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Literatura: Teoría, Historia, Crítica

versão impressa ISSN 0123-5931

Lit. teor. hist. crit. vol.20 no.2 Bogotá jul./dez. 2018

https://doi.org/10.15446/lthc.v20n2.70643 

Artículos

Universidade e diversidade: desafios da multicampia / Uneb DCH IV como estudo de caso

Universidad y diversidad: retos de la universidad multicampus / Uneb DCH IV como estudio de caso

University and Diversity: Challenges of the Multi-campus University / Uneb DCH IV as a Case Study

José Carlos Felix1 

Juliana Cristina Salvadori2 

1 Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Salvador, Brasil, jfelix@uneb.br

2 Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Salvador, Brasil, jsalvadori@uneb.br


RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir sobre o projeto que fundamenta o papel das universidades estaduais brasileiras, particularmente o da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), a partir da compreensão de que o modelo desenvolvimentista, atrelado na Uneb aos territórios de identidade e à extensa rede multicampi, organiza-se a partir de uma lógica departamental que vai de encontro a demandas de ordem acadêmica e a favor da lógica racionalista. Ademais, a Uneb herda, em sua reestruturação das faculdades de formação de professores, desafios à qualidade da formação ofertada nas licenciaturas e à consolidação da interiorização da graduação por meio do fortalecimento da pós-graduação e das ações de pesquisa, tendo como desafio o conflito entre mobilidade e fixação -docente e discente- que a multicampia promove; conflito este que se concretiza, por exemplo, nas identidades (baianidade e sertanidade, por exemplo) em choque, materializadas nos currículos, na infraestrutura e aporte de recursos.

Palavras-chave: universidade; multicampia; Uneb

RESUMEN

El artículo tiene como objetivo reflexionar acerca del proyecto que fundamenta el rol de las universidades estatales brasileñas, en particular el de la Universidade do Estado da Bahia (Uneb), a partir de la comprensión de que el modelo desarrollista, vinculado en la Uneb a los territorios de identidad y la extensa red multicampus, se organiza basado en una lógica departamental que va en contra de demandas de orden académico y a favor de la lógica racionalista. Además, la Uneb hereda, en su reestructuración de las facultades de formación de profesores, desafíos para la calidad de la formación ofrecida en las licenciaturas y para la consolidación de la interiorización del pregrado por medio del fortalecimiento del posgrado y las acciones de investigación, teniendo como reto el conflicto entre movilidad y fijación -docente y estudiantil- que promueve el modelo multicampus; este conflicto se concreta, por ejemplo, en las identidades en conflicto (por ejemplo, la "bahianidad" o la "sertonidad"), materializadas en los currículos, la infraestructura y los recursos.

Palabras clave: universidad; universidad multicampus; Uneb

ABSTRACT

The objective of the article is to carry out a reflection on the project that underlies the role of Brazilian state universities, particularly that of the Universidade do Estado da Bahia (Uneb), on the basis of the idea that the development model linked, in the case of Uneb, to identity territories and to the vast multi-campus network, is based on a departmental logic that runs contrary to academic requirements and in favor of rationalist logic. Furthermore, after the restructuring of its teacher-training schools, Uneb has faced two types of challenges: the first has to do with the quality of the education provided in undergraduate professional programs, and the second, with the consolidation of undergraduate professional programs through the strengthening of graduate programs and research activities. The conflict between faculty and student mobility and permanence, fostered by the multi-campus model, poses an additional challenge, illustrated by conflicting identities (for example, Bahia or Sertao identity) materialized in the curricula, infrastructure, and resources.

Keywords: university; multi-campus university; Uneb

1. Introdução

OBJETIVO DESTE ARTIGO É COMPREENDER, no contexto brasileiro, o papel que as universidades estaduais, particularmente as multicampi, e em específico a Universidade do Estado da Bahia (Uneb), tem desempenhado na interiorização da formação em nível superior -em um primeiro momento da graduação e, posteriormente, nos anos 2000, da pós-graduação- a partir de uma concepção desenvolvimentista de universidade e fundada no princípio de atender demandas regionais, e como esta missão desenvolvimentista tem impactado as configurações institucionais a partir do conflito entre os âmbitos acadêmico e político. A necessidade de escrevê-lo parte dos desafios e conflitos postos em nossa trajetória como professores da referida instituição frente às demandas conflitantes de ordem institucional, social e política que o fazer universitário no contexto brasileiro, ainda mais quando atrelado à missão social e à concepção desenvolvimentista, suscita. Nosso dever de casa, neste artigo, será discutir essa questão tendo como foco o Departamento de Ciências Humanas, Campus IV, de Jacobina. Para tanto, é necessário, primeiramente, compreender o desenho -e o desafio- da Uneb, a maior instituição pública de ensino superior multicampi das regiões norte, nordeste e centro-oeste do Brasil: a multicampia estruturada em vinte e nove Departamentos distribuídos em vinte e quatro campi, cobrindo dezenove dos vinte e sete Territórios de Identidade do Estado da Bahia (figura 1).

Figura 1 Uneb multicampi nos territórios de identidade da Bahia [Folder institucional], 2016. 

Para compreender este desenho que, a princípio, se propõe rizomático, precisamos refletir acerca do conceito de território de identidade adotado no Estado da Bahia, a partir de 2007, pela Secretaria de Planejamento (Seplan), proposto na esteira da implantação e consolidação de políticas públicas na perspectiva do desenvolvimento regional, pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), como forma de contrabalançar e arrefecer as assimetrias regionais, fomentando assim o desenvolvimento socioeconómico sustentável. Esta configuração espacial, política, económica e sociocultural é consolidada por meio do Decreto 12.354, proclamado em 25 de agosto de 2010 pelo então governador do Estado da Bahia, Jacques Wagner, no qual, primeiramente, institui-se o Programa Territórios de Identidade, que, de acordo com o primeiro artigo do decreto, vem "com a finalidade de colaborar com a promoção do desenvolvimento económico e social dos Territórios de Identidade da Bahia, em consonância com os programas e ações dos governos federal, estadual e municipal". O parágrafo inicial desse artigo conceitua então território de identidade da seguinte forma:

§ 1° - Considera-se Território de Identidade o agrupamento identitário municipal formado de acordo com critérios sociais, culturais, económicos e geográficos, e reconhecido pela sua população como o espaço historicamente construído ao qual pertence, com identidade que amplia as possibilidades de coesão social e territorial.

A Seplan, por sua vez, em sua página web, informa sobre a política de territórios e os conceitua como:

[U]m espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade, coesão social, cultural e territorial. (Bahia)

Vale aqui ressaltar que a lógica territorial pautada sob os pilares de promoção de unidade identitária e coesão social e cultural promulgada nos dois documentos, por si, é contraditória e entra diametralmente em conflito com o projeto de universidade estadual pública no modelo de multicampia quando se tem em mente questões como a unificação de quase trinta departamentos distribuídos em regiões geográfica e culturalmente distintas e geridas a partir de uma Reitoria e Pró-reitorias alocadas na capital do estado. Ademais, mesmo em estado de dimensões territoriais gigantescas como a Bahia, a divisão espacial em regiões pautada em similaridades geofísicas como Mata Atlântica, Semiárido e Serrado, não é por si só capaz de promover uma unidade ou coesão social diante das particularidades culturais de cada microrregião. Muitas vezes, o resultado mais conspícuo desse gesto divisor que visa em princípio assinalar possíveis similaridades acaba por acentuar ainda mais as diferenças entre as várias regiões que constituem o estado da Bahia. Vale aqui registrar um exemplo bastante conhecido, mas nem por isso menos problemático e passível de acender os mais acalorados debates: a tão propalada noção de baianidade. A rigor, o debate contemporâneo acerca das identidades culturais na Bahia, sobretudo aquele produzido e, por que não dizer, consumido majoritariamente pela academia, pode ser descrito como um fenómeno de dupla dimensão que articula o local e o global; isto é, de um lado, está intrinsicamente fundada em uma noção de territorialidade, particularmente na região do recóncavo e sul da Bahia e justificadamente erigida a partir das inegáveis contingências de ordem histórica, como a escravidão dos povos de origem africana, e de ordem económica, como os ciclos da cana de açúcar e do cacau, os quais por sua vez, tomam uma dimensão de caráter simbólico e praticamente irrefutável na literatura de Jorge Amado, por exemplo, por meio das narrativas, personagens e elementos culturais que adensaram a noção de um ethos baiano. Por outro, é notável também que, em uma dimensão global, essa construção discursiva/simbólica encontra respaldo no fenómeno da teoria contemporânea, em particular, expressa na esteira dos Estudos Culturais, do Multiculturalismo, do Pós-colonialismo e congêneres, os quais operam como um tour deforce que, ao mesmo tempo em que conferem legitimidade teórica a um fenómeno notadamente particular, local e suis generis como a baianidade, asseguram o próprio status quo da teoria na condição de ferramenta indispensável para se conceber fenómenos socioculturais da mais variada natureza. Sem nos alongarmos demasiadamente na questão, no caso da baianidade como exemplo de um fenómeno de coesão sociocultural e territorial, como demonstramos, quando colocado em prática, sua força na qualidade de amálgama identitário é bem menos potente e seu alcance consideravelmente limitado, pois ela não funciona, não se aplica e não avança para além dos limites territoriais da região denominada de Mata Atlântica e Recóncavo baiano. Em síntese, o conceito de baianidade não se sustenta para além dos limites geográficos litorâneos e, à medida que nos afastamos das regiões costeiras do estado, o conceito perde sua força, sendo gradualmente cambiável para outras noções como sertaneidade, a exemplo dos moradores da região do Semiárido (território onde se encontram grande parte dos campi da Uneb, como o mapa acima atesta). Essa, por sua vez, por ser também a maior região espacial da Bahia, é ainda mais problemática em termos de estabelecimento de uma "coesão social e territorial" visto que, a rigor, a fronteira do sertão é sempre móvel e parece nunca estar aqui, mas sempre mais adiante, mais a oeste, afirmando a máxima de Guimarães Rosa de que o sertão não está em outro lugar, mas dentro da gente. Do mesmo modo, as regiões norte e sul do Semiárido são constituídas de uma miríade de outras categorias identitárias, como os moradores das regiões do Sisal, das populações ribeirinhas que vivem às margens do rio São Francisco e ainda das comunidades quilombolas.

Essa breve reflexão acerca da complexidade de um projeto de universidade no sistema de multicampia e, sobretudo, de um modelo de universidade interiorana fundada e fortemente atrelada a um projeto majoritariamente político de desenvolvimento territorial nos coloca em perspectiva dos desafios, impasses e problemas vividos por todos aqueles cujas vidas estão diretamente relacionadas a essa universidade: docentes, discentes, técnicos e gestores. Não obstante, da mesma maneira que a implantação de todo e qualquer projeto de desenvolvimento está sujeito às contingências de cada local e região onde os campi se encontram, a própria criação, implantação, estabelecimento e desenvolvimento dos Departamentos da Uneb sempre dependeram de fatores que vão além de projetos políticos, sejam governamentais ou educacionais, ou mesmo raramente, da consonância entre ambos. Em um sentido mais stricto, as discrepâncias, as contradições e as assimetrias entre os Departamentos que constituem a multicampia na Uneb podem ser compreendidas para além das contingências e espaciais, mas também dada a fatores temporais que, por sua vez, explicam sua própria gênese como uma das maiores universidades públicas de ensino superior do Brasil e da América Latina. Ou seja, a criação de cada um dos vinte e quatro campi constitui uma história em particular que, grosso modo, pode ser resumida em dois momentos distintos: o primeiro corresponde à própria instauração da universidade por meio da Delegada 66/83, que conferiu o status de universidade pública multicampi por meio de decreto que substituiu a Superintendência de Ensino Superior da Bahia (Seseb), que compreendia o Centro de Educação Técnica da Bahia (Ceteba), a Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco (Famesf), a Faculdade de Formação de Professores de Alagoinhas (FFPA), a Faculdade de Formação de Professores de Jacobina (FFPJ), a Faculdade de Formação de Professores de Santo António de Jesus (FFPSA), a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caetité (FFCLC) e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Juazeiro (FFCLJ); juntamente com o ato de criação da multicampi, todas essas outrorafaculdades passaram a receber a denominação de Campus seguidas dos números que a partir de então demarcariam em primeira instância uma espécie de ranking de criação, a saber: Campus I (Salvador), Campus II (Alagoinhas), Campus III (Juazeiro), Campus IV (Jacobina), Campus V (Santo António de Jesus) e Campus VI (Caetité). Como o mapa acima atesta, quatro desses campi encontram-se na região do Semiárido, sendo os demais na região conhecida como Mata Atlântica e, até então, nenhum na região do Cerrado. O curioso, no entanto, e sobretudo para aqueles que conhecem bem a realidade operacional da Uneb, é que mais do que parâmetro indicativo da ordem de criação dos campi, a ordem de numeração dos mesmos, ao longo dos anos, serviria também como um atestado, um índice de estágio de desenvolvimento e, por vezes, da importância conferida a cada um dos campi. Esse dado visivelmente desconfortante e que mais uma vez coloca em xeque o argumento de projeto de universidade pública com uma missão desenvolvimentista com bases territoriais torna-se ainda mais notório no modus operandi daquilo que pode se chamar o segundo momento de expansão territorial da Uneb e que corresponde à criação dos demais dezoito campi e departamentos dessa universidade. Muitos foram criados ainda durante a década de 1980/90 e no início dos anos 2000 por meio de Atos governamentais, via de regra, resultantes de promessas estabelecidas em campanhas políticas entre candidatos a governadores, deputados estaduais e federais e os prefeitos das cidades sede desses campi; não obstante, muitos deles, no calor do momento, em pleno palanque eleitoral e sem nenhum debate, planejamento ou sequer a participação da comunidade local e, principalmente, acadêmica. Como era de se esperar, essa forma de criação de novos campi e expansão universitária sempre foi justificada, em um primeiro momento, como mais uma etapa do já conhecido projeto de desenvolvimento territorial. Na prática, e como os anos de experiência atestam, muitos campi enfrentaram e ainda enfrentam condições precárias de funcionamento tanto de recursos físicos (falta de uma sede própria, número de salas de aulas insuficientes para as demandas dos cursos ofertados, equipamentos obsoletos, instalações elétricas incompatíveis com as demandas de equipamentos, ausência de bibliotecas, etc.) quanto de recursos humanos (insuficiência de funcionários técnicos para atendar as demandas administrativas, dificuldade de fixação de docentes qualificados nos campi afastados da região litorânea, sobretudo, nas cidades menores e mais distantes, alta evasão discente devido à falta de condições financeiras para bancarem seus estudos, particularmente aqueles de turno integral, matutino e vespertino, evasão nos cursos noturnos dadas as dificuldades de locomoção daqueles docentes advindos das cidades circunvizinhas aos campi, entre tantos outros problemas).

Cabe ressaltar que, como já assinalado na distinção acima, muitos desses problemas não são gerais a todos os campi. Eles são mais graves e acentuados nos Departamentos criados mais recentemente, ou naqueles mais distantes da Reitoria sediada em Salvador, ou ainda, por vezes, são resultados de ingerência e negligência da gestão dos diretores locais ou com pouco poder de barganha com as Reitorias. Além disso, outros fatores de ordem política precisam ser levados em consideração, como o fato de, nos últimos, o aumento na criação de novos cursos e mesmo novos campi não foi acompanhando de um acréscimo no repasse das verbas do governo estadual para as quatro universidades baianas, um embate de ordem política que, por sua vez, tem resultado em calendário quase constante de paralisações e/ou mesmo greves prolongadas que entre tantos prejuízos para a comunidade acadêmica afeta os calendários e programação institucional, atrasa a conclusão de curso discente (muitos acabam se sentindo mais desestimulados e desistem dos cursos ainda nos primeiros semestres), afeta os programas de pós-graduação stricto senso, bem como os programas de iniciação, cujos calendários e cronogramas de pesquisas de bolsistas precisam seguir rigorosamente os prazos estabelecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e outras agências de fomento como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb).

Por outro lado, é pertinente assinalar que, mesmo diante dos incontáveis problemas e desafios até aqui elencados, nos últimos dez anos, testemunhamos inúmeros avanços da mais variada ordem nas políticas, nas ações e nos projetos universitários como um todo. Podemos registrar aqui algumas ações que contribuíram para essa melhoria de acordo com os três segmentos:

  1. Ensino: reformulação curricular, sistema integrado de bibliotecas, sistema integrado de matrícula, cadernetas e acompanhamento eletrónico das atividades docentes e discentes;

  2. Extensão: aumento das bolsas para monitores, bem como o direcionamento de verbas para projetos de extensão por meio de programas de editais.

  3. Pesquisa: consolidação dos programas de iniciação científica por meio de categorias de bolsistas regulares e voluntários; incentivo a qualificação docente possibilitando o afastamento para cursar mestrado e doutorado (todos integralmente subsidiados pela universidade por meio da dispensa integral das atividades docentes durante períodos de dois anos para o mestrado e quatro anos para o doutorado); implementação de bolsa de auxílio durante o período de qualificação; crescimento do número de mestres e doutores nos quadros dos departamentos do interior; aumento no número de discentes aprovados nos programas de pós-graduação stricto senso em programas dentro da própria universidade, em outras universidades estaduais e federais na Bahia e em vários estados do Nordeste, Sudeste e Sul; aumento na oferta de programas de pós-graduação na própria universidade, mesmo que ainda majoritáriamente nos campi localizados nas regiões próximas a Salvador e demais cidades perto da costa.

Em relação a esse último quesito, cabe assinalar que o estabelecimento de políticas e projetos no âmbito da pós-graduação se tornou nos últimos dez anos um desafio e uma demanda constante da própria Uneb por duas razões que valem a pena serem registradas aqui. A primeira pode ser considerada uma demanda de ordem externa e afeta diretamente o próprio stutos quo da Uneb enquanto universidade. Isto é, a implementação e consolidação de programas de mestrado e doutorado passou a ser uma exigência do próprio Ministério da Educação como forma de assegurar o crescimento e estabelecimento das Instituições de Ensino Superior (ms) brasileiras como instituições de excelência pautadas não apenas no ensino de graduação, mas de pós-graduação. A segunda demanda advém da própria realidade da Uneb que, diante do avanço e desenvolvimento das políticas no âmbito da pesquisa, acabou por promover demandas para incorporação de discentes egressos ávidos pela continuidade na formação acadêmica, mas que, em muitos casos, não dispõem de recursos financeiros para se deslocarem de suas regiões de origem. Nesse sentido, o quadro 1 nos fornece um panorama da situação atual da pós-graduação na Universidade do Estado da Bahia:

Quadro 1 Universidade Nacional do Estado da Bahia. Programas de Pós-graduação Uneb por ano de implantação, 2017. 

Considerando a história da criação da Uneb a partir de demandas emergenciais arroladas aos projetos desenvolvimentistas, fazendo com que os ensinos de graduação e extensão se configurassem como os principais eixos na estruturação da universidade como instituição pública de ensino superior, entende-se o porquê de o desenvolvimento da pós-graduação ser um fenômeno relativamente recente. Contudo, se tomarmos por parâmetro as dificuldades e problemas advindos da natureza da multicampia, não seria demasiadamente otimista afirmar que, até o presente momento, ela pode ser caracterizada como uma experiência relativamente bem-sucedida, considerando que todos os programas têm menos de uma década e, em muitos casos, foram criados a partir de iniciativas praticamente pessoais por parte de docentes que, ao retornarem da formação na pós-graduação, sentiram-se impelidos a somar forças com outros colegas (inicialmente de outras instituições, muitas vezes de outros departamentos e campi) para que, juntos, implantassem os primeiros programas. Nesse sentido, os dados do quadro 1 atestam os resultados desses esforços. Até o momento são dezesseis programas de mestrado (sendo nove da modalidade Acadêmico, quatro Profissional e três do tipo Profissional em Rede), nas áreas de concentração em Letras, Educação, Química, Física, Biologia, Agronomia e Biodiversidade e dois programas de doutorado (um em Educação e outro Interdisciplinar). A concentração de um maior número de programas na área de Humanas ou mesmo da modalidade Profissional e Profissional em Rede é evidentemente um reflexo do peso que as licenciaturas têm na graduação. Do mesmo modo que os programas nas áreas de Química, Física, Biologia e Agronomia confirmam a inflexão que o projeto desenvolvimentista territorial ainda possui nas políticas acadêmicas da universidade. Por fim, não podemos deixar de mencionar que, na última avaliação quadrienal da Capes, a maioria dos programas tiveram seus conceitos elevados de nota três para quatro, sendo o Doutorado em Educação e Contemporaneidade conceito cinco. Certamente, e há de se ter esperanças, essa nova conjuntura aponta para duas questões dignas de nota: 1) a elevação dos conceitos demonstra que, mesmo timidamente, houve de fato um trabalho sério de doutores e pessoas comprometidas com o desenvolvimento da pós-graduação nesta universidade e a consequência mais direta desse fato já é notada dentro de alguns programas que só aguardavam tal carta branca para encamparem propostas de implantação de doutorado e 2) a anuência de um órgão regulador como a Capes forneceu aos programas um poder de barganha para solicitarem junto à Reitoria o aumento da rubrica nos investimentos que garantam a consolidação dos programas nos próximos anos, caso contrário, corremos o sério risco de ver todo esse esforço ter sido em vão. Naturalmente que, se comparados com os índices da IES públicas das regiões Sul e Sudeste, esses resultados ainda são incipientes e aferem o status da Uneb no cenário universitário brasileiro. Porém, mais uma vez posto em perspectiva, não é possível discordar da máxima de que uma universidade com uma pós-graduação ainda incipiente é muito melhor do que pós-graduação nenhuma.

Com efeito, a Universidade do Estado da Bahia, com os seus mais de dois mil e quinhentos docentes, tem se ocupado e, por que também não frisar, tem se empenhado nessas últimas quatro décadas em assumir parte da responsabilidade, juntamente com as demais políticas públicas, no papel de ajudar a promover o desenvolvimento social, econômico e cultural dos diversos e díspares territórios do estado. Contudo, quando posto em perspectiva, percebemos que os desafios, impasses e problemas ainda parecem monumentais diante dos avanços já alcançados no percurso de estabelecimento daquilo que se almeja e que realmente se espera de uma instituição pública de ensino superior. Não seria inadequado considerar aqui que, a despeito dos sérios problemas levantados no caso da universidade em questão, eles não se configuram como um evento isolado. Aliás, antes fosse. O escrutínio dos problemas enfrentados pela nossa universidade em particular pode ser atestado em várias outras IES públicas pelo Brasil afora. Em muitas dessas instituições, os desafios enfrentados por gestores, docentes, discente, técnicos e comunidade em geral são da mesma natureza política e histórica aqui examinada. Como enfatizamos nas primeiras linhas, nossa tarefa como professores que estão profunda e seriamente comprometidos nos respalda para colocar o dedo em nossa ferida, escancarar nossas limitações. Primeiramente, como um gesto catártico que nos coloque em perspectiva com os muitos problemas enfrentados diariamente e que, por nos encontrarmos imersos num emaranhado que parece não ter fim, via de regra, somos tomados por um sentimento de desestímulo e descrença em qualquer possibilidade de melhoria desse quadro. Em segundo lugar, diante do quadro político que assola o Brasil nos últimos anos, particularmente depois do agravamento da situação política nacional em que tivemos uma presidente legitimamente eleita pelo voto popular sendo deposta por uma maquinação golpista. A degradação das condições políticas e sociais no país vem agravando-se de tal maneira a ponto de colocar em risco eminente todas as instituições que visam promover o pensamento crítico e livre. Nesse sentido, nosso gesto, repetimos, é o de olhar honesta e duramente para a estrutura de nossa instituição de trabalho, repensá-la em uma perspectiva crítica e histórica com uma única finalidade de se fortalecer como espaço de promoção de conhecimento verdadeiramente crítico e democrático. Sabemos que não estamos sozinhos, seja nos problemas enfrentados ou na vontade de superá-los. Nesse momento, inúmeras ies públicas brasileiras têm sua existência ameaçada, muitas com o funcionamento pleno já comprometido. Resistir é imperativo.

Na próxima seção, teceremos algumas reflexões acerca da história do nosso campus em particular como um exercício crítico para pensarmos os problemas, questões e desafios da Uneb como um todo em sua multicampia. Mais uma vez, não se trata de um gesto isolado, mas um esforço para entendermos as demandas postas por esse modelo de universidade e, como consequência disso, vislumbrarmos possíveis caminhos.

2. Da Faculdade de Formação de Professores de Jacobina (FFPJ) ao Departamento de Ciências Humanas Uneb Campus IV Jacobina

Nesta seção buscaremos contextualizar a história do Departamento de Ciências Humanas, Campus IV (DCH IV), de Jacobina, que, inicialmente, funcionou como Faculdade de Formação de Professores de Jacobina (FFPJ), visto que compreendemos que grande parte dos desafios da estruturação da universidade no Brasil -bem como seu papel e concepção, marcadamente de formação de agentes de desenvolvimento-, têm raízes na estruturação da Educação Brasileira, particularmente da pós-graduação, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1968.

É importante compreender a fundação da FFPJ a partir da reforma universitária de 1968, originada na reestruturação da sociedade brasileira a partir do advento do golpe militar de 1964 e, em 1968, do advento do Ato Institucional número 5 (AI5). Precisamos remeter à concepção da FFPJ e sua proposta de licenciaturas de curta duração a partir da Lei n.° 5.540, de 28 de novembro de 1968, sancionada com o intuito de fixar normas que organizassem o funcionamento e as regras que iriam reger o ensino superior no país a partir de então. A política educacional funcionalista daquele período priorizou o ensino primário e a educação técnica para a maior parte da população, enquanto o ensino superior em âmbito de graduação e pós-graduação restringiu-se a um público específico, até que os anos 2000 inaugurassem políticas educacionais inclusivas às minorias (B. Santos 25).

Saviani, em seu artigo "O legado educacional do regime militar", busca retomar a política educacional configurada pelos governos militares de modo a compreender como esta impactou e ainda impacta a educação brasileira. Dos aspectos abordados pelo crítico nos interessa a "implantação de uma estrutura organizacional que se consolidou e se encontra em plena vigência" (292), de modo a contextualizar, como dito, a emergência da FFPJ e posteriormente sua transformação em um departamento, de Ciências Humanas (DCH), da Uneb. O autor, em seu texto, denuncia a vinculação da educação pública aos interesses de mercado, particularmente à formação de mão de obra qualificada para atender demandas regionais de desenvolvimento, uma das demandas foi (e tem sido) a qualificação da educação básica por meio de formação de professores a partir das diretrizes postas pelas LDB de 1968 e, posteriormente, de 1996.

Em 1968, o Instituto de Estudos Políticos e Sociais (Ipes) organiza o fórum "A educação que nos convém". Esse fórum abordou a educação em seus vários âmbitos -básica, profissionalizante e superior-. Para o ensino superior, propôs-se a diversificação do ensino superior e, nesse modelo, conceberam-se os cursos de curta duração, "voltados para o atendimento da demanda de profissionais qualificados" (Saviani, "O legado" 296). Segundo Saviani, esse fórum que desembocaria nos Acordos MEC-USAID a partir de 1965 e na Lei da Reforma Universitária (Lei n.° 5.540, de 28 de novembro de 1968), regulamentada pelo Decreto n.° 464, de 11 de fevereiro de 1969, que concebe a educação a partir de um viés produtivista e estipula como fundamentos organizadores da educação no Brasil princípios da racionalidade, eficiência e produtividade: "máximo resultado com o mínimo dispêndio" e "não duplicação de meios para fins idênticos". Esses princípios se traduziram, quando os efeitos foram analisados, no aumento da oferta de vagas, principalmente a partir da privatização da educação e particularmente no ensino superior, como argumenta o autor:

De fato, ocorreu no período uma grande expansão do ensino superior. Entre 1964 e 1973, enquanto o ensino primário cresceu 70,3%; o ginasial, 332%; o colegial, 391%; o ensino superior foi muito além, tendo crescido no mesmo período 744,7%. E o grande peso nessa expansão se deveu à iniciativa privada: entre 1968 e 1976, o número de instituições públicas de ensino superior passou de 129 para 222, enquanto as instituições privadas saltaram de 243 para 663 (idem, ibid., p. 112). O significativo aumento da participação privada na oferta de ensino, principalmente em nível superior, foi possível pelo incentivo governamental assumido deliberadamente como política educacional. O grande instrumento dessa política foi o Conselho Federal de Educação (CFE), que, mediante constantes e sucessivas autorizações seguidas de reconhecimento, viabilizou a consolidação de uma extensa rede de escolas privadas em operação no país. (Saviani, "O legado" 300)

Quanto à estrutura da educação no Brasil, Saviani afirma que a reforma de 1968 ainda impacta nos dias de hoje porque tanto a Lei n.° 9.394, de 1996, da (LDB), quanto o Plano Nacional de Educação, de 2001, não revisaram a estrutura proposta pela reforma de 1968. No ensino superior, essa reestruturação implicou na departamentalização do ensino superior e na matrícula por disciplinas, pois:

[G]eneralizou-se no ensino superior a sistemática do curso parcelado, transpondo para a universidade o parcelamento do trabalho introduzido nas empresas pelo taylorismo. Perpetrou-se, no ensino, a separação entre meios e objetivos; entre conteúdos curriculares e sua finalidade educativa; entre as formas de transmissão do saber e as formas de produção e sistematização do saber; entre o pedagógico e o científico. Teoricamente, os meios, os conteúdos, as formas de produção e sistematização do saber, o aspecto científico, ficaram sob a jurisdição do departamento. Enquanto os objetivos, as finalidades, as formas de transmissão do saber, o aspecto pedagógico, a cargo da coordenação de curso. [...] Na prática, a dependência da coordenação de curso em relação ao departamento, esvaziado este de preocupações pedagógicas, significou, em termos da estrutura do ensino, a subordinação dos fins aos meios. Tal consequência -é bom lembrar- está em perfeita consonância com a concepção que orientou a reforma universitária, guiada pelos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade. Na raiz das distorções acima apontadas está a preocupação com a racionalização dos custos. Tanto a departamentalização como a matrícula por disciplina e o regime de créditos tinham por principal objetivo a redução de custos. Assim, pela departamentalização evitava-se a existência de vários professores de uma mesma disciplina, assim como a possibilidade de que uma mesma disciplina fosse ministrada em turmas diferentes, em separado, provocando a necessidade de sua repetição por um mesmo professor ou por diferentes professores. (Saviani, "O legado" 305)

A lógica da departamentalização, racionalista, opera a partir de um modelo administrativo, mas não acadêmico: o curso era referência tanto para os alunos quanto para os professores, mas após a reforma de 1968 ocorreu a separação entre curso e departamento e nessa nova configuração professores com conhecimentos afins passaram a fazer parte de um único departamento, este foi o argumento utilizado para reunir profissionais docentes dedicados à mesma área de conhecimento com o objetivo anunciado de otimizar a prática do ensino e da pesquisa científica. Com essa caracterização, as matérias passaram a integrar o departamento, e as disciplinas, nas quais o currículo passou a ser estruturado pelo colegiado do curso, submetidas ao departamento. Com a departamentalização do ensino superior e a matrícula por disciplina, aliada ao regime de créditos que ainda vigora na pós-graduação, deflagrou-se o taylorismo desenvolvido nas empresas ao estilo americano na universidade.

A reforma no ensino superior, que propôs a departamentalização das universidades, atrelada à matrícula por disciplina e mais o regime de créditos, teve argumentos utilizados para conter os custos: a mesma disciplina deveria ser ministrada em turmas diferentes pelo mesmo professor. Outro aspecto da reforma universitária que, segundo Saviani, impactou na qualidade do ensino ofertado foi a

eliminação das turmas/classes resultante da departamentalização aliada à matrícula por disciplina e ao regime de créditos, dificultando o trabalho dos professores junto aos alunos e desconsiderando as especificidades das diferentes carreiras profissionais na programação das disciplinas que integram os respectivos currículos; substituição do período letivo anual pelo semestral, reduzindo o tempo de trabalho pedagógico do professor com seus alunos, o que inviabiliza a superação das eventuais lacunas e dificulta a assimilação efetiva, pelos alunos, dos conhecimentos constitutivos das disciplinas consideradas indispensáveis à sua formação. (Saviani, "O legado" 306)

Essa memória da reestruturação do ensino na ditadura, além de ser enriquecedora é atual, dada nossa conjuntura, o que nos permite compreender o cenário político e econômico no qual nasceu a FFPJ na cidade de Jacobina, interior da Bahia, território do Piemonte da Diamantina. Argumentamos que a conjuntura delineada impactou e ainda impacta na conversão da FFPJ em Departamento de Ciências Humanas IV (DCH IV) da Universidade do Estado da Bahia e nos desafios que a instituição ainda enfrenta para constituir uma proposta universitária que coadune a diversidade territorial e humana dos dezenove territórios de identidade que atende na Bahia ao mesmo tempo que atenda aos indicadores de validação de sua proposta acadêmica, permitindo a docentes, discentes e técnicos compartilhar identidade e pertença institucionais, bem como adesão a sua missão.

O DCH VI recebe a autorização para funcionamento por meio do Decreto n.° 9.237/1986 e reconhecimento por meio da Portaria 909/95, publicada no Diário Oficial da União em 1° de agosto de 1995 -e passa a ter personalidade jurídica de direito público, com autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Tal demanda visava atender à reforma da Educação Básica, reestruturada em dois ciclos, o primeiro e o segundo graus (posteriormente renomeados como Ensino Médio). A proposta privilegiou habilidades técnicas e uma concepção de treinamento de alunos que iriam atuar no mercado de trabalho e atender as necessidades básicas impostas pelo mercado de trabalho sob justificativa desenvolvimentista: "a educação que nos convém" era o lema pregado à época e que ressoa nas reformas propostas para o Ensino Médio e para a educação na atual conjuntura brasileira (Saviani, "O legado" 295).

Com o aumento da demanda por professores qualificados devido à reestruturação da educação em dois ciclos e à oferta das escolas privadas, criam-se as chamadas licenciaturas curtas (vide Parecer n.° 895/1971 de 9 de dezembro de 1971) de 1° grau - Letras, Ciências e Estudos Sociais:

O Parecer n.° 895/71, de 9/12/71, do extinto CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, é bastante explicativo quando, analisando a existência de dificuldades em se diferenciar cursos de Licenciatura Curta dos cursos de Licenciatura Plena, propôs o critério diferenciador pela carga horária: duração entre 1.200 a 1.500 horas para os cursos de curta duração e para os de longa duração (plena) entre 2.200 a 2.500 horas. A partir daquele momento se pode verificar o "tipo" de formação a partir da carga horária fixada no currículo, independente de constar no diploma o termo curta ou plena.

Nessa perspectiva, as licenciaturas curtas apresentavam caráter emergencial e experimental atendendo aos princípios norteadores da reforma como citados por Saviani, particularmente em: "máximo resultado com o mínimo dispêndio, visto que o arrazoado para justificar a instauração das licenciaturas curtas pode ser assim resumido: 'mais valeria uma formação aligeirada do que formação alguma'" (Nascimento 341).

Tais formatos de licenciatura, a curta e a curta parcelada, se constituíram como alternativas viáveis, na concepção da época, para ofertar uma formação mínima, particularmente para o interior, em locais no qual havia prevalência de leigos já atuantes na sala de aula. O modelo foi criado para ter uma vida curta, mas teve efeito contrário, pois se proliferou por todo o país e muitos dos professores que atuam nas salas de aula tiveram sua origem nesse tipo de licenciatura. Vale lembrar que a licenciatura supracitada foi muito questionada desde a sua criação justamente pela qualidade e objetivos da formação ofertada. Essas críticas acabaram repercutindo no Conselho Federal de Educação que aprovou em 1986 a indicação que propunha a extinção desses cursos nas grandes capitais do país. Estamos, politicamente, a caminho da redemocratização, que importará na escrita da Constituição Federal, em 1988, e na nova Lei de Diretrizes e Bases, em 1996.

Esse caráter emergencial da demanda por formação de professores de modo rápido, que pautou o cenário nacional, e da implantação de licenciaturas curtas fomenta a criação da FFPJ e se reflete nas precariedades do processo: sem sede própria, passou a atender a clientela estudantil no Colégio Municipal de Jacobina (Comuja), hoje Gilberto Dias de Miranda. O referido colégio, que distava do centro da cidade e da faculdade, passou a atender seu alunado na Escola Paroquial Alice Sento Sé, recém-construída pelo então prefeito o Sr. Flávio Antônio de Mesquita Marques (Lemos 233). A permanência da faculdade na Escola Paroquial durou pouco tempo, pois logo começou a construção de sua sede própria durante o governo João Durval Carneiro (Lemos), na qual está até hoje: Rua J. J. Seabra, n.° 158, Bairro da Estação, na Cidade de Jacobina, Bahia, com uma área de 2 318,51 m2, teve sua aula inaugural realizada em 12 de março de 1991, às 20h. (Uneb, "Projeto" 68). Nem todos os Departamentos têm sede própria, é bom frisar, e a maior parte deles não conseguiu acompanhar o crescimento na oferta de cursos e entrada de alunos. Logo, as precariedades em termos de infraestrutura têm sido um contínuo.

Sobre a implantação da FFPJ na cidade de Jacobina com licenciaturas curtas e sua posterior conversão em licenciaturas plenas e em Departamento da Uneb, elencamos a seguir os principais fatos:

1. A faculdade de Formação de Professores de Jacobina (FFPJ) foi criada pela Lei Estadual n.° 3.825, de 19 de setembro de 1980, publicada no Diário Oficial do Estado de 23 de setembro de 1980. Nasceu como entidade autárquica, vinculada à Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia. A Lei Delegada n.° 12, de 30/12/1980, publicada no Diário Oficial do Estado de 31 de dezembro de 1980, extinguiu várias autarquias, entre elas a FFPJ, e criou a Superintendência do Ensino Superior do Estado da Bahia (Seseb) como autarquia mantenedora. Deste modo, a FFPJ e outras instituições de ensino superior, isoladas, passaram a ser mantidas por essa Superintendência, constituindo-se, assim, uma federação de Escolas. O processo de sua criação obteve parecer favorável do Conselho Estadual de Educação, que autorizou seu funcionamento em 5 de novembro de 1980 através do Parecer 157/80, publicado no Diário Oficial de 31 de outubro do mesmo ano. O mesmo Conselho aprovou também seu Regimento, conforme Resolução n.° 1.389/1994, em 22 de outubro de 1994.

2. Outra Lei Delegada, a de n.° 66/83, publicada no Diário Oficial de 2 de junho de 1983, extinguiu a Seseb e criou a Universidade do Estado da Bahia (Uneb), autarquia de ensino superior ligada à Secretaria de Educação e Cultura.

3. A Uneb é reconhecida através da Portaria n.° 909/1995 de 31 de julho de 1995 do Ministério da Educação e do Desporto, caracterizando-se por ser modelo "multicampi", isto é, uma Universidade constituída de um campus central e vários campi distribuídos em alguns municípios, o que compõe uma Unidade Administrativa e Pedagógica e respeita a autonomia acadêmica, administrativa e financeira de cada unidade de ensino.

A conjuntura retrata os caminhos percorridos para criar a Faculdade que formaria professores em nível superior, com o intuito de atender a população de uma cidade e região, nesse cenário, a cidade de Jacobina, no semiárido da Bahia. A reestruturação da Faculdade de Formação de Professores de Jacobina e sua conversão em Departamento reflete a própria criação da Uneb, visto que o processo para regulamentação deles e dá com a Resolução de n.° 038 de 10 de dezembro de 1997, transformado, em 20 de janeiro de 1998, no Decreto Governamental de n.° 7.223. Nasce aí a Uneb/DCH IV e sua proposta de multicampia e interiorização da educação universitária.

Em 2004, a Uneb/DCH IV começa a oferecer também o Curso de Letras, Língua Inglesa e Literaturas: "Foram oferecidas 50 vagas, turno noturno, com sistema de alternância para o turno, Resolução n.° 249/2003, do Consu. A partir de 2005 foram oferecidas 25 vagas de acordo com o Projeto de Redimensionamento/Implantação, Resolução do Consu n.° 271/2004" (Uneb, "Projeto" 324).

Atualmente, o DCH IV oferece um total de duzentos e quinze vagas nos cursos oferecidos através do vestibular, que seleciona os candidatos anualmente da seguinte maneira:

Quadro 2 Universidade Nacional do Estado da Bahia. Cursos de graduação oferecidos no DCH IV, 2010. 

Segundo o projeto do Curso de Licenciatura em Língua Portuguesa e Literaturas e Língua Inglesa e Literaturas:

Como Faculdade de Formação de Professores de Jacobina, ofereceu o Curso de Licenciatura Curta em Letras, reconhecido em 1985 e a partir de 1983, já como unidade da Uneb, passou a oferecer o Curso de Licenciatura Curta em Estudos Sociais, reconhecido em 1989. Em 1991 e 1992, implantou os cursos de Licenciatura Plena em História e em Geografia, respectivamente, mediante a conversão do curso de Licenciatura Curta em Estudos Sociais. Estes Cursos foram reconhecidos por Decretos Estaduais no ano de 1998. ("Projeto" 67)

O delineamento anterior é importante, pois nos possibilitou nesta seção mapear o início da história da Faculdade de Formação de Professores de Jacobina (FFPJ) na década de 1970 no interior da Bahia, visto que a oportunidade de implantar um ensino de nível superior na referida cidade aconteceu concomitante à reforma do ensino superior que ocorreu durante o regime militar, considerando assim, o cenário político e econômico que a educação superior do país enfrentava naquela época, os caminhos que a primeira percorreu com as licenciaturas curtas e sua posterior conversão em licenciaturas plenas e em Departamento da Uneb, conjuntura que fundamenta as questões que o modelo de universidade estadual multicampi baseado em uma concepção desenvolvimentista ainda precisa enfrentar.

3. Considerações semifinais: o futuro da Uneb e Uneb do futuro?

O percurso e o exercício de autocrítica traçado até aqui não desembocaria se não nas duas perguntas postas no subtítulo desta última seção. E as perguntas estão longe de serem meros recursos retóricos. Para nós, assim como para tantos outros colegas, que temos dedicado o tempo de nossas vidas integralmente nos últimos anos trabalhando diuturnamente nessa universidade, essas são duas questões imbricadas que nos assolam diariamente e ecoam em todos os projetos que propomos, aulas que ministramos, bolsistas que orientamos. Qual será o futuro dessa universidade? Em qual configuração de ms pública iniciamos nossas carreiras e de que maneira nossas ações e decisões diárias impactarão e estruturarão a universidade que legaremos para os futuros profissionais que nela irão trabalhar? Muitos deles, certamente, terão sido nos alunos de graduação e/ou pós-graduação. Alguns alunos egressos já se tornaram colegas de trabalho, outros estão muito próximos de seguirem o mesmo caminho. Essas ponderações nos são tão caras e constantes quanto os dilemas e dificuldades que enfrentamos diariamente.

Talvez, a alternativa que nos resta nesse pouco espaço de texto que nos sobra seria elencar algumas questões que não foram, até o momento, mencionadas diretamente como forma de chamar atenção para nós mesmos dos desafios (mais?) que nos aguardam a curto, médio e longo prazo. A rigor, considerando a imbricação, eles podem ser agrupados nas variadas maneiras, mas por uma questão de estruturação, propomos as categorias da graduação e pós-graduação sob a ressalva de que ambas não são nunca excludentes.

Em relação à graduação, vários são os desafios postos, mas certamente as estruturas das grades curriculares parecem indicar ser esse nosso calcanhar de Aquiles. Evidentemente que o problema é bem complexo e não se trata de um impasse exclusivo da nossa universidade. Currículos, assim como livros didáticos, são naturalmente problemáticos. A questão é a maneira em que temos optado atacar o problema. Ao detectarmos que eles não estão funcionando satisfatoriamente somos convocados (ou nos autoconvocamos) para uma reformulação curricular. Resultado: saí disciplina, entra disciplina, novas matérias são criadas para atender determinações governamentais acerca dessa ou daquela demanda social -até então excluída do bojo de saberes legitimados-, ementas são alteradas, refeitas, etc. A questão é que nada disso parece resultar em mudanças realmente satisfatórias para docentes e discentes, tampouco para quem propõe as reformulações. No sistema da multicampia, o agravante é ainda maior, pois, como problematizado no início deste texto, somos confrontados com o dilema de um currículo unificado para todos os departamentos, o que elimina grandes entraves para mobilidade discente, ou optamos por currículos diferenciados pautados na premissa inicial de que multicampia não é, e nunca foi, sinônimo de homogeneidade curricular. Afinal, o que fica posto em xeque nessa decisão aparentemente de cunho pedagógico é a própria razão de ser de uma universidade multicampi: estar em consonância, acolher e respeitar as vicissitudes dos lugares e grupos onde ela se encontra. Ou será que a própria noção de universidade não seria justamente o contrário disso? Estabelecer-se pela diferença e ser dotada de uma natureza contrária a tudo aquilo que a cerca? O que as pessoas esperam encontrar nas universidades: seus pares ou seus antagonistas? A quais interesses e projetos a universidade deve estar vinculada? Aos do mercado de trabalho? Das políticas públicas governamentais? Aos projetos de desenvolvimento territorial? A formação humanista? (Isso ainda existe?).

Uma última questão espinhosa em relação à graduação diz respeito à tão propalada crise nas licenciaturas. E ela sempre vem à tona nos momentos de crise (econômica, institucional, etc.). De igual maneira, as soluções têm sido sempre as mesmas e, quando não, aparecem na forma de saídas milagrosas. Na Uneb, ela vem no formato de uma sigla que desperta tanto o repúdio de alguns quanto à adesão calorosa de outros: EAD, ou seja, ensino a distância. Não havendo mais espaço para tratarmos dessa questão neste artigo, desejamos ao menos registrar aqui como proposta para discussões futuras. O ensino à distância seria a saída para a crise (curricular, das licenciaturas, das IES)? Ou algumas áreas estariam mais aptas para essa modalidade de ensino? E por que outras não? Quais seriam as implicações para o futuro dessa universidade? Cabe registrar aqui que, na Uneb, a oferta de cursos na modalidade EAD já é uma realidade, resta saber ou debater qual será o lugar dela em nosso futuro.

Por fim, no que tange a pós-graduação na Uneb em particular, há ainda ao menos um tema relevante que não poderia passar incólume em toda essa discussão: a política de formação e qualificação docente e o compromisso deles com o fortalecimento da pós-graduação. A questão necessita uma breve contextualização. Em sua história de multicampia, tornou-se uma prática comum a contratação de docentes (seja para função temporária de substituto ou mesmo para a categoria de professor efetivo) apenas com título de especialista, visto que muitos profissionais com sólida formação acadêmica encontravam melhores salários e oportunidades de trabalho em outras universidades em centros maiores, restando assim o preenchimento das vagas para os campi do interior com professores ainda em fase de formação. Ainda hoje, muitos campi do interior não conseguem assegurar a permanência de doutores nos seus departamentos. Evidentemente, essa também não é uma questão exclusiva da Uneb. Porém, graças a uma forte política de qualificação docente, liberação das atividades acadêmicas para cursar mestrado/doutorado e concessão de bolsas, atualmente o número de doutores em todas as áreas é expressivo (cerca de novecentos) se comparados com a década passada. O problema atual, no entanto, é de outra ordem. Muitos dos docentes que retornam dos programas de doutorado continuam dedicando-se exclusivamente às atividades docentes na graduação. As explicações para tal fenômeno são várias e também complexas: não há programas de pós-graduação suficientes para incorporar todos os doutores que retornam; muitos programas de pós-graduação estão alocados em campi distantes de onde o docente reside; a produção acadêmica dos docentes é insuficiente para ingressarem nos programas; por não haver uma política de incentivo (a exemplo de bolsas de produtividade) muitos docentes não se sentem estimulados a ingressar nos programas. Do mesmo modo, algumas possíveis saídas já estão sendo encaminhadas: a criação do incentivo à produtividade para doutores vinculados aos programas e a redução da carga horária na graduação -para tratarmos de duas que estão em andamento. Contudo, essas soluções ainda não respondem ao desafio de se pensar uma pós-graduação que seja proporcional ao tamanho e às dimensões territoriais da Uneb. Ela já é expressiva hoje, mas ainda é tímida diante dos espaços que precisa cobrir e, nesse sentido, o caminho a ser seguido parecer ser o mesmo trilhado pela graduação nas últimas décadas: a interiorização. Essa não é uma solução simples, pois traz consigo uma série de questões: qual é o formato de pós-graduação mais adequado para a multicampia? Acadêmico? Profissional? Profissional em Rede? Já se tornou lugar comum ouvirmos professores e gestores afirmarem que a solução para o problema ontológico da Uneb é simples, precisamos assumir que ela é uma universidade diferenciada dos demais modelos: ela é e sempre foi uma faculdade de formação de professores e sua vocação é para as licenciaturas; assim, qualquer ação ou proposta deveria levar em conta essa natureza. Logo, se formos seguir essa lógica, estaremos fadados a um único modelo de pós-graduação centrado na área de educação, tendo como fundamento as escolas de formação de professores em que a Uneb se fundou.

Felizmente, a questão, a maneira de tudo na Uneb, não é tão simples, e não pode nem será resolvida com soluções simples. Da nossa parte, no entanto, seguimos como tantos outros profissionais dessa e de várias outras ies que partilham os dilemas e os desafios discutidos neste texto: sempre abertos ao debate e desejosos de que o futuro dessa e das demais universidades públicas seja, entre tantas outras coisas, a de não se furtar em pensar constantemente o seu lugar e papel social.

Referências

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Cómo citar este artículo (MLA): Felix, José Carlos, y Juliana Cristina Salvadori. "Universidade e diversidade: desafios da multicampia / Uneb DCH IV como estudo de caso". Literatura: teoría, historia, crítica, vol. 20, núm. 2, 2018, págs. 103-129.

Sobre los autores

José Carlos Felix tiene maestría en Letras (Inglés y Literatura Correspondiente) por la Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) y doctorado en Teoría e Historia Literaria por la Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Es profesor adjunto en la Universidade do Estado da Bahia desde el 2005 como docente en el pregrado en Letras Inglés (Campus IV) y en el programa de posgrado en Crítica Cultural (Campus II - Alagoinhas). Lidera el grupo de investigación Desleituras em série, cuyas principales áreas de actuación e interés son literatura comparada, teoría y crítica literaria, teoría crítica y estudios comparativos entre literatura y cine. Ha escrito artículos y capítulos sobre estas temáticas publicados en varios periódicos en Brasil y en el extranjero (Alemania, Rumania, Canadá, Estados Unidos).

Juliana Cristina Salvadori tiene maestría en Letras (Inglés y Literatura Correspondiente) por la Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) y doctorado en el área de Literaturas de Lengua Portuguesa por el programa de posgrado en Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Es profesora adjunta en la Universidade do Estado da Bahia (Uneb) desde el 2012 como docente de pregrado y profesora permanente del programa de posgrado en Educación y Diversidad (PPED, Uneb Campus IV, Jacobina). Lidera el grupo de investigación Desleituras em série, cuyas principales áreas de actuación e interés son literatura comparada, teoría y crítica literaria, traducción como lectura-escritura. Actúa como investigadora vinculada al grupo de investigación Diversidad, Formación, Educación Básica y Discursos (Difeba) por medio del grupo de estudios en Educación Inclusiva y Especial (Geedice), cuyas principales áreas de actuación e interés son formación, inclusión escolar e inclusión social.

Recebido: 24 de Dezembro de 2017; Aceito: 27 de Fevereiro de 2018

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