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Literatura: Teoría, Historia, Crítica

versão impressa ISSN 0123-5931

Lit. teor. hist. crit. vol.20 no.2 Bogotá jul./dez. 2018

https://doi.org/10.15446/lthc.v20n2.70414 

Reseñas

Berg, Maggie e Barbara Seeber. The Slow Professor: Challenging the Culture of Speed in the Academia. Toronto, Toronto University Press, 2016, 115 págs.

Fernando Morato1 

1 The Ohio State University, Columbus, Estados Unidos


O livro de Maggie Berg e Barbara K. Seeber parte de uma ideia simples: aplicar os princípios do movimento Slow à vida acadêmica (VII). Tendo sua origem em um protesto ocorrido em 1986 contra a abertura de um MacDonald's na Praça de Espanha, em Roma, o movimento Slow Food oficializou-se com a assinatura e publicação de um manifesto em Paris, em 1989, e hoje é internacionalmente reconhecido e seguido. Trata-se de uma resistência à aceleração da vida moderna no que diz respeito à cultura alimentar, procurando promover comidas que se adequem a três princípios básicos: Boa (good, qualidade, sabor e salubridade), Limpo (clean, produção que respeite o meio ambiente) e Justa (fair, acessibilidade para o consumidor e condições e preços justos para o produtor),1 que inclusive expandiu seus princípios para muitas áreas da atividade humana, como trabalho, relações pessoais, etc. Na mesma linha, as autoras, ambas oriundas dos estudos literários em universidades canadenses, assumem que escreveram um livro-manifesto que intencionalmente situa-se numa encruzilhada de gêneros, todos vinculados aos recentes fenômenos que assolam a vida acadêmica dos países de língua inglesa.

A parte de manifesto do livro, seguindo o exemplo do manifesto Slow Food, é curta (cerca de duzentos e sessenta palavras) e direta: "Somos Slow Professors. Acreditamos que adotar os princípios do Slow na nossa prática profissional é um meio efetivo de aliviar o stress do trabalho, preservar a educação humanística e resistir à universidade corporativa" (IX),2 nomeando claramente o "inimigo" a ser desafiado, a "universidade corporativa". O tom é enfaticamente otimista, apesar do reconhecimento de que "A linguagem da crise domina a literatura sobre a universidade corporativa" (X), e desafiador, com a referência explícita às humanidades como modelo de trabalho acadêmico, o que certamente marca um lugar explícito a respeito de certa concepção de universidade que hoje não goza de nenhum tipo de unanimidade. Mas isto ainda é apenas o prefácio e o livro avança com um trabalho sério e conciso de pesquisa a respeito da realidade das novas demandas a que professores universitários vêm sendo submetidos.

Como a intenção de Berg e Seeber é reagir a certa situação a que a universidade foi levada, uma boa parte do trabalho é dedicada ao diagnóstico dessa situação e, portanto, à narração de um cotidiano universitário. Por vezes, o livro assume aspectos quase de romance de terror, quando descreve certas situações que se tornaram normais no cotidiano da academia norte-americana (aí ncluída a canadense, da qual as autoras tratam mais explicitamente), em muitos aspectos extremamente semelhante ao que vem acontecendo nas universidades latino-americanas como um todo: acúmulo de trabalho, multiplicação exponencial de reuniões, pressão por produtividade -tanto de publicações quanto de cursos a ensinar-, crescimento do número de alunos nas classes, demanda constante por avaliação de performance, entre outros. Nesse quesito, a obsessão norte-americana por quantificar dados permite ter uma ideia mais palpável da situação. As autoras citam um estudo do MIT que registra que, enquanto 48% de altos executivos de corporações sentiam que eram incapazes de cumprir todas as tarefas que lhes eram atribuídas, o número de professores universitários que se sentia da mesma maneira era 78% dos entrevistados (16). Um toque adicional de terror é dado pela avaliação da literatura subsidiária que se vem constituindo ao redor dessas questões, uma série de publicações que procuram avaliar a situação da universidade e sugerir "estratégias de sobrevivência" para os acadêmicos. Algumas são apenas cinicamente práticas e recomendam tirar o maior proveito possível de alunos de pós-graduação para fazer os "serviços sujos" (o que já vem acontecendo em várias universidades sul-americanas), outros beiram ao delírio ao sugerir uma agenda de trabalho das oito ao meio dia, depois da uma às seis e das sete às dez da noite para... os domingos! (20).

Sem fugir à interlocução com esse tipo de literatura, as autoras fornecem ao final de cada um dos quatro capítulos ("Gerenciamento de tempo e intem-poralidade", "Pedagogia e prazer", "Pesquisa e compreensão", "Colegialidade e comunidade") pequenas dicas de como reduzir a velocidade imposta pelas administrações. Dito assim, a impressão que se tem é de que seja um livro simples, mais próximo da literatura de autoajuda (à qual as autoras reconhecem que consultaram, uma vez que é um gênero de texto que tem crescido enormemente nos últimos anos no ramo voltado exclusivamente para a vida acadêmica), mas não é assim. Já no manifesto elas deixam claro que a saída que propõem é uma ação de "resistência" e, ao longo da sua argumentação, fazem explícito o caráter político de uma opção por desacelerar.

Da mesma maneira que as propostas do movimento Slow procuram promover um desvio da atenção das grandes corporações alimentícias, as autoras apostam em um desvio para o que poderíamos chamar de "microrrelações" do cotidiano acadêmico como as mais importantes e passíveis de representar essa almejada resistência. Como ambas as autoras têm sua formação acadêmica vinculada aos estudos literários, assumem sua confiança no poder das narrativas e por isso o livro é deliberadamente escrito em primeira(s) pessoa(s). Foi originado em conversas que ambas tiveram a respeito de suas próprias inseguranças e medos, e está recheado de pequenos testemunhos para trazer ao leitor justamente essa dimensão de microrrelações na qual elas tanto acreditam. Um exemplo é a história que uma delas conta a respeito da classe que estava particularmente calada e à qual ela fez despretensiosamente as perguntas: "O que está acontecendo? Vocês têm muitos trabalhos para escrever?" e se surpreendeu com a quantidade de respostas a respeito de problemas com colegas de casa, provas, saudades da família, stress, resfriados, e de como, ao final da aula, foi abordada com uma série de agradecimentos, pessoais e por e-mails, por "reconhecer que estávamos aqui" (45). Isso lhe permitiu um reconhecimento muito imediato e simples de que a interação, por menor que fosse, poderia resultar em uma melhora significativa na disposição da turma e nos desempenhos, tanto seu quanto da classe. Assim como nessa pequena narração, diretamente ligada ao ensino (muitas vezes visto por professores universitários como um fardo a ser carregado), a análise que o livro faz das outras dimensões da vida acadêmica procura valorizar o mesmo tipo de abordagem: estamos falando, ao tratar da universidade, de um espaço de relações humanas e não apenas de um espaço de produção anônima de conhecimento.

A própria abordagem de conhecimento que se pode entrever pelos argumentos revela a preferência por uma ótica minimalista, uma vez que procura reconhecer que há uma diferença entre o "capital intelectual" (expressão que elas buscam no trabalho de Sheila Slaughter e Larry Leslie) -que pode ser submetido à lógica quantitativa de "conhecimento produzido" e sobretudo "mensurável"-, e a natureza do trabalho das humanidades -que muitas vezes não está na criação de conhecimento novo, mas no estabelecimento de relações e, sobretudo, na compreensão de aspectos da realidade que possam ter passado despercebidos. Nesse contexto, a importância do tempo para que uma ideia seja decantada e refinada não é um luxo, mas um imperativo. Como elas mesmas resumem:

Desacelerar tem a ver com afirmar a importância da contemplação, da conectividade, da fruição e da complexidade. Dá o sentido de a pesquisa tomar o tempo necessário para amadurecer e faz mais fácil resistir à pressão para acelerar. Dá o sentido de pensar na vida universitária como vida comunitária e não como competição. Dá sentido a períodos de descanso, uma compreensão de que pesquisa não funciona como máquina; há ritmos que incluem pausas e períodos que parecem improdutivos. Nos permite mudar da preocupação com o relatório anual para uma preocupação mais sustentável de longo prazo. E a importância da sustentabilidade vai além do indivíduo para a força do trabalho intelectual como um todo. (57)

Mas que ninguém se engane, porque a proposta do livro não é um retorno ingênuo a uma suposta "era dourada" das universidades em que havia tempo suficiente para tudo. As autoras são muito conscientes de que a aposta num modelo de vida acadêmica diferente do que vem sendo proposto/imposto pela "universidade corporativa" é uma ação de caráter e significado político. É por isso que deixam para o final do livro justamente o capítulo sobre "Colegialidade e comunidade". Da mesma maneira que, antes, foi reconhecido que os alunos não são uma massa anônima dentro da sala de aula e que o reconhecimento da existência de sentimentos no processo didático é fundamental para superarmos o stress, o foco na colegialidade é um reconhecimento de que, como qualquer comunidade humana, uma universidade pressupõe convivência e conflitos.

Os corredores do Departamento servem, nesse capítulo, de metáfora emblemática a respeito de como as relações pessoais se esvaziaram. As pessoas passam por eles e evitam demorar ou iniciar conversas. Em algumas universidades, elas mencionam, houve até a proposta de controlar a temperatura dos corredores como uma estratégia para facilitar as relações e criar um clima literalmente mais caloroso (81) -o resultado, evidentemente, foi um fracasso porque, uma vez mais, o foco estava desviado do elemento humano e centrado num aspecto quantificável, o único compreendido pela "universidade corporativa"-. E é claro que elas reconhecem que a criação de laços afetivos entre grupos humanos não é uma atividade nem fácil, nem controlável, mas que é uma das únicas saídas honestas para uma atividade (a intelectual) que se constrói tão fortemente sobre elementos emocionais (ainda que a maioria dos acadêmicos não o assuma): "está claro que acreditamos na agência individual, mas estamos longe de negligenciar a importância de fatores institucionais e políticos que estabelecem condições para nosso trabalho; o campus não é um espaço igualitário onde reitores 'renegados' trabalham para que professores iniciantes 'avancem na carreira'" (78).

A aposta mais importante está, portanto, no trabalho colaborativo. A prova mais importante que elas apresentam é o próprio livro. Elas reconhecem como verdadeira a afirmação de Jane Tompkins de que "você não pode colocar uma boa conversa no currículo" (85) mas, ao mesmo tempo, chamam a atenção para o fato de que o projeto de escrever este livro em específico (e fazem questão de marcar ironicamente que ele vai com certeza para seus currículos) teve sua origem em uma conversa de corredor, que depois se expandiu para uma conversa entre outros colegas. Assim como o movimento Slow insiste na necessidade de convívio e compartilhamento da comida, que deve ser desfrutada, quando possível, de forma coletiva, como oportunidade para interação, elas insistem na importância da "convivialidade de pensar junto" (89).

Pensar em conjunto é uma possibilidade material. A evidência é o livro que escreveram, no qual, elas admitem, não conseguem mais ter certeza de quê foi exatamente escrito por quem, sobretudo nas partes em que a colaboração foi mais estreita, como a introdução e a conclusão. Certamente essa é uma impressão que só pode vir de dentro do campo dos estudos literários e culturais, onde a sensação de "autoria individual", de trabalho solitário de leitura e reflexão, muitas vezes é mais forte. Eu me pergunto se acaso as autoras viessem de outro campo de conhecimento, no qual a colaboração de equipes em laboratórios e a escrita coletiva de artigos e livros é muito mais comum, teriam uma impressão diferente do trabalho colaborativo, uma vez que, ao que me consta, a sensação de pressão e solidão não parece ser muito menor em departamentos de tecnologia.

Evidentemente a realidade descrita pelas autoras, apesar de preocupante, está longe de certos outros problemas vividos por acadêmicos sul-americanos com o avanço das políticas neoliberais, tais como cortes drásticos de verbas, sucateamento das universidades ou falta de espaço para a pesquisa e o debate. Mesmo assim, The Slow Professor tem alguma coisa a dizer para os professores universitários deste hemisfério.

O fato é que o livro realmente apresenta uma mudança de ponto de vista interessante em relação ao problema do stress entre acadêmicos. Em lugar de centrar-se nas mudanças que um professor pode fazer em suas atitudes para conformar-se ao sistema (representado pela maioria da bibliografia revista pelas autoras), assumindo-o como dado que não pode ser alterado, a opção é claramente pela compreensão de que organizações humanas são, antes de mais nada, humanas e, como tal, resultado de escolhas que sempre têm por trás pessoas e não "leis naturais". Eu estou quase tentado a usar a palavra "discursos", apesar de saber que há uma dificuldade enorme em admitir a sua existência quando lidamos com práticas sociais nas quais estamos diretamente imersos. É muito mais fácil identificar e reconhecer a produção de discursos escravocratas na literatura brasileira do século XIX, da qual mantemos confortável distância, do que reconhecer os discursos corporativistas que dão forma aos relatórios de atividade ou avaliações que nós mesmos produzimos para as instituições universitárias.

Nesse sentido, a leitura de The Slow Professor é interessante e reconfortante, quase como a conversa de corredor sugerida pelas autoras como fonte de empatia e de liberação do ritmo opressor dos compromissos universitários. É uma aposta otimista, mas não ingênua, na possibilidade de fazer uma efetiva mudança nas estruturas da vida acadêmica, não para resgatar um passado perdido, mas para criar uma universidade consciente de seu papel político nas mais diversas esferas de relações internas e externas.

1Disponível em www.slowfood.com.

2Esta e todas as traduções do inglês são minhas.

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