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Literatura: Teoría, Historia, Crítica

versão impressa ISSN 0123-5931

Lit. teor. hist. crit. vol.20 no.2 Bogotá jul./dez. 2018

https://doi.org/10.15446/lthc.v20n2.72067 

Apresentação

Apresentação

Fabio Akcelrud Durão1 

1 Editor convidado, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, Brasil


ADINẬMICA DE EDIÇÃO DE UMA revista científica geralmente é vista como uma rua de mão única: respondendo ao call for papers, os pesquisadores enviam seus manuscritos para o blind peer review, que os aceita, recusa ou pede alterações no texto. Ainda que a leitura do parecerista possa ser inteligente e construtiva, o que não é tão frequente, a ênfase do processo, a iniciativa, recai sobre quem está submetendo o artigo; raramente pensamos no trabalho dos editores como algo para além do carimbo judicial do "aprovado", "reprovado" ou "talvez" (esta última, pensando bem, a mais interessante das três possibilidades). Se mesmo aquela figura tradicional do editor de livros, um interlocutor privilegiado, uma mistura de receptividade e autoridade, torna-se uma espécie em extinção à medida que se acelera o modo de produção intelectual no presente, o que dizer do editor de uma revista acadêmica, que se encontra atada a rígidos e curtos deadlines? O percurso de publicação deste periódico nos chamou a atenção para o contrário de tudo isso, a saber, o quanto se aprende com a editoração, em especial o quanto aquele objeto que estava na mente dos editores converte-se em algo diferente, e mais rico, com o conjunto das contribuições.

A motivação inicial para este volume de Literatura: teoría, historia, crítica foi um sentimento de urgência perante as transformações por que vem passando o conhecimento humanístico na academia hoje. A postura era, e continua sendo, crítica: há algo de muito problemático no modo como o saber está sendo reconfigurado na universidade contemporânea, em âmbito nacional e mundial. Porém, mais perturbador ainda é a aparente falta de impacto, a perda de força ilocucionária, se preferir, daqueles textos (e são muitos) que denunciam tal estado de coisas. Veio daí a nossa hipótese inicial de trabalho: as vozes dissonantes, mesmo ao se fazerem ouvidas, não geram efeitos, dentre outros motivos, devido à sedimentação do anti-intelectualismo na universidade. O que aprendemos com o trabalho editorial da revista foi como a aversão ao pensamento é produtiva -nunca poderíamos imaginar que um fenômeno que creditamos nocivo, pudesse ter tantas faces, implicações e desdobramentos. Com isso, percebe-se o estranho prazer que tivemos ao descobrir a variedade das ocorrências e dos modos de existência de uma manifestação contra a qual nós gostaríamos de nos voltar. Não cabe nesta apresentação reconstituir os vários argumentos dos artigos, mas sim mostrar o seu percurso. William Díaz Villarreal e Consuelo Pardo Cortés abrem o volume investigando a representação da universidade americana em cinco campus novels, mostrando como o mundo da academia não está tão separado da vida política quanto poderia desejar. Fabio Akcelrud Durão inverte a direçãodos vetores e tenta descrever a burrice acadêmica como derivando mais ou menos naturalmente das condições concretas de produção do conhecimento. O texto de Matheus de Brito debruça-se sobre o mesmo tópico, porém em sentido mais amplo, como "epistemologia naturalizada", no sentido de "natural ao capitalismo tardio" ou à "democracia liberal", que é seu braço discursivo. Essa burrice sistêmica, por seu turno, está intrinsecamente associada à própria concepção dos objetos de estudo e crítica das humanidades. José Carlos Felix e Juliana Cristina Salvadori retornam ao problema da academia e seu espaço social ao investigarem as mazelas e os desafios ligados à interiorização da universidade.

Em seguida, passamos para um outro plano. Jineth Ardila Ariza analisa o impacto da cultura digital na formação de um leitor anti-intelectual, um tema atualíssimo. Juan David Escobar Chacón aborda a questão da identidade, verdadeira doxa atual que funciona tanto como campo, objeto, pressuposto e arma, argumentando que ela "neutraliza la crítica ideológica y política en los estudios de la cultura". Já Guillermo Lariguet parte de um ideal socrático para descrever o intelectual; logo, desenvolve uma classificação para desdobrar tipos viciosos e desviantes, para, por fim, propor o conceito de intelectual cívico como modelo. Encerrando a seção de artigos, Marcela Croce apresenta um estudo de caso, no qual confronta dois livros recentes de críticos argentinos que trabalham com a imagem, mostrando que seu confronto gera eixos cambiantes e contraditórios de tradição intelectual, inserção acadêmica e articulação política. Em "Citas, notas y comentarios", David Jiménez oferece uma concisa e densa discussão defendendo a liberdade da universidade para não ter uma utilidade imediata: uma ideia de autonomia que traz consigo uma série de valores que batem de frente com uma visão de mundo voltada para o lucro e que valem a pena ser defendidos.

A seção da revista dedicada a traduções traz três textos cuidadosamente escolhidos. "Educación, semieducación, ineducación", de Konrad Paul Liessmann, esmiúça o núcleo de irracionalidade que habita na atual concepção de Bildung, sem, no entanto, defender que outrora as coisas eram melhores. Com efeito, ele detecta insuficiências já no ideal humboldtiano. Em "Francia e Hidra, 1974: Inmersión en el estado de emergencia", uma parte de sua autobiografia, que William Spanos, tristemente falecido há pouco, não pode terminar, a oposição ao intelectual tem um caráter direto e literal: o da liberdade sobre a própria pessoa. Finalmente, Richard Allen e Suman Gupta questionam, em "'Liderazgo académico' y las condiciones de trabajo académico", a noção de academic leader, inserindo-a em um processo em curso de degradação da ideia de universidade, em cujo último grau ela já se transforma em outra coisa.

O volume encerra-se com mais duas partes, uma entrevista que Juan Diego Medina Cruz faz a Gilberto Loaiza Cano e um conjunto de resenhas. Na primeira, lemos uma discussão que aborda vários temas de interesse, como mutações culturais contemporâneas, a relação entre neoliberalismo e anti-intelectualismo na Colômbia, e o papel do intelectual colombiano diante da sua realidade nacional. Já as resenhas fazem a apreciação crítica de livros que tocam o anti-intlectualismo. Ao comentar El odio a la literatura, de William Marx, William Díaz aponta para o quanto a animosidade contra o literário pode ajudar a configurá-lo, talvez mesmo ser uma condição de existência. Joseph Wager analisa Entrepreneurial Literary Theory: A Debate on Research and the Future of Academia, um livro peculiar, que, como bem percebe o parecerista, talvez não diga exatamente o que pretende estar dizendo. A obra de Renán Vega Cantor, resenhada por John Fredy Güechá Hernández, La universidad de la ignorancia. Capitalismo académico y mercantilización de la educación superior, é fiel ao título, e analisa os efeitos da aproximação do ensino ao mundo do marketing. É interessante perceber o contraste desta com o volume organizado por Mark Bauerlein e Adam Bellow, The State of the American Mind: 16 Leading Critics on the New Anti-Intellectualism, e comentado por Marloly Manrique Arcila, pois há pontos de contato vindos de posições políticas diametralmente opostas. Maira Suárez discute o livro de Stefan Collini, Speaking of Universities, chamando a atenção para seu objetivo central, o de reinserir no debate público a questão da autonomia universitária diante das recentes reformas por que vem passando, principalmente no Reino Unido.

Já o livro de Susan Jacoby, The Age of American Unreason, apresentado por Diana Milena Duarte Salinas esclarece o perfil específico do anti-intelectualismo estadunidense, convidando a comparações nacionais. Fechando essa seção, Fernando Morato resenha The Slow Professor: Chalengng the Culture of Speed in the Academia, de Maggie Berg e Barbara K. Seeber, um livro-manifesto que pretende chamar a atenção para o quanto as condições atuais de trabalho acadêmico sobrecarregam professores, alunos e funcionários, e que defende uma desaceleração da vida universitária em geral.

De todos esses textos, de tantas perspectivas diferentes, uma conclusão contraditória pode ser derivada. De um lado, se os argumentos aqui presentes forem concebidos como linhas, os cruzamentos e pontos de contato, as interseções são tantas, que sugerem objetividade: como imaginar de outro modo o encontro não combinado de pessoas tão diferentes de lugares tão distantes? Por outro lado, como mencionado no começo, o anti-intelectualismo possui facetas tão diversas que nos obriga a pensá-lo mais do que um tema, como uma força. Desse modo, não pode ser esgotado ou exaurido como quer o horizonte normativo científico.1 Talvez a relevância maior deste volume não resida propriamente naquilo que predica, nos conteúdos que expõe a respeito do anti-intelectualismo, mas na postura que deixa entrever: a de não deixar de criticá-lo.

1Mesmo que não se chegue a uma solução definitiva, a ciência trabalha com a expectativa, por mais distante que seja, do fim.

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