se uma necessidade real de refletir sobre o tipo de jornalismo que se estava a praticar. Chalkley (2009) entendia -o como uma ferramenta para servir os cidadãos em geral e não apenas uma elite.

Para Xiaonge (2009), essa nova atitude reivindicada para o jornalismo, perante as questões de desenvolvimento, alicerçavam-se em conceitos-chave: 1) reportar as diferenças entre o que foi planeado e o que na realidade foi alcançado, bem como a diferença entre o seu impacto real e o reivindicado Aggarwala, 1978); 2) incidir não apenas sobre as notícias do dia a dia, mas também no processo de desenvolvimento de longo prazo Kunczik, 1988; 3) ser independente do governo e proporcionar críticas construtivas Aggarwala, 1978;Shah, 1992;Ogan, 1982; 4) mudar o foco jornalístico para notícias de desenvolvimento económico e social, de forma construtiva; 5) capacitar os cidadãos comuns para melhorar suas próprias vidas e comunidades Romano e Hipócrates, 2001.

Romano (2005) dividiu as perspetivas do jornalismo para o desenvolvimento em cinco categorias: 1) jornalistas enquanto nation builders; 2) jornalistas enquanto government partners; 3) jornalistas como agents of empowerment; 4) jornalistas enquanto watchdogs e 5) jornalistas enquanto guardians of transparency.

Não obstante, desde a concepção de Chalkley (2009), a abordag em dos media na cobertura de assuntos relacionados com o desenvolvimento posiciona o jornalismo como uma ferramenta poderosa que empodera os indivíduos e constrói comunidades locais mais fortes, o que eleva a consciência global sobre desenvolvimento. Os jornalistas têm que se adaptar às novas formas de cobertura de assuntos relacionais com desenvolvimento. Atualmente, o jornalismo para o desenvolvimento aborda as questões da pobreza existentes no mundo e contribui para investigar as suas causas e consequências.

Enquanto jornalistas de investigação, os jornalistas para o desenvolvimento analisam a natureza multifacetada da pobreza, o desenvolvimento económico, social e ambiental. Os seus personagens principais são pessoas comuns, em vez de protagonistas oficiais e institucionais, numa lógica de comunicação de baixo para cima, focada na solidariedade e harmonia. Esses jornalistas são, muitas vezes, os primeiros a expor e denunciar as condições de vulnerabilidade das comunidades, e a encorajar a cooperação entre cidadãos e entidades governamentais. Frequentemente, eles são acusados de serem demasiado políticos; no entanto, a maior crítica se deve a que existem muito poucos para cobrir vários aspetos de assuntos relacionados com o desenvolvimento mundial. O jornalismo para o desenvolvimento atrai normalmente profissionais comprometidos com a mudança social, um dos princípios basilares do que se entende por jornalismo.

Porém, num contexto de crise económica em alguns países europeus, as questões de desenvolvimento não são exclusivas dos PVD, mas igualmente dos países industrializados. Apesar disso, num contexto de redução de recursos humanos com a finalidade de redução de custos, como acontece atualmente, o jornalismo de investigação acaba por ficar comprometido, pois em situações de emergência, os media tendem a enviar profissionais para geografias das quais têm, por vezes, pouco ou quase nenhum conhecimento do contexto político e cultural dessas realidades que vão cobrir. De igual forma, ao analisar as editorias da maior parte de órgãos de comunicação social em Portugal, não encontramos nenhuma edição exclusivamente dedicada às questões de desenvolvimento ou à sensibilização para essas questões, excepto quando ocorrem tragédias.

Roncallo-Dow, Uribe-Jongbloed e Calderón- Reyes (2013) propõem um diálogo que consolide uma comunidade que possa ver mais para lá dos seus próprios olhos e que não se refugie nas poucas certezas que se têm legitimado desde essa nossa visão limitada -muitas vezes feudal- da comunicação como campo de estúdio. Apesar disso, Tamayo e Bonilla (2014) contrariam essa tendência e apresentam uma análise exaustiva interpretativa das principais tendências que conduziram ao estudo da relação entre os meios de comunicação, o jornalismo e o confronto armado na Colômbia entre 2002 e 2012. No entanto, Galán-Gamero (2014) discorda dessas premissas ao afirmar que um dos fatores que influenciaram a atual crise de que padece o jornalismo, como indústria e como profissão, é o seu alheamento dos interesses sociais: que deixaram de exercer o "quarto poder", enquanto defensor desses critérios de noticiabilidade de interesse público -missão que, ao longo dos séculos, a sociedade depositou nessa atividade- que se converteu num sistema em que prevalece a obtenção do lucro sobre o cumprimento do bem social.

Resiliência, vulnerabilidade: uma agenda para o desenvolvimento pós-2015

A crise económica e financeira de 2008 afetou profundamente Portugal. Para cumprir as metas orçamentais, os portugueses foram severamente afetados na diminuição dos seus rendimentos e das suas condições sociais impostas pelo Governo e pela Troika.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE 2014), PNUD (2015), Eurostat (2015) e o Instituto Nacional de Estatística (2015), o crescimento da pobreza em Portugal atingiu cerca de dois milhões de pessoas com elevados níveis de vulnerabilidade social em 2015, o que sucede precisamente no limiar da revisão dos Objetivos do Milénio. Isso porque as grandes conquistas em aspetos cruciais do desenvolvimento humano, como a saúde e a nutrição, rapidamente podem ser postas em causa por uma catástrofe natural ou uma grave crise económica (PNUD, 2015), como sucedeu no caso português.

De igual forma, não é nova a discussão sobre as questões de desenvolvimento, principalmente, sobre que tipo de desenvolvimento de facto estamos a falar. Segundo Deaton (2009) e Ribeiro (2015), devido à complexidade dos problemas do desenvolvimento, a utilização persistente de um simples indicador agregado como o Produto Interno Bruto (PIB) pode ser uma medida insuficiente de bem-estar social. Para Roncallo-Dow, resulta particularmente difícil encarar a realidade social do milénio que começa tendo como suporte teórico e ideológico as visões paradigmáticas e monolíticas da ciência assim como as promessas incumpridas da modernidade. Deaton (2009) e Ribeiro (2015) reforçam, também, a complexidade dos problemas de desenvolvimento, o que em 2015 valeu o Prémio Nobel da Economia ao primeiro autor. Nesse sentido, é assumido internacionalmente entre experts e organismos internacionais o papel dos media nesse processo.

No limiar dessa revisão de objetivos e da adoção de uma agenda de desenvolvimento pós-2015, para um futuro sustentável com dignidade para todos, o Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG, 2015) recolheu as perspetivas sobre o mundo em que queremos viver, a partir do testemunho de mais de um milhão de pessoas em várias regiões do planeta. Durante um ano, várias pessoas envolveram-se em 88 consultas públicas a nível nacional, a partir de 11 diálogos temáticos, que são, aliás, temas essenciais de cobertura quando se fala em jornalismo para o desenvolvimento. Dessa recolha, resultaram algumas conclusões específicas. Em geral, os cidadãos exigem participar mais na mudança social do mundo e, assim, ter um papel mais ativo. As áreas fundamentais cobertas pelos objetivos do milénio continuam a ser muito importantes, nomeadamente, erradicar a pobreza extrema e a fome; alcançar o ensino primário universal; promover a igualdade de género e a autonomização da mulher; reduzir a mortalidade de crianças; melhorar a saúde materna; combater o HIV/Sida, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental; criar uma parceria global para o desenvolvimento. Os resultados mostraram também que as pessoas estão indignadas com a injustiça que sentem por causa do crescimento das desigualdades e insegurança que existe, sobretudo as pessoas mais pobres e marginalizadas. Para além disso, como os desafios são complexos e interligados, exigem uma agenda de desenvolvimento sustentado que seja integrada, universal e transversal a todos os países e todos os cidadãos, o que exige da sociedade civil uma nova agenda alicerçada nos direitos humanos, nos valores universais de igualdade, justiça e segurança.

Metodologia

Com a finalidade de se conseguir uma melhor governança para Portugal, foi retratado o impacto social das medidas de austeridade no país resultantes do Programa de Assistência Económica e Financeira, por meio do Projeto Troika (www.projectotroika.com), constituído em 2014 por oito fotógrafos profissionais e um documentarista, que se organizaram de forma independente, para "dar voz aos que não tinham voz" e para criar uma memória futura sobre o país.

Para isso, acompanharam vários lados da realidade portuguesa, alongo de um ano, cobrindo assuntos de resiliência e vulnerabilidade, construindo narrativas à volta de temas como a emigração, a pobreza, o desemprego e a precariedade, a terceira idade, o abandono e a crise. Aliás, temas que, para o coletivo, estavam a ser mal representados nos media tradicionais. Segundo eles, os meios de comunicação social não estavam a cobrir todos os lados da história nem a dar voz aos verdadeiros atores que sentiram o impacto direto dessas medidas.

Para responder às questões e objetivos deste trabalho, realizamos entrevistas estruturadas a partir de um guião previamente definido composto por questões abertas que foram enviadas por e-mail, dirigidas a todos os membros do coletivo dos oito fotógrafos e ao documentarista. Contudo, apenas dois fotógrafos, respetivamente, Vasco Célio e Rodrigo Cabrita, responderam tempestivamente, por e-mail. O documentarista Pedro Neves respondeu presencialmente e o seu conteúdo foi gravado. Essas entrevistas decorreram entre setembro de 2014 e maio de 2015. Os três profissionais têm carteira profissional de jornalista e foi nesse enquadramento que os entrevistamos. As entrevistas centraram-se nas cinco questões-chave abertas apresentadas na Tabela 1, no sentido de confirmar e reforçar alguns resultados já obtidos, foram ainda inquiridos, por meio de entrevista direta, os fotógrafos Adriano Miranda, Lara Jacinto e Paulo Pimenta.(tabla 1).

Tabela 1. Guião com as questões abertas colocadas 

A metodologia selecionada ao utilizar questões abertas predefinidas teve por finalidade permitir aos inquiridos maior liberdade na resposta e conduzir-nos ao conhecimento mais cabal da temática. No entanto, de acordo com a maioria dos autores, a interpretação desse tipo de resposta é mais difícil em geral e, no presente caso em particular, uma vez que cada um dos fotógrafos retratou uma temática distinta dos impactos da crise portuguesa. Apesar disso, teve a grande vantagem de nos permitir percecionar com mais rigor os resultados do Projeto Troika, visto segundo as perspetivas dos seus diferentes intervenientes, de uma forma mais abrangente e com pontos de vista distintos.

Discussão de resultados

De uma maneira geral, as palavras injustiça, desigualdade, denúncia, mudança social foram o tapete que fundamentou os motivos do coletivo Projeto Troika para desenvolver o projeto de forma totalmente independente, por meio do crowdfunding, e que tinha como intuito mostrar o lado desestruturante das medidas de austeridade em Portugal. Seguidamente, apresentam-se os resultados das respostas efetuadas aos principais intervenientes no Projeto Troika sobre a forma como este contribuiu para desvelar histórias invisíveis de vulnerabilidade e resiliência. Os resultados das entrevistas mostraram que os três entrevistados, de forma unânime, afirmaram que urgia criar um registo visual dos efeitos dessas medidas na sociedade portuguesa para memória futura, para elevar o debate público sobre a questão de pobreza, emigração, questões de terceira idade, vulnerabilidade social, desemprego e, nesse sentido, criar um efeito de reflexão sobre essas questões que, segundo eles, poderiam acontecer a qualquer um.

Célio (2015) considera que havia uma

[...] lacuna muito grande em Portugal de documentos visuais [ principalmente fotografia] que documentem as alterações sociais e espaciais do país, lacuna que se deve a um desconhecimento do valor e importância deste meio como registo fiel e direto, assim como fruto de um desinvestimento em cultura que se têm verificado nos últimos 20 anos.

Esse fotógrafo retratou o tema do abandono como herança e como futuro e considerou que isso foi abordado numa perspetiva de trabalho em equipa multidisciplinar na temática análise.

Por seu lado, Cabrita (2015) retratou o tema da terceira idade e a condição de vida de muitos idosos: "Gente que morre de indiferença sob todas as formas. Gente sem força, sem fé. Gente no fim da linha. Merecem mais. Quis compreender essa realidade. Assusta-me chegar lá." Cabrita vê na "concretização" do Projeto Troika um "enorme ato de cidadania" e considera que esse projeto pode contribuir para desvelar histórias invisíveis de vulnerabilidade e resiliência.

A partir de uma vontade coletiva dos membros do projeto conseguiuse chegar a muitos casos. Deu-lhes voz. A criação de um livro é a melhor forma de desvelar historias e emprestar uma dignidade enorme que não tem noutro formato. De alguma forma substituímos a própria comunicação social, que pelo seu enquadramento, pode e deve fazer mais neste aspecto. (Cabrita, 2015

Inquiridos sobre de que forma as narrativas visuais que realizaram podem contribuir ou não para o desenvolvimento, o documentarista Neves (2015) foi mais otimista ao se referir que:

[...] as narrativas visuais, como o Projeto Troika, têm o poder de alertar, consciencializar para uma realidade que desconhecem e que pode ser vizinha a qualquer um de nós. [.] Pode fazer a diferença, porque é intrínseco ao documentário que me interessa [...] é a ideia de denúncia; e considera que também serviu para isso, porque "ouço muitas pessoas que, depois de verem a sessão me vêm dizer que não sabia que as coisas eram assim, mas por vezes como alerta de consciências acho que sim que é possível.

Cabrita (2015) assume uma "frustração" pelo facto de o trabalho não ter um impacto direto na vida das pessoas retratadas.

[.] seria bom que alguém visse este trabalho, e também num ato de cidadania como este, ajudasse quem lá está retratado. Mas isto é uma ajuda pontual. A ajuda sustentada está no poder político. Independentemente dessa frustração, e até que o dedo doa, não devemos desistir nunca. Amanhã pode ser qualquer um de nós.

Para esse fotógrafo, as narrativas visuais podem contribuir ou não para o desenvolvimento a partir de uma ótica puramente política.

Depende sempre de muita coisa. De quem analisar documento, por exemplo. Essencialmente esse progresso só depende do poder político. Levamos isto até eles. Se fossem pessoas interessadas nas questões sociais teriam um papel interventivo. Veriam este projeto, ou outro, em vez de o ignorar. Pessoalmente, e em muitas fases do projeto pensei muitas vezes que isto não serve para nada, que a sua ação/intervenção quase não passa de uma utopia. Mas os sonhadores são assim. Quisemos visualmente fazer parte da história, dar o nosso contributo.

Sobre a questão de que forma o trabalho desenvolvido pode empoderar a sociedade civil para o desenvolvimento humano, Célio e Cabrita (2015) não são tão claros quanto à capacidade de o projeto em causa em-poderar a sociedade civil para o desenvolvimento e perspetivam funções diferentes. "Penso que só o facto de pararmos para olhar para estas imagens, já é um processo de pensar sobre estas questões", responde o primeiro autor. Por seu turno, Cabrita (2015) afirma que "somos uma pequena peça do puzzle que é a sociedade civil. Juntos podemos fazer a diferença, nesta ou noutra área profissional. A conclusão deste projeto é um exemplo disso. Venham mais exemplos". Em rigor, nenhum dos fotógrafos abre uma porta evidente sobre o potencial ou não de empoderamento do Projeto Troika, isto é, de, pelo projeto, dar ferramentas de mobilização que possam ter impacto direto no desenvolvimento.

Neves (2015) ressalva a importância da memória e do seu documentário como construção de uma identidade como locomotiva do empoderamento da sociedade civil.

O documentário é memória e dá-nos uma visão do mundo sobre um determinado tipo de realidade, se um dia olhamos para trás e queremos memória, o documentário é uma poderosa ferramenta de memória. O documentário é tempo e dá-nos esse tempo de reflexão e já uma reflexão que tem em vista proporcionar o debate e manter uma série de questões em aberto e dá-nos espaço para olhar. Considero que nos ajuda muito e nos pode ajudar muito à construção da identidade nacional que é uma construção de identidades também.

Sobre a questão em que medida o projeto desenvolvido se relaciona com a comunicação para o desenvolvimento, ou seja, sobre a potencial relação entre o Projeto Troika, o jornalismo e a comunicação para o desenvolvimento, Neves, Célio e Cabrita (2015) têm uma posição comum e assumem que há uma relação direta. Neves (2015) estende a sua resposta à sua própria experiência e refere que tem desenvolvido vários trabalhos na lógica que cruza o jornalismo, com o documentário e a comunicação para o desenvolvimento afirmando que:

Sinceramente considero que passa tudo por aí neste momento. Por acaso tenho feito muito isso [com o documentário] e considero que começa a haver cada vez mais essa consciência. Hoje vivemos num tempo de imagens e tempo de informação, uma avalanche de informação muito pouco desenvolvida e de imagens. [...] Eu já fiz dois documentários para a rede europeia antipobreza, um sobre gente que vivia sem rendimento mínimo .... era para desmistificar um pouco a questão dos rendimentos mínimos e os estereótipos à volta dessas questões, com uma família cigana que nunca tinha tido o rendimento mínimo. Esse documentário foi feito para passar em escolas, em formações e utilizaram-no como ferramenta para que as pessoas pudessem ver, através do filme, essas questões e debater essas questões.

De igual forma, Cabrita (2015) crê que tem "tudo a ver".

A fotografia é mais um veículo, é mais uma forma de comunicação como é a escrita, a pintura, etc. Cada uma tem o seu papel, são formas de expressão diferentes, mas que contribuem para essa ponte entre a arte e a forma de comunicar. Que sirva para desenvolvimento e, se possível, sustentado.

No sentido de comprovarmos o potencial acrescido do documentário face às fotografias, inquirimos, posteriormente, os fotógrafos Adriano Miranda, Lara Jacinto e Paulo Pimenta, que, genericamente, nos confirmam que a imagem em movimento

[...] tem essa capacidade emocional e contínua de colocar as pessoas a conversar sobre o assunto. Mais do que a fotografia, por serem imagens fixas sem outras linguagens. O facto de o documentário ter som e ser uma forma de representar a realidade em movimento cria esse potencial. Jacinto, 2015

Sobre a quinta questão, nomeadamente: que mudança social poderá ou não o Projeto Troika promover, os dois fotógrafos têm dúvidas. Assim, Célio (2015) crê que pode ter impacto ao nível de uma mudança na perceção da realidade. "Como com qualquer bom documento visual, faz com que passemos a ver de forma diferente". Por seu lado, Cabrita (2015) distende a resposta ao campo da esperança:

Espero que ajude a promover a redução da desigualdade e que traga a dignidade humana esquecida. Que promova uma sociedade justa para todos. Mas nós somos uma ínfima parte do processo, não somos a solução, mas gostava que tivéssemos uma percentagem no caminho até se encontrar uma.

Por seu turno, Neves (2015) considera que o impacto de um projeto como o presente vai depender sempre do uso que se faz dele.

Acho que depende de quem o ler e de quem o vir e de quem se quiser dar ao trabalho de refletir, pode ser um nível micro e espalhar-se um pouco. Nacionalmente sim, mas internacionalmente não, para se perceber que este não é o país de bons alunos e resignados, por isso, houve este coletivo que não se conformou e que houve gente que debateu, houve Boaventura Sousa-Santos que escreveu o prefácio. E é a esse nível, tenho aqui, aquilo que me agrada mais no projeto e que o faz funcionar que é o modo como se conseguiram ligar nove olhares completamente diferentes, em que cada um retratou aquilo que quis retratar, filmou ou fotografou aquilo que mais o impressionou, desde a pobreza extrema, à emigração, à geração "nem nem": que nem estuda nem trabalha, ao olhar das pessoas que passaram a recorrer ao programa alimentar. E há o trabalho mais concetual dos não lugares, o tal país que um dia ousou sonhar e lhe disseram que tinha sonhado demasiado alto, antes que o sonho se concretizasse, acho que é isso que o faz funcionar porque são muito diferentes. [...] e é esta perspetiva que pode funcionar, mostrar que há um outro lado que os mediae os políticos não estão a ter em conta.

Considerações finais

Por um lado, o Projeto Troika enquadra-se no que se considera ser o jornalismo para o desenvolvimento e aborda, a partir de um processo de investigação jornalística, sobretudo a injustiça social, o estado de um país em crise, por meio do tratamento narrativo de áreas temáticas consideradas prioritárias para a agenda das NU como as desigualdades (sociais), crescimento e emprego (a partir do desemprego), governança (de forma indireta pelo questionamento dos efeitos das medidas de austeridade) e dinâmica populacional (como as questões de emigração). Podemos mesmo afirmar que o projeto assume o papel de "advocacy" a favor dos "sem-voz".

As entrevistas ao documentarista Neves e fotógrafos Célio e Cabrita (2014 e 2015), e os resultados posteriores das entrevistas diretas aos restantes fotógrafos, dão conta que existe uma consciência dos intervenientes desse propósito de comunicação para o desenvolvimento, embora questionem a capacidade de o projeto "empoderar" a sociedade para a mudança. Essa visão de empoderamento para os entrevistados é respondida sob a perspetiva da importância do projeto que cria uma memória para a reflexão e financiado de forma totalmente independente. É a partir dessa lente que o coletivo realça o potencial do Projeto Troika para a mudança social. Ou seja, por meio de um "envolvimento" da sociedade civil para dar voz a quem não tem voz. Todavia, sob essa ótica, reconhecem que não empodera, de imediato, nem os indivíduos retratados nem a sociedade civil, e serve antes como um propósito de documento visual que retrata historicamente um período do país.

No entanto, à luz do que foi descrito nos parâmetros do jornalismo para o desenvolvimento, podemos considerar que, se o jornalismo, per si, é uma ferramenta poderosa que empodera os indivíduos e constrói comunidades locais mais fortes, que eleva a consciência global sobre desenvolvimento, então, nessa perspetiva, o Projeto Troika tem potencial de empoderamento visto que promove indivíduos mais informados sobre o tema. Para além disso, se o jornalismo para o desenvolvimento analisa as condições dos países em desenvolvimento e dá perspetivas de como melhorá-las, e se expõe questões de pobreza pelo mundo, o que contribui para investigar as causas, as consequências, bem como aborda questões de pobreza em PVD, podemos considerar que os elementos do projeto em causa, sendo jornalistas, chamam a atenção para assuntos que estão ignorados ou sub-representados por outros meios de comunicação social e pela comunidade política internacional.

Ainda, demonstra que, ao dar voz (amplificando problemáticas) a um universo amostral de afetados pelas medidas de austeridade da Troika, potencia uma reflexão, ainda que essa reflexão seja muito limitada. Conforme confirmamos, essa capacidade é mais potenciada pelo documentário (a imagem em movimento) do que as imagens fotográficas.

Assim, sugere-se que, em futuras temáticas jornalísticas nesse âmbito do jornalismo para o desenvolvimento, sejam combinadas, sempre que possível, narrativas que associem quer documentários, quer entrevistas registradas em áudio aos principais intervenientes, como forma de empoderar a sociedade e contribuir de forma mais eficaz para a mudança social.

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Para citar este artículo / to reference this article / para citar este artigo: Rodrigues, V., Diz, H. y Dos-Santos, M. J. P. L. (2017). O Projeto Troika em Portugal: media, resiliência e vulnerabilidade. Palabra Clave, 20(1), 184-212. DOI: 10.5294/pacla.2017.20.1.9

Recebido: 22 de Novembro de 2015; Revisado: 13 de Janeiro de 2016; Aceito: 25 de Fevereiro de 2016

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