Introdução
A profissão docente foi marcada por consideráveis obstáculos frente aos desafios do mundo do trabalho e que permanecem até a atualidade. Diante de um cenário de precarização, desvalorização e cobranças diante do papel do professor, estão cada vez mais crescentes os números de adoecimentos associados ao trabalho docente. Em particular, é necessário ressaltar que, recentemente, o mundo passou por uma pandemia de COVID-19 que alterou drasticamente as dinâmicas sociais e profissionais. Assim, questões como o distanciamento social e instabilidade emocional, aliados a cobranças ainda maiores em relação ao trabalho, contribuiu ainda mais para deterioração da saúde do professor. Ainda dentro desta perspectiva, evidencia-se que a profissão docente foi considerada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma das mais estressantes, os impactos são de ordem física, mental e social (Catini, 2020; Penteado & Souza, 2019; Pontes & Rostas, 2020; Vilela, Garcia, & Vieira, 2013).
Existem alguns aspectos que devem ser considerados no processo de saúde- adoecimento docente, além da alta complexidade e exigência profissional, existe ainda, o aspecto social e político da profissão. A forma como a educação é vista e priorizada dentro da sociedade implica em seu lugar social. Na realidade na rede básica das escolas públicas brasileiras, há um histórico de luta por melhores condições de trabalho e pode-se destacar diversos estressores que interferem na qualidade de vida destes profissionais como, baixa remuneração, má qualidade dos cursos de formação docente, exclusão dos educadores diante da construção e debate de políticas públicas educacionais, sobrecarga de trabalho, conflito de papéis, falta de reconhecimento por parte da sociedade, dos governantes e das famílias e alto nível de exigência (Diehl & Carlotto, 2020; Fernandes, 1960; Hunhoff & Flores, 2020; Jacomini & Penna, 2016; Patto, 2022).
A saúde dos professores da educação básica no Brasil tem sido um desafio intersetorial e uma questão sociopolítica. Estes profissionais estão mais vulneráveis aos afastamentos por conta de adoecimentos de ordem física e mental, tendo em vista que enfrentam diariamente inúmeras adversidades. (Assunção et al., 2012; Barros et al., 2019; Tang, Leka, & MacLennan, 2013).
O conceito de vulnerabilidade à saúde, aplicado no presente estudo, refere-se aos aspectos relacionados à maior propensão ao adoecimento ou a sua piora, ou seja, uma pessoa ou grupo pode ter maiores condições que predispõe ao risco de adoecer de acordo com o contexto que ela está socialmente inserida. A saúde não é apenas ausência de doenças. Um dos seus fatores condicionantes e determinantes é o trabalho, além da renda, educação, meio ambiente, saneamento básico, lazer, transporte, moradia, alimentação e acesso aos bens e serviços essenciais. O nível de saúde da população depende da organização social e econômica do país (Ayres, Paiva, & França, 2012; Brasil, 2020).
A questão ‘ter saúde’ também refere-se ao direito às condições dignas de vida e a garantia do acesso aos serviços de saúde que são substanciais ao cuidado, garantindo sua qualidade de vida e bem-estar. Apesar disso, ainda existe um grande desafio referente à desigualdade na oferta e uso destes serviços o que dificulta a consolidação do Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS) (Sousa, Araújo, Furtado, & Lima, 2020; Viacava, Oliveira, Carvalho, Laguardia, & Bellido, 2018).
Diante dessas vulnerabilidades, surgem demandas voltadas aos cuidados de saúde dos professores, dentre elas o uso de substâncias psicoativas lícitas, como exemplo do álcool e tabaco. Ao considerar as condições insalubres da profissão docente torna-se necessário investigar o uso dessas substâncias como possíveis causas ou efeitos de situações de adoecimento. Seguindo este pensamento, Franco e Monetiro (2016) revela em seu estudo que quando associados o uso de substâncias psicoativas e a busca pelo alívio de situações de sofrimento, tem-se um cenário preocupante dos professores do Brasil, visto que qualidade de vida e condições de trabalho destes profissionais encontram-se cada vez mais deterioradas (Vieira et al., 2019).
As condições de vida também acarretam pela busca de ações de cuidado, sejam para medidas preventivas ou para tratamento, dentre estas ações está a obtenção de plano de saúde pelos professores. Pode-se observar, que tais profissionais que apresentam maior risco de adoecimento por conta do ofício são aqueles que possuem condições de trabalho e de vida desfavoráveis, incluindo a falta do plano de saúde (Abacar, Aliante, & António, 2020).
Desta forma, entende-se que a saúde docente não deve ser considerada de forma individual, apontando o sujeito como único responsável pelo seu processo de saúde-doença. Devem ser consideradas as condições sociais, políticas e culturais de cada contexto. Portanto, é necessária uma análise através da perspectiva histórico- cultural para que alcance todos estes marcadores.
Há uma lógica higienista de individualização e culpabilização dos professores pelo seu processo de adoecimento, esta lógica precisa ser superada, tendo em vista o âmbito cultural e as implicações nos processos de formação, socialização e desenvolvimento profissional docente. É necessário que sejam considerados aspectos sociais, culturais e políticos que interferem na saúde, na organização e condições do trabalhador (Penteado & Souza, 2019).
O processo saúde-adoecimento do professor é multifacetado e por isso, ao analisar essa dinâmica, se faz necessário lançar um olhar holístico acerca dos elementos que influenciam e alteram esse processo. Dessa forma, é oportuno ressaltar que, ao tratar-se desse aspecto, a Psicologia Escolar Crítica traz em suas lentes uma perspectiva integral sobre o sujeito, carregando um novo entendimento a respeito do adoecimento daqueles que compõem o corpo escolar, considerando, em suas análises, as características históricas, econômicas, emocionais e culturais. Por conseguinte, evidencia-se a importância de trazer as reflexões da Psicologia Escolar Crítica acerca da temática aqui discutida (Barbosa & Facci, 2018; Galvão & Marinho-Araújo, 2017; Souza, 2009).
Diante disso, o objetivo desta pesquisa é associar vulnerabilidades e ações de cuidado em saúde com a carga horária e o tempo de serviço do professor da rede pública do ensino básico no estado do Piauí.
Método
Tipo de investigação
Trata-se de um estudo do tipo documental. A pesquisa documental tem como objeto de investigação um documento que servirá como fonte de informação para elucidar questões a serem esclarecidas de acordo com os objetivos (Figueiredo, 2007).
Cenário de pesquisa
Os documentos utilizados foram analisados a partir do banco de dados da Unidade de Gestão e Inspeção Escolar/UGIE da Secretaria do Estado de Educação/SEDUC do Piauí. A coleta foi realizada durante o ano de 2018 e esse recorte representa 18% de professores em atuação na educação básica da rede pública estadual de ensino no Piauí no referido ano.
O cenário da pesquisa são as escolas que compõem as 21 Gerências Regionais de Educação/GRE do estado do Piauí. O estado do Piauí é uma das 27 unidades federativas brasileiras e está limitado no noroeste da Região Nordeste.
Instrumentos
Dentre os instrumentos utilizados, tem-se um registro realizado pela Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), contendo um levantamento informações de saúde com os professores da rede de todo o estado do Piauí.
O documento é composto por itens iniciais de caracterização pessoal e itens posteriores que versam sobre tipos de adoecimento físico e mental.
Quanto à descrição dos documentos, seus registros têm ampla diversidade de informações. Algumas que indagam sobre os ingestão de bebidas alcoólicas e consumo de cigarro. (Itens: Você é fumante? Consome bebida alcoólica? Pratica exercício físico? Tem plano de saúde? Realiza tratamento especializado? Quais?).
Estão registrados também tempo de experiência de ensino (Itens: Até 5 anos; 6 a 10 anos; 11 a 14 anos e mais que 15 anos) e carga horária semanal (Itens: Até 20h; 21 à 30h; 31 à 40h e maior que 40 horas).
No presente artigo foram analisados os itens sobre consumo de álcool, cigarro, prática de atividade física, plano de saúde e tratamentos especializados, além dos itens referentes à carga horária semanal e o tempo de serviço.
Procedimentos éticos e coleta de dados
Para realização deste estudo, inicialmente, foi feito contato com a UGIE/SEDUC para solicitar a autorização, por meio de carta de Autorização Institucional, para a coleta de dados. Em seguida, esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) e aprovada com o número de parecer: 3.502.776, atendendo às Resoluções N° 466/2012 e N° 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde e com a Resolução 010/2012 do Conselho Federal de Psicologia, as quais versam sobre os aspectos éticos e legais de pesquisa envolvendo seres humanos.
Autorizada a realização da pesquisa, foi apresentado o Termo de Compromisso de Utilização de Dados - TCUD, onde foi exposto os procedimentos da pesquisa: título, objetivo e informações dos dados a serem coletados. Seguido da declaração dos pesquisadores e o termo de anuência.
Posteriormente, os dados foram coletados após a aprovação do comitê e retirados da Unidade de Gestão e Inspeção Escolar/UGIE da Secretaria do Estado de Educação/SEDUC por meio de um dispositivo móvel (pendrive), na qual este só foi colocado em um único computador com a finalidade de realizar esta pesquisa.
Análise de dados
Os documentos foram adquiridos no formato PDF - Portable Document Format (Formato Portátil de Documento), e que inicialmente foram organizados em planilhas do Excel, em seguida, para fazer as análises estatísticas, utilizaram-se os testes qui-quadrado, exato de Fisher e de Kruskal-Wallis. Fez-se uso do pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 25. Considerou-se nível de significância de 5%, sendo estabelecido como significativo se p < 0,05. A partir disso foram calculadas as associações de saúde com as condições analisadas.
Posteriormente, os dados foram analisados teoricamente a partir da Psicologia Escolar Crítica, considerando os aspectos psicossociais de saúde; educação pública e da profissão docente.
Resultados
Os dados obtidos através do banco de dados correspondem ao total de 5141 professores da educação básica na rede pública de ensino no Piauí. Os resultados comtemplam sobre ações de cuidado de vulnerabilidade, uso de álcool e tabaco, prática de atividade física, ter plano de saúde e tratamento especializado associadas ao tempo de experiência docente e a carga horária semanal de trabalho, como mostram as tabelas a seguir. O nível de significância considerado foi de 5% em todas as análises, em todos os resultados o valor de p foi 0,001.
De acordo com a tabela 1 tem-se maior prevalência do uso de tabaco e álcool em professores com elevada carga-horária semanal, concomitantemente, na tabela 2 destaca-se professores com maior tempo de serviço. Os professores que mais têm plano de saúde também são os com maior carga-horária semanal e maior tempo de serviço. No entanto, há pouca incidência de professores que utilizam serviços de saúde, e para àqueles que ainda usam dos serviços apontaram que a especialidade mais procurada é a endocrinologia e a menos procurada é a psiquiatria.
Discussão
A relação entre o adoecimento laboral e péssimas condições de trabalho tornaram-se o objeto de diversas pesquisa atuais, tendo em vista que melhorar o ambiente de trabalho pode promover não somente uma melhor qualidade de vida para o profissional, como também aumentar a produtividade e eficiência. Dessa forma, o presente estudo buscou associar vulnerabilidades e ações de cuidado em saúde com a carga horária e o tempo de serviço do professor da rede pública do ensino básico no estado do Piauí (Campos, Véras, & Araújo, 2020; Figueiredo, Galiza, Campos, & Nascimento, 2022).
Atualmente as substâncias lícitas mais utilizadas e com crescente consumo são o tabaco e o álcool. Estes são de fácil acesso e legalizadas. No entanto o seu uso pode acarretar prejuízos à saúde, principalmente pelo uso excessivo ou abusivo das mesmas, além do prejuízo nas relações sociais (Franco & Monteiro, 2016; Sousa, 2019).
Na tabela 1 tem-se a prática de atividade física em destaque nos professores com carga-horária semanal. Na tabela 2 os professores que praticam mais atividade física são os que têm maiores tempo de serviço.
Este dado corrobora com o estudo de Dumith (2020), onde demonstra que 70,4% dos professores praticam atividade física. Em sua maioria os professores com mais idade, ou seja, com maior tempo de serviço são os que mais praticam atividades física. A análise também apontou que os professores que praticam atividade física também têm maior índice de qualidade de vida.
Essa perspectiva pode ser explicada a partir do entendimento de que pessoas com idade mais avançada, no geral, preocupam-se mais com a saúde. Além da motivação pelo benefício da saúde existe a atividade física com a finalidade de lazer. Independente disso a atividade física praticada de forma regular induz à hábitos mais saudáveis e traz benefícios para a saúde.
A partir disso, é válido pontuar que dentre as diversas faces assumidas pela Psicologia Escolar Crítica, como ciência e profissão, está a produção e propagação de conhecimento. Como supracitado, a prática de exercícios físicos proporciona inúmeras vantagens no que diz respeito a qualidade de vida e, dessa forma, também é competência do psicólogo escolar assumir esse compromisso de compartilhar estas informações para todo o corpo escolar (Guzzo, Souza, & Ferreira, 2022)
O direito à saúde refere-se a garantia do acesso ao cuidado, o que pode ser observado na busca por tratamentos. Foram descritas 8 especialidades distintas que mostram que ainda há uma maioria de professores que não realizam nenhum tipo de tratamento.
Essa ausência dos serviços de saúde na vida dos professores pode ser explicada pela limitação e sobrecarga do SUS brasileiro. As estratégias de promoção de saúde ainda são falhas, e além da dificuldade do acesso deve ser considerada a forma como o serviço é disponibilizado e ofertado para a população (Araújo, 2017; Braghetto, Sousa, Beretta, & Vendramini, 2019).
Nas tabelas 3 e 4 fica evidente a significativa quantidade de docentes que não fazem uso de algum serviço de saúde. No entanto, para àqueles que ainda afirmaram se utilizar se alguns serviços, destacam-se as especialidades de Endocrinologia, Fisioterapia e Psicologia quando analisadas as duas tabelas. Também destaca-se, de forma geral, a maior busca pelos serviços por parte dos professores com maior carga horária semanal e tempo de trabalho.
Para Silva et al. (2020) a endocrinologia é uma especialidade médica que trata diversos tipos de doenças que são comuns na população brasileira, seja de forma preventiva ou não. Este dado pode explicar o fato de a endocrinologia ser a especialidade mais buscada para tratamento entre os professores pesquisados.
No campo da saúde do trabalhador tem sido crescente o número de adoecimentos por conta do ritmo de trabalho, são caracterizados pela repetição dos movimentos, inflamações na musculatura, tendões e nervos. De acordo com Araújo (2020), professores tem buscado tratamento de fisioterapia por conta de dores musculoesqueléticas apresentadas em uma ou mais regiões do corpo.
O estudo de Gasparini, Barreto e Assunção (2005), investigou condições de afastamento de professores de escolas públicas e faz destaque para as doenças osteomusculares, que neste caso também são associadas as dores nas costas e nos membros. Esse fator pode ser associado as péssimas infraestruturas que compõem as escolas, como por exemplo, a falta de mesas e cadeiras adequadas e confortáveis (Castro, 2020).
O estudo de Viana et al. (2020) identificou sintomas decorrentes de transtornos mentais diretamente ligados ao exercício da profissão. Identificou-se que estes adoecimentos são ocasionados por fatores socioeconômicos e pela desmotivação perante ao trabalho, além de identificadas carga-horárias extensas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos 15 anos temos visto um aumento de transtornos psicológicos. Cerca de 11,5 milhões de pessoas são afetadas pela depressão e 18,6 milhões por transtornos de ansiedade. Essas patologias e outras condições de saúde podem explicar grande parte do tratamento psicológico entre professores (OMS, 2017).
Dentro das escolas, o psicólogo escolar pode auxiliar esses professores na identificação dos sintomas, acolhimento e encaminhamos aos dispositivos que podem assistir esses profissionais diante dos transtornos. Para a Psicologia Escolar Crítica é necessário ter conhecimento, para além do contexto da escola, das questões de saúde de todos àqueles que compões o corpo escolar, tendo em vista que a saúde- doença influencia e modifica os processos que envolvem esse âmbito de trabalho (Andrada, Dugnani, Petroni, & Souza, 2019).
De forma separada, a tabela 3 indica nesta ordem quais especialidades são utilizadas quando unidas todas as cargas horárias: Endocrinologia, Fisioterapia, Psicologia, Cardiologia, Otorrinolaringologia, Ortopedia, Fonoaudiologia e Psiquiatria.
Já na tabela 4, somados os professores que buscam a especialidade independente do tempo de serviço, maior ou menor, temos a seguinte ordem:
Endocrinologia, Fisioterapia, Cardiologia, Psicologia, Otorrinolaringologia, Ortopedia, Fonoaudiologia e Psiquiatria.
Este dado revela que a busca pela especialidade de psiquiatria é a menor entre os professores, podendo indicar o tabu existente pela busca do médico psiquiatra, visto que o histórico social tido anteriormente, onde pessoas que faziam esse tipo de tratamento eram consideradas loucas ou excluídas socialmente. Ainda assim, mesmo com os avanços advindos pela reforma psiquiátrica, tais preconceitos ainda continuam vigentes na sociedade atual.
O acesso à saúde no Brasil é comprometido principalmente pela falta de políticas sociais e econômicas que sejam capazes de suprimir as situações de desigualdade. Tais situações influenciam na saúde-doença que é determinada não apenas pelo acesso, mas por todas as condições socioeconômicas. O estudo de Rosário, Baptista e Matta (2020) descreve ainda que anteriormente a prestação de serviços de saúde pelo SUS restringia-se a oferta de serviços médico-hospitalares. Então surgiu a proposta de reformulação do SUS para garantir o direito a saúde de todos, e amenizar as situações desiguais já criadas pela organização político-social.
Vale destacar que a realização de tratamento de saúde não quer dizer necessariamente adoecimento, existem os tratamentos preventivos. Tão pouco pode- se afirmar que esses tratamentos são realizados por conta da função profissional.
Nestes dados apresentados, tem-se elevados números de professores com carga-horária acima de 40 horas semanais. De acordo com os estudos de Bellego, Légeron e Ribéreau-Gayon (2012) e Oliveira (2020), a carga-horária excessiva pode oferecer riscos à saúde, visto a quantidade de trabalho, a exigência, a cobrança e falta de tempo para descanso e atividades de lazer.
Existe uma naturalização diante do adoecimento docente que pode implicar na dificuldade que os professores têm em perceber o processo de saúde-doença no trabalho e em seu entendimento de que a ‘dor’ é inerente ao trabalho. Esses aspectos intensificam ainda mais na demora pela busca dos serviços de saúde e pouca adesão aos cuidados e formas de tratamentos (Biserra, Giannini, Paparelli, & Ferreira, 2014; Silva, 2021).
Para corroborar com este dado o estudo de Arbex, Souza e Mendonça (2013) descreve que há também naturalização sobre a condição de ser/estar professor como profissão que gera adoecimento e sofrimento, pois muitos afirmam como sendo o “mal da profissão”. Esta condição pode acarretar tanto na desvalorização quanto na prevenção e promoção da saúde nos docentes (Silva, 2021).
As condições de trabalho podem ocasionar situações de sofrimento e adoecimento nos professores. Em destaque há a exaustão emocional, estresse, distúrbios vocais, distorção musculoesquelética, fadiga psicológica, burnout e depressão (Baião & Cunha, 2013; Kanan & Dresch, 2022).
Se faz necessário apontar causas não individualizantes que podem produzir adoecimento, a saber: falta de materiais pedagógicos e equipamentos tecnológicos, poucos recursos financeiros, localização da escola, situação socioeconômica, quantidade de alunos por turma e de disciplinas ministradas, carga horárias excessivas, multitarefas e atividades extracurriculares.
Estes fatores não atuam de forma separada, mas em conjunto e devem ser levadas em consideração as particularidades de cada sujeito bem como a coletividade do contexto. As consequências de cada fator podem se manifestar de formas diferentes a depender do contexto e condições de trabalho, das experiências e da construção profissional, das oportunidades e da valorização social da profissão (Chagas, 2015).
Um olhar contextual, para os processos que permeiam o âmbito escolar, tais como as características de cada pessoa que compõe seu corpo profissional são essenciais para identificar as adversidades presentes, como também desenvolver ações interventivas que auxiliem no desenvolvimento e melhora no trabalho. Ações coletivas e individuais, dentro e fora dos portões da escola, são opções válidas para enfrentar os obstáculos, assim como a conectividade e criação como políticas públicas educacionais que busquem uma melhor qualidade de vida para o docente (Bisinoto & Marinho-Araújo, 2011).
Considerações finais
O presente estudo revelou que que o uso de álcool e tabaco prevalece em professores com maior carga-horária e maior tempo de serviço, sendo estes os que também apresentaram maior adesão aos planos de saúde. No entanto há pouca incidência de professores que utilizam serviços de saúde, a especialidade mais procurada é a endocrinologia e a menos procurada é a psiquiatria.
Dentre as limitações enfrentadas durante a realização do estudo, tem-se o recorte pois foi um arquivo documental de registro referente ao ano de 2018, apenas de 1 estado e em um contexto histórico específico. Dessa maneira, recomenda-se que sejam feitos novos estudos que acompanhem longitudinalmente o trabalho do professor, que comparem variáveis sociodemográficas, como gênero, etnia, raça e salário assim como professores da rede privada.
Espera-se que os resultados possam auxiliar a promoção de saúde ampliada, a politização do professor para o autocuidado em saúde e formação de coletivos de cuidado (grupos específicos, temáticos e interpelação com sindicatos). Ademais, é mister a promoção de práticas conjugadas com políticas públicas intersetoriais, como o programa Saúde na Escola/PSE e a Política Nacional de Saúde do Trabalhador, a fim de que sejam incluídos os cuidados aos professores.
Para que a equipe gestora, a nível macro e micro da rede de ensino, possa operacionalizar a escola como um dispositivo ativo de construção de rede de cuidado em saúde no território. E assim que a escola, enquanto instituição-referência, e de cuidado à aprendizagem e ao desenvolvimento biopsicossocial, considere os docentes como sujeitos também em pleno desenvolvimento e como prioridades para o cuidado, assim como são os estudantes e suas famílias.
Não obstante, que a saúde do professor seja pensada por um nível mais preventivo e que esta seja mantida, levando em conta o aspecto longitudinal do cuidado, assim como pode ser feito em ações direcionadas aos estudantes e a comunidade. Já por parte do estado, deve-se pensar em estratégias de cuidado frente ao adoecimento já produzido, a fim de reparação às situações de precarização, más condições de trabalho, sobrecarga e violências.
Este estudo pode ainda propiciar reflexões sobre a necessidade de maiores articulações entre a educação e a saúde, escola e comunidade, dispositivos de saúde e assistência, além de políticas especificas para esta finalidade. Deve-se levar em conta as potencialidades locais de cada instituição de ensino com a intenção de integrar e valorizar os saberes sociais de cuidado em saúde que podem emergir nas comunidades que compõem as escolas e as regionais de ensino do estado.