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Literatura: Teoría, Historia, Crítica

versão impressa ISSN 0123-5931

Lit. teor. hist. crit. vol.22 no.2 Bogotá jul./dez. 2020

https://doi.org/10.15446/lthc.v22n2.86092 

Artículos

A Universidade que aprisiona e a leitura que liberta em O desertor, de Manuel Inácio da Silva Alvarenga

La Universidad que aprisiona y la lectura que liberta en O desertor, de Manuel Inácio da Silva Alvarenga

The University that Imprisons and the Reading that Liberates in O desertor, by Manuel Inácio da Silva Alvarenga

Cleiry de Oliveira Carvalho1 

1 Brasilia, Brasil cleirycarvalho@yahoo.com.br


Resumo

Analisar O desertor pode favorecer a compreensão do lugar e função da formação na estrutura social brasileira, e de sua expressão cultural. Silva Alvarenga parte, nesse poema, do projeto educacional jesuítico visto como problema, e apresenta as reformas pombalinas como boa resposta emergencial. Para tanto, transgredindo a convenção neoclássica, o poeta rompe com as formas poéticas tradicionais, tal como em Coimbra o Marquês de Pombal suprimia os velhos estatutos da Universidade fundada na Escolástica. Assim, se os alunos da Universidade rejeitaram as inovações de Pombal porque elas os privavam de liberdade, igualmente o poema de Silva Alvarenga, por se libertar da forma "fechada" dos versos, rimas e estrofes tradicionais, será repelido por todos quantos não estavam preparados para as inovações que o poeta introduziu na forma do poema.

Palavras-chave: educação; leitor; Manuel Inácio da Silva Alvarenga; O desertor

Resumen

Analizar O desertor favorece a la comprensión del lugar y la función de la educación en la estructura social brasileña y de su expresión cultural. Silva Alvarenga parte en este poema del proyecto educativo jesuita, visto como un problema, y presenta las reformas pombalinas como una buena respuesta a la emergencia. Para esto, al transgredir la convención neoclásica, el poeta rompe con las formas poéticas tradicionales, al igual que en Coimbra el marqués de Pombal suprimió los antiguos estatutos de la Universidad, fundada en la escolástica. Así, si los estudiantes de la Universidad rechazaron las innovaciones de Pombal porque los privaba de la libertad, del mismo modo, el poema de Silva Alvarenga, por liberarse de la forma "cerrada" de versos, rimas y estrofas tradicionales, será rechazado por todos aquellos que no estaban preparados para las innovaciones que el poeta introdujo en la forma del poema.

Palabras clave: educación; lector; Manuel Inácio da Silva Alvarenga; O desertor

Abstract

Analyzing O desertor may promote the advancement of the understanding of the place and function of formation in the Brazilian social structure, and of its cultural expression. Silva Alvarenga premises the poem on the Jesuitical educational project, perceived as problematic, and presents Pombal's reforms as a good emergency response. To that end, transgressing the neoclassic convention, the poet breaks off from the traditional poetic forms, just as in Coimbra the Marquis of Pombal suppressed the outdated statutes of the University, founded on Scholasticism. Thus, if the students of the University rejected Pombal's innovations because they deprived them of freedom, likewise, the poem by Silva Alvarenga, by freeing itself from the "closed" form of the traditional verses, rhymes and stanzas, will be repelled by all those not prepared for the innovations that the poet introduced in the form of the poem.

Keywords: education; reader; Manuel Inácio da Silva Alvarenga; O desertor

NESTE ARTIGO DISCUTO O MODO como o diálogo entre poesia e pensamento se configuram narrativamente em O desertor de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, explicitando as contradições inerentes a uma formação humana. O desertor1 é um poema herói-cômico que permite pensar nas defesas de Silva Alvarenga enquanto ilustrado e, simultaneamente, à luz da história, entender não somente as possibilidades que a via educacional abria à formação do estudante, mas também como isso contribui para a formação da nação. Importa frisar que esse poema opõe dois tipos de leitura que possibilitam a formação dos estudantes. A personagem desertora, Gonçalo, representa as obras consideradas, pelo narrador do poema, impróprias para a formação universitária; enquanto isso o narrador faz referências de obras apropriadas, demonstrando possuir uma formação alicerçada nas obras clássicas. Essa oposição entre escolhas de leituras aponta para um leitor ideal antitético ao representado - um índice de quanto é densa a sátira que o poeta elabora. Também serve para situar a imensa Ignorância de Tibúrcio, este, diante das leituras de Gonçalo, não é capaz de perceber o quanto elas são fáceis, primárias e reage como se fossem leituras sérias e, ainda assim, Tibúrcio avalia que os livros não servem para mudar o mundo. Fato esse que corrobora a sátira por serem obras, na visão do narrador, incapazes de mudar qualquer coisa.

Outra situação que merece ser pontuada é o fato de a Universidade estar preparada para infiltrar em terrenos férteis como água cristalina, mas é incapaz de penetrar em terrenos não preparados, ou seja, a Universidade "não é água que bate em pedra dura até furar", ela só produz algum efeito quando encontra o discípulo pronto. Por si só ela não o produz.

Essas zombarias do narrador demonstram o quanto há de política nessa sátira. Vale destacar que tal qual Gonçalo deserta da Universidade, a meu ver, Silva Alvarenga, também estudante, deserta da tradição da forma. Tanto um quanto o outro sabem o que estão fazendo e não estão dispostos a dizer amém para as tradições, o primeiro de obedecer ao Tio, que tal qual o Marquês de Pombal é autoritário e não permite que o sobrinho rejeite o traçado por ele; o segundo por conhecer a forma e a implodir.

Qual é o perfil de formação ideal do homem luso-brasileiro? Será possível encontrá-lo representado na obra do ilustrado? O percurso efetuado pelo herói-cômico Gonçalo permite antever um ideal projetado que atenda a essa demanda?

Ana Rosa Cloclet da Silva defende que a ideia de formação do homem luso-brasileiro:

vinha carregada de toda uma significância impingida pelas experiências políticas daqueles primeiros ilustrados setecentistas, definindo-se, em grande medida, fora da esfera meramente acadêmica e num contexto de preocupações ditadas pelas próprias especificidades de Portugal no plano das relações internacionais. (4)

Silva Alvarenga representa nas esferas acadêmica e literária o seu culto ao projeto pombalino e debita na conta dos jesuítas o papel exercido pela ignorância. Na prática, a situação se resolveu diante de um atropelo. Extirpado o ensino existente resta preencher a lacuna com o projeto do "ideal de homem".

Carlota Boto, em sua tese, afirma que

um dos aspectos que dificultava o aprendizado dos alunos era a necessidade, expressa pelo regulamento jesuítico de que os jovens aprendessem a gramática da própria língua, valendo-se, para tanto, de uma língua morta. Era em latim que os jesuítas ensinavam as normas gramaticais da língua portuguesa. Para os ilustrados do período, tal método seria, antes de tudo, irracional. Por isso a ênfase na necessidade de se aprender a língua vernácula,2 em primeiro lugar, valendo-se dela como método. Apenas isso já abreviaria o tempo destinado ao aprendizado e proporcionaria maior eficácia nos estudos. (Instrução 47)

Tempo é eficácia. O nosso jovem ilustrado estava em acordo com o que entendia ser a nova reforma.

Em "Retrato da educação no Brasil império", fica claro que não houve um projeto de formação para os novos educadores:

Com a justificativa de que o ensino jesuítico não atendia aos interesses de Portugal, a eliminação radical da educação escolástica acabou piorando o que já era ruim. Como herdeiros da educação jesuítica, os novos professores tentam manter as mesmas atividades da instrução desenvolvidas pelos padres, da organização curricular até o uso das normas disciplinares. (Etchebéhère Junior e Brandão Pinto 5)

Muda-se o nome, mas as aulas são as mesmas já que falta formação adequada para o novo projeto educacional. Ainda assim, não há dúvidas de que Pombal representa mudança para o Brasil, mas são mudanças autoritárias e sem preocupação com os reais resultados para a educação. Pombal representa a educação nas mãos do Estado, mas sem os devidos investimentos. Com as lentes do último século o papel desempenhado pelas mudanças efetuadas pelo Marquês alerta para os desejos de mudança a qualquer preço e sem preparação que possa ser testada em uma particularidade.

Vejamos como a crítica recebeu a obra de Silva Alvarenga.

Em 1905, no Tratado de versificação de Bilac e Passos, o autor é mencionado: "São poemas herói-cômicos [...] O desertor das letras, de Silva Alvarenga, e O Reino da Estupidez, de Domingos Caldas Barbosa"3 (113). Em 1915 José Veríssimo publicou História da literatura brasileira e, nessa obra, ao tratar dos "Aspectos literários do século xvm" apresenta Silva Alvarenga como um dos autores da plêiade mineira que merecia ser destacado (89). Veríssimo pontua que Silva Alvarenga foi "um dos mais fecundos e melhores poetas da plêiade mineira. Desde O desertor das letras, o seu poema herói-cômico contra o carrancismo do ensino universitário, não cessou de versejar" (107). Segundo Veríssimo, Silva Alvarenga deu "azo às hipóteses e imaginações" e foi o mais moderno do seu grupo, o mais livre e, ao mesmo tempo, consciente da "emancipação produzida em certos espíritos pela política anti-jesuítica do Pombal" (107).

Em 1962 Silva Alvarenga recebe um olhar mais detido, apesar de ainda me parecer exíguo, de Antonio Candido em Formação da literatura brasileira. O autor apresenta o poema satírico e herói-cômico para, em seguida, tratar em um curto capítulo, de duas obras: O desertor e O Reino da Estupidez,4 atribuído a Francisco de Melo Franco. Desconfio que o crítico faz uso de ironia na apresentação já no primeiro parágrafo de "O desertor e O Reino da Estupidez":

destes dois poemas herói-cômicos, feitos para defender a reforma da Universidade e atacar o ensino escolástico, formando os três [Uraguai, O desertor e O Reino da Estupidez] uma espécie de tributo às medidas transformadoras, como se um gênio oculto insinuasse aos rapazes ultramarinos que elas abriam perspectivas favoráveis à superação do estatuto colonial, que ia se tornando um outro arcaísmo.5 (149)

Candido parece-me ironizar o "poder" da pena dos três autores. Infiro que seja porque a história tenha permitido a ele julgar o passado com as ferramentas do presente. De qualquer forma, destaco, desse trabalho de Candido, a informação nova em relação aos leitores anteriores desses autores, a afirmação da correspondência ao pombalismo em duas vertentes: a educacional e a literária. Esse aspecto chama atenção principalmente por analisar no objeto literário a presença da educação e, a obra em questão dá início ao que se pode fluir da história relacionada à formação da nação por apresentar uma sátira à pedagogia da Escolástica6 e adesão à reforma da Universidade de Coimbra. E também por entender O desertor7 como um marco dessa temática.

O mesmo crítico, ao abordar O desertor e O Reino da Estupidez, se manifesta comparativamente e trata do pombalismo educacional:

N'O Reino da Estupidez em vão procuraremos trechos análogos de poesia repousante: dominam os valores de prosa, visados então pela poesia de cunho didático. O verso é pobre, seco, não raro malsoante; mas a invenção, embora limitada, é viva e ferina. Extravasando muito mais que O desertor a convenção do poema herói-cômico, entra pela sátira, pelo panfleto ideológico, alvejando com humor sarcástico a Universidade, novamente rotinizada após a sacudidela da Reforma, violenta, mas breve e incompleta. (Formação 151)

Deduzo que para o crítico, se comparado a Uraguai e O Reino da Estupidez, O desertor não se sustenta enquanto poema herói-cômico. Aliás, cotejar as duas obras parece sustentar o trabalho crítico de uma porção de estudiosos. Mais à frente se dará a ver que Zilberman e Lajolo também tratam dos dois em um mesmo tópico. Antes disso, porém, Candido, em Literatura e Sociedade, no capítulo "Letras e ideias no período colonial", publicado depois de Formação, novamente trata de O desertor usando o mesmo método:

Algo moderno parecia acontecer; e os escritores do Brasil se destacam no ciclo do pombalismo literário, com o Uraguai, de Basílio da Gama, justificando a luta contra os jesuítas; O desertor, de Silva Alvarenga, celebrando a reforma da Universidade; O Reino da Estupidez, de Francisco de Melo e Franco, atacando a reação do tempo de D. Maria I. (96)

Não posso negar que antes desse trecho, no mesmo parágrafo, há uma crítica que atinge todos eles: "para uma Colônia habituada à tirania e carência de liberdade, pouco pesaria o despotismo de Pombal" (Candido, Literatura 95). Sendo Alvarenga progressista e pombalino, só vai ficar desprotegido após a queda de Pombal, mas ele era convicto dos seus ideais. Candido pontua sobre o autor de O desertor que ele "apoia a reforma da Universidade, atacando os velhos métodos escolásticos: e, pela vida afora, mesmo após a reação que sucedeu a queda de Pombal, continuou fiel as suas tendências ilustradas, em poemas didáticos" (Literatura 100).

Em 1970 Alfredo Bosi publica História concisa da literatura brasileira e, ao tratar da "Arcádia e Ilustração", distingue dois momentos: o poético e o ideológico, sendo a "Arcádia" o momento poético e a "Ilustração" o momento ideológico dos autores setecentistas. Antes, Bosi afirma: "E é sempre necessário distinguir um nativismo dinâmico, que integra o ambiente e o homem na fantasia poética (Basílio da Gama, Silva Alvarenga, Sousa Caldas)" (12). E ao discriminar "poético" e "ideológico" Bosi (55) pontua o engajamento pombalino da época e conclui que Silva Alvarenga faz uma sátira política aberta em O desertor. Tendo em mente Silva Alvarenga e outros autores dos temas árcades, esclarece: "E sem dúvida foram as teses ilustradas, que clandestinamente entraram a formar a bagagem ideológica dos nossos árcades" (59). Ao tratar dos árcades ilustrados Bosi o faz comparando Gonzaga, Silva Alvarenga e Alvarenga Peixoto. O tratamento dedicado a Silva Alvarenga fica restrito a obra Glaura e o rondó. E O desertor é mencionado na nota de rodapé bibliográfica: "defendeu com ardor a nova política educacional do Marquês, como testemunha o seu poemeto herói-cômico, O desertor, sátira da rançosa pedagogia coimbrã" (78). Na concepção de Benedetto Croce, usada por Bosi, "a rigor, entre a Glaura de Silva Alvarenga e os Primeiros cantos (1846) de Gonçalves Dias não veio à luz nenhuma obra que merecesse plenamente o título de poética" (80). Opinião reafirmada algumas páginas depois: "de Glaura de Silva Alvarenga aos Primeiros cantos não se escreveu no Brasil nada digno do nome de poesia" (105).

E o século XXI trouxe novos olhares para O desertor. Uma das contribuições é a interpretação da Ignorância na pele de Tibúrcio. Para Paulo Giovani de Oliveira

O antijesuitismo toma ares de crítica à crendice extrema quando Tibúrcio promete a felicidade e o ócio na região - "fértil em queijos, fértil em tremoços" - da Mioselha, onde poderiam viver do que lhes ofereceria graciosamente a natureza e ocupar seu tempo "[...] de romaria em romaria". Sem maiores dificuldades para convencer o interlocutor, Tibúrcio já o vê persuadido a abandonar os trabalhos estudantis. (93)

Certamente Tibúrcio é o reforço que Gonçalo precisava, ele estava tão tomado pela preguiça que carecia de ajuda, alguém mais empenhando na mudança de ares. Até para desertar é preciso ter coragem. E sem as garantias de Tibúrcio que o ajudaria defendendo-o, era perigoso Gonçalo continuar entre os muros e tornar-se doutor, por pura falta de iniciativa.

Na mesma linha de Bosi, Péricles Pedrosa Lima afirma sobre autor e obra:

Foi um dos grandes defensores da reforma pombalina do ensino universitário concretizada em 1772. Antes de formado escreveu O desertor das Letras (1774), um poema herói-cômico de escasso valor que ressalta a reforma universitária de Pombal e critica o sistema vigente até à renovação a Universidade.8 (94-95)

No trabalho desenvolvido por Lima o objetivo maior é "identificar os académicos de origem brasileira que fizeram parte do quadro de sócios da Academia Real de Ciências de Lisboa a partir de sua fundação em 1779 até o ano de 1822", mas o autor também informa que faz "uma interpretação das obras que a Academia Real de Ciências de Lisboa publicou". E nessa interpretação, tem-se o resultado: "um poema herói-cômico de escasso valor" (94).

Na contramão, Ivan Teixeira já havia publicado defesa de O desertor:

Esse poema, contendo uma riquíssima alegoria cultural, decorre do propósito histórico de celebrar a reforma da Universidade de Coimbra (1772). Mal lido pela crítica romântica, seria depois sistematicamente acusado de limitação temática. [...] não podendo satisfazer aos anseios das abstrações universalizantes dos temas românticos e neo românticos, O desertor seria praticamente apagado da história literária. (157)

Muitos foram os que escreveram sobre O desertor, dos mais antigos aos mais recentes, e parece perdurar uma repetição de olhares sem que, no entanto, esses olhares sejam expostos e fundamentados. Não se pode dizer, apesar da crítica quase sempre negativa e sem aprofundamento, que O desertor seja uma obra esquecida no tempo.

Francisco Topa formaliza uma crítica à ignorância do papel desempenhando pelo autor na poesia brasileira:

[E]mbora Alvarenga tenha praticado quase todos os gêneros da poesia neoclássica, e a sua obra seja talvez a mais diversificada desta fase de formação da poesia brasileira, escassa atenção tem sido dedicada a aspectos tão importantes da sua poesia como as reflexões sobre questões de teoria e crítica literária ou a defesa de princípios ilustrados, geralmente associada ao elogio da ação reformadora do Marques de Pombal. (Para uma edição 14)

Segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman, em O desertor: "A crítica à falta de instrução e seus efeitos sobre os letrados [...] celebra a ascensão de Pombal, que encurralou a ignorância e a obrigou a buscar outro refúgio" (34). Para mim a Ignorância não foi encurralada, ao contrário, teve sua morada garantida nas escolhas que as personagens fizeram. Tirar a Ignorância da Universidade seria vencê-la em seus muros, internamente, a deserção dos alunos que a representam só faz com que a Ignorância vá residir em outro espaço.

Interessa frisar que na comparação com O Reino da Estupidez, as autoras afirmam que o novo refúgio não se concretiza:

A crítica à Universidade elaborada por Silva Alvarenga retorna em O Reino da Estupidez, poema igualmente satírico [...] Melo Franco e Silva Alvarenga combatem inimigos comuns: a ignorância, a má vontade para com os livros e o atraso do ambiente intelectual português. Dirigem sua atenção para um foco até então ausente ou pouco assíduo em termos de matéria literária: a Universidade ou o ensino de modo geral, aspecto pelo qual se irmanam mais do que nunca a Pombal e à reforma em curso.9 (37)

Parece-me que ler O desertor dialogando com O Reino da Estupidez possibilita a leitura esperançosa de que por um momento a Ignorância foi vencida enquanto Pombal detinha o poder, mas creio tratar-se só de um desejo; a Ignorância fora da Universidade em O desertor não se trata de esperança, mas de recusa ao projeto de Pombal.

Dois desses inimigos comuns - Ignorância e má vontade com os livros - representam a matéria-prima da interpretação de O desertor que virá adiante. Outra razão é a defesa da ciência e o direito à educação crítica, a visão de que basta reformular as instituições que as mudanças positivas acontecerão. Tanto um autor quanto outro verão que esse "atraso" é alimentado politicamente e usado como barganha.

Segundo Lajolo e Zilberman, os dois poetas, ao adotarem um modelo de pombalismo literário engajado, registram o endosso ao programa de Pombal e revelam as limitações do projeto educacional, revelam as questões políticas envolvidas, a disputa de poder e a queda de braço: Pombal cai e cai consigo sua reformulação. No entanto, o aparente otimismo de O desertor comunga do entendimento de que O Reino da Estupidez não será, ao fim e ao cabo, superado: na deserção sem retorno de Gonçalo podemos ler uma intuição do malogro do novo programa em seu combate aos velhos padrões.

Quase dois séculos e meio depois de ser publicado, o poema herói-cômico recebe uma edição que possibilita outras leituras da obra. Trata-se de prova de que, estudado com o necessário rigor, O desertor pode reverter em grande extensão o entendimento crítico dominante de que essa obra foge de um contexto literário de valor. Ronald Polito e Joaci Pereira Furtado apresentam um trabalho minucioso voltado para a história e a crítica dessa obra:

A recepção crítica do poema também não é homogênea, ressaltando-se três posições mais frequentes: as que negam ao poema praticamente qualquer validade estética; as que adotam um meio-termo e verificam nele alguma relevância estética ou histórica; as que tentam retirá-lo do limbo a que foi lançado, buscando afirmar sua importância. De longe, a primeira postura é a mais frequente, tanto quanto são raros os que pertencem às outras orientações. (16)

A introdução de Polito é rica em informações e esclarecimentos:

O desertor, de Silva Alvarenga, tem o mérito de ser o primeiro poema especificamente herói-cômico que tematiza a vida estudantil. Evidentemente, não foi elaborado por acaso, mas seguindo já uma pequena tradição da produção satírica dos estudantes da Universidade de Coimbra que, no mínimo desde 1746, passaram a publicar poemas, vários deles macarrônicos, ironizando a vida do universitário coimbrão.10 (29)

Alegra-me saber que existia uma tradição de publicação ironizando a vida do universitário coimbrão. A ironia significa muito em uma produção acadêmica. Dizer o contrário do que se quer dizer é uma tarefa que envolve algum discernimento e não seria possível a um desertor das letras. Tratase de uma obra sobre a vida estudantil que acontece fora dos muros da Universidade e uma demonstração negativa do papel do estudante coimbrão. Sobre a reforma da Universidade de Coimbra a pesquisa de Polito afirma que:

[G]erou diversas reações. Uma delas foi o elogio do projeto de Pombal, expresso em mais de um autor do Arcadismo luso-americano. Não apenas Silva Alvarenga homenageia a reforma, como também Antônio Diniz da Cruz e Silva o faz em vários poemas, nos quais se posiciona contra a filosofia peripatética e defende o experimentalismo no ensino. (30)

Bem sabemos que sempre há quem defenda e sempre há quem acuse. Nesse caso específico, para os representantes da Igreja, não houve tempo de defender-se, foram logo expulsos os jesuítas e tiveram os seus bens confiscados.

Gustavo Henrique Tuna, ao buscar compreender em que medida Silva Alvarenga pode ser considerado um representante do ideário ilustrado na América portuguesa, excursiona pela obra do autor e pelos rastros deixados por sua vida.

O poeta, ao fazer o elogio do "sábio" e "justo" reitor Francisco de Lemos Coutinho na última estrofe de sua composição, ressaltando os "aprazíveis campos" que seriam fecundados com a Reforma e dos quais brotariam novos frutos ao reino, posiciona Gonçalo como um desertor das letras e, por conseguinte, como um indivíduo que se esquivou de ser parte ativa de uma instituição que se modificava para melhor executar a sua função de coração do Estado.11 (63)

A situação de Gonçalo de fato é de recusa ao projeto de Pombal. Creio, porém, que ler a ausência dele na condição de esquiva a uma Universidade modificada ainda é pouco no sentido complexo que essa personagem abarca. Dado que a luz da sabedoria defendida não é capaz de iluminar a escuridão que a ignorância denuncia. Fosse o projeto do Marquês de Pombal de fato pensado para levar "luzes" a essa escuridão alimentada pela ignorância, o iluminismo presente não seria mais um poder ao Estado: a educação nas mãos do Estado. Quanto a sua função de coração do Estado? Não se trata de fisiologia cardíaca. Porém, o sangue que precisa ser bombeado tem que permitir mais eficiência e agilidade à máquina administrativa do Estado. Não só, é preciso aumentar a arrecadação e isso implica cobrar os impostos devidos ao Estado. Importante lembrar que a expulsão dos jesuítas era vital para o Estado português, a eles era atribuída a resistência dos indígenas brasileiros. Na interpretação de Carlota Boto

Pombal desejava a miscigenação para estabelecer o povoamento brasileiro, sem que, para tanto, ocorresse uma grande emigração dos portugueses. Era preciso, por todas as razões, retirar os jesuítas do controle das terras e das nações indígenas. Era necessário traçar a fronteira brasileira. O Estado necessitava disso. A coesão do Brasil significava naquele momento a força de Portugal. ("A dimensão" 296)

Em "A reforma pombalina dos estatutos da Universidade de Coimbra: concepção de ciência e estratégia pedagógica", Carlota Boto volta a questão: "Há uma pedagogia do ensino universitário que pode ser depreendida da orientação dos documentos pombalinos, bem como das reflexões pedagógicas anteriores, levadas a cabo pelos homens da Ilustração portuguesa" ("A reforma" 61).

Como defende Candido, "é no passado imediato e remoto que percebemos as linhas do presente" (Formação 142). Vejamos: a base conceitual é "a forma como sedimentação do conteúdo" ou, com as palavras de Antonio Candido, como a dimensão sócio-histórica se internaliza em forma estética. Isso estabelecido como direcionamento de minha análise, a pergunta seguinte deve ser: qual é a forma dessa obra de Silva Alvarenga? Parto do seguinte pressuposto: trata-se de uma narrativa e de uma narrativa em verso. No entanto, preciso pontuar, a questão do gênero literário de O desertor tem recebido olhares interpretativos que questionam essa afirmação.

Hênio Tavares assim define Poema herói-cômico: "É uma composição em estilo solene e heroico que encerra um assunto banal e ridículo" (265). Entendo, no caso de O desertor, o fato de o estilo ser solene, mas penso que Silva Alvarenga ao banalizar e ridicularizar os jovens que rejeitam a Universidade, produz um efeito inverso: a valoração da Universidade. Destaco que Tavares também reproduz opinião negativa a respeito do mérito da obra. Diz ele: "'O desertor das Letras', de Silva Alvarenga. [... ] É uma obra em decassílabos brancos e sem nenhum mérito literário, conforme unanimidade da crítica"12 (266).

Salvo engano, não há nenhum crítico dessa tal "unanimidade" que após uma leitura apurada dessa obra de Silva Alvarenga se dispôs a demonstrar, a partir de um estudo analítico do poema, essa tão famigerada crítica de que não há "nenhum mérito literário" em O desertor. Insisto nessa tecla por entender que os leitores críticos que condenavam Silva Alvarenga estavam presos a forma tradicional do poema e não aceitaram as inovações apresentadas por ele em O desertor.

Quanto à clareza e à obscuridade, relevantes ao significado da obra de Silva Alvarenga, destaco a contribuição de Lucas Bento Pugliesi em "Clarezas (e obscuridades) d'O desertor de Silva Alvarenga":

O poema de Silva Alvarenga ao imitar, sobretudo, o modelo épico grego na disposição dos versos brancos e na proliferação de epítetos que Lusitano veria como desnecessários para a economia da boa razão do poema, mas também ao imitar O Uraguai de Basílio da Gama que havia feito o mesmo antes dele, torna possível carregar consigo algo desses traços reprováveis, se não bastasse já a emulação paródica de gênero misto cuja teorização é esparsa, potencialmente infringindo as regras do bem fazer da poesia. (83)

Ao conhecer as regras e deliberadamente infringi-las, o poeta está testando os limites do fazer poesia e ao fazer uso dessa infração também ele deserta das regras e demonstra ao fim e ao cabo que as teorias podem e devem ser questionadas. Que os modelos dados podem ser subvertidos, por isso o poema apresenta uma narrativa em um caminho inverso: a deserção levará a lição que mostra o "ridículo" atingindo o "fim da verdadeira poesia".

As clarezas e obscuridades apontadas por Pugliesi são significativas:

As claridades se multiplicam também quando o amplo quadro à inteligência se refunde em câmara de proveitos, em cenas sucessivas de brilho e intensidade. Nessas passagens que atravancam a leitura e a interpretação, perfaz-se, contra as luzes, obscuridades. [...] O desertor ao não se desfazer por completo das doutrinas retóricas seiscentistas, produzindo, por vezes, metáforas agudíssimas engendra o público culto dos formandos em Coimbra, capazes de experimentar o deleite da maravilha obscura. Contudo, no esquema geral do poema, permanece a claridade do projeto didático e civilizador que deverá evidenciar ao "povo", unidade inventada no século xviu, os vícios e as virtudes. (89)

O projeto didático é a luz da Verdade. A Ignorância corresponde a escuridão a ser vencida ao fim da viagem.

Meses depois da publicação de Pugliesi, Samuel Carlos de Melo publica: "Ambiguidade nas luzes: Silva Alvarenga e o poema herói-cômico no século XVIII". Nesse trabalho o autor retoma o trabalho publicado em 2016 e reapresenta análise das tensões observadas por ele na obra:

O desertor, cunhado como um poema herói-cômico, por característica do próprio subgênero, já carrega uma tensão. [...]. Esta estruturação já compõe uma dialética em que, de um lado, está a ideologia clássica, de afirmação do pensamento aristocrata, representada pelos elementos narrativos do poema épico e, de outro, o anti-herói, avesso à manutenção dos costumes clássicos, da qual, como síntese, tem-se o riso, que, por sua vez, pode ser de sentido plural.

[...] O desertor carrega alterações significativas em elementos de sua economia, afastando-se. É o que se observa, por exemplo, no distanciamento do preceito herói-cômico ao não abordar uma futilidade, mas, ao contrário, questionar vícios, como a preguiça e a ignorância, defendendo o valor do estudo e da transformação da Universidade, buscando corrigir e orientar.13 (152)

Tenho dúvidas e por isso não reafirmo Melo quando esse observa um distanciamento "ao não abordar uma futilidade". Vejamos. No meu percurso de leitura a viagem é uma futilidade quando o seu contraponto é a Universidade, essa sim é de utilidade para a transformação de Gonçalo e seus companheiros de viagem. Sendo a base da narrativa a viagem, entendo que Silva Alvarenga aborda sim o fútil para chegar ao útil. E nesses termos o fútil ainda abarca todos os vícios e o útil todas as virtudes. Um dos vícios que destaco aqui é o do Gonçalo leitor. Afinal, como é a relação de Gonçalo com os livros? Como pensar esse jovem que deserta da Universidade do Marquês de Pombal?

Primeiro há a indagação do "por que Gonçalo renuncia os livros". Nesse momento, os livros são os da Universidade e ele está desertando. Depois Tibúrcio chama a atenção de Gonçalo por estar lendo e em tom acusativo indaga: "Que esperas tu dos livros?" Não bastasse, os livros lidos por Gonçalo não garantem a ele a superação dos vícios, principalmente o vício de leitor, daquele que faz repetidas vezes a mesma leitura e não se permite adentrar a terreno desconhecido.

Gonçalo, que foi sempre desejoso

Da mais bela instrução, lia, e relia

Ora os longos acasos de Rosaura,

Ora as tristes desgraças de Florinda. (Alvarenga, O desertor Canto I, 80-81, v. 128-131)

Ao pensar no processo que Gonçalo efetua na condição de leitor é preciso pontuar que ao buscar sempre as mesmas obras, lendo-as e relendo-as, significa que ele ainda não assimilou todo o conteúdo dessas obras, por isso os mesmos livros; aparentemente na perspectiva de assimilar todos os aspectos, ou, como se trata de um jovem e inexperiente leitor universitário, fazer com que as fantasias permitidas por tais romances possibilitem vivências e experiências conforme a quantidade de leituras que ele repetidamente faz. Se esse é o leitor Gonçalo, o universo do qual ele foge não faz, de fato, muito sentido a ele.

A viagem dos jovens estudantes caracteriza a preocupação com a ação pedagógica que pode levar ao esclarecimento e, também, com as instituições educacionais que assumem as ações pedagógicas. No primeiro caso a viagem (fútil por fugirem do conhecimento) passa a ser uma ação pedagógica, no segundo (o útil) só a reforma pombalina garante que seja possível vencer a Ignorância. Afinal, a Ignorância seduz os estudantes por ser facilmente alcançada; basta juntar a Ociosidade e a Preguiça, que a Ignorância se mantém. O poema e a viagem são instrumentos educativos, e estão aliados aos princípios de desenvolvimento científico defendidos pelos ilustrados.

Sem me prender totalmente à forma nem ao conteúdo, a pergunta que nasce é: existe um conflito entre tom e matéria?

No Canto i do poema herói-cômico o autor fez uso de dezoito blocos, não há uma constância no número de versos, desses, para exemplificar, nove blocos possuem menos de dez versos, cinco blocos possuem mais de trinta e os quatro blocos restantes ficam acima de treze e abaixo de vinte quatro versos - todos decassílabos heroicos. De modo conciso o poema apresenta: cinco cantos, setenta blocos e 1439 versos.

Qual o tom? Qual a matéria? É possível confiar no discurso do poeta? Assim se defende Silva Alvarenga em seu "Discurso sobre o poema herói--cômico" que antecede o poema:

[T]ambém o hábil Poeta deve escolher para a sua imitação ações conducentes ao fim que se propõe: por isso o Épico, que pretende inspirar a admiração, e o amor da virtude, imita uma ação na qual possam aparecer brilhantes o valor, a piedade, a constância, a prudência, o amor da Pátria, a veneração dos Príncipes, o respeito das Leis, e os sentimentos da humanidade. [.] enquanto o Cômico acha nas ações vulgares um dilatado campo à irrisão, com que repreende os vícios.14 (O desertor 72)

O tom adotado é uma mistura da forma do épico com o conteúdo do cômico. Dado esse fato o Canto i começa com uma invocação, seguido da dedicatória e depois tem início a narração no 3° bloco do Canto I. Se no épico as ações positivas seriam cantadas, no caso de O desertor cantam-se a ignorância, o abuso, a preguiça, a soberba, a gula, a discórdia, a desordem, a traição.

A encenação das paixões, da ira, do vitupério, enquanto procedimento retórico, é persuasiva e educativa. Na verdade, a sátira tem aspecto moralizante, uma vez que o cômico está a serviço da ordem. De fato, embora ataque incisivamente membros particulares dos poderes constituídos da época, a sátira não se constrói como oposição a esses poderes. Na verdade, a rebeldia da persona satírica defende o costume, mostrando-se pedagógica na exposição do vício. (Daflon, "Uma pedagogía da escrita" 68)

São os vícios que delimitam as pautas das personagens, algumas virtudes estão presentes no desenvolvimento da narrativa do percurso feito por elas, mas aparecem desvirtuadas, aparecem por ausência. Destaco a relevância do papel político de Silva Alvarenga ao ter-se empenhado em defender a bandeira que acreditava ser inerente à modernização da sociedade: o desenvolvimento das ciências.

A atuação do poeta na condição de ilustrado apresenta, em O desertor, um caráter didático, e o caminho natural para falar e demonstrar que a necessidade do conhecimento da ciência se dá durante a viagem. O título dado a essa obra é apontado como pouco claro e por isso em diversas ocasiões, ao se referirem a esse poema, assim o chamavam: O desertor das letras. Bilac e Veríssimo, para ficar em dois já citados nesse trabalho, assim o fizeram. Do título faço uma leitura óbvia: o poema tematiza a viagem de um grupo de jovens alunos que abandonam a Universidade para irem para Mioselha. O lugar para o qual vão é da família do herói-cômico, Gonçalo, ao encontro do Tio dele. O verbo desertar é muito mais forte se comparado ao verbo abandonar devido ao fato de o primeiro ser muito usado para tratar de assuntos de guerra. Por si só já possui uma conotação negativa. Aquele que deserta não tem honra, não é responsável pelos compromissos assumidos. Desertar é crime. Quando se trata de um desertor das letras, essa deserção só deixará de ser um desvio de conduta se O desertor reassumir seu posto: o posto de aluno. Ninguém deserta e fica no lugar, por isso a viagem à Mioselha, por isso a fuga em bando. E, a um desertor das letras, a retaliação típica é condená-lo a voltar aos bancos da Universidade. Mas esperava-se que a viagem dos jovens desertores pudesse tornar-se o ensejo de aprender que a real "punição" é estar fora dos muros da Universidade. E como se não bastasse a deserção das letras, Gonçalo ainda padece de outro problema: o interesse por leituras desvalorizadas na academia.

Vejamos como Ronald Polito trata do título do poema:

O título O desertor, ainda que carregue na aparência conotações negativas, não move imediatamente ao riso, sendo mesmo enigmático a princípio. Silva Alvarenga também parece se distanciar, em parte, do preceito herói-cômico referente à futilidade do tema básico. Pelo contrário, um dos objetivos do poema é precisamente a defesa do valor do estudo e da reforma da Universidade, como bem observou Antonio Candido.15 (39)

Concordo que a ideia do jovem poeta era defender o valor do estudo, defender a reforma da Universidade. Mas, o que o poeta faz, é mostrar como um grupo de alunos foge da Universidade que ele defende e lá não volta nem sequer após serem escorraçados. Sendo o objetivo de Silva Alvarenga "a defesa do valor do estudo e da reforma da Universidade" creio que o jovem autor comete um desacerto com o uso d'O desertor. Esse desacerto já foi antecipado em partes quando tratei da forma tradicional e da Universidade tradicional, mas há um outro elemento que preciso pontuar. O que faz com que Gonçalo e seus colegas desertem? Desertar, apesar de ser associado a uma certa covardia, é um ato de ruptura com o pacto, seja ele implícito ou explícito. Gonçalo quando rompe com a possível formação acadêmica que a Universidade do Marquês de Pombal possibilita, demonstra que existem outros modos de viver sem ser aquele que a sociedade coimbrã defende. Desse modo, o poema exalta simultaneamente a reforma do Marquês de Pombal e sua antítese: a coragem daquele que deserta de algo que não corresponde ao que deseja e está ali apenas para cumprimento do esperado pelo outro; no caso de Gonçalo, esperado pelo Tio dele, personagem que não tem nome, mas a quem é conferida o medo de Gonçalo. Quando Gonçalo apanha e segue defendendo a Ignorância, mesmo após ter sonhando e sentido "a suave força da Verdade" (v. 180, 112), é possível entender que essa luz de suave Verdade é mais funesta e autoritária do que as sombras:

Esses muros, que a pérfida Ignorância

Infamou temerária com seus erros,

Cobertos hão de ser em poucos dias

Com eternos sinais de meus triunfos.

Eu sou quem de intrincados labirintos

Pôs em salvo a Razão ilesa, e pura.

Eu abri aos mortais os meus tesoiros:

Fiz chegar aos seus olhos quanto esconde

No seio imenso a fértil Natureza.

Pode uma destra mão por mim guiada

Descrever o caminho dos Planetas:

O mar descobre as causas do seu fluxo:

A Terra... mas que digo? Que ciência

Não fiz tornar às margens do Mondego,

Ou dentre os braços da Latina Gente,

Ou dos belos países, cujas praias

O mar azul por toda a parte lava? (Alvarenga, O desertor Canto IV, 110-111, v. 134-150)

Essa truculência, essa empáfia de que basta mudar de cima para baixo e tudo passa a ser como os poderosos presumem, é renegada por Gonçalo. Com a recusa do estudante entendo que, apesar de ser um estudante fraco na acadêmia, de alguma forma ele sabe que não se enquadrará nos novos muros. Serão muros ainda, são sempre muros. E permanecendo a razão ilesa e pura - e, sobretudo, devendo as ciências tornar não só às margens do Mondego, mas também aos braços da "latina gente" -, é irônico que os brasileiros filhos da "latina gente" que frequentaram as margens do Mondego, tenham se dado conta de que a razão "lesava" os cofres da colônia e a isso era preciso dar um basta.

Quanto ao preceito herói-cômico, o poeta está amparado para mudar a forma ou quebrar a expectativa quando anuncia em seu "Discurso sobre o poema herói-cômico":

Uns sujeitaram o poema herói-cômico a todos os preceitos da Epopeia, e quiseram que só diferisse pelo cômico da ação, e misturaram o ridículo, e o sublime de tal sorte, que servindo um de realce a outros, fizeram aparecer novas belezas em ambos os gêneros. Outros omitindo, ou talvez desprezando algumas regras, abriram novos caminhos à sua engenhosa fantasia, e mostraram disfarçada com inocentes graciosidades a crítica mais insinuante, como M. Gresset no seu Ververt. (Alvarenga, O desertor 73)

A inocente graciosidade de Silva Alvarenga é defender a Universidade fazendo desertar dela os alunos. Vamos lá: no verso 147 do Canto i o poeta alertou: "Forma, e mais forma: tudo enfim se acaba". Aqui começa o problema, pois O desertor constitui uma forma escolhida na tradição: os desvios formais concebidos pelo poeta em benefício de sua eficácia poética serão repudiados graças ao apego servil aos hábitos obscurantistas do meio social atrasado. Lida nessa chave, a obra mostra-se também uma alusão às práticas retóricas correntes. Há uma valoração do que já passou, ainda que essa superioridade formal esteja prestes a servir de anteparo ao que se acaba. O que a forma está sedimentando é, em primeiro lugar, essa camada histórica. Na qual se observa um conflito (formal, por suposto) entre o tom grandiloquente (exaltação) e a matéria baixa (personagens sem grandeza moral, destituídas das marcas de heroicidade como aquelas que se observam nas tragédias e nos poemas épicos ou simplesmente heroicos como O Uraguai de Basílio da Gama, ou O Caramuru, de Santa Rita Durão, ou, até, Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa).

Esse conflito entre tom e matéria, tem essa primeira sedimentação, que, no caso de O desertor, estará afetada, em sua espessura, por outro componente, que diz respeito ao tempo histórico projetado pela obra. Trata-se de uma característica que se desvia do modo herdado, ou seja, da composição sonora preferida pelos narradores poéticos dominantes (especialmente nas literaturas em língua portuguesa, cujo modelo é Camões), ou seja o uso da oitava real, ou oitava heroica (estrofes com oito versos cada uma, com a seguinte distribuição das rimas: ABABABCC).

Ao ler O desertor, fica claro que os versos se agrupam de modo continuado, formando grandes blocos, não formam estrofes reais e, além disso, se ligam sem rimas totais ou até mesmo sem rimas de espécie alguma, com ocorrência esporádica de rimas parciais vocálicas, que podem ser assonantes ou toantes. As rimas toantes são usadas desde o nascimento da língua portuguesa e, por serem bastante anciãs, de acordo com Hênio Tavares, "os romances antigos em versos acusam sua presença" (215).

Silva Alvarenga de fato rompeu com a tradição. São pouquíssimas rimas. Destaco duas ocorrências de rimas parciais vocálicas em O desertor:

Pobre resto de míseros vassalos

Não há mais que esperar. Já fui rainha:

Já fostes venturosos: não soframos

As injúrias, que o vulgo nos prepara: (Alvarenga, O desertor Canto I, 79, v. 83-86)

Forma, e mais forma: tudo enfim se acaba,

Ou se muda em pior. Que alegres dias

Não foram os de Maio, quando a estrada

Se enchia de Arrieiros, e Estudantes! (Alvarenga, O desertor Canto I, 81, v. 147-150)

Também tem a presença de hipérbato, encadeamento, aliteração e assonância. No fragmento abaixo observo as duas últimas:

Menos o puro amor, que a Deus se deve.

Aparecei famosa Academia16

De humildes, e Ignorantes, Eva, e Ave,

Báculo pastoral, e Flos Sanctorum,

E vós, ó Teoremas predicáveis,

Não tomeis o lugar, que é bem devido, (Alvarenga, O desertor Canto v, 124, v. 138-143)

Academia de humildes e Ignorantes; Eva e Ave; Báculo pastoral e Teoremas predicáveis, conforme Polito, são todos títulos de obras impressas por volta de 1600. No mesmo ano em que Polito faz destaque para as obras nomeadas por Silva Alvarenga, outro pesquisador tratou da importância delas:

O empenho e a citação nominal das obras julgadas perniciosas para o novo modelo de ensino que se instaurava ressalta a virulência com que o poeta ataca as manifestações do saber incluído no domínio jesuítico, o que torna o poema um importante instrumento de propagação do ideário das reformas do ministro de D. José I. (Oliveira 110)

Após o trabalho de Polito a questão das obras mencionadas no poema e a relação com a biblioteca primorosa de Silva Alvarenga, corrobora a crítica que ele faz no poema.

Na leitura do pesquisador:

Gonçalo chega enfim à casa do tio, que o tenta demover de seus princípios relaxados. Seus projetos, contudo, estão tão firmes quanto o "Pão de Assucar, /Namorado da formosa cidade, velho e forte". O tio, vendo baldadas as suas tentativas, além de lhe negar guarida, desfere-lhe duros golpes, que o deixam quase morto no chão. Depois de tantos trabalhos e aflições, quando esperava encontrar o descanso e o ócio, O desertor das Letras tem apenas no seu peito a glória de "trazer consigo a derrotada e estúpida ignorância". A persona arremata o poema exaltando uma vez mais a proteção "de um prelado ilustre/Prudente, pio, sábio, justo e firme/Defensor das sciencias, que renascem (...)", num procedimento que evidencia que o louvor encenado no poema não é apenas dirigido à pessoa de Pombal ou ao rei, mas aos movimentos da própria Monarquia em suas ações para modernizar seu aparelho educacional e burocrático. (Oliveira 111)

Nada é gratuito na construção da matéria. Façamos uma ponte para a Ignorância marcada já no Canto i:

Musas, cantai O desertor das letras,

Que, depois dos estragos da Ignorância,

Por longos, e duríssimos trabalhos

Conduziu sempre firme os companheiros

Desde o loiro Mondego aos Pátrios montes.

Em vão se opõem as luzes da Verdade

Ao fim, que já na ideia tem proposto:

E em vão do Tio as iras o ameaçam. (Alvarenga, O desertor Canto I, 75, v. 1-8)

Nesse primeiro bloco já se apresenta uma discordância traçada no curso de vida escolhido por Gonçalo, em relação ao esperado pelo Tio.17 Infiro que exista aí uma oposição mais moço e mais velho, cabendo ao mais velho a Ira em relação ao comportamento do sobrinho por este desprezar a oportunidade de vencer a Ignorância. Em outro momento, o já envelhecido Ambrósio, profetiza que os jovens pecam por não aproveitar os estudos. Diz ele:

É crível, que entre vós jamais se encontre

Um gênio dócil, sério, e moderado?

Isto deveis às letras? respondei-me,

Ou insultai também os meus cabelos

Da triste, e longa idade embranquecidos.

Julgais acaso, que o saber se infunde

Deixando o vosso nome assinalado

Pelos muros, e portas da Estalagem?

Ó néscia mocidade! é necessário

Muito tempo sofrer, gastando a vista

Na contínua lição, e sobre os livros

Passar do frio Inverno as longas noites. (Alvarenga, O desertor Canto II, 92, v. 107-118)

Trata-se aqui do estereótipo de que os mais velhos sabem o que é bom para os jovens. Ao dizer como era em sua época de estudante e não ter alcançado nenhuma glória, possibilita aos jovens viajantes projetarem-se no tempo e deduzirem os resultados:

E quando já tivésseis conseguido

De tão bela carreira os dignos prêmios,

Muito pouco sabeis, se inda vos falta

Essa grande Arte de viver no mundo,

Essa, que em todo o estado nos ensina

A ter moderação, honra, e prudência.

Eu também já na flor da mocidade Varri coa minha capa o pó da sala:

Eu também fui do rancho da carqueja,

Digno de fama, e digno de castigo.

Era então como vós. Jamais os livros

Me deveram cuidado, e me alegrava

Das noturnas empresas, dos distúrbios:

Os dias se passavam quase inteiros

Nos jogos, nos passeios, nas intrigas,

Que fomentam os ódios, e as vinganças.

Por isso estou no seio da miséria:

Por isso arrasto uma infeliz velhice

Sem honra, sem proveito, sem abrigo.

Tempo feliz da alegre mocidade!

Hoje encurvado sobre a sepultura

Eu choro em vão de vos haver perdido! (Alvarenga, O desertor Canto ii, 92-93, v. 119-140)

Ambrósio representa o lugar a chegar. É a fotografia do futuro de Gonçalo e seus companheiros revelada pelo caminho. A contraposição com Tibúrcio, jovem, destemido ao ponto de garantir amparo a Gonçalo quando esse tem receios de como será recebido pelo Tio, revela-o agora, a ação em curso e que precisa mudar para não terminar na condição de Ambrósio. Mas, no percurso da viagem narrativa, quais foram as tempestades colhidas por Gonçalo que resultaram no inverso do esperado por ele? Como "a nova herança dum morgado" (Alvarenga, O desertor Canto i, 85, v. 266) termina por ser o "puxão" de orelha do Tio? A quem serve a lição que recebeu Gonçalo?

"A imitação da Natureza, em que consiste toda a força da Poesia, é o meio mais eficaz para mover, e deleitar os homens" (Alvarenga, O desertor 71). A viagem dos desertores move a Ignorância e se traduz na "glória", no deleite de vencer a "estúpida Ignorância". Nada é gratuito. A viagem de Gonçalo o ensina no caminho inverso e o resultado desse aprendizado serve a quem pode fazer a mesma viagem em outros termos, lendo O desertor. Dito de outro modo: a narrativa sugere (pela sátira) que a rejeição ao novo modelo universitário, o apego a livros sem credibilidade acadêmica, a recalcitrância na conduta, mesmo diante das dificuldades encontradas durante a viagem - tudo isso deve aparecer para o leitor como um caminho errado. Não é desertando que se alcança a Mioselha. Esse lugar é a recompensa para os que não desertaram, como o Tio de Gonçalo.

Certamente essa leitura de O desertor dificilmente será possível a boa parte dos estudantes universitários de hoje. Em "Abaixo dos pés as tempestades: o desafio interdisciplinar", Claudete Daflon e Alexandre Antunes, ao explorarem criticamente "As Artes", de 1778, de Silva Alvarenga, deixam a peteca ao meu alcance para pensar O desertor. Daflon e Antunes defendem a atualidade de Silva Alvarenga:

A escolha de obra setecentista visou expor como conexões entre o conhecimento científico e a prática poética da época conferem complexidade e atualidade ao texto escolhido ainda que escrito há mais de 200 anos, relacionando-o a demandas vividas pelos estudantes no âmbito escolar. (57)

O seguinte fragmento é testemunho da dimensão esperançosa de Silva Alvarenga. Em "As Artes" o poeta cantava:

Vejo por terra a estúpida e maligna

Coorte da Ignorância: e se ainda restam

Vestígios de feroz Barbaridade,

O Tempo os vai tragando: assim as folhas

Murchas e áridas caem pouco a pouco

Dos próprios ramos [...]. (Alvarenga, Obra 123)

Na contramão do efeito esperado pelo poeta as folhas da Barbárie, embora de fato caiam, fortalecem a terra para produzir outras folhas, verdes e viçosas. E a barbárie alimenta a terra que nutre a ignorância, e ambas vicejam ainda hoje.

Em O desertor há uma sucessão de fatos que realmente avançam para um fim na medida em que se desenvolve o percurso da viagem: a denuncia da condição calamitosa do ensino e o aprendizado das letras, a recusa dos livros da Universidade, o apreço pelo produto de fácil consumo. É da Universidade portuguesa pré-pombalina que Gonçalo deserta e esse ato demonstra que mesmo onde reinava a Ignorância ele não se destacava na condição de aluno.

Os que aprendem o nome dos autores,

Os que lêem só o prólogo dos livros,

E aqueles, cujo sono não perturba

O côncavo metal, que as horas conta,

Seguiram as bandeiras da ignorância

Nos incríveis trabalhos desta empresa. (Alvarenga, O desertor Canto II, 90, v. 43-48)

O que faz com que um leitor de prólogos (ou orelhas!) que dorme em sala perceba que essa bandeira só vence as batalhas da escuridão e não da ciência? Gonçalo se acovarda diante dos livros da Verdade, vacila diante da ideia de deixar Narcisa, foge diante da gente armada no episódio convocado por Guiomar, tem receios do que o Tio vá fazer com ele e só prossegue diante do apoio de Tibúrcio, finge de morto para fugir da batalha e necessita da intervenção de Gaspar para sair com vida. E é dessa sucessão de fatos e atos covardes que

Gonçalo então, cansada a fantasia

Sobre os meios, e os fins de seus projetos,

Pouco a pouco se esquece, e pouco a pouco

Cerra os olhos, boceja, dorme, e sonha.

Quando voa do leito, onde deixava

Nos braços do Descanso ao Pai da Pátria

A brilhante Verdade, e lhe aparece

Numa nuvem azul bordada doiro.

A Deusa ocupa o meio, um lado, e outro

A severa Justiça, a Paz ditosa. (Alvarenga, O desertor Canto IV, 109-110, v 114-123)

Acordado ele não seria capaz de suportar os olhos da brilhante Verdade! Precisa ser revelada em sonho para que seja aconselhado a olhar e ver:

Gonçalo viu, e pondo as mãos nos olhos

Receia, e teme de encarar as luzes.

Abre os olhos, mortal, (assim lhe fala Do claro Céu a preciosa filha)

Abre os olhos, verás como se eleva

Do meu nascente Império a nova glória.

Esses muros, que a pérfida Ignorância

Infamou temerária com seus erros,

Cobertos hão de ser em poucos dias

Com eternos sinais de meus triunfos.

Eu sou quem de intrincados labirintos

Pôs em salvo a Razão ilesa, e pura.18 (Alvarenga, O desertor Canto IV, 110, v. 128-139)

Atualizando. A esperança não é uma estratégia. Séculos se passaram e a Razão não está salva, nem a Ignorância saiu dos edifícios das Universidades. Muitas vezes a Ignorância se fantasia de Natureza e faz campo fértil às margens do Mondego, às margens do rio Pinheiros, às margens do rio Guamá, às margens do lago Paranoá... Mesmo à margem, ainda se planta - na tentativa de alguma vicejar -, semente de resistência, de indignação, de enfrentamento, de crise. No entanto, os tais sinais de triunfo, a meu ver, só serão vistos se e quando a educação não tiver a competição como princípio pedagógico. Gonçalo sonhou enquanto dormia, Silva Alvarenga enquanto vivia. E ai de nós se não sonharmos com a Ignorância afogada no Pinheiros, no Guamá, no Paranoá .

Ao criticar a Escolástica do meio universitário português, ao fazer elogio à ação de Pombal na reforma, ao cantar em decassílabo - "Do meu nascente Império a nova glória" - a Universidade de Coimbra novamente criada, o poeta acredita que apresenta a solução para todos os problemas que a educação anterior a Pombal alimentava: "Eu sou quem de intrincados labirintos / Pôs em salvo a Razão ilesa, e pura." Ou seja, "a Filosofia Racional sem os enredos dos silogismos Peripatéticos" (O desertor 110) garante a salvação da Universidade de Coimbra. A salvação das Letras.

Em O desertor, a oposição escuridão e luz está sempre muito marcada pelo narrador, influenciado pelo Iluminismo predominante da época. Se há pouco chamei atenção para Ambrósio, faço agora um chamado para Tibúrcio. Este, por ser mais importante que Ambrósio para a sucessão de fatos na narrativa, está presente desde o Canto 1, Tibúrcio é uma das expressões da Ignorância, seja na forma de célebre Antiquário, seja no seu sebastianismo obstinado.

A narrativa de O desertor deixa claro um vínculo de sangue e amizade entre Gonçalo e Tibúrcio. Este somente não aparece no Canto 111, nos demais sua presença contribui para o desenrolar das ações. A apresentação dele é uma das mais detalhadas:

Toma a forma dum célebre Antiquário

Sebastianista acérrimo, incansável,

Libertino com capa de devoto.

Tem macilento o rosto, os olhos vivos,

Pesado o ventre, o passo vagaroso.

Nunca trajou à moda: uma casaca

Da cor da noite o veste, e traz pendentes

Largos canhões do tempo dos Afonsos.

Dizem que o tempo da mais bela idade

Consagrou às questões do Peripato.

Já viu passar dez lustros, e experiente

Sabe enredos urdir, e pôr-se em salvo.

Entra por toda a parte, e em toda a parte

É conhecido o nome de Tibúrcio. (O desertor, Canto I, 80, v. 114-127)

Sabe enredos urdir, e se pôr em salvo. Não só a Gonçalo ele consegue libertar como também os outros companheiros que foram presos. Sua primeira ação é garantir ao Gonçalo que não precisa temer ao próprio Tio. Ao encontrar Gonçalo lendo Tibúrcio faz uma defesa das ciências dos antigos, as "postilas, e os Cadernos", lamenta que o método escolástico já não existe mais. Tibúrcio não vê esperança nas invenções que ficaram no lugar das ciências dos antigos e recrimina as leituras de Gonçalo.

Tudo leva a crer que Gonçalo verdadeiramente não era dos mais desejosos de instrução; afinal, ele lia e relia sempre as mesmas histórias, normalmente romances muito conhecidos e não obras consideradas importantes para adquirir instrução. O próprio conceito de instrução pode ser problematizado; afinal, Silva Alvarenga é contra a falta de desejo de instrução da época, a falta de interesse nas reformas feitas por Pombal. Os livros renunciados por Gonçalo não são esses dos quais Tibúrcio precisa lamentar a leitura. O lamento de Tibúrcio no caso desses romances poderia até ser compreendido se o objetivo de Gonçalo fosse mesmo adquirir instrução. Mas não é o caso.

As obras mencionadas no poema servem muito mais de alimento aos carunchos das estantes19 do que de leitura crítica. O desertor exige do leitor atual uma pesquisa profunda das leituras vigentes na época em que Silva Alvarenga escreveu o poema, por serem essas obras, aludidas ou mencionadas pelo autor, importantes na construção da trajetória fabular. O aspecto do riso que o poema deve ter provocado nos leitores da época dificilmente tem como ser recuperado hoje, a menos que o leitor possa pensar em outras obras com funções similares, mas ainda assim seria necessário conhecer as obras referidas para fazer uma ponte com o que se lê hoje. Polito faz uma observação importante quando afirma que alguns dos livros mencionados no poema possam ser, "com alguma imprecisão, [chamados] de 'literatura de cordel'" (44). Essa imprecisão deve ser pautada se considerarmos "O novo público leitor" de Arnold Hauser quando trata da questão da leitura na Europa, mais precisamente Inglaterra e França.

A única espécie de livro que tinha um público mais vasto no século XVII e começos do XVIII era o opúsculo religioso de fundo edificante; a ficção secular formava apenas uma fração insignificante da produção total de livros. O afastamento do público leitor dos livros devocionais, em favor das belles-lettres seculares que, até cerca de 1720, ainda tratavam principalmente de assuntos morais e só mais tarde passavam a se ocupar de temas mais prosaicos. (539-540)

Em um salto de pouco mais de cem anos, com os efeitos da Revolução Industrial já iniciados, ao tratar "d'O Romance Social na Inglaterra e na Rússia", Hauser apresenta:

Dickens [1812-1870] era um fornecedor de ficção ligeira para as massas, o continuador da antiga novela sensacionalista barata e o inventor do moderno thriller, em suma, o autor de livros que, independentemente da sua qualidade literária, correspondiam em todos os aspectos ao conceito atual de best-sellers.20 ("O romance" 1995 851)

A imprecisão destacada por Polito ao procurar situar os tipos de livros lidos por Gonçalo e os livros pertencentes as estantes do Tio de Gaspar, talvez recaísse em menor imprecisão se fosse possível abandonar "literatura de cordel" e se aproximar "da antiga novela sensacionalista barata". Ou "romance barato" (Hauser, "O romance" 1973 1004), como aparece em outra tradução da obra de Hauser. Sabendo que na Europa havia esse nicho no mercado de livros, é natural que ele tenha sobrevivido do século xviii para o seguinte - aliás, até a atualidade. E permanece recebendo o mesmo olhar crítico apontado por Silva Alvarenga quando trata das leituras que servem à Ignorância no seu berço esplêndido. É certo que o leitor Gonçalo, na condição de representante do aluno universitário, diz muito sobre as condições de trabalho que o professor enfrenta quando precisa que os alunos façam leituras e, a partir delas, sejam capazes de emitir um parecer crítico.

Silva Alvarenga ao começar seu poema já com o desfecho da história da viagem de Gonçalo antecipa que das ações fúteis não resultarão consequências grandiosas.

A viagem já aconteceu. Gonçalo não foi demovido de sua ideia. Ao voltar ao fragmento que destaquei do Canto i o que temos é o resultado dessa viagem. Os desertores não aprenderam nada que era desejado para quem se propõe a estudar em uma Universidade, não aprenderam no antigo sistema de ensino, não aprenderam com os conselhos de Ambrósio, não aprenderam com as surras que receberam durante o percurso do Mondego até Mioselha (ou a casa do Tio de Gonçalo). E, se por um momento uma leitura desejosa de que de alguma forma O desertor pudesse aprender, isso também não se deu com a recepção na base da pancada do Tio dele.

A experiência com a viagem orquestrada dará a ele a confirmação de que não foi contagiado pelas luzes: "Mas tem a glória de trazer consigo / A derrotada estúpida Ignorância". (Canto V, 128, v. 235-254). A glória de Gonçalo é manter a Ignorância viva, de ser o templo dela, ainda que isso represente ser um espírito baixo. A nova Universidade continuará sendo para os desertores sujeição e fadiga, e a Ignorância associada a liberdade. Não a liberdade da ciência, da Verdade que fora instalada em Portugal após os duzentos anos de sebastianismo esperançosos. Essa associada a "paterna liberdade" (Canto i, 77, v. 46) está de volta:

Enquanto à vista de um Prelado ilustre,

Prudente, Pio, Sábio, e Justo, e Firme

Defensor das Ciências, que renascem,

Puras as águas cristalinas correm

A fecundar os aprazíveis campos. (Alvarenga, O desertor Canto v, 129, v. 260-264)

Novamente a Ignorância associada a liberdade me permite enxergar a defesa da Universidade e o reconhecimento de que as luzes implicam a ausência de liberdade. Chamo a atenção para a facilidade que as ciências encontram para fecundar as mentes dos estudantes. Já estão puras, cristalinas e penetram nos campos aprazíveis.

Por fim, cabe a Gonçalo tentar sobreviver em meio ao que sobra após as águas cristalinas e os campos aprazíveis estarem juntos da defesa das Ciências, do Prudente, Pio, Sábio, e Justo. Não parecem boas as opções:

Possa a robusta mão, que o Cetro empunha,

Lançar-te num lugar tão desabrido,

Que te sejam amáveis os rochedos

Onde os coriscos de contínuo chovem. (Alvarenga, O desertor Canto v, 129, V. 269-271)

Não resta muito para Gonçalo, este foi aconselhado por Ambrósio, foi aconselhado em sonho pela Verdade e, ainda mais temido por ele, o próprio Tio o aconselhou e ainda usou de força corporal. Nada fez efeito, as luzes da Verdade continuaram apagadas. Ou seja, o poema não trata da nova Universidade, mas sim de sua não aceitação pelos alunos, tanto que a violência acontece fora da Universidade. Não trata da violência como ferramenta para converter discípulos, mas sim da recusa a um projeto universitário que nada significa para Gonçalo, mesmo apanhando, mesmo correndo o risco de ficar sem a herança do Tio. Tio esse, assim como o Tio de Gaspar, que não recebem nomes e um se opõe ao outro. O Tio de Gonçalo defende que ele volte para a Universidade e termine o que começou. O Tio de Gaspar serve para demonstrar que não só Gonçalo e Gaspar se recusam as luzes, mas também o Tio de Gaspar. Essa sentença fica clara quando os livros do Tio são elogiados por Gaspar, mas a estante está tão carunchada quanto as obras que nela estão, ou seja, só o caruncho pode se servir delas.

É possível pensar nos propósitos das reformas pombalinas assimilados pela Universidade? Sim. Mas na época os conflitos se davam de dentro dos grupos da elite letrada (conservadores de um lado, que defendiam os privilégios estabelecidos desde o século xvi - tanto aristocracia, quanto alta burguesia do comércio - e da burguesia ilustrada, aquela que seguia mais ou menos fielmente os iluministas franceses e que desejava outra forma de ensino que também tirasse o Brasil do atraso em que estava Portugal.

Silva Alvarenga publicou O desertor dois anos antes de a educação no Brasil estar minimamente encaminhada. Na condição de um jovem aluno, é bom deixar destacado. Mas, quinze anos de desmantelamento deveria causar nele algum questionamento, ainda que fosse um fervoroso defensor de Pombal, do Iluminismo, e das ciências. Talvez esse seja um caminho para entender a voz poética, o fato de o poeta não usar um tom grandiloquente ou exaltado para falar da ação de estudantes que defendem um novo ensino, ou para tratar dos feitos de D. José e do Marquês de Pombal (que só aparecem louvados como referências autoritárias), mas o poeta usa o tom grandiloquente para exaltar jovens inconsequentes e alienados políticos, o que torna o tom muito estranho e dissonante, isto é, parece contrário a si mesmo.

Por fim, qual seja a forma artística de O desertor, essa forma incorpora a realidade histórico-social da época por meio da inversão dos heróis (rebaixamento), dos altos feitos épicos (a matéria risível) e recusa o enquadramento camoniano dos versos. Essa forma também demonstra que o autor do poema, na época estudante em Coimbra, se recusa a seguir a tradição e almeja por inovações. Assim com Silva Alvarenga defende a inovação pelas mãos do Marquês de Pombal em oposição à educação jesuíta, ele apresenta uma sátira ao modelo da poesia tradicional e inverte não só as características esperadas para as personagens, como também recusa a forma tão em voga pelos seguidores dos clássicos.

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1 A edição usada é a preparada por Ronald Polito.

2 A língua vernácula era o Nheengatu.

3Na página cinco da obra a autoria de O Reino da Estupidez é atribuída a Francisco de Melo Franco.

4A autoria de O Reino da Estupidez foi atribuída a António Ribeiro dos Santos no estudo "Sobre uma versão desconhecida de O Reino da Estupidez", de Ofélia Paiva Monteiro. Nesse estudo minucioso publicado em 1982 a pesquisadora desmonta a autoria anterior mente conferida a Francisco de Melo e Franco, ao mesmo tempo, em que ampara seus argumentos evidenciando a razão da nova autoria. A pesquisadora apresenta inúmeras apreciações para depois concluir: "Do mútuo apreço que os uniu inequívocas provas nos restam: António Ribeiro dos Santos mandou copiar e conversar na Biblioteca Nacional, quando a dirigiu, alguns originais do Bispo de Angra, cujas obras louvou encarecidamen te, tentando exortá-lo a publicá-las, quando D. Frei Alexandre, seu profundo admirador, lhe solicitou uma opinião sobre a sua validade, antes de as entregar à censura oficial que precedia a impressão. [...] Serão estes argumentos bastantes para julgar António Ribeiro dos Santos o autor d'O Reino da Estupidez? Esperemos que novos dados venham confirmar ou infirmar as hipóteses que aqui ficam consignadas" (252-253).

5O destaque é meu.

6Não no sentido original, mas o uso que se fazia na escola da filosofia.

7Sobre esse poema o crítico afirma que "celebra a instauração da reforma e manifesta confiança esperançada no poder da ciência para demolir a rotina; daí o otimismo que fura por entre os versos e o bom humor sadio das peripécias" (Candido, Formação 149).

8O destaque é meu.

9O destaque é meu.

10O destaque é meu.

11O destaque é meu.

12O destaque é meu.

13O destaque é meu.

14O destaque é meu.

15O destaque é meu.

16 Na edição de Ronald Polito essas palavras estão em itálicos. Utilizo grifo apenas para diferenciar das marcações feitas por mim.

17Chamo a atenção aqui para o fato de Ronald Polito (2010, nomear o Tio de Gonçalo: "[d]escrevendo a estante de livros de Tibúrcio, tio de Gonçalo, o narrador cita algumas [...]". Creio que Polito está enganado, o Tio de Gonçalo em nenhum momento é nomeado e, nesse momento, trata-se do Tio de Gaspar. Ver Canto v, p. 1234, v. 124-134.

18O destaque é meu.

19 Para tratar da estante de livros do Tio de Gaspar, recomendo o trabalho de Polito.

20O destaque é meu.

Cómo citar este artículo (MLA): De Oliveira Carvalho, Cleiry, "A Universidade que aprisiona e a leitura que liberta em O desertor, de Manuel Inácio da Silva Alvarenga". Literatura: teoría, historia, crítica, vol. 22, núm. 2, 2020, págs. 153-188.

Sobre a autora Possui doutorado (2019) em Literatura e Práticas Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (TJNB), possui graduação (2001) e mestrado (2007) em Letras pela Universidade Estadual de Maringá. No magistério atuou na condição de professora-formadora na Secretaria de Educação de Marabá/Pará (2008-2010). Lá, participou de um projeto de Políticas Públicas destinado à Educação, que tem por nome "Extensão universitária em Gestão da Aprendizagem Escolar ii-Língua Portuguesa (GESTAR II)", proposto pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com a Universidade de Brasília (tjnb). Durante esse período atuando na Secretaria de Educação de Marabá, também atuou em uma Faculdade privada (Metropolitana/Uniasselvi), no curso de Letras. Assumiu, nos últimos meses residindo em Marabá (agosto 2009-maio 2010), aulas no Ensino Médio após aprovação em concurso público Estadual. Em Goiânia trabalhou na Universidade Paulista (TJNIP) (2011) e na Faculdade de Educação/Universidade Federal de Goiás (JJFG) (2012-2013). Também participou de organização de eventos acadêmicos na Universidade Federal de Goiás (JJFG). Além de atuar na docência desenvolveu pesquisas nos seguintes temas: distribuição de livros, consumo e entretenimento, literatura narrativa de massa, industria cultural, formação do leitor e alguma produção de análises de obras de autores consagrados da Literatura Brasileira. Atualmente mantém interesse acadêmico pelas relações entre literatura, sociedade, cultura, história, política e formação social, sobretudo no Brasil. O artigo que ora apresento é resultado de pesquisa desenvolvida entre 2015 e 2019 no doutorado com financiamento da capes, na Universidade de Brasília (tjnb), sob a orientação da professora Anna Heron More, e cujo produto foi a tese defendida em março de 2019, intitulada "O Lugar e a Função da Escola na Estrutura Social Brasileira Representada nas Obras: O desertor, O Seminarista, São Bernardo e Alegres Memórias de um Cadáver".

Recebido: 11 de Dezembro de 2019; Aceito: 18 de Março de 2020

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