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Psicología desde el Caribe

versão impressa ISSN 0123-417Xversão On-line ISSN 2011-7485

Psicol. caribe vol.37 no.3 Barranquilla set./dez. 2020  Epub 07-Set-2021

https://doi.org/10.14482/psdc.37.3.371.914 

Artículo de Investigación

Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) básico em crianças com TDAH e Dislexia

Feuerstein Instrumental Enrichment (FIE) basic in children with ADHD and Dyslexia

Karen Ricci1  * 
http://orcid.org/0000-0002-8645-6994

Cristiano Mauro Gomes Assis2 
http://orcid.org/0000-0003-3939-5807

Maria Angela Nico Nogueira3 
http://orcid.org/0000-0002-3457-3400

Alessandra Seabra Gotuzo4 
http://orcid.org/0000-0002-8373-7897

1Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) (Brasil).

2Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (Brasil).

3Associação Brasileira de Dislexia (ABD) (Brasil).

4Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) (Brasil).


Resumo

Há evidências da eficácia do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), versão básica, sobre inteligência, processamento visoespacial e flexibilidade cognitiva. Como tais habilidades podem estar prejudicadas em transtornos do neurodesenvolvimento, como TDAH e dislexia, investigou-se a eficácia do PEI em 22 crianças com tais quadros. Comparou-se o grupo experimental (GE) ao controle pré e pós-intervenção em testes neuropsicológicos, sendo conduzidas até 26 sessões de intervenção. Foi analisada a interação entre grupo e momento e comparadas as diferenças de desempenho entre os dois momentos. Tal comparação revelou maior ganho do GE em duas tarefas de flexibilidade cognitiva com tamanho de efeito grande; em oito medidas com tamanho de efeito moderado (incluindo medidas de inteligência, processamento visoespacial e funções executivas) e em 13 medidas com tamanho de efeito pequeno. O grupo controle apresentou maior ganho apenas em nomeação. Conclui-se que o PEI-básico apresentou efeitos especialmente em flexibilidade cognitiva com crianças com TDAH e dislexia.

Palavras-chave: Estimulação Cognitiva; Programa de Enriquecimento Instrumental; Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade; Dislexia

Abstract

There is evidence of the effectiveness of Feuerstein’s Instrumental Enrichment (FIE), basic version, on intelligence, visuospatial processing, and cognitive flexibility. As such skills may be impaired in neurodevelopmental disorders such as ADHD and dyslexia, their efficacy was investigated in 22 children with such conditions. The experimental group (EG) was compared to pre and post-intervention control in neuropsychological tests, in up to 26 intervention sessions. Interaction between group and moment was analyzed, and performance differences between the two moments were compared. Such a comparison revealed greater gain of the EG in two tasks of cognitive flexibility with large effect size; in eight measures with moderate effect size (including intelligence measures, visuospatial processing and executive functions) and in 13 measures with small effect size. The control group presented greater gain only in appointment. It is concluded that PEI-basic showed effects especially in cognitive flexibility with children with ADHD and dyslexia.

Keywords: Cognitive stimulation; Feuerstein’s Instrumental Enrichment; Attention deficit hyperactivity disorder; Dyslexia

Introdução

O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) (Feuerstein, Rand, Hoffman, & Miler, 1980) tem sido usado para estimulação cognitiva em diversos contextos com resultados promissores, tais como na aplicação da experiência da aprendizagem mediada no ensino à distância (Gonçalves & Richartz, 2018), na intervenção em leitura e escrita no sistema Braille para crianças com deficiência visual (Dionísio & Vectore, 2017), na reabilitação de pacientes com acidente vascular encefálico (Lebeer, 2016), em indivíduos com transtornos neuropsiquiátricos, como Transtorno Obsessivo-Compulsivo (Smeraldi, Mazza & Ricci, 2015), e crianças sem quadros específicos (McIntyre, 2017). O PEI é sustentado pela teoria da modificabilidade cognitiva estrutural, segundo a qual a inteligência consiste na tendência de o indivíduo ser modificado em suas estruturas cognitivas em resposta às necessidades de adaptação ao ambiente e, principalmente, em resposta às múltiplas vivências de aprendizagem mediada. Baseia-se no postulado de um funcionamento cognitivo flexível, passível de mudanças e com um potencial natural para o aprendizado, enfatizando a importância dialógica entre mediador-mediado para o impulsionamento das transformações estruturais mentais (Feuerstein, 1997).

O PEI possibilita uma mediação, por meio de instrumentos criados e sistema- tizados para acessar e facilitar o desenvolvimento das funções cognitivas dos indivíduos, de modo a promover uma transformação no raciocínio geral e uma transcendência das tarefas às atividades cotidianas. Funções cognitivas como memória, atenção, percepção e linguagem são consideradas processos estruturais e complexos do funcionamento mental que, quando combinados, fazem operar e organizar a estrutura cognitiva de como a mente humana pode ter seu funcionamento alterado pela mediação humana (Gomes, 2002). Assim, a ênfase do programa consiste em aprender a aprender, ou em aprender a pensar. Este programa foi formulado para remediar a falta de experiência mediada das crianças e adolescentes privados culturalmente, com prejuízos na aprendizagem (Gomes, 2002; Beyer, 2002).

O PEI é um programa de estimulação cognitiva quevisa à aplicação de instrumentos para modificabilidade cognitiva. O programa é composto por nível I, nível II e nível básico. Os níveis I e II são dirigidos a crianças escolares e adultos e são compostos por 14 instrumentos cada. Já o PEI básico é subdividido em 2 níveis e composto por 7 instrumentos, sendo direcionado para crianças pré-escolares, pessoas ainda não alfabetizadas ou que apresentam dificuldades de aprendizagem. Assim, essa versão básica objetiva prevenir e intervir em dificuldades de aprendizagem, fomentando o desenvolvimento cognitivo para construir potencialidades para aprender e preparando a criança para ingresso escolar. São utilizados sete instrumentos, com aproximadamente 25 a 30 tarefas de “lápis-papel” cada. Para que as tarefas sejam realizadas eficientemente, o mediador, aplicador do programa, deve promover a experiência de aprendizagem mediada intervindo junto à criança em sua maneira de observar, de perceber as informações, de analisar e sintetizar, de construir relações, de elaborar inferências lógicas, de apresentar comportamento sistemático e não impulsivo e de pensar antes de agir (Feuerstein, Rand, Hoffman, & Miler, 1980; Gomes, 2002).

Dentre diversos quadros em que há necessidade de estimulação cognitiva, podem-se citar os transtornos do neurodesenvolvimento. Dentre estes, o Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é caracterizado por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade-impulsividade. Sintomas de desatenção e desorganização estão relacionados à incapacidade de permanecer em uma tarefa e se aparenta não prestar atenção nas outras pessoas nas mais diversas situações. Sintomas de hiperatividade-impulsividade se relacionam à inquietação e agitação motora, incapacidade de permanecer parado em atividades que exigem esta demanda, dificuldade em aguardar suavez, entre outros sintomas excessivos de determinadas atividades. O TDAH costuma persistir na vida adulta e pode acarretar em prejuízos na vida social, acadêmica e profissional. Para critério diagnóstico é necessário que os sintomas do quadro estejam presentes até os 12 anos de idade, além de se manifestarem em mais de um ambiente, como exemplo: em casa e na escola (American Psychiatric Association, 2014). Desempenhos rebaixados em metacognição, planejamento, organização e funções executivas são frequentes no transtorno, incluindo dificuldades com controle inibitório (Barkley, 2015).

O Transtorno específico da aprendizagem também faz parte dos transtornos do neurodesenvolvimento e se caracteriza por déficits específicos na capacidade individual para perceber ou processar informações com eficiência e precisão, com dificuldades na aprendizagem ou no uso de leitura, escrita e/ou matemática. Tal transtorno, apesar de manifestar-se inicialmente durante o início da escolarização fundamental, pode acarretar prejuízos duradouros em atividades que dependam destas habilidades, inclusive no desempenho profissional (American Psychiatric Association, 2014). O transtorno específico da aprendizagem com prejuízo predominante na leitura, especificamente na precisão ou fluência, caracteriza a dislexia (American Psychiatric Association, 2014; Ohlweiler, 2016). Alterações fonológicas, incluindo a capacidade de segmentar e manipular fonemas, são comuns no transtorno de aprendizagem, mas outras dificuldades cognitivas, como dificuldades de organização, metacognição e funções executivas, podem contribuir para baixo rendimento acadêmico (Meltzer, 2007 ). Estudos recentes identificaram déficits nas funções executivas como fluência verbal, atenção e memória de trabalho fonológica, além das tarefas de consciência fonológica (Barbosa et al. , 2019).

Programas de intervenção para a população com TDAH e dislexia são de extrema importância para o desenvolvimento de suas capacidades cognitivas e melhoria nos desempenhos sociais e acadêmicos. Hipotetiza-se que o PEI possa ser uma alternativa para intervenção junto a essa população diante das dificuldades cognitivas presentes nesses transtornos. Há, na literatura nacional e internacional, evidências de eficácia do PEI em outros quadros. Uma meta-análise (Romney & Samuels, 2001) compilou 47 estudos entre os anos de 1975 e 2000 com o PEI. De modo geral, os tamanhos de efeito da intervenção foram pequenos e médios, porém com diferenças estatisticamente significativas, sobre habilidades acadêmicas, comportamento em sala de aula e habilidades cognitivas, incluindo habilidades verbais, perceptivo-espaciais, raciocínio, metacognição, planejamento e organização.

Vários estudos têm revelado efeitos do uso do PEI em algumas habilidades específicas. Por exemplo, Velarde (2008) e Otilia (2014) aplicaram o PEI a estudantes com dificuldades específicas. No estudo de Velarde (2008), participaram 47 alunos com dificuldades de aprendizagem do ensino primário de uma escola da Espanha, divididos em grupos controle e experimental. Houve ganhos significativamente superiores no grupo experimental no WISC geral, escala de execução verbal e no teste de Matrizes Progressivas de Raven. Já Otilia (2014) trabalhou com 100 crianças com deficiência intelectual, de 8 a 10 anos, divididos em grupo experimental e controle. O grupo experimental apresentou ganhos no NEPSY significativamente superiores aos ganhos do grupo controle.

Garcia e Porras (2000) aplicaram o programa a alunos com desenvolvimento típico, da primeira série do Ensino Fundamental, ao longo do ano escolar, com 2 sessões por semana. Houve relato de melhoras, registradas qualitativamente, em termos de incidentes negativos em ambiente escolar. Também Varela (2006) aplicou o programa a alunos do ensino fundamental em escolas públicas do estado da Bahia. O grupo experimental apresentou ganhos, em comparação ao grupo controle, em tarefas de pensamento indutivo e dedutivo e em conduta comparativa, além de maior potencial para a captação de informações simultâneas, porém permaneceu com dificuldades em outras habilidades. Em alunos do Ensino Médio, Cruz (2007) registrou diferenças de desempenho no PEI entre grupo experimental e controle, tanto em habilidades cognitivas quanto no desempenho escolar, em duas provas objetivas de português e matemática. .

Poucos estudos foram localizados com intervenção por meio do PEI versão bá- sica. Em um deles, Kozulin (2000) realizou um estudo multicêntrico com cinco países com aplicação do PEI versão básica em 188 crianças, sendo 51 com síndrome de Down, 12 com deficiência intelectual de ordem genética, 39 com deficiência intelectual de ordem não genética, 11 crianças com transtornos do espectro do autismo, 13 com paralisia cerebral, 45 com distúrbio do desenvolvimento da coordenação, 2 com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e 15 com transtornos de aprendizagem. Os participantes foram divididos em experimental e controle, sendo que o experimental participou de 30 a 45 semanas de intervenção com o PEI e o grupo controle participou de atividades de terapia ocupacional, treinamento sensório-motor e estudos curriculares. Nas avaliações pelos testes WISC e Raven, em todas as medidas os escores do grupo experimental foram maiores que do grupo controle, com diferenças significativas no teste Raven e nos subtestes de Semelhanças e Conceitos Figurativos do WISC.

Um outro estudo foi realizado com idosos institucionalizados, por meio do desenho experimental randomizado de caso único com controle. O PEI, versão básica, foi aplicado em uma participante de 76 anos, sexo feminino, e o controle foi composto de nove participantes (Média de idade = 72,6 anos), ambos residentes de uma instituição de longa permanência. Foram conduzidos vinte encontros individuais do programa. Por meio da análise Bayesiana, foi verificado que há uma probabilidade igual ou superior a 90% do caso ter apresentado ganho superior ao ganho do grupo controle nas habilidades de memória incidental e reconhecimento de figuras, indicando probabilidade igual ou superior a 90% da intervenção ter sido efetiva e provocado alterações cognitivas nas habilidades em questão (Pereira, Golino & Gomes , 2019).

Conforme os estudos citados, de modo geral, são registrados efeitos significativos do PEI, porém há escassez de intervenções com o PEI junto a indivíduos com transtornos do neurodesenvolvimento como TDAH e dislexia. Nesse contexto, o presente estudo objetivou avaliar a eficácia do PEI versão básica aplicado a participantes com transtornos do neurodesenvolvimento, especificamente TDAH e/ ou dislexia. Dado que o PEI trabalha com várias funções cognitivas, como percepção, orientação temporal, raciocínio hipotético-inferencial, diminuição de respostas por ensaio e erro e controle da impulsividade, hipotetiza-se que a intervenção pode melhorar o desempenho de crianças com TDAH e dislexia.

Método

Participantes

No presente estudo de delineamento quase-experimental, participaram 22 crianças alunas do ensino fundamental de escolas públicas e particulares, com diagnóstico prévio de transtorno do neurodesenvolvimento, especificamente dislexia e/ou TDAH. Entre as 22 crianças, havia seis com diagnóstico de TDAH, seis com diagnóstico de dislexia e dez crianças com comorbidades. Desse total, cinco crianças com diagnóstico de dislexia e TDAH; quatro crianças com diagnóstico de dislexia, discalculia e TDAH; e uma criança com diagnóstico de dislexia, TDAH e alteração no Processamento Auditivo Central (PAC).

A alocação das crianças do grupo controle e experimental não foi aleatória visto que algumas famílias relataram não ter condições de levar as crianças para a realização da intervenção com o PEI. Nesses casos, tais crianças foram atribuídas ao grupo controle (total de 10 casos). Nos demais casos, foi feita uma atribuição de modo que ambos os grupos tivessem distribuições o mais aproximadas possível de idade, série, gênero, diagnóstico e tipo de escola. Foram alocadas 11 crianças no grupo experimental e 11 crianças no grupo controle. A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra, subdividida em sexo, data de nascimento, idade, ano da série escolar, tipo de escola, sendo pública ou particular, diagnóstico, medicação e grupo de participação, experimental (GE) ou controle (GC). No GE foram alocados 7 meninos e 4 meninas e no GC, 8 meninos e 3 meninas. Não houve diferenças significativas entre os grupos em termos de idade média em meses (média GE = 124,6 e média GC = 121,2) ou número de anos de estudo (média GE = 4,2 e média GC = 4,1).

As sessões de intervenção ocorreram em formato grupal, com quatro grupos. As sessões de intervenções com os grupos de crianças com diagnóstico de TDAH foram realizadas na clínica de uma universidade, em dois períodos - matutino e vespertino - para atender todas as crianças de acordo com o horário que frequentam a escola, sendo encontros de duas vezes por semana com período de 50 minutos cada. As sessões de intervenção com os dois grupos de crianças com diagnóstico de Dislexia foram realizadas em uma associação, em dois períodos - matutino e vespertino - para atender todas as crianças de acordo com o horário que frequentam a escola, sendo encontros de duas vezes por semana com período de 50 minutos cada.

Tabela 1 Caracterização da amostra 

Instrumentos

Foram utilizados os seguintes instrumentos nas avaliações pré e pós- intervenção:

(1) Escala de Inteligência Wechsler para Crianças-WISC-IV (Wechsler & Duprat, 2013): destina-se à avaliação de inteligência de crianças e jovens de 06 anos a 16 anos e 11 meses. O instrumento é composto por 15 subtestes, porém, na presente avaliação, foram utilizados os subtestes de Vocabulário e Raciocínio Matricial para aferir uma estimativa de QI.

(2) Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial (Angelini, Alves, Custódio, Duarte & Duarte, 1999): é um teste de inteligência não verbal que, segundo os autores, avalia a capacidade intelectual geral ou fator “g” proposto por Spearman . Este instrumento é apropriado para avaliar crianças de 5 a 11 ½ anos, pessoas com deficiência mental e pessoas idosas. O teste possui três séries (A, Ab e B) de 12 itens cada uma que, somadas, fornecem o escore geral. Os itens consistem em um desenho ou matriz com uma parte faltando e possui seis alternativas de resposta em que o examinando deve escolher a alternativa que contém a figura que preenche adequadamente a parte que falta, sendo que apenas uma delas completa a figura ou matriz corretamente.

(3) Teste da Figura Complexa de Rey (Rey, 1999): avalia a atividade perceptiva e a memória visual nas fases de cópia e reprodução de memória. Seu objetivo é verificar o modo como o sujeito apreende os dados perceptivos que lhe são apresentados e o que foi conservado espontaneamente pela memória . Para a tarefa de cópia, uma figura é apresentada para a criança e lhe é pedido que faça uma cópia mais exata possível da figura. Em seguida, o aplicador deverá tirar a figura do campo de visão da criança e, após uma pausa de aproximadamente três minutos, é entregue uma folha em branco e para a tarefa de memória é solicitado que a criança faça novamente o desenho sem olhar para a figura. Em ambas as partes não há tempo limite para execução da tarefa, mas o tempo deve ser cronometrado.

(4) Teste de Trilhas: Partes A e B (Montiel & Seabra, 2012) e Teste de Trilhas para pré-escolares (Trevisan & Seabra, 2012): é uma medida de avaliação de flexibilidade cognitiva em que itens devem ser ligados por meio de uma sequência previamente determinada. No Teste de Trilhas: Partes A e B, a parte A é composta por duas folhas, com 12 letras de “A” a “M” e números de “1” a “12” dispostos de modo aleatório, devendo o participante ligar as letras da primeira folha e os números da segunda folha na ordem alfabética e numérica. A parte B possui uma única folha de 24 estímulos, letras e números e o participante deve ligar os itens intercalando ordem alfabética e ordem numérica. Para cada folha de resposta, há tempo limite de 1 minuto . No Teste de Trilhas para pré-escolares, os estímulos originais da versão tradicional do instrumento (letras e números) são substituídos por desenhos. Assim, na parte A, há uma folha com figuras de cinco cachorrinhos e a criança deve ligar os cachorrinhos por ordem de tamanho. Na parte B, figuras de ossos de tamanhos respectivos aos dos cachorros são introduzidas na folha. A criança deve, então, ligar alternadamente cachorros e ossinhos.

(5) Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras - TRPP (Seabra, 2012): avalia a memória de curto prazo fonológica. O aplicador pronuncia sequências de duas a seis palavras, com intervalo de um segundo entre elas, sendo a tarefa da criança repetir as palavras na mesma sequência. Há duas sequências para cada comprimento, ou seja, duas sequências com duas palavras, duas sequências com três palavras e assim por diante. Em seguida, são apresentadas sequências com pseudopalavras, ou seja, palavras inventadas às quais não corresponde nenhum significado.

(6) Teste Infantil de Nomeação - TIN (Seabra, Trevisan & Capovilla, 2012): avaliação da linguagem expressiva e do acesso ao sistema de memória de longo prazo que armazena os nomes dos objetos. O teste é constituído por 60 itens, distribuídos em diversas categorias semânticas, como animais, partes do corpo, pessoas, instrumentos, entre outras, devendo a criança dizer os nomes das figuras.

(7) Teste de Stroop Semântico - TSS (Trevisan & Seabra, 2010): o instrumento é computadorizado e avalia a habilidade de controle inibitório. Neste teste, sendo destinado à avaliação de pré-escolares ou indivíduos sem a habilidade de leitura automatizada, os estímulos originais do teste original de Stroop (palavras) foram substituídos por pares de figuras correspondentes a: “sol” e “lua” e “menino” e “menina”, apresentadas uma a uma e aleatoriamente na tela do computador. Na primeira parte do teste, a criança deve nomear as figuras. Na segunda, deve dizer o substantivo oposto do par (exemplo: dizer “menino” diante da figura “menina”). Cada etapa do teste possui 16 itens, totalizando 32 figuras.

(8) Inventário de Funcionamento Executivo e Regulação Infantil - IFERI (Trevisan & Seabra, 2012), que tem como objetivo avaliar funções executivas em crianças por meio de escala a ser respondida por pais e professores . O instrumento possui 28 itens, sendo que cada um deles é pontuado em uma escala likert de cinco níveis (“definitivamente falso” até “definitivamente verdadeiro”). Os itens são agrupados em 4 subescalas: memória de trabalho (11 itens, e.g. , “ tem dificuldade em entender instruções verbais a menos que também seja mostrado como fazer algo”), planejamento (4 itens, e.g. , “ tem dificuldade com tarefas ou atividades que envolvam várias etapas”), controle inibitório (6 itens, e.g. , “ tem tendência para fazer coisas sem pensar primeiro no que poderia acontecer”) e autorregulação (5 itens, e.g. , “ tem clara dificuldade em fazer coisas que considera chatas”).

(10) Teste Dinâmico Informatizado de Raciocínio Indutivo para Crianças TEDRI (Muniz, Seabra & Primi, 2008): tem a finalidade de avaliar o potencial de aprendizagem da criança para resolver tarefas que exijam raciocínio indutivo. Há três fases: pré-teste, etapa da intervenção e o pós-teste. No pré e no pós-teste, são apresentadas tarefas a serem resolvidas. Em cada uma há 3 ou 4 figuras em sequência ou em uma matriz e um espaço em branco que deve ser completado pela criança, escolhendo uma dentre quatro alternativas de resposta. Na intervenção, são oferecidas dicas para a resolução dos problemas e a lógica subjacente a cada um deles. São comparados os escores no pré e no pós-teste.

No presente estudo, para a intervenção, foi usado o PEI versão básica. As tarefas são compostas pelos seguintes sete instrumentos: organização de pontos; organização espacial; da unidade ao grupo; identificação de emoções; da empatia ao grupo; comparar e descobrir o absurdo; da unidade ao grupo; três canais de atenção à aprendizagem. Para esta intervenção, o instrumento «três canais de atenção à aprendizagem» não foi utilizado. Segue breve descrição dos instrumentos:

Organização de Pontos: consiste em 04 páginas de treinamento e 15 páginas de tarefas com oportunidade de aprendizagem motora e conceitual, integrando habilidade visual-motora.

Orientação espacial: enfatiza o reconhecimento e diferenciação de posições no espaço de modo que o mediado possa identificar a posição de um objeto em relação a outros objetos na tarefa. São 14 tarefas com progressão de instruções e complexidade de formas, cores e tamanhos. Este instrumento possibilita desenvolver a representação mental, operação cognitiva fundamental na aprendizajem.

Da unidade ao grupo: este instrumento desenvolve o conceito de números e permite aos mediados manipular formas no papel para descobrir o conceito de unidades, e strutura de base para as 4 operações matemáticas. São 18 tarefas sendo as páginas de 1 a 8 com tarefas de contagem e agrupamentos simples e as páginas de 9 a 18 com diferentes formas figurativas e com um grau de complexidade maior.

Identificação de emoções: a identificação das emoções inclui a interpretação de expressões faciais em variadas situações. Este instrumento permite identificar sentimentos, refletir sobre as emoções. O instrumento consta de 21 tarefas com diversas expressões faciais de personagens em variadas situações.

Da empatia à ação: com este instrumento o mediado pode identificar como o outro se sente na situação por meio da expressão facial. É possível identificar-se com o outro e escolher a resposta mais adequada naquela situação. O instrumento consiste em 19 tarefas nas quais é constituído um problema vivenciado por um único personagem ou um grupo, no qual se deve estabelecer entre 04 situações qual será mais benéfica ao indivíduo ou ao grupo. Promove a socialização e integração aos valores morais.

Comparar e descobrir o absurdo: objetiva entender a congruência entre duas situações apresentadas que geram um desequilíbrio na situação. Os eventos devem ser analisados e comparados. Este instrumento é dividido em duas partes A-B, em que a parte A apresenta situações mais concretas e mais perceptíveis e a parte B apresenta maior complexidade.

Procedimento

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE no. 50603915.0.0000.0084). A coleta de dados foi realizada por meio de sessões de intervenção com o PEI e ocorreram no último trimestre do ano letivo, em encontros de duas vezes por semana, com período de 50 minutos cada, totalizando entre 22 a 26 sessões, a depender do grupo, de modo que todos fizeram as mesmas tarefas no decorrer da intervenção.

As sessões com o PEI seguiram as quatro etapas previstas por Da Ros (1997):

Introdução (5 minutos): compreensão clara e precisão da tarefa a ser realizada;

1. Trabalho do paciente (20 minutos): execução das tarefas, pensando nas

estratégias desenvolvidas;

2. Discussão e desenvolvimento do insight (20 minutos): reflexão acerca do que foi trabalhado no instrumento. O mediador pode mediar as respostas;

3. Resumo da sessão (10 minutos): recordar os itens desenvolvidos ao longo da sessão, bem como as funções cognitivas trabalhadas, o u seja, refletir sobre o que precisamos desenvolver/trabalhar naquela atividade para alcançarmos os objetivos.

O processo de mediação envolvido nas sessões de intervenção desta pesquisa foi prioritariamente conduzido por meio da utilização, por parte do mediador, de certas perguntas chaves que tinham como função avaliar, canalizar e alterar o fluxo dos processos apresentados pelo mediado (Beltrán, 1994). Em cada sessão, eram realizadas aproximadamente cinco perguntas de mediação, de acordo com os instrumentos desenvolvidos. Conforme ICELP (s.d), podem ser feitas diferentes perguntas em função de diferentes objetivos, por exemplo:

1. Perguntas dirigidas ao processo: “Como você fez? Que estratégias usou? Que dificuldades você encontrou e como as resolveu? ”

2. Perguntas que requerem precisão e exatidão: “De que outra maneira poderia ser feito? Há outras opções? Quer dar uma resposta mais precisa?”.

3. Perguntas abertas para o pensamento divergente: “Como cada um resolveu a dificuldade/problema? O que você faria em uma situação semelhante?”.

4. Perguntas que levam a eleger estratégias alternativas: “Por que fez assim e não de outra maneira? Gostaria de discutir sua reposta com o colega? Alguém pensou em uma solução diferente?”.

5. Perguntas que levam ao raciocínio: “Que tipo de raciocínio você usou? Por que escreveu isto?”.

6. Perguntas para comprovar hipóteses: “Eu pensaria um pouco melhor: me dê argumentos . Quais funções mentais exercitados com esta tarefa?”.

7. Perguntas para motivar a generalização: “Como colocamos em prática um princípio estabelecido? Que critérios usamos para comparar? A partir de tais exemplos, podemos deduzir algum princípio?”.

8. Perguntas para estimular reflexão e controle de impulsos: “Que passos foram necessários para realizar a tarefa? Onde você se equivocou?”.

A análise de dados se deu inicialmente por uma primeira etapa descritiva de modo a sumarizar a habilidade dos participantes avaliados, de ambos os grupos, experimental e controle, em cada teste aplicado, em comparação com as normas por idade. A segunda etapa comparou as diferenças entre os grupos experimentais e controles. Em seguida, foi calculado o tamanho de efeito g de Hedges (Hedges, 1985) por meio do site https://www.psychometrica.de/effect_size.html#cohen. O g de Hedges é recomendado para uso com pequenas amostras e pode ser interpretado como pequeno (g = 0,20), moderado (g = 0,50) ou grande (g ≤ 0,80).

Resultados

Foram calculadas as estatísticas descritivas das diversas medidas em todos os testes, nos momentos pré e pós-teste, bem como foram calculados os ganhos (pós-teste menos pré-teste) para as medidas. Entende-se como ganho a diferença entre os momentos, seja ela positiva, seja negativa. O “ganho” negativo indica que o desempenho no pós-teste foi menor do que no pré-teste, enquanto o ganho positivo indica que o desempenho no pós-teste foi maior do que no pré-teste. Optou-se por usar os escores ponderados devido às diferenças intra e inter-grupos dos participantes.

De modo a verificar possíveis diferenças entre os ganhos do GE e do GC, foi calculado o tamanho de efeito g de Hedges (Hedges, 1985) que pode ser interpretado como pequeno (g = 0,20), moderado (g = 0,50) ou grande (g 0,80). A Tabela 2 apresenta o ganho entre o pós-teste e o pré-teste para cada grupo, o tamanho de efeito (g), comparando-se o ganho do grupo experimental em relação ao ganho do grupo controle e o intervalo de confiança (IC) do tamanho de efeito para as todas as medidas avaliadas no período de pré e pós-intervenção.

Tabela 2 Dados do ganho de pré e pós, tamanho de efeito (g) e intervalo de confiança (IC) 

Legenda: g = tamanho de efeito de Hedges; IC = intervalo de confiança; QI = quociente de inteligência; Fig= figura; Sequênc= sequência; Pseudopal = pseudopalavras; SD= generalização/descrição; CC = classificação cruzada; RE= reconhecimento de relações

Nas medidas de inteligência avaliadas por meio dos testes de Vocabulário, Raciocínio Matricial e Raven, o GE apresentou ganho positivo em todas as cinco medidas, enquanto o GC apresentou aumento em três medidas e diminuição em duas. A análise de tamanho de efeito comparando os ganhos revelou um efeito moderado, sendo que em ambos o GE apresentou maiores ganhos que o GC.

Nas medidas visoespaciais, avaliadas pelo Teste da Figura Complexa de Rey, o GE apresentou maiores ganhos que o GC em todas as medidas, com tamanho de efeito de pequeno (Tempo na Cópia e escore em Memória) a moderado (Escore na Cópia e tempo em Memória). É interessante observar que o GE teve maior aumento tanto nos escores quanto no tempo de execução em ambas as tarefas do teste, de cópia e de memória.

Para as medidas de flexibilidade cognitiva, de modo geral, o GE também obteve maiores ganhos que o GC. Em duas tarefas o tamanho de efeito foi grande, a saber, o tempo de execução na parte B do Trilhas Pré-Escolar e o escore na parte B do Trilhas Escolar. Tais resultados sugerem, como também observado em relação ao Teste da Figura Complexa de Rey, que os participantes do GE apresentaram maiores ganhos nos escores e maior aumento no tempo, o que pode sugerir mais reflexão antes de agir. Para as demais medidas de flexibilidade cognitiva, houve tamanho de efeito pequeno a moderado.

Nos testes que avaliaram linguagem, ambos os grupos obtiveram ganhos após a intervenção em quase todos os escores, porém os tamanhos de efeito foram pequenos. Nas medidas de controle inibitório, avaliadas pelo Teste de Stroop, o tamanho de efeito foi pequeno-moderado para as medidas de Tempo B, Tempo Interferência, Escore B e Escore Interferência. Em todas estas medidas, o ganho do GE foi maior que o do GC. Melhor dizendo, o GE apresentou maiores ganhos de escore na parte B, maior aumento de tempo na parte B e maiores interferências de escore e de tempo. Adicionalmente, o maior ganho do GE no escore e tempo de interferência sugere que o GE passou a apresentar maior diferenciação entre as partes A e B do Stroop, com desempenho diferenciado diante da situação incongruente apresentada na parte B. Por outro lado, o GC teve maior ganho em escore na parte A do Stroop, com tamanho de efeito grande.

O Inventário de Funções Executivas (IFERI) avalia controle inibitório, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, aversão à demora e regulação na percepção de pais e professores. Reitera-se que o IFERI avalia dificuldades, ou seja, quanto maiores os escores, mais dificuldades são apontadas pelos respondentes. Dessa forma, ganhos no desempenho, no sentido de menos dificuldades sendo apontadas, correspondem a números negativos nas diferenças pós menos pré-teste. Observa-se, que, de modo geral, as variações entre pré e pósteste foram pequenas tanto para o GC, quanto para o GE, mas não houve um padrão claro de variação, com alguns aumentos e algumas diminuições em ambos os grupos. No geral, observa-se que houve mais relato de diminuição das dificuldades do GC quando relatadas pelos pais, porém mais relato de diminuição de dificuldades do GE quanto relatadas pelos professores.

Para as medidas de raciocínio indutivo, foi utilizado o Teste Dinâmico Informatizado de Raciocínio Indutivo para Crianças (TEDRI) sendo avaliadas a generalização/discriminação, a classificação cruzada, o reconhecimento/diferenciação de relações e a construção de sistemas. Foi possível observar que não houve um padrão claro de mudanças. Em algumas medidas, houve ganhos positivos do pré para o pós-teste; em outras, houve diminuição dos escores tanto para o grupo experimental quanto para o grupo controle. O tamanho de efeito foi pequeno para os ganhos de generalização/discriminação. O tamanho de efeito foi moderado apenas para os ganhos de classificação cruzada com ganhos médios menos negativos no GE.

Discussão

O presente estudo buscou verificar a eficácia do PEI, versão básica, em crianças com TDAH e Dislexia, comparando grupos controle e experimental em relação às mudanças nos desempenhos obtidas entre o pré-teste e o pós-teste. Para tanto, foi feita a análise do tamanho de efeito d de Cohen. Em três medidas, verificouse o tamanho de efeito g de Hedges alto (g > 0,80) quando foram comparadas as diferenças entre pré e pósteste entre o grupo experimental e o grupo controle: em duas tarefas do Teste de Trilhas, que avalia flexibilidade cognitiva, os ganhos foram mais expressivos para o GE e, em uma medida, a nomeação na parte A do teste Stroop, o grupo controle obteve maior ganho.

Apesar de ter havido tamanho de efeito grande somente em três das medidas avaliadas, o ganho do GE foi maior que o do GC na maioria das medidas, a saber, nos escores do grupo de intervenção em relação ao grupo controle nas medidas de inteligência (WISC-IV) e Raven população específica; Figura Complexa de Rey; Teste de Trilhas Pré-escolares e Teste de Trilhas Escolares; Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras; Stroop escore e tempo B e escore de Interferência . Destaca-se que, nas medidas de tempo, observou-se de modo geral que o GE passou a demandar mais tempo na avaliação pós-intervenção do que o GC, podendo-se hipotetizar que o GE passou a agir de modo menos impulsivo e a refletir mais, levando a maior tempo para executar as tarefas . Assim, nessas medidas, o GE teve maiores ganhos que o GC em termos de número de acertos e passou a demorar mais tempo para executar a tarefa. Tal padrão pode refletir maior cautela dos participantes do GE ao executar as tarefas, o que é compatível com o princípio do PEI de pensar antes de agir, estimulando a reflexão sobre as atividades e diminuindo a impulsividade nas ações e que resulta em melhor desempenho ainda que com maior demanda de tempo.

Por outro lado, o GC teve maior ganho em algumas medidas com menor demanda de inteligência e funções executivas e maior demanda de linguagem. Isso ocorreu, por exemplo, no escore na parte A do Stroop, com tamanho de efeito grande. Tal parte se refere à nomeação das figuras na primeira parte do teste em que a demanda é muito maior de linguagem e velocidade de processamento do que de funções executivas. Esse ganho é compatível com os dados do teste de Nomeação em que, apesar do tamanho de efeito ter sido pequeno, houve maior ganho do GC em relação ao GE.

Estes resultados sugerem que o PEI pode ter se mostrado eficaz para intervenção nas funções executivas, principalmente em flexibilidade cognitiva, provavelmente porque na intervenção foi estimulado no participante uma reflexão intencional sobre suas ações e um desempenho não impulsivo, mas sim adequado às demandas do momento. Preferimos afirmar que o PEI pode ter sido eficaz, ao invés de afirmar que o PEI é eficaz em alterar estas funções, pois nosso estudo não randomizou os grupos de intervenção de forma que a força das evidências obtidas não é contundente para a geração de inferências de causalidade. Não obstante, os resultados obtidos em nosso estudo fornecem pistas sobre possíveis causalidades do efeito do programa e novos estudos poderão elucidar melhor as relações causais. No estudo de Andrade (2103), também com participantes com TDAH, uma intervenção sobre funções executivas revelou ganhos principalmente sobre flexibilidade cognitiva. O resultado não esperado foi relativo ao escore na parte A do Teste de Stroop, ou seja, na parte de nomeação dos estímulos, parte essa que não implica exatamente na habilidade de controle inibitório uma vez que a criança deve apenas nomear as figuras. Assim, o PEI parece ter promovido maiores ganhos em medidas relacionadas às funções executivas, mas não a linguagem (em que o GC teve maiores ganhos). Isso é esperado visto que o PEI objetiva trabalhar mais especificamente com raciocínio, com pensar antes de agir e com o desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas.

Outros estudos que utilizaram o PEI básico também encontraram aumento nos escores do grupo experimental em relação ao grupo controle em medidas de raciocínio. Conforme a literatura, ganhos em testes ou subtestes de inteligência foram relatados por Cruz (2007), Oliveira (2013) e Kozulin (2010) por meio das Matrizes Progressivas de Raven; e por Velarde (2008), por meio de dois testes, WISC e Matrizes Progressivas de Raven. Deve-se, porém, ressaltar que tais medidas avaliam aspectos específicos da inteligência, e não medidas completas dos diversos fatores que a compõem. No presente estudo, apesar de não ter havido tamanho de efeito grande quando analisadas as medidas dos testes de inteligência, um dado interessante foi observado: houve uma queda no desempenho dos participantes do grupo controle em termos de pontuação-padrão, especialmente no WISC-IV, para as medidas de vocabulário e raciocínio matricial. Isto quer dizer que as crianças da nossa amostra que não participaram da intervenção (GC) apresentaram queda na pontuação normatizada da primeira para a segunda avaliação. Pode-se levantar a hipótese de que crianças com transtornos do neurodesenvolvimento, especificamente TDAH e Dislexia, melhorem menos que o esperado para a idade devido aos transtornos, isto é, tenham um progresso menor do que as crianças sem transtornos, o que se reflete em uma diminuição da pontuação normatizada com a progressão da idade. Assim, a intervenção, ainda que não produza efeitos significativos estatisticamente, pode ser responsável por diminuir esta lacuna no desenvolvimento. Neste aspecto, salientamos a importância da intervenção para este grupo de crianças uma vez que pode minimizar os déficits causados pelos transtornos do neurodesenvolvimento.

Finalizando, observou-se que na maioria das medidas avaliadas, especialmente de funções executivas, o grupo experimental apresentou ganhos do pré para o pós-teste maiores do que o grupo controle. Apesar de poucas diferenças terem sido significativas, os tamanhos de efeito sugerem que a intervenção pode ter sido um instrumento interessante para melhorar o desempenho dos grupos experimentais. Destaca-se, ainda, que medidas ponderadas do WISC e das Matrizes Progressivas de Raven mostraram quedas nos desempenhos relativos dos participantes do grupo controle, sugerindo que a intervenção pode ser um recurso eficaz para, no mínimo, possibilitar a indivíduos com TDAH e dislexia que mantenham o desenvolvimento cognitivo no nível que seria esperado para suas faixas etárias. Ressalta-se, porém, que é necessária cautela sobre a modificabilidade cognitiva especialmente em relação a funções mais complexas, como a inteligência. É possível que a intervenção com o PEI atinja, ao menos em um primeiro momento, funções mais básicas; nesse caso, pode ser necessário maior tempo de intervenção e/ou atividades de maior complexidade para que as funções superiores, como inteligência, cheguem a ser alteradas.

As limitações do estudo se referem à impossibilidade de randomização dos grupos assim como ao número restrito de participantes, sendo necessários novos estudos para ampliar a amostra. O tempo limitado de intervenção também pode ser considerado uma variável importante uma vez que foram realizadas apenas de 22 a 26 sessões, o que pode ter sido insuficiente para promover ganhos mais evidentes. A utilização do instrumento PEI versão básica em crianças de faixa etária de 08 a 12 anos também pode ser uma limitação visto que, em alguns momentos, os participantes apresentaram desinteresse nas atividades por acharem fácil demais. Apesar de essa versão ser indicada para escolares com dificuldades, ela foi desenvolvida para pré-escolares de modo que sua atratividade deve ser verificada mais exaustivamente com crianças mais velhas. Recomendam-se, ainda, novos estudos para avaliar separadamente a eficácia do Programa de Enriquecimento Instrumental - PEI, versão básica, em crianças com TDAH e com Dislexia, de forma a identificar quais habilidades se mostram mais sensíveis à intervenção em cada população.

Dessa forma, os resultados obtidos revelaram tamanhos de efeito em sua maioria pequenos ou moderados e, em poucos casos, altos. Apesar de modestos, alguns resultados são promissores, sendo necessários mais estudos para avaliarem a eficácia do PEI como intervenção nos transtornos do neurodesenvolvimento.

Conclui-se que a intervenção com o PEI, versão básica, é aplicável a crianças com TDAH e dislexia e tem resultados promissores uma vez que o programa visa a estratégias para o desenvolvimento de modificabilidade cognitiva e que são essenciais a serem desenvolvidas em crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem em decorrência dos transtornos. Embora os resultados apresentem poucas alterações impactantes, os tamanhos efeitos da intervenção podem ter implicações práticas revelando a importância da intervenção para as crianças com transtornos do neurodesenvolvimento. Ao longo das sessões de intervenção, enquanto grupos de intervenção, foi possível perceber também que os participantes, em sua maioria, sentiam-se motivados a realizarem as atividades planejadas, especialmente por estarem com outras crianças que apresentavam diagnóstico semelhante ou dificuldades de aprendizagem devido ao transtorno. Tais resultados são derivados de um número pequeno de participantes e precisam ser melhor investigados em estudos futuros.

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Recebido: 04 de Setembro de 2019; Aceito: 25 de Março de 2020

*Autor por Correspondencia: karen.ricci@gmail.com

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