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Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura

versão impressa ISSN 0123-3432

Íkala v.13 n.20 Medellín jul./dez. 2008

 

ARTÍCULOS DE INVESTIGACIÓN

 

Caracterização dos espaços monárquicos em Quatrevingt-treize de Victor Hugo*1

 

Monarchic Spaces in Quatrevingt-treize by Victor Hugo

 

 

Mg. Rosária Cristina Costa Ribeiro**
Rosária Cristina Costa Ribeiro é professora de língua francesa na rede privada no Estado de São Paulo -Brasil, graduada em Letras pela FCL-Ar (Faculdade de Ciências e Letras — Campus de Araraquara) da UNESP (Universidade Estadual Paulista) e mestre em Estudos Literários pela mesma Faculdade.

 

 


RESUMO

Neste artigo apresentamos os resultados obtidos na dissertação de mestrado intitulada O papel da espacialidade em Quatrevingt-treize (1814) de Victor Hugo, na qual se analisa como a Revolução Francesa redefiniu alguns significados e contribuiu para a formação do mundo contemporâneo. Nesse romance histórico se observa a composição literária dos espaços rebeldes e monárquicos por meio de uma visão romântica e finissecular. Durante a leitura do livro, o leitor é surpreendido por uma narrativa focada na resistência ao progresso revolucionário em 1793: ''A Guerra da Vendéia'', um espaço monárquico e feudal em oposição à Paris revolucionária.

Palavras chave: Romance histórico tradicional, Quatrevingt-treize de Victor Hugo, George Lukàcs, espaço literatura, Révolução Francesa, espaço monárquico


RESUMEN

En este trabajo presentamos los resultados obtenidos en la disertación de Master O papel da espacialidade em Quatrevingt-treize (1814) de Victor Hugo, en la que se analiza cómo la Revolución Francesa redefinió algunos significados y contribuyó a la formación del mundo contemporáneo. En esta novela histórica tradicional se observa la composición literaria de espacios rebeldes y monárquicos a través de una visión romántica y del fin del siglo XIX. Durante la lectura del libro, el lector es sorprendido por una narración sobre la resistencia al progreso revolucionario en 1793: ''la Guerra de Vendéia,'' un espacio monárquico y feudal, en oposición al de la revolucionaria París.

Palabras clave: Novela histórica tradicional, Quatrevingt-treize de Victor Hugo, George Lukàcs, espacio en la literatura, Revolución Francesa, espacio monárquico


ABSTRACT

This article presents the obtained results throughout the Master degree dissertation, entitled The role of spatiality in Quatrevingt-treize (1814) by Victor Hugo, in which it is analyzed how The French Revolution redefined some meanings and contributed to the formation of the contemporary world. In this traditional historical novel, the literary composition of rebellious and monarchic spaces is observed by means of a romantic and turn-of-the-century vision. During the reading of the book, we are surprised by a narration expressing resistance to the revolutionary progress in 1793: 'the War of Vendéia', an eminently monarchist and feudal space, in opposition to that of revolutionary Paris.

Keywords: traditional historical novel, Quatrevingt-treize by Victor Hugo, George Lukàcs, space in literature, the French Revolution, monarchic space


RÉSUMÉ

Nous présentons dans cet article les résultats de notre projet de recherche Master sur O papel da espacialidade em Quatrevingt-treize (1814) de Victor Hugo, dans lequel on analyse la façon dont la Révolution Française a redéfini certains signifiés et a contribué à la formation du monde contemporain. Dans ce roman historique, on a pu observer la composition littéraire d'espaces révolutionnaires et monarchiques selon une vision romantique et de la fin du XIX. C'est un récit sur la résistance au progrès révolutionnaire en 1793, c'est-à-dire, 'la petite Guerre de Vendée', un endroit surtout royaliste et féodal, opposé à celui de Paris révolutionnaire.

Mots-Clés: roman historique traditionnel, Quatre-vingt-treize de Victor Hugo, George Lukács, espace dans la Littérature, Révolution Française, espace monarchique


 

 

Em seu artigo sobre a representação da cidade no imaginário medieval, José Carlos Gimenez lembra que ''[...] Uma primeira constatação dessa nova configuração social [Feudalismo] é a ruralização da sociedade [...]''. (2004, p. 82). Ou seja, uma sociedade rural com pouca mobilidade social, naqual nobreza e clero auxiliam-se e o povo submete-se a eles. É esse retrato da Idade Média que contribuiu para a construção simbólica da Revolução Francesa que Victor Hugo nos transmite por meio de Quatrevingt-treize, seu último romance (1874). Quatrevingt-treize, em linhas gerais, representa o resgate do sentimento de descontentamento com a situação política e social que deu origem a Revolução Francesa num momento em que seus avanços, já no século XIX, não garantiam a satisfação popular perante o terror da guilhotina. As constantes trocas de governos e freqüentes guerras acumulavam sobre os contemporâneos de Hugo as mazelas de uma vida de necessidades e de governos corruptos. O romance retrata, portanto, um período de instabilidade social (FREITAS, 1989), como era o caso da França dos anos de 1870.

No que diz respeito ao amparo teórico relativo ao gênero literário, a teoria escolhida para guiar-nos nessa incursão pelo romance hugoano foi aquela proposta por George Lukács (Le roman historique -1965) que considera o verdadeiro romance histórico aquele que preenche características como: 1) a presença de personagens registradas pela historiografia apenas en passant, como forma de dar credibilidade ao que estava sendo narrado, de maneira que a imagem das mesmas não fosse alterada nem contestada; 2) a presença de um fato registrado historicamente e que se constitua como de grande interesse da população no momento da escritura. Como conseqüência, temos o espaço geográfico restrito e fiel ao acontecimento; 3) poucas intervenções do narrador e, por fim, 4) que as personagens constituam-se como linhas de força de sua época, isto é, sejam tipicamente representantes do período retratado.

No que diz respeito à obra de Hugo, Lukács mostra como esse auto rrenova o referido gênero literário em sua época. Durante o fin-de-siècle, as obras traziam em si o pessimismo que tomava conta do povo e que contestava a validade da Revolução.A burguesiaabandonava o povoque a havia ajudado a conquistar o poder e desprezava as palavras de ordem da Revolução: Liberté, Egalité et Fraternité.Osatosdoperíodo revolucionário, bem como a própria Revolução Francesa, eram questionados, pois após toda a luta, novamente, a monarquia se instaurava e resgatava antigas leis e políticas. Hugo, deputado democrata e humanista, mesmo sendo contra qualquer tipo de terror, traz uma renovação ao tema e tem como ponto de partida temporal1793 abandonando o já desgastado 1789 (LUKÀCS, 1965) e aponta para os ideais que moveram todas as pessoas em torno daquele momento.

No pós-1789, ogoverno doTerror seestabeleceuquando,logo depois do 14 de julho, diversas rebeliões contra a Revolução eclodiram em vários lugares da França. Os jacobinos, revolucionários extremistas, tomaram o poder liderados por Robespierre, que assumiu o comando do Comitê de Salvação Pública. Os jacobinos tentaram controlar a situação prendendo todos os inimigos da Revolução, levando o povo a temer pela própria vida. Maximilien Robespierre, frio e incorruptível, acabou ele mesmo na guilhotina para a qual enviou tantas pessoas, entre elas o líder Danton.

Em 1871, a Comuna de Paris foi constituída, sobretudo por batalhas sangrentas causadas pelo povo descontente e pela repressão violenta. Humanista fervoroso, Victor Hugo condenava esses confrontos, mas incentivava a população a lutar pelos direitos alcançados a partir de 1789. Em 1793, a França acabava de derrubar a monarquia, encerrar as guerras no exterior e tentava se recompor. Note-se que situação similar ocorria , em 1871: a ditadura e Império de Napoleão III haviam acabado, a França perdera a guerra contra a Prússia, o país estava desolado e buscava soluções à situação. Em ambos os casos, a população descontente não hesitou em pegar em armas e defender até mesmo seu pedaço de pão. Nesse momento de grande instabilidade Victor Hugo expressa a ''necessidade'' das revoluções.

Outra preocupação de Victor Hugo era a conservação, ou melhor, a destruição dos monumentos históricos pelos revolucionários, especialmente aqueles da Idade Média. Para Victor Hugo, as construções da Idade Média, especialmente as anteriores à invenção da imprensa, constituem-se como verdadeiros registros da história humana sobre a Terra. Em outra de suas obras que se apresentam como romance histórico, Hugo compõe um capítulo que se trata de um manifesto a favor da preservação do patrimônio histórico, complementando, assim, suas próprias palavras do artigo Guerre aux démolisseurs, de poucos anos antes. Todo o livro Notre-Dame pode ser considerado como um texto de defesa da arquitetura.

O método de investigação, um embate direto com o texto literário, consistiu em buscar interpretar a espacialidade construída dentro da narrativa e sua imbricação com o romance histórico do século XIX. Para analisarmos melhor o tema, anteriormente ao início deste trabalho, realizou-se uma leitura atenta do romance francês e de um romance de Walter Scott, Ivanhoé. Recorre-se à teoria proposta por George Lukács para melhor estabelecer as diferenças entre os dois e, principalmente, os procedimentos de Victor Hugo e suas inovações quanto ao gênero. Assim, para atingir nossa proposta inicial, realizamos uma investigação sobre a espacialidade relacionando-a com o romance histórico tradicional, o que vimos ser confirmado ao final desta caminhada.

 

2. O PAPEL DOS ESPAÇOS MONÁRQUICOS NA CONSTITUIÇÃO DO ROMANCE

2.1. As Florestas

Quatrevingt-treize é dividido pelos três principais espaços de ação (En Mer, À Paris e En Vendée) que representam cada qual uma das três partes nas quais o romance é dividido. Dessas, a terça parte, que corresponde à metade da obra em extensão, é a parte intitulada En Vendée. Ou seja, apesar de ter como foco principal a própria revolução e seus valores, o espaço mais explorado e no qual as principais ações se desenrolam é o da província. Na narrativa dum acontecimento histórico, como a guerra da Vendéia, a narrativa acaba concentrando-se em ações num território que caracterize a ação; no caso de Quatrevingt-treize, um espaço predominantemente feudal. Em tal parte, é possível ao leitor vislumbrar um contraste maior entre feudalismo e ideais republicanos. Ou seja, esse é por excelência o espaço monárquico, no qual até mesmo as personagens ligadas à república são de alguma forma membros da nobreza. Ao focalizar o espaço monárquico, nos deteremos em analisar alguns trechos nos quais a Vendéia é nosso foco principal, buscando sempre sua caracterização como espaço portador de características monárquicas.

Tal trecho inicia-se com a descrição da região da Vendéia, local onde ocorrem revoltas contra-revolucionárias e que se tornou a inspiração para o resgate dos ideais por parte do autor do romance. Nesse local predominantemente rural, as florestas dominam.As descrições silvestresvendeanas são algo assustadoras eaproximam-se bastante daquelas que predominam nos textos pertencentes à literatura frenética de Victor Hugo do seu início literário, como em Bug-Jargal (1826) e mesmo em Les travailleurs de la mer (1866). É uma natureza contrária às realizações humanas e que está refletida em seus habitantes:

Il y avait alors en Bretagne sept forêts horribles. La Vendée, c'est la révolte-prêtre. Cette révolte a eu pour auxiliaire la forêt. Les ténèbres s'entr'aident. Les sept forêts-Noires de Bretagne étaient la forêt de Fougères qui barre le passage entre Dol et Avranches; la forêt de Princé qui a huit lieues de tours; la forêt de Paimpont, pleine de ravines et de ruisseaux, presque inaccessible du côté de Baignon, avec une retraite facile sur Concornet qui était un bourg royaliste; la forêt de Rennes d'où l'on entendait le tocsin des paroisses républicaines, toujours nombreuses près des villes; c'est là que Puysaye perdit Focard; la forêt de Machecoul qui avait Charette pour bête fauve; la forêt de la Garnache qui était aux La Trémoille, aux Gauvain et aux Rohan; la forêt de Brocéliande qui était aux fées. ''

Un gentilhomme en Bretagne avait le titre de ''Seigneur des Sept-Forêts. C'était le vicomte de Fontenay, prince breton. (HUGO, 2002, p. 126)2

Sempre enfatizando as questões sociais e políticas como os fatores da nobreza e do clero, o autor compara essas instituições às florestas apontando para o caráter obscuro de ambos. Esses caracteres podem ser tomados como metáforas, uma vez que o romance histórico de Hugo tem como uma de suas marcas o constante questionamento social. No trecho acima, está presente o fruto fictício da união dessas 'sombras': o próprio visconde de Fontenay, marquês de Lantenac, o príncipe bretão. Assim, todas as características impostas aos espaços e às instituições arcaicas lhe são imputadas.

La Bretagne est une vieille rebelle. Toutes les fois qu'elle s'était révoltée pendant deux mille ans, elle avait eu raison; la dernière fois, elle a eu tort. Et pourtant au fond, contre la révolution comme contre la monarchie, contre les représentants en mission comme contre les gouverneurs ducs et pairs, contre la planche aux assignats comme contre la ferme des gabelles, quels que fussent les personnages combattant. (HUGO, 2002, p.249)3

Assim, o Marquês de Lantenac recebe as mesmas características da floresta que lhe pertence, unindo dessa forma personagem-ideologia-espaço. Outros pontos também são marcantes quanto à presença de caracteres típicos dos textos fantásticos:

Quelle heure pouvait-il être? à quel moment du jour en était-on? Il eût été difficile de le dire, car il y a toujours une sorte de soir dans de si sauvages halliers, et il ne fait jamais clair dans ce bois-là. Le bois de la Saudraie était tragique. C'était dans ce taillis que, dès le mois de novembre 1792, la guerre civile avait commencé ses crimes; [...]. Pas de lieu plus épouvantable.[...]

[...]

On avait affaire à une forêt mal famée. (HUGO, 2002, p. 32-33)4

O medo é uma constante nas descrições silvestres. Mais adiante, o narrador compara as trevas da floresta às trevas da nobreza. Todas as florestas do romance estão, de alguma forma, ligadas à revolta vendeana contra a Revolução e a guerra também lhes é uma constante. É nesses locais que os batalhões encontram-se com os camponeses rebelados. Assim como em Ivanhoé,a floresta é o refúgio dos camponeses, é o lugar no qual eles se escondem e se protegem como pudemos ver em outros tópicos deste trabalho.

A região da Vendéia (Pays de la Loire), que somente aparece no segundo volume do romance, e da Bretanha como um todo, segue a mesma adjetivação. São apontadas como 'auxiliares' da monarquia, pois, auxiliam na fuga e na emboscada. É em uma floresta vendeana que se encontra a Tour Gauvain. A floresta bretã compõe-se de sete florestas, e todas são pertencentes a apenas um homem: o Marquês de Lantenac, símbolo do poder feudal no romance.

Símbolo do campesinato, a floresta é também ligada à nobreza, que, além de ser a proprietária, sustentava essa forma de sobrevivência, estando as duas intimamente ligadas. Ademais, temos o uso de adjetivos para auxiliar o leitor na composição desse espaço. Outra vez podemos constatar o uso de adjetivos com carga negativa para expressar um conceito mais próximo da monarquia do que da república.

Segundo o próprio narrador, a Vendéia é a mistura entre a lenda e a verdade histórica. Como vimos, seus habitantes acreditam piamente nas mais diversas e obscuras 'verdades' impostas pelas autoridades. Suas vidas restringem-se muitas vezes, unicamente, às ordenanças dos seus senhores, como o caso da relação dos Flechard e do Marquês de Lantenac. Entretanto, durante as ocorrências da Revolução, essa população esteve a serviço de seu 'rei' e utilizava como praça de guerra esse espaço que, anteriormente, era visto apenas como local de simples trabalho:

Les femmes vivaient dans les huttes et les hommes dans les cryptes. Ils utilisaient pour cette guerre les galeries des fées et les vieilles sapes celtiques. On apportait à manger aux hommes enfouis. Il y en eut qui, oubliés, moururent de faim. C'étaient d'ailleurs des maladroits qui n'avaient pas su rouvrir leurs puits. Habituellement le couvercle fait de mousse et de branches était si artistement façonné, qu'impossible à distinguer du dehors dans l'herbe. Il était très facile à ouvrir et à fermer du dedans. Ces repaires étaient creusés avec soin. On allait jeter à quelque étang voisin la terre qu'on ôtait du puits. La paroi intérieure et le sol étaient tapissés de fougère et de mousse. Ils appelaient ce réduit ''la loge''. On était bien là, à cela près qu'on était sans jour, sans feu, sans pain et sans air. (HUGO, 2002, p. 238)5

Essa natureza sombria, explorada de uma maneira bélica por seus habitantes, resultava em um campo de batalha de difícil transposição. E foi nesse momento de interação entre a terra e o homem que surgiram algumas lideranças camponesas como a de Jean Chouan, camponês que enfrentou os exércitos revolucionários e defendeu seu senhor até as últimas conseqüências, tornando-se símbolo do campesinato.

A Fortaleza Medieval

Transportando-nos para um espaço característico e simbólico da nobreza provinciana, temos aqui explorada a Tour Gauvain. A primeira característica que o leitor constata é a sua divisão em duas alas: uma mais antiga e outra mais recente.Aprimeira é formada por uma torre redonda que é a marca característica do edifício. Essa é a parte mais tenebrosa, talvez por sua antiguidade e solidez, e é também o local no qual se encontram os cômodos mais sombrios como a masmorra (porão), a sala principal (construída com poucas e pequeninas janelas), o quarto austero (no qual se encontra uma passagem secreta antiguíssima) e, por fim, a porta de ferro que separa os dois recintos.

Na parte mais antiga, a austeridade é imperativa. Essa constatação pode ser feita no próprio título do IX sub-capítulo do II capítulo da III parte, 'Les trois enfants', no qual se define essa característica: ''IX — Une bastille de province'' (p. 324) (grifos nossos). As definições de bastilha encontradas com o sentido apenas de construção ou edifício retratam um castelo, um fortaleza, uma prisão rigorosa ou um edifício de aspecto tenebroso, como foi visto anteriormente.

Ao ler o romance de Victor Hugo podemos perceber que a Tourgue pode prestar-se a todas essas definições, além, é claro, da de moradia medieval. Uma de suas primeiras funções é a de prisão. Composta de uma masmorra úmida e fria com correntes de ar que seriam capazes de levar a morte o prisioneiro do calabouço somente pelas condições de sua atmosfera. Essa função completa um quadro no qual as trevas e as sensações de opressão imperam, e contribuem para o aspecto tenebroso da totalidade.

O Salão Principal

O primeiro ambiente no qual penetram as personagens ao entrar na Torre é o salão principal. Tal salão, conforme podemos comprovar em alguns trechos da obra, é asfixiante e escuro, e é constantemente comparado a um túmulo:

I - La Tourgue.

La salle du rez-de-chaussée n'avait pas de meurtrières, pas de soupiraux, pas de lucarnes; juste autant de jour et d'air qu'une tombe.

[...]

On n'avait jamais respiré dans cette salle basse. Nul n'y passait vingt-quatre heures sans être asphyxié. (HUGO, 2002, p. 324)6

Os adjetivos empregados pelo narrador ao longo do texto sugerem-nos o aspecto tenebroso da Tour Gauvain. Somente nestas poucas frases citadas, temos o emprego de adjetivos como asphyxié que demonstra a falta de possibilidades tanto em um sentido literal, falta de ar para a respiração, quanto no sentido figurado, a falta de liberdade para a ação em um sistema feudal. E também contribuem alguns substantivos como tombe, que corroboram a idéia de falta de expressividade dos camponeses perante seus senhores. Tais substantivos e adjetivos possuem traços negativos muito fortes como: sem ar, ausência de luz e vida.

A arquitetura dessa torre na parte mais antiga da construção, como um todo, remonta a um período de abundância para a nobreza, ocorrido durante a Idade Média. Essa construção rústica, no decorrer da leitura, simboliza o poder dos nobres naquela província tão distante das ações revolucionárias.

[...] Commencée au neuvième siècle, elle avait été achevée au douzième, après la troisième croisade. Les impostes à oreillons de ses baies disaient son âge. On approchait, on gravissait l'escarpement, on apercevait une brèche, on se risquait à entrer, on était dedans, c'était vide. C'était quelque chose comme l'intérieur d'un clairon de pierre posé debout sur le sol. Du haut en bas, aucun diaphragme; pas de toit, pas de plafonds, pas de planchers, des arrachements de voûtes et de cheminées, des embrasures à fauconneaux, à des hauteurs diverses, des cordons de corbeaux de granit et quelques poutres transversales marquant les étages; sur les poutres les fientes des oiseaux de nuit, la muraille colossale, quinze pieds d'épaisseur à la base et douze au sommet, çà et là des crevasses et des trous qui avaient été des portes, par où l'on entrevoyait des escaliers dans l'intérieur ténébreux du mur. Le passant qui pénétrait là le soir entendait crier les hulottes, les tette-chèvres, les bihoreaux et les crapauds-volants, et voyait sous ses pieds des ronces, des pierres, des reptiles, et sur sa tête, à travers une rondeur noire qui était le haut de la tour et qui semblait la bouche d'un puits énorme, les étoiles.

C'était la tradition du pays qu'aux étages supérieurs de cette tour il y avait des portes secrètes faites, comme les portes des tombeaux des rois de Juda, d'une grosse pierre tournant sur pivot, s'ouvrant, puis se refermant, et s'effaçant dans la muraille; mode architecturale rapportée des croisades avec l'ogive. [...] (HUGO, 2002, p. 300)7.

As descrições das construções do período medieval, ao contrário do que observamos naquelas características dos revolucionários, têm mais detalhes arquitetônicos, são mais rebuscadas, seus materiais mais sólidos (como as pedras e as muralhas). As freqüentes comparações como ''les tombes des rois de Juda'' (os túmulos dos reis de Judá), juntamente com a descrição desses ambientes8, deixam ao leitor a impressão de longevidade e firmeza, assim como foi a permanência da nobreza no poder durante a Idade Média: duradoura, estável e inabalável. Portanto, essa longevidade e firmeza podem ser relacionadas também com o distanciamento do povo (grossas muralhas) e uma falta de contato com os oprimidos.

Os espaços menores que constituem a Tourgue são a brecha aberta pelos tiros dos revolucionários em 1793, o calabouço, a porta de ferro que separava as partes do edifício e a ponte acastelada, que unia a torre ao resto da planície.

A brecha, uma fissura aberta nas paredes externas do salão principal da fortificação, segundo as palavras do próprio narrador, permitiu a respiração dentro daquele cômodo anteriormente tão sufocante.

La brèche donnait entrée dans ce qui avait dû être le rez-de-chaussée. Vis-à-vis de la brèche, dans le mur de la tour, s'ouvrait le guichet d'une crypte taillée dans le roc et se prolongeant dans les fondations de la tour jusque sous la salle du rez-de-chaussée. (HUGO, 2002, p. 301)9

A parte antiga da Torre, ou seja a parte circular em si, caracterizada pela suas grossas muralhas e salões asfixiantes comparados a um túmulo, até mesmo em sua 'agonia'de edifício antigo recebe a fissura provocada pelos revolucionários como algo satisfatório, ou seja a vitória da Revolução contra a nobreza. Ao ver este edifício como uma câmara opressora, o autor dá seu toque de lenda e não destrói a construção, mas a transforma heroicamente por meio do sofrimento revolucionário. Basta-nos lembrar que essa parte mais antiga do prédio pode ser comparada à parte mais antiga da família Gauvain, representada pelo Marquês de Lantenac e que, por sua vez, foi abalada pelos revolucionários.

2.2. A Ponte Acastelada

Em contraste com a anciã torre circular existe uma parte mais nova da Tour Gauvain, construída durante um Medievo tardio, que tinha como base uma ponte que atravessava uma pequena ravina, tornando a construção, antes inexpugnável, frágil pelo lado da planície. Esse espaço está ligado intimamente à existência da personagem Gauvain na Tourgue, uma vez que é na biblioteca que estão guardadas suas recordações de infância, inclusive seu pequenino berço. Nesse momento chegamos a um espaço que é o ícone da idéia de devastação e a passagem do tempo na Tourgue em Quatrevingt-treize:

A cette tour, et du côté opposé à la brèche, se rattachait un pont de pierre de trois arches peu endommagées. Le pont avait porté un corps de logis dont il restait quelques tronçons. Ce corps de logis, où étaient visibles les marques d'un incendie, n'avait plus que sa charpente noircie, sorte d'ossature à travers laquelle passait le jour, et qui se dressait auprès de la tour, comme un squelette à côté d'un fantôme.

Cette ruine est aujourd'hui tout à fait démolie, et il n'en reste aucune trace. (HUGO, 2002, p. 303)10

Os campos ao redor da Tourgue são um espaço que, nas próprias palavras do narrador, 'entregava' o edifício antes inabalável. Entretanto, esse é um local que inspira a liberdade, rodeado pelas sombrias florestas, é um espaço de harmonia:

En face de la tour, du côté occidental, il y avait un plateau assez élevé allant aboutir aux plaines; ce plateau venait presque toucher la tour, et n'en était séparé que par un ravin très creux où coulait le cours d'eau qui est un affluent du Couesnon. Le pont, trait d'union entre la forteresse et le plateau, fut fait haut sur piles; et sur ces piles on construisit, comme à Chenonceaux, un édifice en style Mansard, plus logeable que la tour. (Cf. 68)

Nesse trecho temos a descrição de todo o ambiente formado pela torre e seus arredores, um conjunto que nos parece mágico e repleto de significados, inserido num romance tão denso como Quatrevingt-treize. É a efetiva união entre as 'trevas' (florestas e nobreza) a qual Hugo faz referência no início da parte intitulada En Vendée e que foi tratada por nós juntamente com as florestas.

A Biblioteca

Essa ponte acastela era formada por dois aposentos principais: a biblioteca e o celeiro. Esses cômodos têm uma presença muito grande na construção e apontam para a renovação ideológica que se iniciava e que culminou com a queda dos direitos dos senhores feudais. A junção dessas duas partes, a antiga e a nova é um espetáculo monstruoso:

Les deux édifices, l'un abrupt, l'autre poli, se choquaient plus qu'ils ne s'accostaient. Les deux styles n'étaient point d'accord; bien que deux demi−cercles semblent devoir être identiques, rien ne ressemble moins à un plein−cintre roman qu'une archivolte classique. Cette tour digne des forêts était une étrange voisine pour ce pont digne de Versailles. Qu'on se figure Alain Barbe−Torte donnant le bras à Louis XIV. L'ensemble terrifiait. Des deux majestés mêlées sortait on ne sait quoi de féroce. (HUGO, 2002, p. 305)11

Novamente, a relação entre as duas metades da construção coloca frente a frente duas noções de mundo. Primeiro, a torre tosca, arcaica e a segunda parte, pomposa, 'digna de Versalhes', ou seja, representante de um luxo que foi um dos fatores que levou a derrocada do governo absolutista.

Au point de vue militaire, le pont, insistons−y, livrait presque la tour. Il l'embellissait et la désarmait; en gagnant de l'ornement elle avait perdu de la force. Le pont la mettait de plain pied avec le plateau. Toujours inexpugnable du côté de la forêt, elle était maintenant vulnérable du côté de la plaine. Autrefois elle commandait le plateau, à présent le plateau la commandait. Un ennemi installé là serait vite maître du pont. La bibliothèque et le grenier étaient pour l'assiégeant, et contre la forteresse. Une bibliothèque et un grenier se ressemblent en ceci que les livres et la paille sont du combustible. (HUGO, 2002, p. 305)12

O fato de Gauvain ter sido criado na parte nova da Torre, enquanto a outra parte pode ser considerada uma metáfora do Marquês de Lantenac, aponta para a fragilidade tanto do edifício quanto da continuação do sistema feudal e dos privilégios da nobreza, como um todo. Gauvain é o símbolo da luta ideológica de 1793. É esse espírito revolucionário que o romance histórico de Victor Hugo tem a pretensão de apresentar.

Apesar de estar empoeirada e praticamente esquecida, a biblioteca é o único cômodo descrito por Hugo que não apresenta ausência de luz e ar:ABiblioteca:

[...] Six grandes fenêtres, trois de chaque côté, une au−dessus de chaque arche, éclairaient cette bibliothèque [...] (HUGO, 2002, p. 308)13). Este espaço representa a sabedoria não só mundana mas eclesiástica. Encontrava-se na Biblioteca da Tourgue o Evangelho de S. Bartolomeu, um evangelho apócrifo, ou seja, não aceito como verdadeiro ou que está oculto. Conta a hagiografia que tal evangelho não chegou até a atualidade, apenas são conhecidos fragmentos. São Bartolomeu teve a pele arrancada e depois foi decapitado. Mas a principal função dessa figura é retomar a Noite de S. Bartolomeu, episódio sangrento de triste memória em que os protestantes parisienses foram dizimados por ordem do rei. No capítulo que leva o nome 'A Matança de S. Bartolomeu' ocorre a 'matança' do livro de S. Bartolomeu por três crianças presas na Biblioteca, e também o ataque a Tourgue que culmina com a morte de muitos, tanto republicanos, comomonarquistas.

Quant à la bibliothèque, c'était une salle oblongue ayant la largeur et la longueur du pont, et une porte unique, la porte de fer. Une fausse porte battante, capitonnée de drap vert, et qu'il suffisait de pousser, masquait à l'intérieur la voussure d'entrée de la tour. Le mur de la bibliothèque était du haut en bas, et du plancher au plafond, revêtu d'armoires vitrées dans le beau goût de menuiserie du dix−septième siècle. Six grandes fenêtres, trois de chaque côté, une au−dessus de chaque arche, éclairaient cette bibliothèque. Par ces fenêtres, du dehors et du haut du plateau, on en voyait l'intérieur. HUGO, 2002, p. (308)14

O Celeiro

Por sobre a Biblioteca estava o Celeiro, mas ao contrário daquela, este ajudava a constituir a imagem sóbria da Tourgue: ''Le grenier: [...] Cela faisait une grande halle encombrée de paille et de foin, et éclairée par six mansardes [...].'' (HUGO, 2002, 309)15.

Quant au grenier, qui avait, comme la bibliothèque, la forme oblongue du pont, c'était simplement le dessous de la charpente du toit. [...]. Pas d'autre ornement qu'une figure de saint Barnabé sculptée sur la porte et au−dessous ce vers:

Barnabus sanctus falcem jubet ire per herbam.16 (HUGO, 2002, p. 309)17

Por assim dizer, existiam nessa parte mais recente da torre dois elementos bastante significativos: a biblioteca e a algo espiritual que remete a um saber; e o celeiro que faz referência ao trabalho do campo (nesse caso, guardado pelas graças de São Barnabé). Esse conhecimento restrito a Tourgue e às reservas materiais do celeiro são os 'tesouros'que guardava aquela torre tão antiga. Era o local no qual cresceu Gauvain, caracterizado, assim, como espaço positivo.

A Porta de ferro

Construídos sobre a ponte acastelada, a Biblioteca eo Celeiro, essas duas partes da fortaleza eram ligadas por uma porta de ferro muito grossa, relacionada acima com a parte mais antiga. Assim, da mesma forma que a parte nova é ligada à parte velha pela porta de ferro e formam uma mesma estrutura, Gauvain é ligado a Lantenac pela guilhotina (ou seja, pela morte, a qual Gauvain sofrerá no lugar do tio ancião) formando uma mesma família, uma mesma estrutura.

Esse ambiente tornou-se importante na narrativa pelo fato de bloquear a passagem entre a Torre e o restante mais recente da construção, constituído pela Biblioteca e o Celeiro. O que chama a atenção na descrição de tal porta é a sua semelhança com o instrumento de assassínio republicano, por excelência:
On montait d'un étage à l'autre par un escalier en spirale d'un abord malaisé; les portes étaient de biais et n'avaient pas hauteur d'homme, et il fallait baisser la tête pour y passer; or, tête baissée c'est tête assommée; et, à chaque porte, l'assiégé attendait l'assiégeant. (HUGO, 2002, p. 307)18

Além da grossa espessura da porta, sua semelhança com a guilhotina desperta o interesse, pois a torre era um símbolo realista e a porta o principal obstáculo a ser vencido pelos sitiantes republicanos.

LA PORTE DE FER

Le deuxième étage du châtelet du pont, surélevé à cause des piles, correspondait avec le deuxième étage de la tour; c'est à cette hauteur que, pour plus de sûreté, avait été placée la porte de fer.

La porte de fer s'ouvrait du côté du pont sur la bibliothèque et du côté de la tour sur une grande salle voûtée avec pilier au centre. Cette salle, on vient de le dire, était le second étage du donjon.

[...]

Les quinze pieds d'épaisseur de muraille qu'on avait dû percer pour y placer la porte de fer, et au milieu desquels elle était scellée, l'emboîtaient dans une longue voussure; de sorte que la porte, quand elle était fermée, était, tant du côté de la tour que du côté du pont, sous un porche de six ou sept pieds de profondeur; quand elle était ouverte, ces deux porches se confondaient et faisaient la voûte d'entrée. (HUGO, 2002, p. 306-307)19

Por fim, remeter-nos-emos às impressões causadas pelos cômodos durante a leitura:

  • Biblioteca e Salão Principal - por terem entrado em chamas remetem à destruição da Tourgue e, consequentemente, do Regime Absolutista;
  • Campos ao redor da Tour Gauvain — eram amplos e inspiravam a liberdade;
  • Masmorra: morte, enterro, sepultamento em vida.

A Tour Gauvain liga-se à memória e ao passado de tal família por constituir a 'casa', a morada dessa família. Ao representar o lar dos Gauvains, ela mostra a fragilidade, simbolizada pela brecha aberta na torre, e a proteção e resistência, representadas pela porta de ferro. Finalmente, assim como a fortaleza tem um lado antigo e sombrio (torre e seu salão principal), possui igualmente um lado iluminado (parte nova constituída pela Biblioteca e pelo celeiro). Do mesmo modo, Lantenac era o lado sombrio da família e o jovem Gauvain a renovação através da sabedoria e destreza.

Assim, temos a conclusão da exploração desses espaços monárquicos com palavras das próprias personagens do romance; não qualquer personagem, mas sim o mais simples e fiel dos camponeses:

Si je connais la Tourgue? Le gros château rond qui est le château de famille de mes seigneurs! Il y a une grosse porte de fer qui sépare le bâtiment neuf du bâtiment vieux et qu'on n'enfoncerait pas avec du canon. C'est dans le bâtiment neuf qu'est le fameux livre sur saint Barthélemy qu'on venait voir par curiosité. Il y a des grenouilles dans l'herbe. J'ai joué tout petit avec ces grenouilles−là. Et la passe souterraine! je la connais. Il n'y a peut−être plus que moi qui la connaisse. (HUGO, 2002, p. 99)20

Nesse trecho podemos perceber claramente a visão dos camponeses servos da família Gauvain, da qual saiu tanto o protagonista quanto o antagonista do romance. Essas poucas palavras sintetizam bem as suas principais características, representando assim o próprio espaço da Vendéia, lugar pobre e humilde nos tempos áureos da monarquia, esquecido e sem valor, mas espaço da contradição e da fidelidade autoritária no período republicano.

 

3. CONCLUSÃO

Por meio da caracterização dos espaços, Victor Hugo estruturou uma 'defesa' aos monumentos arquitetônicos e aos ideais revolucionários. Unindo assim duas coisas que naquele momento histórico pareciam totalmente separadas. Assim, essa valorização do espaço da Vendéia pode estar ligada a dois fatores. Em primeiro lugar está a questão de que nas províncias era mais forte a presença desse feudalismo tardio que a Revolução tentava combater. Em um plano secundário está a luta pela conservação dos monumentos históricos, principalmente os medievais, que estavam sendo destruídos naquele momento de intensa atividade militar revolucionária.

A exploração dos recursos, como a caracterização do espaço, proporcionou à Literatura Francesa e Universal um imenso tesouro do ponto de vista do gênero, notadamente o romance histórico tradicional. Por meio do presente trabalho espera-se ter demonstrado como a caracterização do espaço monárquico foi construída para simbolizar todo um sistema social e político e assim, contribuiu para a compreensão dos fatos. Segundo o próprio Hugo ([19--]), a lenda (ficção, a princípio) sempre complemente a História (fato registrado). No caso do romance histórico bem sucedido, podemos dizer que uma lenda surgiu da espacialidade e narrou a que a Historiografia não conseguiu: aquela dos ideais.

 

BIBLIOGRAFIA

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* Recibido: 30-03-2008
Aceptado: 21-07-2008

 

 

NOTAS

1 Este artigo é um extrato da dissertação de mestrado ''O papel da espacialidade em Quatrevingt-treize de Victor Hugo: Um romance histórico à espreita dos espaços monárquicos e revolucionários'' apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da FCL-Ar em março de 2007.
2 ''Havia então na Bretanha sete florestas horríveis. A Vendéia é a revolta eclesiástica. Essa revolta teve por auxiliar a floresta. As trevas auxiliam-se''. As sete florestas-negras da Bretanha eram de Fougeres que tolhe a passagem entre Dol e Avranches; a de Prince, que tem oito léguas de circunferência; a de Paimpont, cheia de ravinas e regatos, quase inacessível do lado de Baignon, com uma retirada fácil sobre Concornet que era um burgo realista; e de Rennes donde se ouvia o rebate das paróquias republicanas, sempre numerosas junto das cidades; foi aí que Puysaye perdeu Focard; a de Machecoul que tinha dentro uma fera, Charette; a da Garnache que era dos La Trémoille; a dos Gauvains e dos Rohans; a de Broceliande que era das fadas.
Havia um fidalgo na Bretanha que tinha o título de senhor das Sete-florestas. Era o visconde de Fontenay, príncipe bretão.'' (HUGO, [19--] A, v. II, p. 06)
3 '' A Bretanha é uma velha rebelde. De todas as vezes que se revoltou durante dois mil anos tinha tido razão; na última vez não a teve. E no entanto, no fundo, tanto contra a revolução, como contra a monarquia, contra os representantes em missão como contra os governadores, duques e pares, contra a tábua das notas como contra as barracas das gabelas, fossem quais fossem as pessoas que combatessem, (...)'' (HUGO, [19--] A, v. II, p. 25)
4 ''[...] Em que momento de dia estariam? Difícil seria dizê-lo, porque há sempre uma espécie de noite em tão selvagens regiões, e num se vê claro em tão cerrados bosques''. [...] Era trágico o bosque da Saudraie. Fora nessa mata que, de novembro de 1792 àquela parte, a guerra civil dera princípios aos seus crimes: [...] Era um logar tenebroso [...]

[...]Tratava-se de um bosque de má reputação.'' (grifos nossos) (HUGO, [19--] a, v.I, p.6 e ss.)
5 ''As mulheres viviam nas choças e os homens nas criptas. Serviam-se para esta guerra das galerias das fadas e das velhas sapas célticas. Alguém ia levar de comer aos homens escondidos. Houve alguns, esquecidos que morreram de fome. Eram, porém, uns desastrados que não tinham podido a tornar a abrir os poços. Habitualmente, a tampa feita de musgo e ramos era tan artisticamente trabalhadas que, impossível de distinguir pelo lado de fora do mato, era muito fácil de abrir e fechar por dentro. Estes antros eram feitos com cuidado. Iam lançar a qualquer pântano vizinho a terra que tiravam do poço. A parede interna e o solo estavam tapetados de fetos e musgos. Chamavam a este reduto ''o esconderijo''. Estava-se ali bem, com a diferença apenas de que não se tinha luz, nem fogo, nem pão, nem ar.'' (HUGO, [19--] A, v.II, p. 13).
6 ''[...] A sala do andar térreo não tinha seteiras, nem respiradouros, nem clarabóias; exatamente tanta luz e tanto ar como um túmulo. [...]
Nunca se havia respirado na sala inferior. Ninguém passava nela vinte e quatro horas sem ficar asfixiado.'' [...] (HUGO, [19--] a, v. II p. 104-105) (grifos nossos).
7 ''[...] Começada no século IX, fora acabada no século XII depois da terceira cruzada. Diziam-lhe a idade as impostas salientes da suas janelas. Aproximava-se a gente, subia a penedia, avistava-se uma brecha, aventurava-se a entrar, penetrava e encontrava tudo vazio. Era como que o interior de um clarim posto de pé sobre o chão. De cima a baixo, nenhum diafragma nem teto, nem traves, nem vigamentos, pedaços de abóbadas e de chaminés, canhoneiras para falconetes em alturas diversas, cordões de modilhões de granito e alguns barrotas transversais indicando os andares; nas traves os excrementos das aves noturnas, o muro colossal, com quinze pés de espessura na base e doze no cimo, aqui e ali fendas e buracos que tinham sido portas, por onde se entreviam escadas no interior tenebroso do muro. O transeunte que penetrasse lá de noite ouvia os gritos dos mochos, das corujas, corvos noturnos e dos sapos-volantes, e via aos pés silvas, pedras, réptis e por cima da cabeça, a través de um circulo escuro, que era o cimo da torre, e que parecia a boca dun poço enorme, as estrelas.
Dizia a tradição que nos andares superiores daquela torre havia portas secretas feitas, como as dos túmulos dos reis de Judá, duma grande pedra girando sob um eixo, abrindose tornando-se a fechar, e disfarçada na parede; modo arquitetural trazida pelos cruzados com a ogiva.'' (HUGO, [19--] A, v. II, p. 78-79).
8 ''O conceito de ambiente é muito pouco claro nas teorias sobre o espaço. Pode-se dizer que o ambiente é o cenário (espaço criado pelo homem) ou a natureza impregnados de um clima psicológicos''. (BOGES FILHO, 2004, p. 99) cf. p.71 nota de roda-pé.
9 ''A Brecha abria passagem para o que devia ter sido o andar térreo. Enfrente da Brecha, no muro da Torre, abria-se o postigo duma cripta talhada na rocha que se prolongava pelos alicerces da torre até por baixo da sala superior.'' (HUGO, [19--] a, v. II, p. 80).
10 ''A torre, do lado oposta à brecha, ligava-se uma ponte de pedra de três arcos pouco danificados. A ponte havia sustentado um corpo de edifício de que ainda restam pedaços.
Essa parte da edificação, onde eram visíveis os vestígios de um incêndio, tinha apenas umas traves enegrecidas, uma espécie de ossada através da qual se coava a luz, e que se erguia junto da torre como um esqueleto ao lado de um fantasma.
Essa ruína acha-se hoje completamente demolida, e nenhum vestígio deixou. [...]'' (grifos nossos) (HUGO, [19--] a, v.II, p.82)
11''Os dois edifícios, um abrupto, outro polido, mais contrastavam que ligavam. Os dois estilos não estavam de acordo; conquanto dois semicírculos pareçam ser idênticos, nada se parece menos com um arco romano do que uma arquivolta clássica. Aquela torre digna das florestas era uma estranha vizinha para aquela ponte digna de Versalhes. Imagina-se Alan Cara-torta dando o braço a Luís XIV. O conjunto aterrava.'' (HUGO, [19--] A, v. II, p. 84).
12 ''Debaixo do ponto de vista militar, a ponte, insistamos nisso, quase entregava a torre. Embelezava-a e a desarmava-a; ganhando em ornato perdera em força. A ponte punhaa ao nível da esplanada. Conservando-se inexpugnável do lado da floresta, era agora vulnerável ao lado da planície. Noutros tempos dominava a esplanada, agora era a esplanada que a dominava.'' (HUGO, [19--] A, v. II, p. 85).
13 ''[...] Seis grandes janelas, três de cada lado, uma por cima de cada arco, iluminavam a biblioteca [...]'' (HUGO, [19--] a, v.II, p.88)
14 ''Quanto à biblioteca, esta era uma sala oblonga tendo a largura e o comprimento da ponte, e uma porta única, a porta de ferro. Uma porta falsa batente, alcochoada de pano verde, e que bastava empurrar, mascarava no interior a abóbada de entrada da torre. A parede da biblioteca era de cima a baixo, do assoalho ao teto, revestida de armários envidraçados no belo gosto de marcenaria do século XVII. Seis grandes janelas , três de cada lado, uma por cima de cada arco, iluminavam a biblioteca. Por essas janelas, de fora e de cima da esplanada, se via o interior.'' (HUGO, [19--] A, v. II, p. 88).
15 ''[...] Era um aposento cheio de palha e feno, e iluminado por seis trapeiras''. (grifos nossos) (HUGO, [19--] a, v.II, p.89)
16 Segundo nota do editor Yves Gohin, tal inscrição em latim pode ser traduzida como ''Saint Barnabé fait aller la faux à travers l'herbe'', que, em português, quer dizer: ''São Barnabé fez passar a foice por entre a erva'' (tradução livre).
17 ''Quanto ao celeiro que tinha, como a biblioteca, a forma oblonga da ponte, era simplesmente o val do virgamento do telhado. [...] Não tinha nenhum outro ornamento além duma efígie de São Barnabé esculpida na porta e por baixo esse verso: Barnabus sanctus falcem jubet ire per herbam.'' (HUGO, [19--] A, v. II, p. 89).
18 ''[...] as portas eram de viés e não tinha a altura de um homem, sendo preciso abaixar a cabeça para passar: ora, cabeça abaixada é cabeça cortada; e a cada porta o sitiado esperava o sitiante.'' (grifos nossos) (HUGO, [19--] a, v.II, p.86)
19 ''A Porta de Ferro O segundo andar do castelo da ponte, elevado por causa das pilastras, correspondiam ao segundo andar da torre; fôra altura que, para mais segurança tinha sido colocada a porta de ferro.
A porta de ferro abria-se do lado da ponta para a biblioteca, e do lado da torre para uma grande sala abobadada com o pilar no centro. A sala era, como a acabamos de dizer, o segundo andar da fortaleza. [...]
Os quinze pés de espessura da muralha fora necessário perfurar para nela colocar a porta de ferro, e no meio dos quais estavam chumbada, formavam-lhe uma extensa abóbada; de forma que a porta, quando estava fechada, ficava tanto do lado da torre como do lado da ponte, debaixo de um pórtico de seis ou sete pés de profundidade; quando estava aberta, os dois pórticos confundiam-se e formavam a abóbada de entrada.'' (HUGO, [19--] a, v. II, p. 86-87).
20 ''__ Se conheço a Tourgue? O grande castelo redondo que é o solar da família dos meus senhores! Tem uma sólida porta de ferro que separa a construção nova da antiga e que nem com um canhão se meteria dentro. É na casa nova que se encontra o famoso livro de S. Bartolomeu que ia se ver por curiosidade. No mato há muitas rãs. Quando era pequeno muitas vezes brinquei com elas. E o caminho subterrâneo? Bem o conheço. E até talvez não haja ninguém que o conheça como eu.'' (HUGO, [19--] A, v. I, p.79)

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