INTRODUÇÃO
O contexto contemporâneo do trabalho e das organizações caracteriza-se por céleres e importantes transformações, tanto em termos das formas de produção, como em aspectos subjetivos, políticos e ideológicos, que alteram significativamente os modos de vida dos trabalhadores (Bendassolli, Borges-Andrade & Malvezzi, 2010; Gaulejac, 2007; Tonon, Camillis, Marques & Grisci, 2013). Junto a esse contexto, pesquisadores buscam compreender os comportamentos humanos, a exemplo da resiliência, tema central deste texto, que podem favorecer maior bem-estar e satisfação no trabalho.
O fenômeno da resiliência tem despertado interesse científico crescente nas últimas duas décadas. Inicialmente, os estudos abrangeram, com maior ênfase, aspectos do desenvolvimento humano nos contextos da infância (Anthony, 1974; Werner e Smith, 1992) e da vida adulta (Bonanno, 2004, 2005). Por volta do ano de 2000, destacaram-se estudos sobre as características dos comportamentos resilientes, buscando explicar a superação de crises e de adversidades por indivíduos, grupos e organizações (Barlach, Limongi-França e Malvezzi, 2008; Tavares, 2001; Yunes e Szymanski, 2001).
Por meio dessa perspectiva, o ponto central da resiliência está na possibilidade de olhar para a adversidade como uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento individual e/ou social. Esse enfoque positivo dado a eventos negativos está no cerne da Psicologia Positiva, que tem como foco trabalhar as potencialidades e os aspectos saudáveis e positivos das pessoase da sociedade, aspectos que durante muito tempo foram deixados de lado (Seligman, 2009).
Historicamente, a primeira compreensão específica sobre resiliência no trabalho foi apresentada por Mallak (1998), entendida como a habilidade para delinear e implementar rapidamente comportamentos adaptativos positivos em situações de adversidades enfrentadas no trabalho. Pessoas resilientes, para o autor, tendem a responder às mudanças com maior rapidez e eficiência, e com baixo estresse, além de orientarem esforços significativos ao alcance de seus objetivos e de demonstrarem persistência às tarefas complexas.
Posteriormente à proposição de Mallak, os estudos sobre a resiliência no contexto do trabalho foram intensificados. Destacaram-se as contribuições de Luthans (2002) e Luthans, Luthans e Luthans (2004), com a teorização sobre o Capital Psicológico Positivo (Positive Psychological Capital), que compreende o comportamento organizacional positivo (Positive Organizational Behavior) como baseado nos fenômenos do otimismo, da autoeficácia, da esperança e da resiliência. Para estes autores, ao contrário das concepções tradicionais de resiliência centradas na capacidade extraordinária de poucas pessoas, passou-se a entender o fenômeno com uma característica que pode ser aprendida e desenvolvida.
As contribuições de Meneghel, Salanova e Martínez (2013) ampliaram a compreensão do tema, ao vincularem a característica de conservação da adaptação positiva às situações de trabalho à noção de resiliência. Do ponto de vista bibliográfico, as autoras argumentam também que o estudo do fenômeno é anterior a Mallak (1998), em trabalhos sobre Aprendizagem Organizacional de Argyris (1993), Schein (1993) e a Teoria Ecológica de Holling (1996).
Em outro importante estudo, McLarnon e Rothstein (2013) depreendem sobre a existência de várias características que distinguem a resiliência dos demais recursos psicológicos ou capacidades positivas, em situações reativas e proativas. De maneira reativa, a resiliência possibilita lidar com o potencial positivo de contratempos, traumas e de eventos positivos, promovendo o reconhecimento e a confirmação do impacto de tais eventos e permitindo que o indivíduo utilize seu tempo, energia e investimento em recursos para se recuperar, na busca de um ponto de equilíbrio. De modo proativo, permite que a experiência seja transformada em oportunidades de crescimento.
A partir desse breve apanhado histórico, verificou-se que a concepção de resiliência no trabalho remodelou-se ao longo do tempo, partindo de um fenômeno individualizado, vinculado à compreensão de traços de personalidade, para uma concepção processual e abrangente, passando a ser entendida como característica humana construída ao longo do tempo. Contudo, como se caracterizam as publicações sobre o tema e suas contribuições, de modo a compreender tal transformação?
Com o objetivo de responder a essas inquietações, realizou-se um estudo bibliométrico da produção científica nacional e internacional sobre resiliência no trabalho no campo da Psicologia, no período de 2000 a 2015, totalizando 316 artigos investigados. Espera-se que os resultados provenientes da investigação ampliem a compreensão acerca do construto, favorecendo aproximações e releituras de pesquisadores e de outros profissionais interessados.
O artigo é organizado da seguinte forma: primeiro, apresenta-se o percurso metodológico seguido pelos autores, e em seguida são apresentados os resultados obtidos juntamente com a análise e discussão sobre eles. Essa organização permite traçar um perfil das publicações nacionais e internacionais sobre resiliência no trabalho, no que se refere a sua caracterização geral (procedência, periódicos, fator de impacto e área de conhecimento), ao mapeamento do período, à caracterização metodológica, ao público pesquisado, além da apresentação das compreensões do constructo e das principais contribuições à temática.
MÉTODO
A bibliometria permite acompanhar o desenvolvimento de determinada temática, por meio de avaliação quantitativa e qualitativa de publicações científicas. Estudos dessa natureza favorecem a construção de indicadores e parâmetros confiáveis à avaliação, formulação e reformulação de conhecimentos e práticas acerca do tema investigado (Campos, 2003; Guedes & Borschivier, 2005; Oliveira, Lima & Morais, 2016).
A pesquisa que fundamenta este texto constituiu-se por busca especializada dos estudos publicados em periódicos indexados a base de dados do Portal de Periódicos CAPES1, sendo que os autores guiaram-se pela seguinte questão: quais são as publicações sobre o tema resiliência no trabalho no campo da Psicologia, nacionais e internacionais, no período compreendido entre os anos 2000 a 2015?
O processo de desenvolvimento deste estudo ocorreu em duas etapas, essas etapas e os critérios seguidos em ambas são apresentados e descritos a seguir.
Primeira etapa: busca sistemática de literatura
Foram realizadas duas buscas no Portal de Periódicos da CAPES. Na primeira busca (busca 1) foi priorizada a produção científica nacional, por meio da utilização dos descritores em português, “resiliência” and “psicologia” and “trabalho”. Na segunda busca, com foco na produção internacional, foram utilizados os descritores no idioma inglês, “resilienc*”, com operador booleano “*” (asterisco) retornando as variações “resilience” e “resiliency” (formas como o termo aparece no referido idioma), and “psychology” and “work”. Em ambas as pesquisas, foram aplicados os critérios de seleção seguintes: “artigos”, “periódico revisado por pares”2 e período do ano “2000 até 2015”.
Na busca realizada com os descritores em português (busca 2), foram localizados 133 publicações, sendo que, após a aplicação dos filtros, restaram 98 publicações. Com os descritores na língua inglesa obteve-se 809 publicações e, devido às repetições identificadas nas bases de dados, foi adotada a seleção das bases de dados PsyArticles e Web of Science - Ciências Sociais e Humanas (SSCI), tendo em vista a sua representatividade na pesquisa realizada e evidências, em levantamentos bibliográficos anteriores, de publicações relevantes no campo de conhecimento, vinculadas aos periódicos disponíveis nessas bases. A busca no idioma inglês resultou em 218 artigos identificados.
As buscas 1 e 2 totalizaram 316 artigos (98 no idioma português e 218, em inglês). O passo seguinte foi a leitura dos títulos, resumos e palavras-chaves dos 316 artigos identificados, com vistas a verificar quais se relacionavam e quais não se relacionavam, diretamente, ao tema resiliência no trabalho. Destacaram-se estudos de profissões da área da saúde, com atividades especialmente relacionadas ao tratamento de doenças, sendo que a resiliência foi abordada como característica importante ao alcance de melhor saúde e em situações que necessitam de superação de doenças severas. Nessas publicações, a ênfase maior foi na resiliência psicológica, sem abordagem específica sobre resiliência no trabalho.
Tal procedimento resultou em 25 publicações para análise na íntegra, sendo 10 artigos nacionais e 15 internacionais, os quais compõem essa bibliometria. O fluxograma apresentado na Figura 1 resume a primeira etapa do estudo.
Segunda etapa: análise bibliométrica
Os parâmetros bibliométricos que nortearam a organização quantitativa e análise qualitativa das publicações selecionadas (25) foram: a caracterização geral das publicações (procedência, fator de impacto, área de conhecimento dos periódicos e dos autores), mapeamento do período, caracterização metodológica das publicações (pesquisa de campo, ensaio teórico, revisão teórica), caracterização de público e as compreensões sobre resiliência utilizadas e principais contribuições à temática.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A revisão das 25 publicações que compõem a amostra, a partir dos parâmetros apresentados anteriormente reuniu as informações sintetizadas e interpretadas a seguir.
Caracterização geral das publicações
Em termos da procedência dos periódicos nos quais as publicações analisadas foram publicadas, verifica-se que 15 são internacionais e 10 nacionais. As publicações internacionais foram veiculadas em 15 periódicos distintos, em sua maioria provenientes de países da América do Norte. A Tabela 1 apresenta esses periódicos juntamente com o seu país de origem e fator de impacto pelo Journal of Citation Report (JCR), ou estrato Qualis Capes.
A Tabela 1 demonstra que no âmbito internacional, das publicações resgatas por meio dos descritores e filtros utilizados, não houve padrão nos periódicos nos quais os artigos foram publicados. Além disso, fica evidente o domínio de periódicos estadunidenses, de modo que 7 dos 15 artigos internacionais da amostra são provenientes deste país. Em segundo lugar estão a Suíça e a Inglaterra, cada um com dois periódicos, e em terceiro estão Alemanha, Holanda, Austrália e Porto Rico cada um com um artigo. Essas informações demonstram que as publicações sobre resiliência no trabalho em Psicologia estão presentes em três continentes, não tendo sido resgatados artigos publicados em periódicos asiáticos e africanos, o que demonstra uma oportunidade para novos estudos sobre o tema nesses países.
No processo de análise bibliométrica das publicações internacionais, uma análise considerada relevante pelos autores diz respeito ao fator de impacto dos periódicos na comunidade científica. Esse indicador informa o número médio de citações dos artigos publicados pelos periódicos ao longo de dois anos (Ensslin, Ensslin & Pinto, 2013). No caso desta pesquisa, os periódicos que publicaram os artigos foram consultados quanto aos seus fatores de impacto na base ISI Web of Knowlegde que utiliza o indicador JCR para o cálculo. Nessa análise verificou-se que os periódicos com maior fator de impacto foram Journal of Management (6.051), Personnel Psychology (4.057) e Journal of Applied Psychology (3.810), todos provenientes dos Estados Unidos da América. Isso demonstra que as publicações em periódicos estadunidenses, além de serem a maioria, possuem os maiores índices de impacto na comunidade acadêmica, o que pode refletir na qualidade dessas publicações e fazer com que embasem novos estudos sobre resiliência no trabalho.
A caracterização dos periódicos nacionais nos quais os artigos analisados foram publicados, bem como seu estrato de classificação no sistema Qualis Capes são apresentados na Tabela 2. Nesse sentido, em termos da classificação dos periódicos nacionais nos quais as publicações foram veiculadas, realizou-se levantamento a partir do sistema Qualis CAPES3. Por meio desse levantamento verificou-se que a maioria das publicações ocorreram em revistas com estratos A1 (30%), A2 (40%) e B1 (30%). Esses dados são indicativos positivos à qualidade dos trabalhos e permitem inferir, ainda, a relevância científica do tema.
Quanto à área de conhecimento dos periódicos onde se veicularam as publicações, evidenciouse que a grande maioria (68%) possui foco e escopo direcionados às Ciências Humanas, em especial à Psicologia. No entanto, considerouse importante o fato de que 32% dos estudos foram publicados em periódicos de outras áreas do conhecimento, o que indica o interesse pelo tema em outras Ciências e infere um potencial para a realização de atividades interdisciplinares em estudos e práticas futuras. A Tabela 3 demonstra a distribuição das publicações conforme a área de conhecimento dos periódicos aos quais estavam vinculadas.
Após analisar-se a área de conhecimento dos periódicos aos quais as publicações da amostra estavam vinculadas, foram também analisadas as áreas centrais de pesquisa dos autores das publicações. Essa análise foi realizada por meio da pesquisa dos currículos dos 83 autores em bases virtuais de cadastro nacionais e internacionais. Os resultados demonstraram que a grande maioria dos autores, cerca de 76%, vinculam-se a área das Ciências Humanas, 24% são pesquisadores dos campos da Saúde, em especial Enfermagem, e 8% desenvolvem trabalhos voltados para as Ciências Sociais aplicadas, com destaque para a Administração. A Tabela 4 apresenta as áreas centrais de pesquisa e atuação dos autores, tanto das publicações internacionais quanto das nacionais.
Outra análise realizada refere-se aos campos de pesquisa dos autores vinculados a área de Ciências Humanas. Essa análise é apresentada na Tabela 5, onde verifica-se que a maioria deles está vinculado aos campos da Psicologia Organizacional e do Trabalho, Psicologia Positiva, Psicologia do Desenvolvimento Humano e Enfermagem e Saúde Coletiva. Os resultados confirmam o interesse da Psicologia Organizacional e do Trabalho pelo tema, reforçado talvez pelo contexto econômico, político e social desafiador, com o qual trabalhadores e organizações têm de lidar em seus cotidianos. Além disso, dados históricos referentes aos primeiros estudos sobre resiliência em Psicologia, realizados no campo da Psicologia do desenvolvimento, confirmam o vínculo dos pesquisadores nacionais com essa área.
O grande destaque para os resultados apresentados na Tabela 5 corresponde ao vínculo de 4 publicações internacionais com a Psicologia Positiva. Isso porque a Psicologia Positiva é uma ciência nova, ainda em desenvolvimento, que tem como premissa o estudo das virtudes e potencialidades humanas (Seligman, 2009).
Nessa nova ciência a resiliência também pode ser inserida pelo fato de se tratar de uma característica positiva frente a situações negativas (Snyder & Lopes, 2009).
Por fim, percebe-se que a caracterização das publicações sobre resiliência no trabalho demonstra maior incidência de estudos internacionais, mesmo tendo sido resgatados artigos de duas bases internacionais. Em sua maioria esses estudos são de procedência norte-americana, dado que pode estimular a realização de novos estudos sobre o tema por pesquisadores brasileiros ou da América do Sul. Isso se faz mais relevante na medida em que se leva em consideração os momentos políticos, econômicos e sociais adversos existentes nesses locais, que exigem adaptação, flexibilidade e capacidade para lidar com as adversidades, e tornam a resiliência no trabalho uma competência indispensável. Tal fato corrobora com o argumento de Pereira (2001, p. 87), que afirma que “uma das grandes apostas para o próximo milênio será tornar as pessoas mais resilientes e prepará-las para uma certa invulnerabilidade que lhes permita resistir a situações adversas que a vida proporciona (...)”.
A seguir são apresentados os dados referentes ao período de publicação dos estudos analisados nessa bibliometria.
Mapeamento do período das publicações
Os artigos analisados no presente estudo foram publicados no intervalo entre o ano 2000 e 2015. Em nível internacional percebe-se que os anos de 2007 e 2012 foram os anos com maiores números de publicações (3 em cada), seguidos por 2014 e 2015 nos quais foram publicados dois artigos em cada ano. Em nível nacional destaca-se a inexistência de publicações em periódicos nacionais antes de 2009, e em 2012 e 2013, sendo resgatadas publicações somente em 2010, 2011, 2014 e 2015, como pode-se confirmar na Tabela 6.
Conforme apresenta a Tabela 6, evidenciou-se também que os estudos internacionais apresentaram frequência praticamente equilibrada ao longo do período de 2000 a 2015, tendo somente dois anos sem publicações, 2010 e 2011 respectivamente. Essa frequência indica que houve maior interesse sobre o tema resiliência no trabalho no exterior e que este interesse ainda permanece. Em nível nacional embora não tenham sido resgatados estudos publicados em periódicos nacionais antes de 2010, cabe esclarecer que Barlach, Limongi-França e Malvezzi, pesquisadores brasileiros, tiveram um artigo publicado em revista internacional no ano de 2008, permitindo concluir que o interesse no tema era presente entre os pesquisadores brasileiros.
Identificaram-se diferenças entre os estudos mais antigos e os mais recentes em termos das compreensões etimológicas (origem da palavra) sobre resiliência no trabalho e de sua origem científica. Nas publicações de 2000 a 2008, evidenciou-se ausência de contextualização etimológica do constructo (Ablett & Jones, 2007; Howard, 2008; Meek et al., 2003; Luthans, Avolio, Avey, & Norman, 2007; Wanberg & Banas, 2000; Youssef & Luthans, 2007). Nas publicações internacionais mais recentes (Fleções internacionais mais recentes (FleFletcher & Sarkar, 2013; Robertson, Cooper, Sarkar & Curran, 2015), a contextualização etimológica baseia-se no Dicionário Oxford de Inglês, no qual a expressão deriva do verbo latino resilire, com significado de “saltar para trás” e como “a capacidade de resistir ou recuperar rapidamente de condições difíceis” (Soanes & Stevenson de 2006, p. 1498). Em estudos nacionais mais recentes, os autores localizam e relacionam o constructo a partir da Física, caracterizando-o como a capacidade de um corpo físico de absorver energia quando elasticamente deformado e, em seguida, devolver essa energia quando descarregado, retornando à posição original (Belancieri, Beluci, Silva & Gasparelo, 2010; Carvalho, Teodoro & Borges, 2014; Resende et al., 2010; Ribeiro et al., 2011; Santos & Moreira, 2014).
Compreende-se como importante tal contextualização, tendo em vista que a localização etimológica e discussão histórica do fenômeno, que, de certo modo ainda é novo, orientam a sua caracterização, conferem delimitação e orientação teórica à realização de estudos. Em alguns estudos (Burnes, Long, & Schept, 2012; García & Calvo, 2012; Howard, 2008; Siu et al., 2009), percebe-se que houveram algumas confusões na compreensão da resiliência como fenômeno. Nesses estudos os autores a contextualizam de modo sinônimo a outros fenômenos como a elasticidade humana e a recuperação de estresse psicológico, fato que pode ser justificado pela ausência de aspectos conceituais e históricos centrais.
Além da compreensão histórica sobre o tema, a caracterização metodológica dos estudos foi outro aspecto analisado neste estudo, e é apresentada a seguir.
Caracterização metodológica das publicações
Quanto à caracterização metodológica das publicações, apresentada na Tabela 7, identificou-se a prevalência de estudos empíricos (72%), que se fundamentam por dados de experiências e prezam pela aproximação com o contexto investigado. Tal dado permite inferir a primazia pela compreensão da resiliência no trabalho experimentalmente. Ao mesmo tempo, considerando-se a vinculação do temaà Psicologia Positiva, campo ainda jovem de conhecimentos, o empirismo pode favorecer às formulações teóricas que possibilitem uma melhor compreensão sobre o tema, além de conduzir a debates conceituais e ao seu aprofundamento.
No que se refere as abordagens de pesquisa utilizadas evidenciou-se 7 estudos realizados pela abordagem quantitativa de pesquisa, que compreendem os estudos de Wanberg e Banas (2000), Youssef e Luthans (2007), Belancieri et al. (2010), Resende et al. (2010), Rowe, Bastos e Pinho (2011), Carvalho, Borges, Vikan e Hjemdal (2011) e García e Calvo (2012). De modo geral, nesses estudos houve a utilização de questionários e escalas como instrumentos de coleta de dados, de modo que a análise dos dados foi realizada por meio de softwares estatísticos.
Entre os estudos citados, entende-se como significativo destacar o estudo realizado por Youssef e Luthans (2007) no qual os autores realizaram pesquisa junto a trabalhadores de diversos ramos organizacionais. O estudo foi realizado em duas fases, contando com uma amostra representativa de 1.264 trabalhadores. Nesse estudo os autores apresentaram a compreensão de resiliência no trabalho como sendo a capacidade humana de lidar, também, com eventos positivos, que envolvam progresso ou maior responsabilidade, necessidade de superação e adaptação, e não só a eventos negativos e adversidades. Os autores também demonstraram que há indicadores de desempenho, satisfação, felicidade no trabalho e comprometimento organizacional relacionados aos níveis de resiliência, contribuindo com a apresentação de formas para mensurar a resiliência no trabalho e relacioná-la com outros fenômenos que ocorrem no trabalho e nas organizações. Tais compreensões são referenciadas na maior parte dos estudos subsequentes e conferiram avanços teórico-conceituais ao constructo.
Considera-se relevante destacar ainda, a pesquisa quantitativa de Carvalho et al. (2011) por trazerem uma contribuição importante ao identificar que a resiliência contribuiu significativamente para explicar os resultados da socialização organizacional, constituindo-se em um mecanismo de proteção dos trabalhadores diante de fatores estressantes e reforçando a importância de se trabalhar a autoeficácia dos trabalhadores iniciantes. A pesquisa foi desenvolvida com uma amostra de 135 novos servidores docentes e técnicos-administrativos de universidades, sendo 72 deles brasileiros e 63 noruegueses, comparando-se a capacidade preditiva da resiliência em relação à socialização organizacional por meio da Escala de Resiliência em Adultos.
Já as pesquisas empíricas realizadas sob abordagem qualitativas foram as de Ablett e Jones (2007), Barlach et al. (2008), Fletcher e Sarkar (2012), Minello e Scherer (2014), Santos e Moreira (2014), e Yuen, Wong, Holroyd & Tang (2014). A principal estratégia de investigação utilizada pelos autores foi a realização de entrevistas e, em seguida, a aplicação de escalas. Destes estudos, considera-se importante destacar a contribuição do trabalho de Barlach et al. (2008) que consideraram a resiliência como a capacidade de construir soluções criativas frente a crises ou adversidades que possibilitem adaptação e superação. Desse modo, além do controle acerca de uma situação, a resiliência envolve um determinado reforço para que o indivíduo possa buscar novos resultados pessoais e profissionais relacionados ao trabalho e na equipe.
Os estudos mistos, por sua vez, foram realizados por Siu et al. (2009) e Meek et al. (2003). Houveram ainda investigações com o objetivo de testar modelos e validar instrumentos ou escalas sobre resiliência, como é o caso das pesquisas de Luthans, et al. (2007), Carvalho et al. (2014), e Gomide Júnior, Silvestrin e Oliveira (2015).
No que se refere as pesquisas não-empíricas, caracterizadas por não apresentarem dados de realidade, percebe-se que elas tiveram como foco a revisão e análise da literatura. Essas pesquisas foram menos recorrentes compondo 28% dos estudos analisados. Verificaram-se revisões de literatura sobre a importância da resiliência, por exemplo, no que se refere ao trabalho de psicólogos (Howard, 2008) e de crianças em situação de trabalho infantil (Libório & Ungar, 2010), além de duas publicações recentes. Uma dessas publicações apresenta um modelo teórico para resiliência (Rees, Breen, Cusack & Hegneyand, 2015), e a outra revisa os estudos que tratam de treinamentos que visam desenvolver a resiliência dos trabalhadores, de modo que esses treinamentos eram realizados em contextos organizacionais (Robertson et al., 2015).
A análise metodológica das publicações analisadas demonstra que a maioria dos estudos sobre resiliência no trabalho em Psicologia (7) foram pesquisas empíricas de abordagem quantitativa, seguidas pela abordagem qualitativa (6), e estudos teóricos (7). O fato de 72% das publicações analisadas se tratarem de estudos empíricos atenta para uma realidade distinta da apresentada por Martins (2015). A autora afirma que ainda há uma lacuna na literatura no que diz respeito a estudos empíricos que relacionem o construto com outros fenômenos que ocorrem no trabalho. Porém, a análise das 25 publicações que compuseram a amostra do presente estudo demonstra maior incidência de estudos empíricos que relacionam a resiliência no trabalho com outros fenômenos como a socialização, desempenho, burnout, bem-estar e satisfação.
Por meio das análises feitas percebe-se, ainda, uma oportunidade metodológica para as futuras pesquisas sobre o tema, a utilização da abordagem qualitativa e da utilização de entrevistas em profundidade. Estudos com esse enfoque poderão auxiliar na descrição do comportamento resiliente, além de permitir que sejam esclarecidos fatos sobre a sua construção e de como pode ser promovido nos ambientes de trabalho e das organizações. Destaca-se nesse sentido a utilização do método de história de vida que permite verificar a questão da singularidade de um ser humano, em relação ao contexto social e histórico no qual está inserido (Goldenberg, 2013).
Com vistas a melhor caracterizar as pesquisas empíricas realizadas sobre resiliência no trabalho, analisou-se também os públicos por elas utilizados, é o que será apresentado a seguir.
Caracterização do público
Os participantes pesquisados nos estudos empíricos analisados foram diversos em termos de suas atuações profissionais, de modo que estiveram presentes membros do clérigo (Meek et al., 2003), enfermeiros (Ablett & Jones, 2007; Manzano & Calvo, 2012; Siu et al., 2009), executivos (Barlach et al., 2008), aposentados (Resende et al., 2010), servidores públicos (Carvalho et al., 2011), professores (Rowe et al., 2011), atletas (Fletcher & Sarkar, 2012), empreendedores (Minello & Scherer, 2014) e profissionais do sexo (Yuen et al., 2014). A Tabela 8 apresenta a caracterização do público pesquisado nos estudos empíricos.
Evidencia-se que os estudos sobre resiliência no trabalho tiveram o enfoque inicial à superação de eventos traumáticos e superação de crises (Barlach et al., 2008), desse modo, são recorrentes estudos junto à públicos que possam estar expostos a eventos estressores em seu cotidiano. Verificou-se, conforme consta na Tabela 8, que as investigações com trabalhadores da área da saúde, trabalhadores do sexo, docentes, executivos e idosos tiveram em comum o enfoque à vulnerabilidade entendida em suas atividades. Além disso, mesmo nos estudos em que as situações difíceis não são enfatizadas, há pouca ênfase na forma utilizada pelos indivíduos para lidarem com eventos positivos de seu trabalho.
Quanto aos estudos teóricos, também foram identificados recortes de revisão bibliográfica em grupos específicos tendo por orientação a vulnerabilidade de algumas atividades, tal como o trabalho de profissionais do sexo, o trabalho infantil e o trabalho no campo da saúde mental. Isso leva a crer que a resiliência, mesmo nos estudos mais recentes, ainda tende a ser concebida muito mais pela superação dos aspectos negativos do que como uma forma de vivenciar as mudanças positivas. Tais constatações, tanto dos estudos empíricos como não empíricos, podem ser entendidas como oportunidades para pesquisas futuras.
No início do presente trabalho foi possível perceber que na maioria das compreensões, resiliência se refere a um processo adaptativo, no qual o indivíduo, grupo ou organização utiliza mecanismos positivos para superar e se forta lecer, por meio de uma experiência ou evento adverso. A este respeito, Martins (2015) oferece uma importante argumentação, ao dizer que, mesmo diante de várias definições, e nenhuma ser claramente estabelecida, confusões teóricas com outros termos como invulnerabilidade e enfrentamento (coping), que estavam presentes na literatura sobre resiliência, já foram esclarecidas ao longo do tempo por meio de publicações sobre o assunto.
No entanto, discute-se que os estudos atuais devem fornecer dados e esclarecimentos que visem evitar futuras confusões teóricas, e auxiliem no desenvolvimento e fortalecimento de novos estudos sobre resiliência no trabalho. Por esse motivo apresenta-se a seguir as compreensões sobre resiliência utilizada nas publicações analisadas, além de um resumo das suas contribuições para estudos futuros.
Compreensões sobre resiliência no trabalho e contribuições dos estudos analisados
Acerca das compreensões sobre resiliência no trabalho utilizadas nos estudos analisados, e as principais contribuições dos estudos, elaborou-se a Tabela 9. Nela são apresentados os 25 artigos, juntamente com as compreensões sobre resiliência que basearam a construção do estudo e os aspectos entendidos como de maior relevância para a construção de novos estudos sobre o tema.
As compreensões sobre resiliência utilizadas pelos artigos demonstram que em sua maioria tratam a resiliência como um processo, uma capacidade humana construída pela interação do indivíduo com o meio. Além disso, percebe-se que em todos os estudos empíricos a resiliência é relacionada com outros fenômenos humanos que ocorrem nos contextos organizacionais e de trabalho. Esses dados oferecem um avanço no estudo sobre resiliência, à medida que utilizam uma perspectiva processual e não de traço de personalidade, muito presente nos estudos iniciais realizados em psicologia sobre o tema.
Verificou-se também que em nenhum dos estudos empíricos foi discutido sobre a relação de como se construíram os comportamentos resilientes e de como eles ocorrem nas situações adversas e nas situações positivas no trabalho, como nos casos de promoção ou ascensão de cargo ou salarial. Embora a maioria dos estudos depreenda que a resiliência no trabalho pode ser aprendida, evidenciou-se, ainda, escassez de esclarecimentos sobre os fatores que interferem ou contribuem para esse processo. Por conseguinte, alguns textos apresentam de modo parcial ou não apresentam formas de como as organizações poderiam, por meio de políticas e práticas de gestão de pessoas, fomentar a construção ou aprendizado de comportamentos resilientes, sendo que a responsabilidade de tal comportamento é direcionada unicamente ao trabalhador. Nessa direção, considera-se importante apontar à necessidade de novas investigações a acerca do tema.
Outro aspecto relevante acerca das contribuições dos estudos, foi a indissociabilidade contextual do tema. Isso significa que não há como falar do contexto do trabalho sem pensar as organizações contemporâneas e, nestes dois, o fenômeno da resiliência é um aspecto central à manutenção da saúde mental do trabalhador e, ao mesmo tempo, ao alcance dos resultados esperados pelas organizações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do aumento das publicações sobre resiliência no trabalho, percebe-se que ainda existem algumas lacunas na literatura sobre o tema. Entre elas destacam-se a falta de estudos que visem descrever o comportamento resiliente no trabalho, e forneçam argumentos de como ele pode ser construído. Além disso, embora os estudos analisados tenham evidenciado que a perspectiva da resiliência como traço de personalidade vem sendo superada, ainda há espaço para o desenvolvimento de pesquisas que explorem o caráter processual da resiliência, expliquem os fatores que interferem na sua construção ao longo da vida dos seres humanos, e demonstrem os seus benefícios na manutenção e promoção da saúde e bem-estar dos trabalhadores.
Destaca-se também que embora a ênfase na busca de literatura realizada nesse estudo tenha sido a Psicologia, dados de diversas outras áreas foram resgatados o que permite inferir a relevância e interdisciplinaridade do tema. No entanto, como no exemplo das pesquisas da área da Saúde Coletiva e da Administração, identificou-se a ausência da participação de pesquisadores da Psicologia. Desse modo, embora o tema seja de interesse a várias Ciências, acredita-se carecer de aproximações entre os pesquisadores para que os estudos sejam interdisciplinarmente construídos.
Um ponto interessante da análise ora realizada refere-se a falta de discussão etimológica e histórica sobre o constructo, o que levou alguns estudos a equívocos teóricos. Esses equívocos são marcados pelo tratamento da resiliência como sinônimo de resistência ao estresse e elasticidade psicológica. Desse modo, embora tenha havido um aumento das publicações sobre o fenômeno, entende-se que ainda há aspectos centrais a serem resgatados e considerados teoricamente, e que poderão auxiliar na evolução científica sobre resiliência no trabalho.
Evidenciou-se que o estado da arte referente aos estudos sobre resiliência no trabalho é composto por pesquisas que se diferem tanto pela perspectiva teórica utilizada, quanto pela abordagem metodológica e pelo público pesquisado. Nesse sentido, ainda é evidente a predominância de estudos de abordagem quantitativa e voltados a profissões que tem como premissa o enfrentamento de grandes dificuldades, a exemplo dos profissionais da saúde, executivos e prostitutas. Tal fato fornece uma importante discussão: seriam as demais profissões isentas de dificuldades ou toda e qualquer atividade profissional pressupõe o enfrentamento de situações difíceis e desafios? A resposta a esse questionamento pode ser elaborada por meio de estudos que atentem para as mais diversas profissões, pois partindo-se do pressuposto de que o mundo do trabalho tem se modificado rapidamente, exigido novas competências e, acima de tudo, flexibilidade por parte do trabalhador, perceber-se-á que a resiliência é uma capacidade necessária a todos.
Por fim, a principal limitação deste estudo diz respeito à busca na base de dados CAPES, que, muito embora contemple os maiores bancos de dados científicos do mundo, poderia ser realizada concomitantemente em outras bases, no intuito de maior refinamento da pesquisa.
Entende-se, no entanto, que os indicadores bibliométricos apresentados possibilitam o delineamento, caracterização e a compreensão do constructo, por meio da comparação entre estudos produzidos em diversos locais do mundo, bem como das transformações em sua compreensão ao longo do tempo. Os resultados aqui obtidos podem instrumentalizar pesquisas futuras em outras bases de dados que complementem estes achados.