1. Introdução
A pandemia da covid-19, além da crise sanitária, gerou uma das maiores crises econômicas do século 21 (Ellul et al., 2020). Crises econômicas podem gerar para empresas perdas nas oportunidades de investimento, produção, vendas, lucratividade e deterioração de ativos (Jebran e Chen, 2021). No mercado de capitais, bolsas de valores do mundo inteiro tiveram forte queda e aumento da volatilidade do preço das ações no primeiro semestre de 2020 (Reimer et al., 2023). Na bolsa de valores brasileira (Brasil, Bolsa Balcão - B3), o principal índice do mercado acionário (Ibovespa) perdeu mais de 31,5% de pontos ao longo do mês de março de 2020, reflexo das informações sobre a pandemia nos preços das ações das empresas (Avelar et al., 2021).
Empresas podem responder a crises econômicas por meio de reformas, alterações nos canais de comunicação, mudanças nos procedimentos e indicação de que estão fazendo esforços com a introdução de reformas (Jebran e Chen, 2021). Entre as reformas organizacionais que podem mitigar os efeitos negativos da crise econômica de covid-19 está a alteração do sistema interno de governança corporativa (Casnici et al., 2021). Um adequado sistema interno de governança corporativa pode contribuir com aumento do acesso a financiamento externo, melhor desempenho operacional, maior valor de mercado e menor volatilidade do preço das ações (Claessens e Yurtoglu, 2013). Tais benefícios são mais evidentes em períodos de crise, uma vez que investidores tendem a ignorar uma boa governança corporativa em tempos de crescimento econômico (Peixoto et al., 2014). Especificamente no que tange à crise decorrente da pandemia da covid-19, o aumento do risco de fraudes corporativas pode ser minimizado pela otimização do sistema de governança corporativa da empresa (Matuella et al., 2023).
Para Zattoni e Pugliese (2021), a análise dos mecanismos internos de governança corporativa das empresas durante a pandemia da covid-19 pode ajudar a compreender como esses mecanismos moldam a tomada de decisão, a sobrevivência e o sucesso das empresas: no curto prazo, pode apontar quais mecanismos em vigor antes da pandemia irão moldar as respostas corporativas, afetando a sobrevivência das empresas no período pós-pandêmico; no longo prazo, a crise desencadeará mudanças estruturais nos mecanismos de governança corporativa para permitir às empresas prevenir ou responder a ocorrências de eventos semelhantes.
Já existe literatura que trata da importância de crises econômicas para a governança corporativa e do efeito dos mecanismos internos de governança corporativa sobre o valor das empresas brasileiras em períodos de crise, como os estudos de Carnauba, (2011), Florêncio et al. (2020) e Peixoto et al. (2014). Entretanto, a pandemia da covid-19 gerou uma crise diferente, originada por uma crise sanitária que impactou as empresas tanto na demanda quanto na oferta, devido principalmente à política de lockdowns (Shen et al., 2020). Nesse sentido, as mudanças no sistema interno de governança corporativa e o efeito de mecanismos de governança corporativa sobre o valor das empresas brasileiras nessa crise podem ser diferentes de crises anteriores. Ademais, Koutoupis et al. (2021) reforçam a necessidade de estudos que tratem da governança corporativa em países com mercados de capitais menos desenvolvidos durante a pandemia.
Nesse contexto, a presente pesquisa foi desenvolvida a partir das seguintes questões: Quais mudanças ocorreram no sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras durante a pandemia da covid-19? Em que medida a qualidade do sistema interno de governança corporativa contribuiu para o valor das empresas brasileiras durante a pandemia da covid-19? No trabalho, analisou-se o sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras durante a crise econômica ocasionada pela pandemia da covid-19, investigando os mecanismos de governança corporativa adotados e a relação entre o nível de adoção desses mecanismos e o valor da empresa.
Até o momento, a literatura que analisou a governança corporativa das empresas brasileiras durante a pandemia da covid-19 apresenta resultados exploratórios e inconclusivos (Alencar et al., 2023; Matuella et al., 2023; Santos et al., 2023; Souza et al., 2023). Com base nos pressupostos da teoria da agência (Jensen e Meckling, 1976) e da hipótese do triângulo de fraudes (Cressey, 1953), neste trabalho, analisa-se o sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras durante a crise econômica decorrente da pandemia. Diferentemente dos estudos anteriores, buscou-se analisar o sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras sob diferentes óticas (práticas, estrutura e segmento de listagem de governança corporativa da B3), investigando a evolução de índices que mensuram a qualidade dos mecanismos internos de governança corporativa e a relação entre esses índices e o valor das empresas durante o período da pandemia (de 2020 a 2022). Os resultados indicam mudanças positivas no sistema interno de governança corporativa das empresas analisadas durante o período da pandemia (2020-2022), sobretudo quando analisado o nível de adoção de práticas recomendadas no Código Brasileiro de Governança Corporativa - Companhias Abertas. Entretanto, os benefícios da qualidade dos mecanismos internos de governança corporativa para o valor das empresas brasileiras foram observados apenas no primeiro ano da pandemia (2020), de forma mais fraca do que no período anterior à pandemia (2019).
Esta pesquisa agrega à literatura que investiga a relação entre governança corporativa e valor da empresa ao utilizar a crise econômica provocada pela pandemia da covid-19 como choque exógeno que ajuda na compreensão de quais mecanismos internos de governança corporativa podem proteger empresas dos piores estragos da crise e/ ou contribuir para a recuperação destas (Zattoni e Pugliese, 2021). Na teoria, os resultados mostram que momentos de crise podem potencializar melhorias no sistema interno de governança corporativa das empresas, mas que a adoção de mecanismos internos de governança corporativa recomendados por entidades do mercado de capitais e da literatura acadêmica para empresas brasileiras de capital aberto pode não ser eficaz em reduzir impactos de crises econômicas ocasionadas por fatores externos ao ambiente corporativo. Na prática, a pesquisa deve levar participantes do mercado de capitais brasileiro a refletirem sobre o verdadeiro papel da governança corporativa em momentos de crise, de forma que as empresas possam adaptar seu sistema interno de governança corporativa às demandas específicas do contexto de cada crise econômica.
2. Fundamentação teórica
No contexto da teoria da agência, a governança corporativa compreende um conjunto de mecanismos internos e externos às empresas que têm por finalidade mitigar os conflitos de agência (Misangyi e Acharya, 2014), a fim de assegurar o adequado retorno dos investimentos de investidores externos (Shleifer e Vishny, 1997). No Brasil, o mercado de capitais é caracterizado historicamente por empresas com controle acionário definido, fraca proteção legal e baixo enforcement (Porta et al., 1999), o que torna mais importante o aprimoramento do sistema interno de governança corporativa das empresas (Claessens e Yurtoglu, 2013).
Para aumentar a eficácia de seu sistema interno de governança corporativa, empresas podem adotar "boas práticas" de governança corporativa, que normalmente são expressas em códigos de governança (Aguilera e Cuervo-Cazurra, 2004). No Brasil, os principais códigos são de aplicação voluntária, com destaque para o Código Brasileiro de Governança Corporativa - Companhias Abertas, elaborado em 2016 por um grupo de agentes participantes do mercado de capitais brasileiro.
Além dos códigos, para empresas com ações negociadas na B3, existem segmentos especiais de listagem e índices de governança corporativa, que requerem das empresas participantes a adoção voluntária de práticas de governança corporativa. A participação nos segmentos especiais de listagem requer que a empresa adote práticas diferenciadas de governança corporativa. O objetivo desses segmentos é melhorar a avaliação das empresas que decidem aderir, voluntariamente além de atrair investidores. Atualmente existem cinco segmentos especiais de listagem na B3: Bovespa Mais, Bovespa Mais Nível 2, Novo Mercado, Nível 2 e Nível 1. O Novo Mercado é o segmento de listagem com regras mais rígidas de governança corporativa.
No meio acadêmico, pesquisas também buscam mensurar a qualidade da estrutura de governança das empresas brasileiras por meio de índices, como em Black et al. (2017), Brandão e Crisóstomo (2015), Correia et al. (2011) e Peixoto et al. (2014). Nesse sentido, esta pesquisa adotará a expressão "qualidade do sistema interno de governança corporativa" ao se referir ao nível de adoção dos mecanismos internos de governança corporativa das empresas recomendados por agentes de mercado e pela literatura acadêmica.
A qualidade superior do sistema interno de governança corporativa é tida como capaz de elevar o valor da empresa, pois pode mitigar os custos de agência, facilitar o acesso a financiamento externo, reduzir custo de capital, melhorar a eficiência operacional e aumentar a expectativa de fluxos de caixa futuros positivos (Claessens e Yurtoglu, 2013). Em períodos de crise econômica, espera-se que o efeito positivo da qualidade do sistema interno de governança corporativa sobre o valor da empresa seja mais evidente (Peixoto et al., 2014): em períodos de crescimento econômico, investidores tendem a dar menos atenção ao sistema interno de governança corporativa das empresas; em períodos de crise, entretanto, a redução dos retornos faz com que investidores deem maior atenção às deficiências do sistema interno de governança corporativa das empresas.
A crise ocasionada pela pandemia da covid-19 apresenta características diferentes de outras crises econômicas, por ser causada principalmente pelas medidas restritivas impostas pelo governo para combater a crise sanitária, como restrições de mobilidade, pedidos de permanência em casa, políticas de distância social e lockdowns comunitários (Khatib e Nour, 2021). Tais medidas impactaram a oferta e a demanda das empresas devido a um fator externo ao ambiente corporativo (Shen et al., 2020).
Os conflitos de agência podem ter sido mais severos durante a pandemia, uma vez que houve aumento do risco de ocorrência de fraudes corporativas (Matuella et al., 2023). De acordo com a hipótese do triângulo de fraudes (Cressey, 1953), gestores podem ser levados a cometer fraudes devido a três fatores: pressões decorrentes de problemas financeiros não compartilhados pelo indivíduo; oportunidade de resolver o problema não compartilhado; e racionalização do ato fraudulento como justificável. O período pandêmico proporcionou o aumento de riscos corporativos decorrentes desses três fatores, como o aumento da pressão sobre gestores decorrente da situação financeira das empresas e da insegurança quanto à manutenção de seus cargos; a oportunidade de ocorrência de fraudes devido ao desinvestimento em controles internos e menor controle sobre atividades em home office; a justificação das fraudes pela necessidade de sustento da família, da sobrevivência empresarial ou mesmo do risco sanitário (Matuella et al., 2023). As oportunidades de fraude geralmente estão ligadas a deficiências no sistema interno de governança corporativa da empresa, que representam monitoramento imperfeito por parte da corporação nas atividades dos gestores (Machado e Gartner, 2017). Nesse sentido, Khatib e Nour (2021) ressaltam a importância da governança corporativa para a definição das políticas organizacionais e para a redução do risco durante a pandemia da covid-19.
Para Musa et al. (2022), a adoção de boas práticas de governança corporativa deve, teoricamente, tornar as empresas mais resilientes à crise, concentrando-sena sustentabilidade de longo prazo sem correr riscos desnecessários. Para os autores, a pandemia da covid-19 teve grande implicação de curto prazo, forçando as empresas a contrair dívidas para cobrir problemas de liquidez de curto prazo, diminuindo significativamente as atividades comerciais e interrompendo as cadeias de suprimentos (Musa et al., 2022).
Diversos mecanismos do sistema interno de governança corporativa são vistos pela literatura como capazes de ajudar as empresas a enfrentar a crise da covid-19, mitigando os efeitos negativos da crise sobre o valor da empresa. No que tange à estrutura de propriedade, a presença de grandes acionistas está associada ao maior risco de entrincheiramento, embora possa também contribuir com o monitoramento da gestão (Hsu e Liao, 2022). A presença de investidores estrangeiros e institucionais também está associada ao maior monitoramento (Jebran e Chen, 2023).
Com relação aos órgãos de administração, a constituição de um conselho de administração independente implica melhor monitoramento e menores custos de agência, sendo útil para reduzir o custo de capital e os riscos, mesmo durante uma crise (Hsu e Liao, 2022). A dualidade do CEO, por sua vez, embora possa estar associada ao monitoramento menos eficaz, pode contribuir com a o benefício da ordem consistente do topo e da implementação eficaz de planos (Hsu e Liao, 2022). A diversidade dos administradores (conselho de administração e diretoria) também poderia reduzir os choques adversos das crises financeiras porque diversos conselhos podem representar um grupo diverso de partes interessadas (Jebran e Chen, 2023). Jebran e Chen (2023) acrescentam ainda a importância da constituição de comitês de gestão de crise, preferencialmente composto por conselheiros independentes.
Em um período de crescente incerteza, a transparência e a comunicação eficiente são fundamentais para manter a confiança de stakeholders (Prado et al., 2024). Nesse sentido, práticas de governança corporativa voltadas para a melhor comunicação da empresa contribuir com a redução das incertezas de investidores quanto ao impacto da crise sobre o desempenho empresarial e às estratégias adotadas pela empresa para enfrentamento da crise. No Brasil, Almeida e Costa (2021) identificaram que empresas listadas no Novo Mercado da B3 apresentaram maior nível de divulgação de riscos durante a pandemia da covid-19 (2019). Em outro trabalho, Souza et al. (2023) observaram que empresas passaram a publicar relatórios mais tempestivos após o início da pandemia e que as empresas listadas em segmentos especiais de listagem da B3 apresentam relatórios mais tempestivos.
Os efeitos da crise sobre o sistema interno de governança corporativa das empresas e os benefícios da qualidade desse sistema para o valor da empresa durante a pandemia da covid-19 ainda não são bem estabelecidos. No Brasil, ainda há poucos estudos que investigaram empiricamente a governança corporativa no contexto da pandemia da covid-19.
Alencar et al. (2023) compararam o desempenho financeiro e de mercado de empresas dos segmentos especiais de listagem da B3 com empresas não listadas nesses segmentos durante os anos de 2019 e 2020. A análise descritiva revelou que, nos dois anos, as empresas listadas nos segmentos especiais de listagem apresentaram desempenho superior, mas a diferença para empresas não listadas nesses segmentos não foi estatisticamente significativa.
Matuella et al. (2023) buscaram entender a percepção dos participantes do mercado de governança, riscos e compliance de empresas brasileiras sobre ocorrência de fraudes corporativas no período crítico da covid-19. Os resultados revelaram riscos aumentados de fraude durante a pandemia, em especial cibernético, operacional, sanitário, financeiro e de conformidade. Para lidar com o aumento dos riscos, as empresas aumentaram investimentos em controles internos, em especial para combater riscos relativos às atividades remotas. Em termos de governança corporativa, destacam-se mudanças no formato de assembleia geral dos sócios, que passaram a ser realizadas on-line. Os respondentes sinalizaram que a mudança na forma de realização de assembleias-gerais de sócios e reuniões do conselho de administração deve permanecer após o período da pandemia.
Santos et al. (2023) analisaram por meio de estudo de eventos o impacto da governança corporativa no valor das companhias abertas brasileiras durante a crise da covid-19, utilizando como métrica de governança corporativa a listagem nos segmentos especiais de listagem da B3. Observou-se que, na janela de queda máxima do Ibovespa (23 de março de 2020), as empresas com qualidade superior do sistema interno de governança corporativa tiveram retorno anormal maior que as demais empresas, enquanto na janela de recuperação (6 de janeiro de 2021) as empresas com pior qualidade tiveram retorno anormal menor.
Prado et al. (2024) analisaram o impacto de indicadores de governança das empresas brasileiras na sua performance financeira durante a crise do novo coronavírus. Os resultados indicam que apenas as estratégias de responsabilidade social corporativa apresentaram relação positiva com o retorno sobre ativos. Indicadores de governança, acionistas e gerenciamento, por sua vez, não apresentaram relação significante.
A primeira hipótese de pesquisa é de que as empresas brasileiras aprimoraram seu sistema interno de governança corporativa em face da crise decorrente da pandemia da covid-19, seja para adaptar-se às mudanças organizacionais e institucionais impostas pela pandemia, seja para mitigar os riscos corporativos decorrentes dos conflitos de agência. Gelter e Puaschunder (2020) argumentam que, durante essa crise, as corporações foram expostas a três tipos de pressões que podem alterar a governança corporativa no longo prazo: mudança de uma governança corporativa voltada para a eficiência para uma governança corporativa voltada para a resiliência; retorno de uma política mais protecionista; e maior preocupação com os diversos stakeholders corporativos. Na prática, diversos mecanismos internos de governança corporativa das empresas podem ter sido afetados pela crise da covid-19, tais como estrutura de propriedade, conselho de administração, remuneração de executivos, gestão de riscos e accountability (Zattoni e Pugliese, 2021).
Hipótese 1: O sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras foi aprimorado durante a pandemia da covid-19.
A segunda hipótese de pesquisa versa sobre a relação entre qualidade do sistema interno de governança corporativa e o valor das empresas brasileiras durante a pandemia. Argumenta-se que a governança corporativa pode reduzir os impactos negativos da crise, reduzindo o risco de fraudes e melhorando o desempenho operacional, o que afetaria positivamente o valor da empresa com qualidade superior do sistema interno de governança corporativa. A literatura indica que investidores estão mais preocupados com o sistema interno de governança corporativa das empresas quando estas são negativamente afetadas por uma crise econômica repentina e inesperada (Leung e Horwitz, 2010). Matuella et al. (2023) complementam que, em períodos de crise, há maior propensão à existência de fraudes corporativas e que as atividades de governança são essenciais para lidar com os fatores que elevam o risco de essas fraudes ocorrerem. Assim, quando comparado com o período anterior à pandemia, espera-se que exista uma relação positiva mais forte entre qualidade do sistema interno de governança corporativa e valor da empresa durante o período pandêmico.
Hipótese 2: A relação entre qualidade do sistema interno de governança corporativa e valor das empresas brasileiras é moderada positivamente pelo período de pandemia da covid-19.
3. Metodologia
3.1. Amostra
Na pesquisa, analisaram-se empresas com ações negociadas na B3 no período de 2019 a 2022. Esse período foi escolhido por compreender estágios diferentes da crise: o ano anterior à pandemia (2019), que foi considerado como período de não crise; o ano de início da pandemia (2020), em que as estratégias planejadas pelas empresas tiveram de ser revistas pela crise; o segundo ano da pandemia (2021), em que as empresas já contemplaram desde o início do ano estratégias de combate à crise; e o último ano da pandemia (2022), em que a economia brasileira já apresentava desempenho semelhante ao anterior à pandemia. Do ponto de vista operacional, o período 2019-2022 foi delimitado pela disponibilidade de dados: por um lado, o informe de governança corporativa (fonte de dados sobre a adoção de práticas de governança corporativa) passou a ser obrigatório a partir de 2019; por outro lado, a coleta de dados foi encerrada no ano de 2023, quando existiam dados disponíveis até o ano de 2022.
A amostra final é composta por 156 empresas não financeiras que apresentaram dados para o período analisado. Considerando os quatro anos de análise, o estudo contempla um painel balanceado de 624 observações. Empresas do setor financeiro foram excluídas pelas peculiaridades de seus dados financeiros, o que inviabilizou o cálculo de algumas variáveis incluídas no estudo.
3.2. Análise do sistema interno de governança corporativa
A literatura recente tem analisado o sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras por diferentes meios: adoção de práticas divulgadas no informe de governança (Mingone et al., 2020); características da estrutura do sistema interno de governança corporativa com informações extraídas do formulário de referência (Brandão e Crisóstomo, 2023); e segmentos de listagem da B3 (). Neste trabalho, como forma de trazer mais robustez aos resultados e fazer uma análise mais completa da governança corporativa das empresas brasileiras, foram utilizadas estas três perspectivas: adoção de práticas recomendadas por entidades do mercado de capitais brasileiro (com informações do informe de governança); mecanismos da estrutura dos órgãos de governança corporativa investigados na literatura acadêmica (com informações do formulário de referência); e segmentos de listagem da B3 (com informações do formulário cadastral).
A adoção de práticas de governança corporativa foi mensurada por meio de informações disponibilizadas no informe de governança corporativa, disponível no website da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O informe de governança corporativa é elaborado anualmente pelas empresas brasileiras de capital aberto com registro ativo na CVM e informa a conformidade dessas empresas com as 54 práticas recomendadas pelo Código Brasileiro de Governança Corporativa - Companhias Abertas (Grupo de Trabalho Interagentes, 2016). Para cada prática recomendada, as empresas devem declarar se adotam de forma total, parcial, se não adotam ou se não se aplica à sua realidade. Caso a empresa não adote determinada prática em sua totalidade, deve anexar justificativa. Com base nas respostas contidas no informe de governança, para cada uma das práticas recomendadas, foi atribuída uma pontuação para cada empresa/ano: 1, caso a empresa adote a prática em sua totalidade; 0,5, caso a empresa adote parcialmente a prática; e 0, caso a empresa não adote.
As práticas que pelo menos uma empresa informou não serem aplicáveis à sua realidade foram excluídas. Essas práticas estão relacionadas a mecanismos de governança corporativa específicos de sociedades de economia mista (controladas por governos) e à estrutura de órgãos não instalados em todas as empresas amostradas (conselho fiscal, auditoria interna e comitê de auditoria). Ao incluir essas práticas na análise, não seria possível comparar a qualidade do sistema de governança corporativa das empresas da amostra. Dessa forma, foi objeto de análise um total de 44 práticas que poderiam ser adotadas por todas as empresas da amostra.
Para fins de análise estatística, as práticas foram agrupadas em cinco dimensões de acordo com os capítulos do código: acionistas (ACI), conselho de administração (CA), diretoria executiva (DE), fiscalização e controle (FISC) e ética e conflitos de interesse (ETIC). Para cada dimensão foi calculado um índice médio de adoção das práticas a ela relacionadas por empresa/ano (que varia entre zero e um).
A partir de dados extraídos do formulário de referência, disponível no website da CVM, foram analisadas 10 características da estrutura de governança corporativa das empresas brasileiras utilizadas pela literatura acadêmica como proxies para a qualidade da estrutura de governança corporativa (Black et al., 2017; Brandão e Crisóstomo, 2015; Correia et al., 2011; Peixoto et al., 2014): percentual de ações ordinárias emitidas e em circulação, composição do conselho de administração (percentual de membros externos, percentual de membros independentes e ausência de dualidade do CEO), diversidade de gênero (percentual de mulheres no conselho de administração e na diretoria) e instalação de órgãos de fiscalização e controle (comitê de auditoria, conselho fiscal e auditoria interna).
Para fins de análise estatística, as características da estrutura de governança corporativa foram padronizadas em intervalos de 0 a 1. Em seguida, processou-se análise de componentes principais com as 10 características, a fim de se identificarem as principais dimensões da estrutura de governança corporativa das empresas analisadas, conforme a literatura recente (Brandão, Crisóstomo e López-Iturriaga, 2024). Os resultados, não reportados por questão de espaço, revelaram a existência de três dimensões da estrutura de governança corporativa: participação de minoritários (MINOR), que agrega o percentual de ações ordinárias emitidas e em circulação, e o percentual de conselheiros de administração independentes; monitoramento gerencial (MONIT), que inclui a instalação de comitê de auditoria, auditoria interna e conselho fiscal e o percentual de conselheiros de administração não pertencentes à diretoria; e diversidade (DIVER), que contempla o percentual de mulheres no conselho de administração e na diretoria, e a dualidade do CEO.
O sistema interno de governança corporativa das empresas também foi analisado a partir do segmento de listagem de governança corporativa da B3. De acordo com informações extraídas do formulário cadastral, disponível no website da CVM, as empresas foram classificadas em quatro grupos, que receberam uma pontuação correspondente ao nível de exigência do segmento de listagem: (0) empresas que não aderem a nenhum segmento (tradicional - TRAD); (1) empresas listadas nos segmentos Nível 1 e Bovespa Mais Nível 1 (N1); (2) empresas listadas nos segmentos Nível 2 e Bovespa Mais Nível 2 (N2); (3) empresas listadas no segmento Novo Mercado (NM).
A fim de se analisarem as mudanças ocorridas no sistema interno de governança corporativa durante a pandemia, foi feita análise comparativa ano a ano das médias das dimensões de adoção de práticas, das características da estrutura e do segmento de listagem de governança corporativa considerando os quatro anos amostrados (2019, 2020, 2021 e 2022). Uma vez que a maior parte das variáveis analisadas não apresentou distribuição normal, optou-se por utilizar teste de diferenças de média não paramétrico para duas amostras emparelhadas (Wilcoxon). A estatística Z reportada pelo teste de Wilcoxon indica o valor padronizado da média dos postos das diferenças entre os valores das variáveis governança corporativa de cada empresa considerando dois anos consecutivos (ano t0-ano t1). Nesse sentido, uma estatística Z negativa indica que, no ano t1, os valores médios das variáveis são superiores aos valores médios do ano t0 (crescimento da qualidade da governança corporativa), enquanto uma estatística Z positiva indica o contrário (redução da qualidade da governança corporativa).
3.3. Testes de hipóteses
Para verificar se a qualidade do sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras sofreu alterações durante a pandemia da covid-19 (hipótese 1), foram processadas estimações de acordo com o modelo expresso na Equação 1, em que: i e t, respectivamente, representam a empresa e o ano da observação; GG i,t são variáveis indicativas da qualidade do sistema interno de governança corporativa da empresa i no período t; ANO são variáveis binárias indicativas do período pandêmico (2020, 2021 e 2022); CONT i,t são as variáveis de controle associadas à empresa i no período t; a é o intercepto; ß1 e ß2 são os coeficientes das variáveis explicativas; e Є é o termo de erro.
A relação entre qualidade do sistema interno de governança corporativa e valor das empresas brasileiras durante a pandemia da covid-19 foi investigada por meio dos modelos indicados nas Equações 2 e 3, em que: i e t, respectivamente, representam a empresa e o ano da observação; VALOR i,t o valor da empresa i no período t; GG jt são variáveis indicativas da qualidade do sistema interno de governança corporativa da empresa i no período t; ANO são variáveis binárias indicativas do período pandêmico (2020, 2021 e 2022); GC*ANOit é variável interativa da qualidade do sistema interno de governança corporativa da empresa i no período t com o ano da observação; CONT jt são as variáveis de controle associadas à empresa i no período t; a é o intercepto; ß1, ß2, ß3 e ß4 são os coeficientes das variáveis explicativas; e Є é o termo de erro. Na Equação 2, é feita análise do efeito anual de cada variável de governança corporativa sobre o valor da empresa (ß1). Na Equação 3, por sua vez, o objetivo é verificar o efeito moderador do ano da observação sobre a relação entre governança corporativa e valor da empresa (ß3).
O valor da empresa (Valor) foi operacionalizado pelo Q de Tobin (Q) e pelo índice market-to-book (MB), a fim de dar mais robustez aos resultados. O Q de Tobin foi mensurado pela razão entre o enterprise value e o ativo total. O índice MB foi calculado pela razão entre o valor de mercado das ações e o valor contábil do patrimônio líquido da empresa. Os dados utilizados para a operacionalização do Q de Tobin e do MB foram extraídos da base de dados Economática®. O enterprise value contempla, além do valor de mercado das ações da empresa, a dívida total líquida e a participação dos acionistas minoritários. O valor de mercado das ações corresponde ao preço de fechamento anual de cada tipo de ação da empresa multiplicado pelo número de ações emitidas. O ativo total e o patrimônio líquido foram extraídos das demonstrações contábeis padronizadas.
A qualidade do sistema interno de governança corporativa (GC) foi mensurada por meio da construção de índices baseados nas três perspectivas analisadas: o índice de adoção de práticas de governança corporativa (IPGC) corresponde à média da pontuação obtida por cada empresa/ano nas 44 práticas avaliadas nos informes de governança; o índice de estrutura de governança corporativa (IEGC) corresponde à média da pontuação das 10 características da estrutura de governança avaliados no formulário de referência; e o índice de segmento de listagem corresponde à razão entre a pontuação indicativa do segmento de listagem dividido pela pontuação máxima (três, que corresponde à listagem no Novo Mercado). Adicionalmente, a fim de se identificar quais mecanismos específicos de governança corporativa apresentaram papel mais relevante para o valor das empresas brasileiras, foram realizadas estimações separadas a partir da análise da relação do valor da empresa com as cinco dimensões da adoção de práticas, as três dimensões da estrutura e os quatro segmentos especiais de listagem de governança corporativa.
Em todas as estimações foram inseridas variáveis de controle utilizadas em trabalhos recentes em que se investigou a relação entre governança corporativa e valor de empresas brasileiras (Brandão e Crisóstomo, 2023): retorno sobre ativos (ROA), calculado pela razão entre EBIT e ativo total; endividamento (END), mensurado pela razão entre passivo exigível e ativo total; tangibilidade dos ativos (Tang), calculada pela razão entre ativo imobilizado e ativo total; tamanho (TAM), estimado pelo logaritmo natural do ativo total; variáveis binárias indicativas de controle acionário governamental (GOV) e estrangeiro (EST), segundo informações extraídas do formulário cadastral; e variáveis binárias indicativas do setor de atividade (Setor), segundo classificação do Economática®. Os dados necessários para a mensuração das variáveis de controle financeiras (ROA, END, Tang e TAM) foram extraídos das demonstrações financeiras padronizadas, disponíveis na base de dados Economática®. Nas estimações decorrentes do modelo da Equação 1, também foi incluído como variável de controle o valor da empresa (Q e MB). Uma vez que os dados sobre governança corporativa foram coletados de documentos publicados até julho de cada ano, as variáveis de controle de mercado e financeiras e utilizadas nas estimações da Equação 1 foram defasadas em um ano (Q, MB, ROA, END, Tang e TAM).
Testes de Chow e de Breusch-Pagan indicaram a presença de efeitos fixos e efeitos aleatórios nos modelos. Entretanto, optou-se por utilizar no trabalho apenas a modelagem de efeitos aleatórios, uma vez que a principal variável de interesse (GC) apresenta baixa variação temporal, o que torna os estimadores de efeitos fixos imprecisos (Wooldridge, 2002). Para mitigar problemas de endogeneidade, além da utilização de efeitos aleatórios a nível de empresa e efeitos fixos de setor e ano da observação, foram utilizadas diferentes métricas para a mensuração das variáveis de interesse (valor e qualidade do sistema interno de governança corporativa da empresa), além de defasagens temporais entre as variáveis.
A ausência de multicolinearidade foi constatada por meio do fator de inflação de variância (VIF), não sendo encontrados estimadores com VIF superior a 10 nas estimações processadas. Uma vez que testes de Breusch-Pagan detectaram a presença de heterocedasticidade dos resíduos, as estimações relatadas no trabalho foram processadas com erros-padrão robustos. Por fim, possíveis problemas com outliers das variáveis financeiras e de mercado foram mitigados através da "winsorização" de 2,5% no percentil superior e inferior da amostra em cada variável, o que permitiu a obtenção de valores, máximo e mínimo, que não fossem outliers, o que ainda ocorria ao nível de 1%.
4. Resultados e discussão
4.1. Qualidade do sistema interno de governança corporativa durante a pandemia da covid-19
Na Tabela 1, é apresentada a estatística descritiva das variáveis métricas da pesquisa. Observa-se que as duas variáveis indicativas de valor (Q de Tobin e MB) apresentam valores médios superiores à unidade, o que indica valor de mercado superior ao valor contábil das empresas. Com relação aos índices utilizados para medir a qualidade do sistema interno de governança corporativa das empresas, a adoção de práticas de governança corporativa é a perspectiva com maior média e mediana da amostra, com destaque para o valor máximo (100%) obtido por duas empresas, o que indica adoção integral de todas as práticas recomendadas. A estrutura de governança corporativa, por sua vez, é a perspectiva com menor média e mediana da amostra e que nenhuma empresa obteve o escore máximo. Outro dado relevante é a mediana do índice de segmento de listagem (100%), o que mostra que a maior parte das empresas da amostra está listada no Novo Mercado (58,17% da amostra).
Tabela 1 Estatística descritiva das variáveis métricas
| Variáveis | Média | Desvio-padrão | Mediana | Mínimo | Máximo |
|---|---|---|---|---|---|
| Q | 1,018 | 0,715 | 0,824 | 0,173 | 3,562 |
| MB | 2,253 | 1,951 | 1,645 | 0,355 | 9,149 |
| IPGC | 0,709 | 0,186 | 0,750 | 0,171 | 1,000 |
| IEGC | 0,592 | 0,144 | 0,607 | 0,205 | 0,912 |
| ISGC | 0,673 | 0,422 | 1,000 | 0,000 | 1,000 |
| ROA | 0,081 | 0,074 | 0,078 | -0,096 | 0,279 |
| END | 0,562 | 0,178 | 0,580 | 0,134 | 0,878 |
| TANG | 0,193 | 0,181 | 0,160 | 0,001 | 0,655 |
| TAM | 22,611 | 1,685 | 22,621 | 19,134 | 25,644 |
Na Tabela 2, é apresentada a matriz de correlação entre as principais variáveis métricas utilizadas no estudo. Observa-se que há correlação elevada entre as métricas de valor (Q e MB), bem como entre as variáveis de governança corporativa (IPGC, IEGC e ISGC), o que indica consistência entre as métricas utilizadas. Entretanto, não se verificou correlação positiva consistente entre valor e governança corporativa, conforme preconizado pela literatura.
Tabela 2 Matriz de correlação entre as variáveis métricas
| Variáveis | Q | MB | IPGC | IEGC | ISGC | ROA | END | TANG | |||||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| MB | 0,815 | *** | |||||||||||||
| IPGC | 0,020 | 0,060 | |||||||||||||
| IEGC | 0,008 | 0,055 | 0,735 | *** | |||||||||||
| ISGC | 0,065 | 0,079 | ** | 0,452 | *** | 0,502 | *** | ||||||||
| ROA | 0,235 | *** | 0,156 | *** | -0,065 | -0,147 | *** | -0,197 | *** | ||||||
| END | -0,175 | *** | 0,189 | *** | 0,352 | *** | 0,327 | *** | 0,190 | *** | -0,136 | *** | |||
| TANG | 0,102 | *** | 0,080 | ** | 0,051 | -0,078 | ** | -0,095 | ** | 0,120 | *** | 0,007 | |||
| TAM | -0,088 | ** | 0,000 | 0,633 | *** | 0,521 | *** | 0,212 | *** | 0,002 | 0,409 | *** | 0,046 |
Coeficientes de correlação R de Pearson. Significância estatística de R: 10% (*), 5% (**) e 1% (***).
Na Tabela 3, é apresentada a análise detalhada da evolução média das métricas utilizadas na pesquisa para avaliar o sistema interno de governança corporativa das empresas no período de 2019 a 2022, bem como os resultados dos testes de Wilcoxon.
No que tange à adoção de práticas, observa-se que as cinco dimensões avaliadas, assim como o índice geral, tiveram evolução positiva e estatisticamente significante em todos os anos analisados. Considerando todo o período pandêmico (de 2020 a 2022), apenas a dimensão "acionistas" teve evolução inferior a 10% (4,6%). O índice geral de adoção de práticas de governança médio da amostra cresceu de 65,9% em 2019 para 77,1% em 2022 (12,2%).
Com relação à estrutura do sistema interno de governança corporativa, observa-se que a participação dos acionistas minoritários permaneceu praticamente inalterada durante o período analisado. Entre os mecanismos que compõe essa dimensão, apenas o percentual de conselheiros de administração cresceu. Os mecanismos de monitoramento da gestão foram aperfeiçoados durante a pandemia, em especial a partir do ano de 2021. Destaca-se, entre esses mecanismos, o crescimento do número de empresas com auditoria interna e comitê de auditoria. A diversidade da administração foi a dimensão da estrutura de governança corporativa que mais evoluiu durante o período da pandemia, com destaque para o percentual de mulheres presentes no conselho de administração e na diretoria. Ressalte-se, entretanto, que a diversidade na administração ainda é muito baixa (inferior a 0,2). O índice que mensura a qualidade da estrutura de governança corporativa cresceu 6,7% durante a pandemia (de 56,4% em 2019 para 63,1% em 2022), com significância estatística apenas nos dois últimos anos (2021 e 2022).
O segmento de listagem da B3 foi a perspectiva do sistema interno de governança corporativa que menos sofreu alterações durante a pandemia. Ainda assim, podese observar a redução do número de empresas listadas no Nível 1 (com significância estatística em 2021) e o aumento do número de empresas listadas no Novo Mercado (com significância estatística em 2022). O índice de segmento de listagem também cresceu durante a pandemia (de 65,8% em 2019 para 69,7% em 2022), mas essa evolução apresentou significância estatística apenas em 2022, provavelmente pelo número de empresas que aderiram ao Novo Mercado nesse ano.
No geral, a análise da Tabela 3 indica que as empresas brasileiras buscaram aprimorar seu sistema interno de governança corporativa durante a pandemia, buscando maior aderência às práticas recomendadas pelo Código Brasileiro de Governança Corporativa, aumentando a independência do conselho de administração e a diversidade de gênero nos órgãos de administração, além de fortalecer a estrutura de fiscalização e controle. A migração das empresas para o Novo Mercado da B3, que requer aprimoramento do sistema interno de governança corporativa, também pode ser constatada, embora em menor escala.
Na Tabela 4, são apresentadas as estimações em que se analisou a relação entre índices de qualidade do sistema interno de governança corporativa e período pandêmico. Quando analisada a adoção de práticas de governança corporativa, observa-se relação positiva do índice com os três anos da pandemia (estimações 1 e 2). O índice que mede a qualidade da estrutura de governança corporativa apresentou relação positiva apenas com os anos de 2021 e 2022 (estimações 3 e 4). Já o índice de segmentos de governança corporativa da B3 não apresentou relação estatisticamente significante com o período pandêmico (estimações 5 e 6). Esses achados, em conjunto com os resultados dos testes de Wilcoxon (Tabela 3), indicam que houve mudanças positivas no sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras durante os três anos da pandemia, corroborando a primeira hipótese de pesquisa.
Tabela 3 Sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras no período 2019-2022
| Governança corporativa | Média | Teste de Wilcoxon (Z) | ||||||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| Perspectiva | Item analisado | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 | Total | 2019 x 2020 | 2020 x 2021 | 2021 x 2022 | |
| ACI | 0,710 | 0,732 | 0,745 | 0,756 | 0,736 | -3,321 *** | -2,339 | ** | -1,815 * | |
| CA | 0,622 | 0,648 | 0,675 | 0,734 | 0,670 | -4,274 *** | -5,060 | *** | -6,676 *** | |
| Práticas | DE FISC | 0,709 0,606 | 0,734 0,643 | 0,762 0,685 | 0,826 0,768 | 0,758 0,675 | -4,034 *** -4,555 *** | -4,392 -5,308 | *** *** | -6,052 *** -5,856 *** |
| ETIC | 0,669 | 0,705 | 0,741 | 0,782 | 0,724 | -5,320 *** | -5,543 | *** | -5,308 *** | |
| IPGC | 0,659 | 0,689 | 0,718 | 0,771 | 0,709 | -7,035 *** | -7,315 | *** | -8,343 *** | |
| MINOR | 0,513 | 0,512 | 0,521 | 0,528 | 0,519 | -0,151 | -1,059 | -1,005 | ||
| Estrutura | MONIT DIVER | 0,704 0,341 | 0,718 0,142 | 0,760 0,152 | 0,816 0,168 | 0,750 0,190 | -2,067 ** -1,670 * | -4,526 -2,088 | *** ** | -4,144 *** -3,085 *** |
| IEGC | 0,564 | 0,572 | 0,600 | 0,631 | 0,592 | -1,572 | -5,279 | *** | -5,142 *** | |
| TRAD | 0,231 | 0,231 | 0,237 | 0,212 | 0,228 | 0,000 | -1,000 | -1,633 | ||
| Segmento de listagem | N1 N2 NM | 0,128 0,077 0,564 | 0,115 0,083 0,571 | 0,096 0,083 0,583 | 0,096 0,083 0,609 | 0,109 0,082 0,582 | -1,414 -1,000 -1,000 | -1,732 0,000 -1,414 | * | 0,000 0,000 -2,000 ** |
| ISGC | 0,658 | 0,665 | 0,671 | 0,697 | 0,673 | -1,089 | -1,089 | -1,912 * | ||
Significância estatística de Z: 10% (*), 5% (**) e 1% (***).
Embora tenham sido identificadas melhorias em todos os aspectos analisados, as mais substanciais estão relacionadas à adoção de práticas e à estrutura dos órgãos de governança corporativa. Essas mudanças podem ter objetivos internos e externos no contexto da crise decorrente da pandemia da covid-19. Internamente, procura-se adequar a empresa às mudanças ocasionadas pela pandemia e reduzir o risco de fraudes corporativas durante o período de crise (Matuella et al., 2023). A esse respeito, ressalte-se o aprimoramento dos mecanismos de monitoramento da gestão de diversidade na administração durante o período pandêmico, em especial nos anos de 2021 e 2022. Externamente, busca-se passar mais confiança a investidores no mercado de capitais, o que contribui para mitigar os efeitos negativos da crise sobre o preço da ação (Claessens e Yurtoglu, 2013). Nesse sentido, o maior compliance às "boas práticas" reportadas por meio do informe de governança, além de otimizar o sistema interno de governança corporativa, pode servir como sinalização para os stakeholders dos esforços da empresa em mitigar riscos corporativos que foram aumentados durante a pandemia.
4.2. Qualidade do sistema interno de governança corporativa e valor das empresas brasileiras durante a pandemia da covid-19
Da mesma forma que o sistema interno de governança corporativa, foi feita análise da evolução das variáveis financeiras durante o período analisado, conforme pode ser visualizado na Tabela 5. Identificou-se que o valor de mercado das empresas analisadas diminuiu nos três anos da pandemia (Q de Tobin e MB) e que esse decréscimo foi maior em 2021. A literatura já apontava para a perda de valor das empresas brasileiras no primeiro ano de pandemia (Avelar et al., 2021). Entretanto, os resultados dos testes de média sugerem que 2021 e 2022 foram anos de maiores perdas do que 2020. Brandão (2023) argumenta que essa perda de valor, além das seguidas ondas de covid-19, pode ter sido influenciada por outros fatores externos às empresas, como crise política e fiscal, guerra na Ucrânia e incerteza política decorrente das eleições presidenciais.
Tabela 4 Governança corporativa e período pandêmico
| Variáveis explicativas | Variável dependente | |||||
|---|---|---|---|---|---|---|
| IPGC | IEGC | ISGC | ||||
| (1) | (2) | (3) | (4) | (5) | (6) | |
| Ano 2020 | 0,022*** | 0,020*** | 0,003 | 0,003 | -0,001 | 0,001 |
| (0,005) | (0,005) | (0,005) | (0,005) | (0,008) | (0,008) | |
| Ano 2021 | 0,045*** | 0,045*** | 0,025*** | 0,025*** | -0,001 | 0,000 |
| (0,007) | (0,007) | (0,006) | (0,006) | (0,011) | (0,012) | |
| Ano 2022 | 0,090*** | 0,091*** | 0,050*** | 0,050*** | 0,021 | 0,020 |
| (0,011) | (0,011) | (0,009) | (0,009) | (0,019) | (0,019) | |
| Q(t-1) | -0,002 | 0,001 | 0,001 | |||
| (0,009) | (0,008) | (0,017) | ||||
| MB (t-1) | 0,002 | 0,001 | -0,002 | |||
| (0,003) | (0,002) | (0,006) | ||||
| ROA (t-1) | 0,009 | -0,007 | 0,024 | 0,023 | -0,085 | -0,073 |
| (0,072) | (0,071) | (0,060) | (0,060) | (0,102) | (0,099) | |
| END (t-1) | 0,009 | 0,000 | 0,016 | 0,013 | 0,058 | 0,066 |
| (0,048) | (0,053) | (0,036) | (0,040) | (0,103) | (0,105) | |
| TANG (t-1) | 0,024 | 0,021 | -0,026 | -0,026 | -0,001 | 0,002 |
| (0,054) | (0,055) | (0,046) | (0,047) | (0,120) | (0,120) | |
| TAM (t-1) | 0,052*** | 0,052*** | 0,039*** | 0,039*** | 0,041** | 0,039** |
| (0,008) | (0,008) | (0,006) | (0,006) | (0,018) | (0,019) | |
| GOV | 0,023 | 0,024 | 0,038** | 0,038** | -0,077* | -0,076* |
| (0,021) | (0,021) | (0,015) | (0,015) | (0,046) | (0,046) | |
| EST | -0,048 | -0,048 | -0,011 | -0,011 | -0,038 | -0,037 |
| (0,033) | (0,033) | (0,033) | (0,032) | (0,082) | (0,080) | |
| Setor | SIM | SIM | SIM | SIM | SIM | SIM |
| X2 | 441,86*** | 410,28*** | 244,94*** | 243,35*** | 92,75*** | 91,13*** |
Significância estatística dos coeficientes (β) e do modelo (X2): 10% (*), 5% (**) e 1% (***).Desvio-padrão dos coeficientes entre parênteses.
Tabela 5 Valor de mercado e variáveis financeiras das empresas brasileiras no período 2019-2022
| Variáveis financeiras | Média | Teste de Wilcoxon (Z) | |||||||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| 2019 | 2020 | 2021 | 2022 | Total | 2019 x 2020 | 2020 x 2021 | 2021 x 2022 | ||||
| Q | 1,305 | 1,107 | 0,885 | 0,775 | 1,018 | -6,358 | *** | -6,903 | *** | -4,868 | *** |
| MB | 2,905 | 2,585 | 1,976 | 1,546 | 2,253 | -4,511 | *** | -7,046 | *** | -6,076 | *** |
| ROA | 0,070 | 0,070 | 0,097 | 0,088 | 0,081 | -0,068 | -5,101 | *** | -0,935 | ||
| END | 0,547 | 0,564 | 0,570 | 0,569 | 0,562 | -3,825 | *** | -2,159 | ** | -0,329 | |
| TANG | 0,210 | 0,189 | 0,183 | 0,190 | 0,193 | -7,317 | *** | -2,411 | ** | -0,140 | |
| TAM | 22,412 | 22,550 | 22,694 | 22,789 | 22,611 | -9,080 | *** | -9,059 | *** | -6,964 | *** |
Significância estatística de Z: 10% (*), 5% (**) e 1% (***).
Entre as variáveis de controle, observa-se que o desempenho financeiro, medido pelo retorno sobre ativos, não foi afetado de forma significativa em 2020, cresceu 3 pontos percentuais na média em 2021 e se manteve em 2022. Esses achados demonstram rápida recuperação operacional das empresas dos efeitos das restrições impostas pela pandemia em 2020. Ademais, é possível inferir que, durante os dois primeiros anos da pandemia, houve aumento do endividamento e do tamanho e redução da tangibilidade das empresas. Em 2022, observou-se variação significante apenas no tamanho, com sinal positivo.
Nas Tabelas 6 e 7, são apresentados os resultados da análise anual da relação de todas as dimensões e os índices relativos à qualidade do sistema interno de governança corporativa com o valor da empresa. As estimações da tabela foram processadas considerando os três índices de governança corporativa (IPGC, IEGC e ISGC) e as dimensões de cada índice: cinco dimensões referentes às práticas de governança corporativa, de acordo com os capítulos do código brasileiro de governança corporativa; três dimensões referentes às características de estrutura de governança corporativa, de acordo com a análise de componentes principal; e os quatro segmentos de listagem de governança corporativa da B3. Para cada dimensão/ índice foram processadas duas estimações, considerando como variável dependente as duas proxies de valor de mercado - Q de Tobin na Tabela 6 e MB na Tabela 7 - e como variáveis explicativas de interesse interações das proxies de governança corporativa com o ano da observação.
Como grupo de controle foi analisado o ano de 2019, anterior à pandemia. Os resultados indicam que os três índices de qualidade do sistema interno de governança corporativa (práticas, estrutura e segmento de listagem) contribuíam para o valor da empresa brasileira antes da pandemia, independentemente da proxy de valor da empresa utilizada. A análise das dimensões que compõem os índices sugere que essa relação positiva é motivada pela adoção de práticas associadas a acionistas e conselho de administração, mecanismos de participação dos acionistas minoritários e adesão ao segmento de listagem Novo Mercado da B3. Esses achados corroboram o argumento de que a qualidade dos mecanismos internos de governança corporativa é relevante para o valor das empresas brasileiras (Brandão e Crisóstomo, 2023) e de que há mecanismos que apresentam maior relevância para o contexto brasileiro (Brandão et al., 2024).
No primeiro ano da pandemia (2020), verificou-se que os índices relativos à adoção de práticas e à estrutura de governança corporativa apresentaram relação positiva com o valor da empresa. O índice de segmento de listagem, por sua vez, deixou de ser relevante para o valor das empresas amostradas. Observa-se que algumas dimensões que compõe os índices também apresentaram relação positiva com o valor da empresa em 2020, embora que com menor significância do que em 2019: adoção de práticas relativas a acionistas, conselho de administração, e ética e conflitos de interesse; e mecanismos de participação de minoritários
Em 2020, os efeitos da crise foram mais severos às empresas brasileiras: as restrições impostas pela política de lockdowns prejudicaram as suas operações, e as incertezas quanto ao desenvolvimento de vacinas geraram maior insegurança em investidores a respeito da recuperação da economia. Ainda assim, empresas com sistema interno de governança corporativa mais adequado em termos de aderência às práticas recomendadas para companhias abertas e de estrutura dos órgãos de governança mostraram maior resiliência e obtiveram menor perda de valor. Dentro da perspectiva da agência (Jensen e Meckling, 1976) e do triângulo de fraudes (Cressey, 1953), a análise das dimensões que compõe os índices de governança corporativa em 2020 sugere que a maior concentração de poder nas mãos dos acionistas controladores nesse período pode ter contribuído para a destruição de valor das empresas brasileiras devido à maior probabilidade de expropriação da riqueza de acionistas minoritários, enquanto a constituição de um conselho de administração mais condizente com as boas práticas de governança agrega valor por mitigar o risco de fraudes de gestores e acionistas controladores.A ausência de relação significante do índice de segmento de listagem com o valor das empresas em 2020 pode indicar que, para investidores, apenas a listagem nos segmentos especiais de governança corporativa da B3 não blindou as empresas dos efeitos adversos da pandemia. Nesse sentido, Alencar et al. (2023) e Santos et al. (2023) já tinham encontrado evidência de que, durante o primeiro ano da pandemia, empresas listadas nos segmentos especiais de governança corporativa da B3 não apresentaram desempenho superior às demais empresas.
Nos dois últimos anos da pandemia, a qualidade do sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras passou a ser praticamente irrelevante para o valor das empresas brasileiras. Nenhum dos três índices apresentou relação significante com o valor da empresa. Entre os itens que compõem os índices, observam-se algumas relações significantes do ponto de vista estatístico, mas sem consistência quando analisadas as duas proxies de valor da empresa. Nesse período, os efeitos diretos da pandemia sobre as empresas foram mais brandos quando comparados a 2020: com o fim dos lockdowns e o início da vacinação em massa da população, observou-se crescimento da rentabilidade das empresas (Tabela 5). Entretanto, o Brasil passou por turbulências econômicas, fiscais e políticas, tidas por especialistas como principais causas da perda de valor das empresas na bolsa de valores (Brandão, 2023). Diante desse cenário adverso, não se identificou evidência de que a qualidade do sistema interno de governança corporativa pudesse mitigar os efeitos negativos da crise econômica sobre o valor das empresas.
Como teste de robustez, foram processadas estimações em que se analisou o efeito moderador do período pandêmico sobre a relação entre qualidade do sistema interno de governança corporativa e valor das empresas brasileiras, tendo como base o ano de 2019. Os resultados, apresentados na Tabela 8, corroboram os achados das Tabelas 6 e 7. A interação dos três índices de governança corporativa com o primeiro ano da pandemia (governança corporativa x ano 2020) não apresentam significância estatística, o que sugere que, no primeiro ano da pandemia, a qualidade do sistema interno de governança corporativa continuou apresentando relação positiva com o valor das empresas brasileiras. Nos dois anos seguintes, entretanto, pode-se verificar efeito moderador negativo: a interação do ano de 2021 com os três índices de governança corporativa apresentou relação negativa e significante com o valor da empresa (governança corporativa x ano 2021); em 2022, essa relação permaneceu negativa e significante para os índices de estrutura e de segmento de listagem de governança corporativa. Esses achados indicam que, nos anos de 2021 e 2022, a qualidade superior do sistema interno de governança corporativa apresentou relação mais fraca com o valor das empresas do que em 2019, conforme já havia sido constatado anteriormente (Tabelas 6 e 7).
A análise conjunta das Tabelas 6, 7 e 8 indica que a qualidade do sistema interno de governança corporativa foi menos relevante para o valor das empresas brasileiras durante a pandemia (de 2020 a 2022) quando comparado ao período anterior à pandemia (2019), contrariando a argumentação da segunda hipótese de pesquisa, que previa que o efeito positivo da qualidade do sistema interno de governança corporativa sobre o valor da empresa tende a ser mais evidente em períodos de crise (Peixoto et al., 2014). Estudos anteriores já apontavam que a qualidade da governança corporativa poderia ser pouco relevante para o desempenho de mercado das brasileiras durante a crise ocasionada pela pandemia da covid-19 (Alencar et al., 2023; Santos et al., 2023). Pesquisas empíricas em outros mercados também apontam para o papel diminuto da governança corporativa em mitigar os efeitos adversos da crise da covid-19 sobre o preço das ações das empresas, como Hsu e Liao (2022), Sun et al. (2021) e Xiong et al. (2020).
Tabela 6 Q de Tobin e governança corporativa no período da pandemia da covid-19
| Práticas de governança corporativa | Estrutura de governança corporativa | Segmentos de listagem de governança corporativa | |||||||||||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| Variáveis explicativas | (1) | (2) | (3) | (4) | (5) | (6) | (7) | (8) | (9) | (10) | (11) | (12) | (13) | (14) | (15) |
| ACI | CA | DIR | FISC | ETIC | IPGC | Minor | Monit | Diver | IEGC | Trad | N1 | N2 | NM | ISGC | |
| Ano 2019 x GC | 0,810*** | 0,660** | 0,143 | 0,222 | 0,356 | 0,758** | 0,891*** | 0,070 | 0,012 | 0,932** | -0,329* | -0,184 | 0,020 | 0,350** | 0,441** |
| (0,248) | (0,300) | (0,288) | (0,218) | (0,305) | (0,380) | (0,282) | (0,222) | (0,325) | (0,423) | (0,175) | (0,129) | (0,142) | (0,151) | (0,190) | |
| Ano 2020 x GC | 0,430* | 0,613** | 0,225 | 0,221 | 0,401 | 0,663** | 0,468* | 0,034 | -0,036 | 0,561 | -0,172 | -0,030 | 0,076 | 0,151 | 0,214 |
| (0,231) | (0,285) | (0,220) | (0,185) | (0,257) | (0,312) | (0,264) | (0,170) | (0,261) | (0,382) | (0,161) | (0,158) | (0,107) | (0,141) | (0,174) | |
| Ano 2021 x GC | -0,041 | 0,220 | 0,079 | -0,010 | 0,009 | 0,200 | -0,162 | -0,035 | -0,050 | 0,008 | -0,043 | 0,035 | 0,198* | -0,009 | 0,043 |
| (0,184) | (0,235) | (0,191) | (0,145) | (0,253) | (0,266) | (0,238) | (0,151) | (0,218) | (0,296) | (0,116) | (0,166) | (0,105) | (0,113) | (0,133) | |
| Ano 2022 x GC | 0,032 | 0,281 | 0,092 | -0,166 | 0,009 | 0,199 | -0,144 | 0,043 | -0,071 | 0,132 | 0,020 | -0,035 | 0,227** | -0,038 | -0,001 |
| (0,166) | (0,226) | (0,233) | (0,185) | (0,253) | (0,267) | (0,244) | (0,196) | (0,236) | (0,345) | (0,140) | (0,113) | (0,102) | (0,120) | (0,156) | |
| ROA | 2,337*** | 2,460*** | 2,537*** | 2,446*** | 2,457*** | 2,437*** | 2,196*** | 2,497*** | 2,499*** | 2,352*** | 2,384*** | 2,440*** | 2,503*** | 2,244*** | 2,252*** |
| (0,432) | (0,445) | (0,461) | (0,445) | (0,448) | (0,437) | (0,433) | (0,465) | (0,466) | (0,448) | (0,447) | (0,470) | (0,470) | (0,444) | (0,443) | |
| END | -0,066 | -0,184 | -0,189 | -0,175 | -0,156 | -0,162 | -0,038 | -0,200 | -0,191 | -0,159 | -0,102 | -0,231 | -0,177 | -0,071 | -0,093 |
| (0,240) | (0,227) | (0,232) | (0,219) | (0,224) | (0,223) | (0,229) | (0,229) | (0,232) | (0,219) | (0,237) | (0,230) | (0,238) | (0,231) | (0,233) | |
| TANG | 0,716*** | 0,622*** | 0,650*** | 0,629*** | 0,625*** | 0,622*** | 0,720*** | 0,647*** | 0,653*** | 0,650*** | 0,695*** | 0,670*** | 0,645*** | 0,685*** | 0,718*** |
| (0,234) | (0,228) | (0,236) | (0,221) | (0,227) | (0,227) | (0,227) | (0,229) | (0,226) | (0,222) | (0,238) | (0,225) | (0,233) | (0,227) | (0,232) | |
| TAM | -0,056* | -0,066** | -0,050 | -0,047 | -0,056 | -0,067* | -0,052 | -0,046 | -0,047 | -0,058* | -0,056* | -0,040 | -0,046 | -0,051 | -0,055* |
| (0,033) | (0,034) | (0,034) | (0,035) | (0,036) | (0,036) | (0,034) | (0,033) | (0,032) | (0,034) | (0,033) | (0,033) | (0,032) | (0,032) | (0,032) | |
| GOV | -0,258*** | -0,304*** | -0,255** | -0,291*** | -0,267*** | -0,293*** | -0,290*** | -0,261** | -0,253** | -0,308*** | -0,259** | -0,251** | -0,272** | -0,235** | -0,238** |
| (0,085) | (0,108) | (0,106) | (0,110) | (0,103) | (0,098) | (0,084) | (0,111) | (0,110) | (0,101) | (0,104) | (0,106) | (0,114) | (0,091) | (0,093) | |
| EST | 0,311 | 0,307 | 0,277 | 0,273 | 0,289 | 0,297 | 0,290 | 0,279 | 0,276 | 0,295 | 0,303 | 0,272 | 0,283 | 0,303 | 0,311 |
| (0,210) | (0,190) | (0,192) | (0,198) | (0,200) | (0,200) | (0,209) | (0,194) | (0,190) | (0,208) | (0,209) | (0,195) | (0,188) | (0,219) | (0,222) | |
| Wald X2 | 345,65*** | 320,10*** | 303,61*** | 312,95*** | 315,71*** | 321,85*** | 363,35*** | 302,18*** | 302,48*** | 322,58*** | 327,39*** | 306,47*** | 307,59*** | 345,87*** | 344,58*** |
Variável dependente: Q de Tobin (Q) Efeitos fixos de setor e ano (não reportados). Significância estatística dos coeficientes (β) e do modelo (Wald X2): 10% (*), 5% (**) e 1% (***).
Tabela 7 Market-to-book e governança corporativa no período da pandemia de covid-19
| Práticas de governança corporativa | Estrutura de governança corporativa | Segmentos de listagem de governança corporativa | |||||||||||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| Variáveis explicativas | (1) | (2) | (3) | (4) | (5) | (6) | (7) | (8) | (9) | (10) | (11) | (12) | (13) | (14) | (15) |
| ACI | CA | DIR | FISC | ETIC | IPGC | MINOR | MONIT | DIVER | IEGC | TRAD | N1 | N2 | NM | ISGC | |
| Ano 2019 x GC | 2,251*** | 2,030** | 0,674 | 0,728 | 1,359 | 2,460** | 2,089*** | 0,485 | 0,453 | 2,519** | -0,663 | -0,489* | -0,225 | 0,830** | 0,950* |
| (0,771) | (0,898) | (0,645) | (0,556) | (0,826) | (1,040) | (0,674) | (0,615) | (0,942) | (1,135) | (0,472) | (0,285) | (0,417) | (0,403) | (0,508) | |
| Ano 2020 x GC | 1,454** | 1,901** | 0,852 | 0,745 | 1,666** | 2,288*** | 1,240 | 0,363 | -0,122 | 1,667* | -0,230 | -0,237 | -0,106 | 0,366 | 0,396 |
| (0,692) | (0,775) | (0,529) | (0,477) | (0,732) | (0,824) | (0,779) | (0,467) | (0,674) | (0,981) | (0,462) | (0,410) | (0,344) | (0,400) | (0,494) | |
| Ano 2021 x GC | -0,025 | 0,632 | 0,200 | -0,046 | 0,553 | 0,783 | -0,466 | -0,028 | -0,102 | 0,119 | 0,052 | 0,277 | 0,125 | -0,123 | -0,109 |
| (0,598) | (0,686) | (0,487) | (0,404) | (0,734) | (0,733) | (0,685) | (0,397) | (0,504) | (0,762) | (0,323) | (0,497) | (0,258) | (0,322) | (0,370) | |
| Ano 2022 x GC | -0,241 | 0,533 | -0,081 | -0,587 | 0,507 | 0,504 | -1,288* | -0,013 | -0,401 | -0,555 | 0,424 | 0,388 | 0,237 | -0,452 | -0,525 |
| (0,566) | (0,665) | (0,603) | (0,525) | (0,784) | (0,745) | (0,682) | (0,533) | (0,622) | (0,870) | (0,408) | (0,275) | (0,302) | (0,348) | (0,446) | |
| ROA | 6,017*** | 6,267*** | 6,501*** | 6,190*** | 6,252*** | 6,200*** | 5,691*** | 6,305*** | 6,358*** | 5,971*** | 6,076*** | 6,165*** | 6,411*** | 5,702*** | 5,717*** |
| (1,145) | (1,173) | (1,231) | (1,178) | (1,161) | (1,145) | (1,146) | (1,209) | (1,240) | (1,152) | (1,188) | (1,254) | (1,247) | (1,179) | (1,174) | |
| END | 4,014*** | 3,713*** | 3,745*** | 3,726*** | 3,718*** | 3,772*** | 4,178*** | 3,602*** | 3,634*** | 3,804*** | 3,927*** | 3,582*** | 3,685*** | 4,074*** | 4,045*** |
| (0,707) | (0,694) | (0,688) | (0,667) | (0,670) | (0,674) | (0,703) | (0,682) | (0,677) | (0,681) | (0,686) | (0,685) | (0,713) | (0,707) | (0,696) | |
| TANG | 1,268** | 1,016* | 1,118* | 1,044* | 0,999 | 1,019* | 1,282** | 1,056* | 1,104* | 1,113* | 1,216* | 1,154* | 1,053* | 1,190* | 1,278** |
| (0,609) | (0,610) | (0,617) | (0,591) | (0,614) | (0,595) | (0,615) | (0,617) | (0,613) | (0,597) | (0,623) | (0,603) | (0,619) | (0,610) | (0,610) | |
| TAM | -0,228*** | -0,268*** | -0,218*** | -0,217** | -0,272*** | -0,285*** | -0,214** | -0,208** | -0,204** | -0,232*** | -0,212** | -0,194** | -0,202** | -0,209*** | -0,211*** |
| (0,082) | (0,084) | (0,083) | (0,086) | (0,096) | (0,091) | (0,085) | (0,083) | (0,079) | (0,086) | (0,084) | (0,081) | (0,080) | (0,078) | (0,080) | |
| GOV | -0,450* | -0,607* | -0,466 | -0,561 | -0,466 | -0,569* | -0,546** | -0,521 | -0,448 | -0,607* | -0,482 | -0,390 | -0,467 | -0,413 | -0,427 |
| (0,271) | (0,338) | (0,331) | (0,347) | (0,331) | (0,314) | (0,277) | (0,341) | (0,356) | (0,321) | (0,340) | (0,313) | (0,348) | (0,290) | (0,297) | |
| EST | 0,499 | 0,496 | 0,400 | 0,407 | 0,452 | 0,484 | 0,435 | 0,420 | 0,408 | 0,457 | 0,431 | 0,411 | 0,406 | 0,458 | 0,457 |
| (0,550) | (0,504) | (0,501) | (0,504) | (0,503) | (0,520) | (0,528) | (0,506) | (0,486) | (0,527) | (0,514) | (0,501) | (0,494) | (0,540) | (0,538) | |
| Wald X2 | 312,13*** | 290,23*** | 273,23*** | 283,52*** | 285,50*** | 295,14*** | 328,29*** | 270,05*** | 269,89*** | 291,54*** | 289,90*** | 277,04*** | 269,64*** | 314,25*** | 311,34*** |
Variável dependente: Market-to-book (MB) Efeitos fixos de setor e ano não reportados. Significância estatística dos coeficientes (β) e do modelo (Wald X2): 10% (*), 5% (**) e 1% (***).
Tabela 8 Valor da empresa, governança corporativa e período pandêmico (efeito moderador)
| Painel A Governança corporativa = IPGC | Painel B Governança corporativa = IEGC | Painel C Governança corporativa = ISGC | ||||
|---|---|---|---|---|---|---|
| Variáveis explicativas | Variável dependente | Variável dependente | Variável dependente | |||
| Q de Tobin | Market-to-book | Q de Tobin | Market-to-book | Q de Tobin | Market-to-book | |
| (1) | (2) | (3) | (4) | (5) | (6) | |
| Governança corporativa | 0,758** | 2,460** | 0,932** | 2,519** | 0,441** | 0,950* |
| (0,380) | -1,040 | (0,423) | (1,135) | (0,190) | (0,508) | |
| Ano 2020 | -0,131 | -0,279 | 0,030 | 0,136 | -0,027 | 0,029 |
| (0,174) | (0,450) | (0,147) | (0,424) | (0,060) | (0,144) | |
| Ano 2021 | -0,094 | -0,022 | 0,071 | 0,262 | -0,186* | -0,388 |
| (0,241) | (0,696) | (0,236) | (0,670) | (0,105) | (0,267) | |
| Ano 2022 | -0,189 | -0,197 | -0,095 | 0,326 | -0,246** | -0,456* |
| (0,255) | (0,785) | (0,253) | (0,779) | (0,097) | (0,259) | |
| Governança corporativa x ano 2020 | -0,095 | -0,172 | -0,371 | -0,852 | -0,227*** | -0,554*** |
| (0,246) | (0,692) | (0,240) | (0,781) | (0,079) | (0,214) | |
| Governança corporativa x ano 2021 | -0,558* | -1,676* | -0,924** | -2,400** | -0,398*** | -1,059*** |
| (0,329) | (0,991) | (0,380) | (1,137) | (0,123) | (0,328) | |
| Governança corporativa x ano 2022 | -0,559 | -1,956* | -0,800* | -3,074** | -0,441*** | -1,475*** |
| (0,349) | (1,109) | (0,415) | (1,329) | (0,123) | (0,351) | |
| ROA | 2,437*** | 6,200*** | 2,352*** | 5,971*** | 2,252*** | 5,717*** |
| (0,437) | (1,145) | (0,448) | (1,152) | (0,443) | (1,174) | |
| END | -0,162 | 3,772*** | -0,159 | 3,804*** | -0,093 | 4,045*** |
| (0,223) | (0,674) | (0,219) | (0,681) | (0,233) | (0,696) | |
| TANG | 0,622*** | 1,019* | 0,650*** | 1,113* | 0,718*** | 1,278** |
| (0,227) | (0,595) | (0,222) | (0,597) | (0,232) | (0,610) | |
| TAM | -0,067* | -0,285*** | -0,058* | -0,232*** | -0,055* | -0,211*** |
| (0,036) | (0,091) | (0,034) | (0,086) | (0,032) | (0,080) | |
| GOV | -0,293*** | -0,569* | -0,308*** | -0,607* | -0,238** | -0,427 |
| (0,098) | (0,314) | (0,101) | (0,321) | (0,093) | (0,297) | |
| EST | 0,297 | 0,484 | 0,295 | 0,457 | 0,311 | 0,457 |
| (0,200) | (0,520) | (0,208) | (0,527) | (0,222) | (0,538) | |
| Setor | SIM | SIM | SIM | SIM | SIM | SIM |
| X2 | 321,85*** | 295,14*** | 322,58*** | 291,54*** | 344,58*** | 311,34*** |
Significância estatística dos coeficientes (β) e do modelo (Wald X2): 10% (*), 5% (**) e 1% (***).
Uma possível explicação para esses resultados está na natureza da crise econômica ocasionada pela pandemia. Outras recentes crises econômicas de proporções globais (como a crise asiática de 1997 e a crise do subprime de 2008) foram de natureza endógena, fruto de fraudes corporativas, enquanto a crise da covid-19 não ocorreu por comportamentos inadequados de gestores nem por deficiências nos sistemas de controle, mas por uma crise sanitária exógena ao ambiente corporativo (Zattoni e Pluguiese, 2021). Nesse sentido, mecanismos de governança corporativa recomendados para mitigar conflitos de agência nas empresas e evitar comportamentos oportunistas de gestores e acionistas controladores (Misangyi e Acharya, 2014) podem não ter a mesma eficácia no contexto da crise ocasionada pela pandemia da covid-19.
5. Conclusão
Analisou-se a governança corporativa de 156 empresas brasileiras com ações negociadas na B3 durante a crise econômica ocasionada pela pandemia da covid-19, investigando as alterações ocorridas no sistema interno de governança corporativa e a relação da qualidade desse sistema com o valor das empresas brasileiras no período de 2019 a 2022. Os resultados corroboram a hipótese levantada de que as empresas brasileiras buscaram aprimorar seu sistema interno de governança corporativa durante o período pandêmico. Entretanto, diferente do que se esperava, os efeitos positivos da qualidade dos mecanismos de governança corporativa adotados sobre o valor das empresas analisadas foram identificados apenas no primeiro ano da pandemia, de forma mais fraca do que no período anterior à pandemia (2019).
Esta pesquisa agrega à literatura sobre governança corporativa ao analisar como o sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras respondem a uma crise ocasionada por fatores externos ao mercado de capitais, contribuindo para a compreensão do papel dos mecanismos internos de governança corporativa para a resiliência corporativa e para a percepção de investidores acerca da importância desses mecanismos em tempos de crise. Os resultados sugerem que as empresas brasileiras reconhecem a importância da governança corporativa para mitigar efeitos adversos de crises econômicas, uma vez que se observou maior adequação de seus mecanismos de governança corporativa às recomendações do mercado de capitais e da academia, mesmo diante das restrições financeiras e operacionais impostas pela pandemia.
A pouca relevância da qualidade do sistema interno de governança corporativa para o valor das empresas brasileiras durante a pandemia levanta questionamentos acerca da eficácia da aderência às recomendações acadêmicas e de mercado quanto aos mecanismos internos de governança corporativa diante de turbulências no mercado de capitais ocasionadas por fatores exógenos às empresas (pandemia, inflação, crise política). Neste sentido, faz-se necessário que as empresas promovam adaptações mais constantes em seus sistemas internos de governança corporativa, de acordo com as mudanças ocorridas no ambiente corporativo e institucional.
Cabe destacar que, nesta pesquisa, analisaram-se apenas o ano anterior e os três anos da pandemia. Pesquisas futuras podem investigar se as alterações positivas no sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras ficaram restritas ao período da pandemia ou se permanecerão nos próximos anos. Pode-se também verificar o impacto da qualidade dos mecanismos internos de governança corporativa sobre outros indicadores de desempenho, como volatilidade da ação e desempenho financeiro. Outra limitação do trabalho diz respeito aos problemas de endogeneidade presentes nas pesquisas que investigam a relação entre governança corporativa e outros outputs organizacionais, como o valor da empresa. Embora se tenha buscado mitigar tais problemas, conforme discutido na seção de metodologia, somente com outras evidências empíricas, utilizando outros métodos de coleta e análise de dados, será possível confirmar e compreender melhor os efeitos reais do período pandêmico sobre o sistema interno de governança corporativa das empresas brasileiras. Ademais, existe a possibilidade de mecanismos do sistema interno de governança corporativa não analisados neste trabalho terem contribuído para reduzir os efeitos negativos da crise decorrente da pandemia sobre o valor das empresas brasileiras, como o valor da remuneração e a expertise de membros do conselho de administração e da diretoria.

















