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Palabra Clave

Print version ISSN 0122-8285On-line version ISSN 2027-534X

Palabra Clave vol.26 no.4 Chia Oct./Dec. 2023  Epub Jan 09, 2024

https://doi.org/10.5294/pacla.2023.26.4.3 

Artigos

Estudar o desconhecido, publicar o possível? A resposta à pandemia da covid-19 nas principais revistas Scopus em Ciências da Comunicação*

Scopus de Ciencias de la Comunicación

¿Estudiar lo desconocido, publicar lo posible? La respuesta a la pandemia de covid-19 en las principales revistas

Studying the Unknown, Publishing the Possible? Responding to the COVID-19 Pandemic in the Top Scopus Journals in Communication Sciences

1 Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal. fabior@utad.pt

2 Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal. soniasilva@utad.pt

3 Universitat Autònoma de Barcelona, Espanha. juanjose.perona@uab.cat


Resumo

Quando a Organização Mundial da Saúde declarou a pandemia da covid-19, em março de 2020, os cientistas desconheciam essa doença. Simultaneamente, a Organização das Nações Unidas pediu esforços concertados na divulgação de dados científicos sobre o vírus. Do ponto de vista da Medicina e da Biologia, é conhecida a resposta à pandemia, que viria a ser decisiva para o combate ao vírus, no entanto pouco se sabe sobre as preocupações que ocuparam os investigadores das Ciências da Comunicação, num momento no qual era necessário comunicar mensagens de risco à população. A partir de uma amostra das 20 revistas com maior fator de impacto no índice Scopus, procurámos caracterizar a investigação que cruzou a pandemia com a comunicação, no primeiro ano dessa crise (março 2020-março 2021). Nos 42 trabalhos apurados sobre a covid-19, percebeu-se que os investigadores não trabalharam numa lógica de parceria internacional, desenvolvendo estudos em que sobressaem as preocupações sobre os impactos digitais da covid-19 na sociedade.

Palavras-chave: Covid-19; Ciências da Comunicação; Scopus; revistas científicas; investigação

Resumen

Cuando la OMS declaró la pandemia de covid-19 en marzo de 2020, los científicos desconocían la existencia de esta enfermedad. Al mismo tiempo, la ONU pidió esfuerzos concertados para difundir datos científicos sobre el virus. Si desde el punto de vista médico y biológico se conoce la respuesta a la pandemia, que sería decisiva para combatir el virus, poco se sabe de las preocupaciones que ocupaban a los investigadores de las Ciencias de la Comunicación en un momento en que era necesario transmitir mensajes de riesgo a la población. A partir de una muestra de las 20 revistas más destacadas en el índice Scopus, se buscó caracterizar la investigación que cruzó la pandemia con la comunicación en el primer año de esta crisis (marzo 2020-marzo 2021). En los 42 trabajos sobre la covid-19, se concluye que los investigadores no trabajaron en una lógica de asociación internacional, donde se han destacado las preocupaciones sobre los impactos digitales de la covid-19 en la sociedad.

Palabras clave: Covid-19; ciencias de la comunicación; Scopus; revistas científicas; investigación

Abstract

As the WHO declared the COVID-19 pandemic in March 2020, scientists had little information about the virus. Consequently, the United Nations called for joint efforts to disseminate scientific data about the disease. If from a medical and biological point of view, the response to the pandemic is well-known - which would be decisive in the fight against the virus -, minimal information about the communicative dimension of this crisis is shared, especially in the Communication Sciences scope, in a time when it was necessary to deliver risk messages to the population. From a sample of 20 journals with the highest impact factor in Scopus, this article tries to characterize the research that focused on the pandemic with communication in the first year of this crisis (March 2020-March 2021). In the 42 papers on COVID-19, we found that researchers did not work in a logic of international partnership, as the concerns about the digital impacts of COVID-19 on society were substantially notorious.

Keyword: Covid-19; Communication Sciences; Scopus; scientific journals; research

Introdução

Em dezembro de 2019, começaram a surgir as primeiras notícias sobre um novo coronavírus que se propagava na China e que, aos olhos do resto do mundo, parecia um problema muito distante. Todavia, rapidamente começaram a ser identificados casos dessa doença em vários países asiáticos e, em fevereiro de 2020, foram diagnosticados os primeiros casos no continente europeu. A partir dessa data, o problema ganhou outra dimensão. Como é que esse vírus se contagiava? Quais os seus sinais e sintomas? Que medidas deveriam ser implementadas para evitar a sua propagação? Quais as consequências da doença em longo prazo? Qual a sua taxa de mortalidade? Todas as perguntas estavam, ainda, por responder.

Em face do rápido contágio do novo coronavírus e do desconhecimento das suas características, em janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o estado de emergência de saúde pública de nível internacional, como forma de conter a propagação global da doença (Ruão e Silva, 2021). De imediato, médicos, profissionais de saúde pública e cientistas uniram-se na procura de dados que permitissem identificar o agente causador desse surto e, dessa forma, implementar um conjunto de medidas significativas para reduzir o seu risco de transmissão (Calisher et al., 2020).

O aparecimento do novo vírus veio desafiar os cientistas bem como os processos de divulgação da ciência a um nível sem precedentes (Riccaboni e Verginer, 2022). Nem a experiência obtida em surtos mais recentes como o H1N5 ou o H1N1 se mostrou suficiente para alcançar as respostas necessárias. Em muito pouco tempo, tornou-se urgente encontrar explicações para questões complexas relacionadas com o vírus; partilhar novas descobertas com colegas cientistas e profissionais de saúde; e, ainda, desenvolver estratégias de comunicação de risco adequadas para apresentar essas informações a uma população global confusa e assustada, mas cuja participação através de comportamentos de prevenção e contenção adequados se revelava essencial (Saitz e Schwitzer, 2020).

Diversos estudos têm até sinalizado que a diminuição do risco associado a questões de saúde pode depender da utilização eficaz de redes sociais (Biswas, 2013; Mollema et al., 2015). Por comunicação de risco, entende-se uma estratégia que combina a comunicação e os média, a gestão e a definição de políticas (Boholm, 2008). De acordo com o mesmo autor, a comunicação de risco tem surgido como um dos vetores mais importantes na ação governativa de diversos políticos à escala global, designadamente no âmbito da saúde, do ambiente, da regulação alimentar e do planeamento urbano. No entanto, esta parece ser uma perspetiva demasiado simplista, uma vez que apenas circunscreve o território do risco, mas ignora o papel dos stakeholders, dos comunicadores e da compreensão que pode ser gerada a partir da intervenção de múltiplos atores sociais (Lemon e VanDyke, 2021).

A 11 de março de 2020, a gravidade e a velocidade do contágio dessa doença desconhecida (então denominada “covid-19”) levaram a OMS a declarar o estado de pandemia global (León et al., 2022). Nesse contexto de crise de saúde pública mundial, cientistas, especialistas em saúde e líderes governamentais têm a responsabilidade especial de informar a população (Ruão e Silva, 2021). De acordo com Vaughan (2009), cabe a esse grupo desenvolver estratégias de comunicação de risco adequadas, capazes de esclarecer os factos científicos; transmitir mensagens claras e precisas que motivem os indivíduos a adotarem comportamentos individuais de proteção; atualizar as informações de risco; criar sentimentos de segurança e dissipar rumores.

Especialmente nas primeiras semanas, o receio e a falta de conhecimento geral sobre a situação levaram a população a exigir informação precisa da comunidade científica, num momento no qual ainda existiam principalmente dúvidas e incertezas (Léon et al., 2022). Este foi, pois, o terreno fértil para o surgimento de outra crise que o diretor-geral da OMS intitulou de “infodemia”. A falta de dados científicos concretos aliada à dificuldade dos cientistas para “traduzirem” a linguagem científica e à crescente proliferação de informação falsa ou não confirmada nas redes socias deu origem a uma escalada de desinformação nunca antes conhecida na história (Finset et al., 2020; Léon et al., 2022; Salaverría, 2021). Essa escalada de desinformação rapidamente se tornou numa das principais preocupações dos governos e das autoridades de saúde pública, já que a sua proliferação motivava a população a adotar comportamentos inadequados e a colocar a saúde coletiva em risco (Srivastava et al., 2020).

Que mensagens de risco deveriam ser enviadas à população? Que medidas podiam ser tomadas para combater a disseminação de rumores e de notícias falsas? De que forma deveriam as autoridades comunicar para promover a adoção de comportamentos adequados por parte da população? Como é que as tecnologias digitais poderiam ser utilizadas para divulgar informação credível e tranquilizar a sociedade? Estas são, de resto, algumas questões cuja resposta pressupõe o envolvimento de cientistas das ciências da comunicação.

Ao longo de 2020 e 2021, foram tornados públicos muitos resultados da produção científica realizada no âmbito da medicina, da biologia, entre outras ciências naturais. Todavia, embora tenham sido produzidos trabalhos relevantes do ponto de vista da informação e da interação no contexto da pandemia, pouco se sabe ainda sobre as principais preocupações dos investigadores que se dedicaram a publicar artigos sobre os impactos da covid-19 nas mais diversas áreas das ciências da comunicação. É precisamente nesse quadro que subscrevemos o presente estudo, que procura responder à seguinte questão: “como se pode caracterizar a investigação na área das ciências da comunicação sobre a covid-19, nos primeiros 12 meses após a declaração da OMS, nas revistas de maior impacto no âmbito mundial?”

Partindo de uma amostra das 20 revistas com maior fator de impacto no índice Scopus, este artigo procura caracterizar a investigação que cruzou a pandemia com a área da comunicação no primeiro ano da crise pandémica (março 2020-março 2021). Da análise das revistas, foram apurados 136 artigos, dos quais 42 sobre a covid-19, que correspondem ao corpus de análise deste estudo.

Depois de recolhidos, esses trabalhos foram observados a partir de uma metodologia quantitativa-qualitativa que privilegiou a análise de conteúdo como a técnica adequada para interpretar e mapear a investigação que se produziu nas Ciências da Comunicação durante a pandemia.

Em termos de organização, este artigo divide-se em duas partes. Na primeira, faz-se uma breve discussão teórica em torno dos desafios que a pandemia trouxe para a comunidade científica internacional. Em seguida, apresenta-se o estudo empírico e os respetivos resultados da investigação.

A emergência da desinformação perante o desconhecido

De acordo com Salaverría (2021), existem alguns fatores que contribuem para a desinformação sobre ciência e cuidados de saúde. Um deles é, precisamente, a aceleração dos processos de publicação científica. Nos últimos anos, a escassez de financiamento para a ciência tem incrementado a competição entre investigadores, cujo mérito se mede, essencialmente, pela sua produtividade científica (Léon et al., 2022). Todavia, esse aumento de publicações não se fez acompanhar de uma maior e melhor aproximação dos resultados científicos à sociedade. A comunicação do conhecimento científico para a população é uma tarefa complexa e, tal como lembra Salaverría (2021), seja por falta de capacidades de comunicação dos cientistas, seja simplesmente por desinteresse, a divulgação das atividades científicas é escassa.

Durante a pandemia provocada pela covid-19, a necessidade de encontrar respostas imediatas para um vírus desconhecido motivou a multiplicação de investigação científica que foi publicada em tempo recorde (Carvalho et al., 2020; Léon et al., 2022). Em particular, destacou-se a publicação de trabalhos na versão preprint. Essas versões dizem respeito a manuscritos que ainda não passaram pelo processo de revisão por pares e que permitem aos autores obter feedback prévio dos pares e, consequentemente, implementar sugestões de melhoria ao seu trabalho. De acordo com Else (2020), estima-se que, nos primeiros meses de 2020, o número das publicações preprint tenha aumentado quase 100 vezes em relação ao ano de 2019. Para Léon et al. (2022), importa lembrar, ainda assim, que alguns desses artigos assumiram o formato de textos de opinião ou de espaços para recomendações.

Riccaboni e Verginer (2022) também perceberam que, nos primeiros três meses após a pandemia, o número de artigos científicos sobre a covid-19 já era cinco vezes superior ao número de estudos que foram publicados sobre o surto H1N1 (gripo suína). Esse número de trabalhos advém, principalmente, da área da Medicina, mas investigadores da Matemática, da Física, da Biologia, da Sociologia etc. também contribuíram (Carvalho et al., 2020) para aquilo a que Hook e Porter (2020) chamaram “covidização da investigação”.

Mas nem só de números se fez essa “covidização da investigação”. Mais importante do que produzir conhecimento foi transferi-lo para a sociedade e, por isso, a 30 de março de 2022, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) reuniu 122 ministros da Ciência para debater e reforçar as políticas de partilha de dados sobre a doença (Unesco, 2020). Nesse encontro, foi referida a importância do acesso aberto para melhorar e agilizar a pesquisa de uma nova vacina, bem como para informar sobre as medidas de saúde pública essenciais na contenção da propagação do vírus (Unesco, 2020). Também em virtude desse encontro, as publicações relacionadas com a covid-19 passaram a estar disponíveis para a consulta, sem qualquer barreira, incluindo os estudos publicados em revistas de topo, obedecendo à lógica da ciência aberta (Carvalho et al., 2020; Léon et al., 2022).

Numa notícia publicada no Jornal de Notícias, um dos principais jornais portugueses, a 16 de julho de 2022, pode ler-se que a ciência aberta, tal como se pretende, deve facilitar e acelerar o progresso científico e incentivar a transferência do conhecimento não esquecendo a importância de contribuir para os processos de investigação mais transparentes (Ferreira, 2022). Do ponto de vista da sua essência, o acesso aberto deve chegar a mais pessoas e a mais organizações de maneira a multiplicar o seu impacto positivo (Ferreira, 2022).

Durante a pandemia, o processo científico tornou-se amplamente conhecido. Léon et al. (2022) vieram lembrar a covid-19 demonstrou que a comunicação da ciência à sociedade é fundamental, já que enriquece o debate público e possibilita o desenvolvimento da compreensão e do espírito crítico da população em face de temas complexos.

Não parecem, pois, restar muitas dúvidas sobre os contributos positivos da ciência para a crise sanitária atual. Graças à rápida mobilização e colaboração da comunidade científica e do setor empresarial, foi possível o desenvolvimento de várias vacinas em tempos nunca antes imaginados (Hook e Porter, 2020; Maia et al., 2021). Essas vacinas representam, de resto, os elementos de esperança rumo ao fim da pandemia e ao regresso da “normalidade”, que parece estar cada vez mais próximo.

Todavia, essa “covidização da investigação” também tem os desafios e as consequências negativas. Como afirmou Else (2020), a ciência precisa de repouso. O processo de publicação científica é normalmente lento. Frequentemente, os investigadores precisam de meses ou até anos para apresentar os seus resultados (Léon et al., 2022).

A pandemia veio acelerar o processo de investigação científica. Desde o seu início, a sociedade tem vindo a exigir certezas sobre um tema que é, ainda, muito incerto, pressionando os investigadores a reduzir drasticamente o seu tempo para procurar respostas. Como consequência, durante esse período, também foram publicados artigos com baixa qualidade ou com dados científicos pouco fundamentados (Léon et al., 2022). Além disso, o forte investimento na produção de conhecimento centrado na covid-19, fez com que todos os “outros assuntos” passassem para segundo plano (Else, 2020). De acordo com Riccaboni e Verginer (2022), o Sars-Cov-2 veio realinhar as prioridades de investigação em nível mundial. Hook e Porter (2020) vão mais longe ao considerar que a “covidização da investigação” não é mais do que uma “fuga de cérebros” com outro nome.

Mas essa afirmação não é verdadeira para todas as áreas científicas. É certo que campos como a Medicina, a Saúde Pública, as Ciências Farmacêuticas e outras Ciências Naturais, encontraram uma boa oportunidade para produzir e difundir conhecimento útil à sociedade. Porém, para as disciplinas das Ciências Sociais, nomeadamente as Ciências da Comunicação sobre a quais se debruça esse trabalho, tiveram mais dificuldade para reorientar as suas prioridades de investigação, não obstante a sua relevância no contexto da definição de estratégias de comunicação adequadas para informar sobre os riscos da doença e, consequentemente, promover comportamentos individuais de proteção e de combate à infeção coletiva.

A par com essa realidade, também o fecho geral das instituições impelido pelos períodos de confinamento prejudicou a atividade científica (Abramo et al., 2022; Korbel e Stegle, 2020). Se, por um lado, muitos cientistas ficaram impossibilitados de trabalhar devido ao encerramento das suas unidades de investigação (e esse aspeto é especialmente válido para estudos que envolvem experiências, por exemplo, Korbel e Stegle [2020]), por outro, a adoção do trabalho a distância dificultou a interação entre as equipas de investigação e ainda obrigou a uma reconfiguração global da articulação entre a vida profissional e a familiar (Abrama et al., 2022) que, naturalmente, teve impacto na produtividade dos cientistas.

Ainda assim, parece não haver muitas dúvidas. Registou-se, de facto, um aumento da produção científica sem precedentes. Essa é, de resto, a conclusão de vários trabalhos que, à semelhança do que aqui pretendemos fazer, se centraram na ideia de uma bibliometria de publicações científicas e procuraram medir e avaliar o impacto da pandemia na produção científica em diferentes áreas e contextos. Abramo et al. (2022), por exemplo, procuraram avaliar se o número de preprints publicados sobre a covid-19 revelava desigualdade de género na autoria dos trabalhos. Carvalho et al. (2020), por seu turno, realizaram uma comparação entre os artigos publicados durante o surto H1NI e durante o surto provocado pela covid-19. Já Riccaboni e Verginer (2022) analisaram o impacto da pandemia na investigação produzida no campo das ciências da vida. Raynaud et al. (2021) realizaram um estudo sustentado na hipótese de que a covid-19 teve impacto na investigação sobre outros temas não relacionados com o coronavírus. Por fim, Oliveira et al. (2021) analisaram a produção científica mundial relativa à covid-19, tendo por base os artigos publicados pela Web of Science, em maio de 2020.

Ainda que, em escala inferior, a ciência que se produziu neste período não se limitou às Ciências Naturais. Tal como defenderam Lane e Lifshitz-Assaf (2022), as investigações realizadas no âmbito das Ciências Sociais tiveram um papel decisivo na definição e na promoção de políticas públicas que se revelaram fundamentais na gestão da pandemia. No campo das Ciências da Comunicação em particular, Ruão e Silva (2021) concordaram que o surgimento do novo coronavírus fez com que os estudiosos da comunicação tivessem uma excelente oportunidade para se observar o processo de envio de mensagens de risco ao público em geral. Com base nestas afirmações, a presenta investigação procurou caracterizar o impacto da covid-19 no conhecimento produzido nas Ciências da Comunicação, tendo como referências as revistas de topo na área, em termos de indexação.

Metodologia

Com base na discussão apresentada anteriormente, este artigo procura refletir sobre a resposta das revistas académicas mais bem cotadas no índice Scopus às preocupações motivadas pela pandemia da covid-19. Com efeito, este artigo utiliza uma metodologia quanti-qualitativa, na tentativa de superar, tanto quanto possível, as limitações de cada uma dessas abordagens, oferecendo o melhor desempenho possível na adoção desses dois entendimentos científicos (Taipale e Fortunati, 2013). Nesse sentido, optou-se por uma amostra por conveniência, seguindo o entendimento de estudos anteriores como de Grimes e Peirce (2013), pela simplicidade de recursos associados a esse procedimento, o que sugere a impossibilidade de assumir os resultados desta investigação como representativos da população em geral. Posteriormente, definiu-se que a observação da amostra seguiria uma “análise latente”, suportada no trabalho de Bengtsson (2016), em que o investigador desenha uma estrutura profunda para a compreensão de um determinado fenómeno empiricamente observável. Desse modo, avançamos com a seguinte pergunta de investigação: “como se pode caracterizar a investigação na área das Ciências da Comunicação sobre a covid-19, nos primeiros 12 meses após a declaração da OMS, nas revistas de maior impacto no âmbito mundial?”

Instrumentos de pesquisa

À data da realização deste artigo, as revistas com maior fator de impacto no ranking SCImago Journal, do Scopus, constam da Tabela 1.

Tabela 1 Lista das 20 revistas indexadas no Scopus, na área Ciências Sociais-Ciências da Comunicação, em abril de 2022 

Ranking Nome da revista País da editora
1. New Media and Society Reino Unido
2. Journal of Advertising Estados Unidos
3. Digital Journalism Reino Unido
4. Information Communication and Society Reino Unido
5. Communication Methods and Measures Estados Unidos
6. Communication Research Estados Unidos
7. Journal of Communication Estados Unidos
8. Internet Research Reino Unido
9. Political Communication Reino Unido
10. Applied Linguistics Reino Unido
11. Big Data and Society Reino Unido
12. Communication Monographs Reino Unido
13. Human Communication Research Estados Unidos
14. Comunicar Espanha
15. Online Social Networks and Media Países Baixos
16. International Journal of Advertising Reino Unido
17. International Journal of Press/Politics Estados Unidos
18. European Journal of Communication Reino Unido
19. Mobile Media and Communication Estados Unidos
20. Public Relations Review Países Baixos

Fonte: elaboração própria.

Uma análise simples à tabela anterior determina a concentração editorial em dois países, com o Reino Unido (10 em 20) e com os Estados Unidos (7 em 20) em claro destaque. A exceção dos Países Baixos, com 2 publicações próprias, e 1 revista espanhola, confirmam essa hegemonia editorial. Embora a natureza desses rankings seja flutuante, a verdade é que, na altura da recolha desses dados, todas as revistas incluídas nesta amostra pertenciam ao quartil de indexação mais elevado (Q1).

De seguida, procurámos localizar os artigos que pudessem corresponder ao desígnio da pergunta inicial, utilizando a fórmula de localizar os referidos trabalhos, utilizando palavras/expressões próximas do objeto de estudo (“covid-19”, “pandemic”, “Sars-CoV-2”). Esse primeiro mapeamento resultou em 136 artigos que, de algum modo, cruzavam a temática “covid-19” com alguma área das ciências da comunicação. Contudo, uma análise mais detalhada demonstrou, claramente, que um grande número nesse grupo de artigos utilizou apenas a pandemia como contexto, numa lógica instrumental, longe dos propósitos que aqui se pretende seguir. Assim, restringimos a amostra para 42 artigos, assumindo que estes efetivamente dedicam à covid-19 uma reflexão apropriada, substantiva e relativamente densa. De seguida, apresentamos as variáveis e os respetivos indicadores que serviram de base à análise de conteúdo dos artigos científicos selecionados para a amostra:

  • acesso aberto (disponibilização do artigo em acesso livre, sem necessidade de pagamento);

  • data de publicação;

  • número de autores;

  • gênero dos autores;

  • número de países em cada artigo;

  • países das universidades que constam na autoria do artigo;

  • contexto geográfico ao qual reporta o estudo, designadamente o país;

  • enquadramento temático (a partir de um exercício de interpretação tendo como referência os grupos de investigação da International Association Communication [ICA], uma das mais conceituadas a nível mundial);

  • assunto concreto em análise (definição de um tema sintético que resuma o trabalho publicado);

  • centralidade do tema covid-19 no artigo (caso o artigo incida a abordagem, com total protagonismo, na pandemia, atribuiu-se a nota “1”); caso apenas tenha sido dedicada uma abordagem ilustrativa, de contexto, definiu-se a nota “2”. Em qualquer caso, sublinhe-se que todos os artigos que apenas utilizaram uma formulação contextual sobre a covid-19 foram excluídos;

  • metodologias de investigação utilizadas (a partir do referencial de Quivy e Campenhoudt [1992], optámos por enquadrar quantitativa, qualitativa, mista e experimental);

  • técnicas de investigação (seguindo o anterior referencial teórico, identificaram-se as técnicas utilizadas pelos diversos autores).

Análise de resultados e discussão

De facto, uma análise mais rigorosa permitiu identificar artigos científicos que dedicaram à pandemia de covid-19 um certo protagonismo que permite retirar conclusões mais densas (Tabela 2). A identificação de textos apenas pela fórmula de pesquisa apresentada introduziria um viés francamente perturbador na amostra, uma vez que 69,1% dos artigos utilizam a pandemia como um mero dado contextual num determinado trabalho. Trata-se da primeira conclusão deste trabalho: na resposta à pandemia, os artigos não dedicaram, na sua maioria, uma atenção particular à doença de covid-19, remetendo-lhe apenas uma natureza acessória e contextual.

Tabela 2 Distribuição dos artigos sobre a covid-19 nas primeiras 20 revistas indexadas no Scopus, na área Ciências Sociais-Ciências da Comunicação, em abril de 2022 

Ranking Nome da revista Número de artigos
1. New Media and Society 3
2. Journal of Advertising 1
3. Digital Journalism 6
4. Information Communication and Society 1
5. Communication Methods and Measures 0
6. Communication Research 0
7. Journal of Communication 0
8. Internet Research 3
9. Political Communication 0
10. Applied Linguistics 0
11. Big Data and Society 16
12. Communication Monographs 0
13. Human Communication Research 0
14. Comunicar 2
15. Online Social Networks and Media 6
16. International Journal of Advertising 0
17. International Journal of Press/Politics 1
18. European Journal of Communication 0
19. Mobile Media and Communication 1
20. Public Relations Review 2
Total 42

Fonte: elaboração própria.

Nesse sentido, a análise da Tabela 2 sugere, desde logo, que 9 das 20 revistas analisadas não apresentem qualquer artigo científico substantivo sobre a covid-19, o que configura quase metade da amostra. Os dados são inevitavelmente condicionados pelo número especial que a revista Big Data and Society concedeu à pandemia. De resto, com a exceção da Digital Journalism (com 6 artigos), o nível de publicação oscilou entre 1 e 2 publicações.

Antes de entrar na análise concreta dos artigos, apresentamos a seguinte nuvem de palavras (Figura 1), que pode ajudar a traduzir, a partir do título, o sentido dos textos publicados sobre covid-19 nas revistas especializadas em comunicação.

Fonte: Word Cloud Generator.

Figura 1 Palavras mais recorrentes na amostra 

Segundo a ferramenta Word Counter, para além das palavras “covid-19” e “pandemia”, os títulos recorreram sobretudo aos termos “dados” (3%), “notícias” e “social”, todos com 2%. Seguem-se “digital” e “Twitter”, com 1%. Ainda que num nível modesto, percebe-se aqui alguma inclinação para uma abordagem da covid-19 a partir do digital, que será confirmada em muitas variáveis que de seguida se apresentam.

No que diz respeito à nuvem de palavras, também é possível intuir algumas considerações. Com a exceção das expressões que surgem com natural destaque, percebe-se que alguns grupos de notório interesse por parte dos investigadores: governação; dados; desinformação; notícias; jornalismo; apenas para citar alguns exemplos.

Com relação ao acesso aberto, que inspirou algum do debate teórico que anteriormente expusemos, os resultados indicam que a maior parte dos trabalhos (30 em 42) se encontra em regime de consulta livre e gratuita e apenas 12 se enquadram numa política de pagamento às editoras. Esse dado reforça a ideia de que a produção científica sobre a covid-19 foi disponibilizada, maioritariamente, sem custos associados.

Um dos parâmetros que pode ajudar a perceber a reação dos investigadores à declaração da pandemia, em março de 2020, consiste na data de publicação dos artigos, conforme sugere o gráfico da Figura 2.

Fonte: elaboração própria.

Figura 2 Evolução temporal das publicações sobre a covid-19 na amostra 

Nos primeiros meses, verifica-se um intensificar das publicações até a um pico de sete (julho 2020) e seis (agosto 2020), mas é a partir de outubro que os artigos encontram um nível equilibrado, entre quatro a seis trabalhos publicados por mês. Em traços gerais, a média de artigos publicados fixou-se em quatro por mês.

Outra das premissas que sustentam este trabalho relaciona-se com a possibilidade do trabalho em grupo, uma situação que foi evidenciada na pandemia, com cientistas de diversas latitudes geográficas que trabalharam em conjunto. A amostra integra 42 artigos, em que surgem 101 autores, dos quais 42 são mulheres e 59, homens, o que sugere um nível equilibrado em termos de gênero. Quanto à hipótese do trabalho colaborativo, os dados confirmam essa possibilidade. A maior parte dos artigos (28 em 42) foi escrita por mais do que um autor. Um dos artigos foi escrito por 9 investigadores, o limite máximo registado, no entanto o valor modal nessa variável foi 2 autores (11 textos). No entanto, se fizermos uma análise mais concreta a essas dinâmicas de cooperação académica, percebe-se que houve um limitado intercâmbio académico, na medida em que 35 artigos reuniram autores do mesmo país. Apenas 7 trabalhos foram realizados numa lógica de colaboração internacional, com a integração de 2 países (2 casos), 3 países (4 artigos) e até 5 países diferentes, num desses trabalhos.

Na globalidade dos países considerados, os Estados Unidos surgem com maior persistência, em 13 dos 42 artigos, o que totaliza uma percentagem de 31%, o valor mais elevado nessa variável de análise. Muito distante dos 5 artigos com participação de universidades do Reino Unido e de 3, do Canadá. Percebe-se com alguma facilidade que o lote de países inclui geografias de países desenvolvidos e industrializados, sobretudo da Europa, que se traduz em 27 dos 42 trabalhos analisados. Países africanos não surgem e do continente sul-americano apenas esporádicas participações de Brasil e Argentina, e na Ásia com o caso de Singapura.

Outra variável que se relaciona com a anterior perspetiva refere-se ao enquadramento geográfico que sustenta o trabalho científico. O que se pretende conhecer neste ponto consiste na eventual coincidência de os cientistas terem uma maior ou menor predisposição para estudarem a realidade que os rodeia. A maior parte dos artigos não se concentra na análise de um país em particular (25 em 42 casos) e estabelece uma reflexão abstrata e distante de um país em particular. De qualquer modo, quando surge um estudo focado num país em concreto, a maioria das vezes (10 em 11 artigos) refere-se a uma realidade distinta dos países das universidades que assinam os trabalhos.

Relativamente à natureza do trabalho, a maior parte dos textos constituem um modelo clássico de artigo científico (27 em 42), no entanto algumas revistas publicaram comentários a questões concretas sobre a covid-19 (15 em 42). Como se tratam de contributos que seguem um modelo académico e científico muito próximo ao artigo, uma vez que incluem também revisão de literatura e algum entendimento metodológico, manteve-se esse tipo de trabalhos na amostra.

Na variável seguinte, procurámos compreender qual seria o âmbito temático dominante nos artigos estudados. Ainda que deva ser sublinhada alguma subjetividade a esse respeito, entendeu-se que a abrangência dos grupos da ICA poderia servir esse propósito1. Desse modo, a Tabela 3 evidencia a categorização desse nível de análise.

Tabela 3 Distribuição dos artigos com base nos grupos de trabalho da ICA 

Nome do grupo da ICA Número de artigos
Communication and Technology 22
Journalism Studies 4
Communication Law and Politics 3
Mobile Communication 3
Visual Communication Studies 3
Health Communication 2
Organizational Communication 2
Feminist Scholarship 1
Interpersonal Communication 1
Political Communication 1
Total 42

Fonte: elaboração própria.

A Tabela 3 demonstra, de forma inequívoca, que metade dos trabalhos publicados sobre covid-19 e comunicação se insere numa perspetiva francamente tecnológica e digital. Tal como iremos abordar de seguida, os autores evidenciaram tipicamente preocupações que colocavam os indivíduos junto de dimensões técnicas e digitais. Grande parte dos governos utilizou ferramentas on-line para informar os cidadãos, desenvolver estratégias de rastreamento de contactos e acaba por ser natural esse plano de coincidência entre esse contexto tecnológico e o interesse dos cientistas nessa área de conhecimento.

Alguns estudos versaram ainda outras questões importantes no universo das Ciências da Comunicação, no caso específico do jornalismo (4 artigos), na regulação da comunicação, nos dispositivos móveis ou nos estudos visuais da comunicação (todos estes com 3 trabalhos cada).

Essa variável torna-se útil pelo efeito de sistematização que produz, no entanto revela-se manifestamente insuficiente para perceber a natureza concreta dos trabalhos realizados. Por isso, foi necessário apurar o assunto tratado nos artigos da amostra de modo a conhecer um pouco melhor as preocupações científicas dos autores. Apesar de o exercício de agrupar as temáticas dos artigos poder redundar num esforço subjetivo, que dependerá da leitura de cada investigar, os 42 trabalhos podem ser organizados do ponto de vista temático com a seguinte estrutura (Tabela 4).

Tabela 4 Distribuição dos temas genéricos dos artigos 

Ranking Assunto genérico do artigo Frequência
1. Desinformação 9
2. Big data 7
3. Reflexões genéricas sobre o digital e a covid-19 6
4. Aspetos concretos do digital na gestão da pandemia 6
5. Impacto da pandemia no jornalismo 5
6. Dimensão visual da covid-19 4
7. Sociabilidade on-line durante a pandemia 3
8. Comunicação organizacional e gestão da pandemia 2
Total 42

Fonte: elaboração própria.

A primeira análise relativa ao assunto que genericamente domina os artigos produzidos sobre a covid-19 e as Ciências da Comunicação sugere a introdução do digital na grande parte dos trabalhos realizados. Essa perceção já tinha sido levantada com a integração da maioria dos artigos indexados no grupo de “comunicação e tecnologias”. A necessidade de controlar os efeitos pandémicos com recurso a aplicações móveis, num regime sociabilidade claramente voltado para o digital, devido à necessidade de distanciamento físico, ajudam a explicar, sumariamente, essa perceção. Contudo, observemos cada um dos sete grupos genéricos de temas:

  • Desinformação: perante uma doença amplamente desconhecida pela comunidade científica internacional, o terreno dos factos sobre a covid-19 conviveu com muitas mentiras, naquilo que se vulgarizou com o termo “desinformação”. Os investigadores não ignoraram essa importante realidade, pelo que o grupo mais representativo de temas reside nessa dimensão de análise. Em termos mais concretos, os cientistas publicaram trabalhos sobre a necessidade de regulação governamental para a desinformação (2 artigos), as plataformas que verificam factos (2), as conspirações produzidas sobre a pandemia (2), ou mesmo análises ao papel das redes sociais, como o Facebook (1) e o Twitter (1), como promotoras de espaços de informações factuais e verificáveis.

  • Big data: os 7 artigos colocados nesta categoria evidenciam de forma notória uma preocupação dos investigadores em debater os “riscos” associados à concentração massiva de dados por instituições públicas e privadas (4 artigos). Nota ainda para 2 estudos de caso de aplicações móveis que foram utilizadas durante os períodos mais intensos da pandemia e um outro trabalho que denunciava a desigualdade de género potenciada pelos big data.

  • Refiexões genéricas sobre o digital e a covid-19: ao contrário das categorias anteriores, também foi possível identificar artigos (6) que apresentavam considerações dispersas sobre a pandemia, mantendo a linha que percorre grande parte dos trabalhos - o digital. Desse modo, encontrámos artigos sobre corpo e tecnologia, a proximidade durante a pandemia, o stress provocado por diversos confinamentos ou até mesmo a capacidade pedagógica dos vídeos publicados para orientar comportamentos profiláticos.

  • Aspetos concretos do digital na gestão da pandemia: neste item que reuniu 6 artigos, verifica-se a predominância de trabalhos sobre o papel das aplicações móveis no controlo da pandemia (4) e ainda 2 trabalhos sobre a problemática da privacidade dos dados que digitalmente foram recolhidos durante os períodos mais intensos de propagação da doença de covid-19.

  • Impacto da pandemia no jornalismo: neste grupo de 5 artigos, discutiram-se essencialmente os efeitos nefastos da pandemia no exercício da atividade jornalística. Com a redução de movimentos, a imposição de confinamentos e a obrigatoriedade de distanciamento físico, os jornalistas ficaram limitados no seu raio de atuação. Sem surpresa, uma certa asfixia financeira impôs-se nas redações e a sobrevivência de muitos órgãos de comunicação social esteve seriamente afetada. Em diversos países, discutiu-se a necessidade de existir financiamento público ao jornalismo, o que motivou dois artigos encontrados na amostra. De resto, os restantes trabalhos estudaram a exposição dos cidadãos a conteúdos jornalísticos sobre a covid-19, a representação do movimento antivacinas pelos jornalistas e ainda uma reflexão mais genérica sobre a qualidade do jornalismo desenvolvido durante a pandemia.

  • Dimensão visual da covid-19: neste grupo e nos seguintes, encontrámos artigos com menor expressão na frequência, mas que sugerem abordagens interessantes no estudo do cruzamento da pandemia com temáticas da comunicação. Neste caso, verificámos o interesse dos cientistas em refletir sobre a utilização de elementos visuais para comunicar sobre a covid-19 (4).

  • Sociabilidade on-line durante a pandemia: neste conjunto relativamente disperso de temas (3), os investigadores estudaram a criação de memes publicados na internet, naturalmente sobre a covid-19, a natureza das conversas (tweets) no Twitter entre os utilizadores dessa rede e ainda um outro estudo sobre as perceções genéricas partilhadas pelos cidadãos sobre a pandemia nas redes sociais.

  • Comunicação organizacional e gestão da pandemia: por último, 2 artigos que discutiram a implicação das organizações na gestão comunicacional da pandemia, num caso a partir de um estudo de caso de uma empresa e no outro com uma universidade em concreto.

No que diz respeito à centralidade do assunto “covid-19” nos artigos analisados, houve a necessidade de apurar a centralidade da pandemia nas reflexões dos investigadores. Nesse sentido, decidiu-se optar por dois indicadores: o primeiro define a centralidade total do tema na pesquisa publicada; o segundo sugere que a pandemia tenha sido utilizada como pretexto de contextualização, ainda assim relevante e presente, mas longe do protagonismo assumido no primeiro nível de abordagem. Com efeito, a esmagadora maioria dos artigos (37 em 42) colocam a covid-19 no centro de toda a reflexão, o que sugere o interesse genuíno dos investigadores em discutir as diferentes implicações pandémicas no universo comunicacional.

Em último lugar, analisámos a estrutura metodológica que sustenta as investigações publicadas, na tentativa de encontrar eventuais padrões comuns de atuação. Relativamente aos métodos de investigação utilizados pelos investigadores, registámos a predominância definitiva da vertente qualitativa (37 em 42 artigos), muito distante de abordagens quantitativas (4) e experimental (1). Relativamente às técnicas de investigação, apenas 2 artigos utilizaram mais do que uma técnica, mas existe uma tendência clara dos investigadores na definição de um instrumento de investigação, como sugere a Tabela 5.

Tabela 5 Técnicas de investigação utilizadas nos artigos da amostra 

Técnicas de investigação Frequência
Revisão de literatura 17
Análise de redes sociais 5
Análise de documentação oficial 5
Análise de conteúdo 5
Estudo de caso 4
Inquérito por questionário on-line 4
Teste experimental 2
Entrevistas em profundidade 1
Análise estatística 1
Total 46

Fonte: elaboração própria.

A Tabela 5 sugere a predominância da revisão de literatura como forma de reflexão sobre a pandemia (17 em 42 artigos), na medida em que os trabalhos se serviram de abordagens eminentemente teóricas de outros autores para condensarem uma perspetiva particular sobre a pandemia. Apesar de muitos estudos incidirem sobre a vertente digital, o número de artigos que utilizou a análise de redes sociais é modesto (5), um valor que se repete na análise de documentos oficiais e de conteúdo. O estudo de caso e o inquérito por questionário on-line, ambos com 4 artigos, também reuniram algum interesse por parte dos investigadores. Num nível de menor expressividade, encontramos o teste experimental (2), a entrevista em profundidade (1) e a análise estatística (1).

A utilização de uma técnica como a revisão de literatura pode não estar completamente desligada da situação contextual vivida no primeiro ano da pandemia, entre março de 2020 e fevereiro de 2021. Na lista que anteriormente se apresentou, surgem técnicas que requerem uma proximidade física dos cientistas a documentos e pessoas, como no inquérito, estudo de caso ou entrevista. Ainda que formuladas numa perspetiva meramente especulativa, também nos parece legítimo considerar que a impossibilidade de contacto presencial com objetos de estudo poderá ter condicionado os investigadores, o que terá conduzido alguns cientistas à escolha de técnicas mais confortáveis de pesquisa, como a revisão de literatura.

Conclusões

Este artigo procurou ilustrar a resposta da comunidade científica de Ciências da Comunicação aos desafios inesperados e incertos trazidos nos primeiros 12 meses da pandemia da covid-19. Na verdade, o trabalho que aqui se apresenta demonstra um conjunto de investigadores que, pelas próprias circunstâncias de uma área científica sujeita a outros padrões, terá demorado algum tempo a reagir ao convulso sistema que assolava a população mundial.

Como forma de responder à pergunta inicial deste estudo, na tentativa de caracterizar a produção científica que cruza as preocupações das Ciências da Comunicação com a covid-19, percebe-se, desde logo, que nem mesmo as revistas de indexação, num nível de elevado fator de impacto, foram capazes de reunir um conjunto alargado de artigos sobre essas temáticas. A presença de 136 artigos, que depois se traduziram em 42, dada a sua especificidade mais concreta sobre os temas em destaque neste estudo, revela com propriedade um nível muito modesto de contributos científicos numa altura de intenso tumulto social, praticamente generalizado. Talvez resida aqui a primeira limitação deste estudo, uma vez que tenha porventura ficado por explorar outros artigos científicos de valorização considerável, mas que não foram integrados na amostra pelo crivo da referida indexação. Aliás, o próprio sistema métrico de organização das revistas científicas, altamente volátil e sujeito a rankings com um prazo de validade curto, dificultará uma localização precisa do tipo de artigos que esta equipa de investigação pretendia reunir.

Para a maior parte dessas publicações, a covid-19 foi apenas um contexto circunstancial ao qual os investigadores atribuíram um mero simbolismo temporal, desprovido de uma análise profunda. No entanto, os trabalhos que dedicaram uma atenção particular à pandemia, com os fenómenos comunicacionais sempre no horizonte, desenvolveram-se em regime de pouca colaboração internacional, de geografias situadas em países industrialmente bem posicionados.

O acesso aos artigos, livre e sem custos associados, também se pôde demonstrar, a partir de perceções que incidiram sobre temas digitais, em que pontificavam assuntos claramente populares nesta altura, como a desinformação ou o caso dos big data, com todos os temores e receios identificados anteriormente.

Do ponto de vista da operacionalização metodológica, os artigos, na sua maioria, desenvolveram uma abordagem qualitativa, com o recurso a técnicas da revisão de literatura. Como se explicou anteriormente, parece ser relativamente consensual assumir que a forma como os cientistas implementaram os seus estudos foi também condicionado pela própria situação pandémica, que impediu muitos de contactar pessoalmente com os objetos de investigação.

Este artigo sinaliza ainda um apontamento importante para trabalhos futuros. A resposta da comunidade de Ciências da Comunicação, nas revistas de topo, poderá não ter sido a mais expressiva nos 12 meses que se seguiram à declaração de pandemia por parte da OMS. No entanto, seria útil perceber, por um lado, se esse dado se manteve nos 12 meses seguintes (março 2021-março 2022), e, por outro, se o perfil de investigação também se alterou, tendo em conta o mapeamento que este artigo oferece.

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* Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto UIDB/00736/2020 (financiamento base) e UIDP/00736/2020 (financiamento programático).

Para citar este artículo / to reference this article / para citar este artigo: Ribeiro, F., Silva, S. & Perona, J. J. (2023). Estudar o desconhecido, publicar o possível? A resposta à pandemia da covid-19 nas principais revistas Scopus em Ciências da Comunicação. Palabra Clave, 26(4), e2643. https://doi.org/10.5294/pacla.2023.26.4.3

Recebido: 19 de Junho de 2023; Revisado: 02 de Novembro de 2023; Aceito: 07 de Novembro de 2023

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