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Literatura: Teoría, Historia, Crítica

Print version ISSN 0123-5931

Lit. teor. hist. crit. vol.23 no.2 Bogotá July/Dec. 2021  Epub July 21, 2021

https://doi.org/10.15446/lthc.v23n2.94880 

Artículos

Literatura infantil: diálogos com as migrações contemporâneas

Literatura infantil: diálogos con las migraciones contemporáneas

Children's Literature: Conversations with Contemporary Migrations

Caroline Couto1 

Betina Hillesheim2 

1 Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, Brasil ccouto@mx2.unisc.br

2 Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, Brasil betinahillesheim@gmail.com


Resumo

Neste trabalho aborda-se a literatura infantil como um campo de produção cujos efeitos estéticos e políticos multiplicam os modos de existência possíveis, o que exige uma postura ética de interrogar o mundo. A pesquisa sobre a literatura infantil, atenta aos fenómenos contemporâneos, torna-se relevante ao considerar os processos de acolhida daqueles que migram, portanto, da alteridade. Considerando tais pressupostos, o artigo analisa as relações entre a literatura infantil e as grandes ondas de migração contemporâneas, a partir de obras de autores latino-americanos. Discute-se, assim, que entre a literatura infantil e as travessias de mares e desertos, inscrevem-se linhas de infâncias-migrantes, duas pontas de começos que apontam para os efeitos estéticos, éticos e políticos da literatura.

Palavras-chave: América Latina; fenômenos contemporâneos; infâncias; literatura infantil; migrações

Resumen

En este trabajo, se aborda la literatura infantil como campo de producción cuyos efectos estéticos y políticos multiplican los modos de existencia posibles, lo que convoca a una postura ética de indagar el mundo. La investigación sobre la literatura infantil atenta a los fenómenos contemporáneos, se vuelve relevante al considerar los procesos de acogida de los que migran, por lo tanto, desde la alteridad. Al considerar tales supuestos, el artículo analiza las relaciones entre la literatura infantil y las grandes olas de migración contemporáneas, a partir de obras de autores latinoamericanos. Se argumenta así que, entre la literatura infantil y las travesías por los mares y desiertos, se inscriben líneas de infancias migrantes, dos puntos de comienzos que apuntan a los efectos estéticos, éticos y políticos de la literatura.

Palabras clave: América Latina; fenómenos contemporáneos; infancias; literatura infantil; migraciones

Abstract

This paper approaches children's literature as a field of production whose aesthetic and political effects multiplies the possible modes of existence, calling us to an ethical disposition to interrogate the world. The research about children's literature, mindful of contemporary phenomena, gains relevance when considering the welcoming processes of those who migrate, therefore, of alterity. Considering these premises, the article analyses the relations between children's literature and the great waves of contemporary migration, leaning on the works of Latin American authors. Thus, it argues that, between children's literature and the journey through seas and deserts, lines of migrant childhoods are embedded as two points of beginnings that signals the aesthetic, ethical, and political effects of literature.

Keywords: Latin America; contemporary phenomena; childhoods; children's literature; migration

  • - Não é possível em termos racionais, claro que não - disse o velho, sorrindo com o sorriso bondoso e a calma que nunca abandonava. - Mas há muitas coisas neste mundo que fogem do controle da razão. Coisas estranhas, surpreendentes, incríveis, fantásticas. A vida também está cheia delas e são elas, justamente, que evitam que a nossa existência seja monótona, uma rotina previsível.

  • Mario Vargas Llosa, O barco das crianças

Para onde vamos1

AMENINA VIAJA COM o PAI e vai contando tudo o que vê pelo caminho. Viajar parece ser o destino: com um final que possa ser inventando por cada leitora e por cada leitor. Ela - a menina-personagem - revisita o movimento: as fronteiras e as passagens, os mares, os desertos, os trens, as possibilidades e os riscos, enfim, os longos trechos de um caminho. Vez ou outra pergunta: "Para onde estamos indo?" mas a resposta não vem, é preciso acompanhar o viajar (Buitrago, Para onde vamos). Assim é, também, com a introdução de um texto: a apresentação de um movimento do pensamento.

Desse modo, o presente artigo surge do encontro entre os estudos de literatura infantil e os estudos acerca das migrações contemporâneas, com a intenção de buscar compreender o que se produz entre esses dois campos, marcados pelos começos e pelas travessias que instauram. Trata-se de um convite para pensar a literatura infantil em seus campos de produção, em suas possibilidades e em seus diálogos com os fenómenos contemporâneos, como as grandes ondas migratórias deste início de século que vem impactando, também, a América Latina.

Para tanto, o artigo foi organizado da seguinte maneira: na seção "O céu como um mar de ponta-cabeça", discorre-se sobre os processos de produção da literatura infantil, a partir das próprias concepções de literatura e de infância, apontando que a literatura quando adjetivada como infantil produz uma série de efeitos estéticos que permitem conhecer, mas, principalmente, interrogar o mundo, de modo que o céu possa, também, ser um mar de ponta-cabeça; em seguida, em "Poesia, mar e deserto", aproximam-se as narrativas compostas por dados dos processos de migração contemporânea na América Latina e as narrativas compostas por livros de literatura infantil, de autores latino-americanos, acerca da temática das migrações; em "Pouco a pouco, começamos a nos sentir em casa", a discussão se volta para os efeitos estéticos, éticos e políticos da literatura infantil em suas relações com fenómenos contemporâneos, como as grandes ondas de migrações internacionais atuais; finalmente, em "Mas é a praia que é a borda do mar ou o mar que é a borda da praia?", delineiam-se as discussões finais a partir da proposta de que, entre a literatura infantil e as travessias de mares e desertos, inscrevem-se linhas de infâncias-migrantes, duas pontas de começo que convocam a uma postura ética de interrogar o mundo em sua alteridade, multiplicando os modos de existência possíveis e os processos de acolhida daqueles que chegam, crianças ou migrantes. Um exercício de aproximação com a própria tarefa da literatura: restaurar a infância do mundo (Deleuze, O abecedário 23).

Vamos, então, para as literaturas, para as infâncias e para os entrelaçamentos que elas compõem.

O céu como um mar de ponta-cabeça

Parafraseando Espinosa, quando este coloca a questão "o que pode um corpo?" (Deleuze e Parnet), interroga-se aqui: o que pode a literatura? A pergunta faz eco e desfia em outras: qual a sua função, a sua finalidade, o seu objetivo? E se for adjetivada do infantil? Pode? De quais afetos ela é capaz, compreendendo que o afeto é a variação contínua da potência de existir ou da força para agir, ora nos enfraquecendo, reduzindo nossa potência, ora tornando-nos mais fortes e fazendo-nos viver mais intensamente? Essas perguntas indicam a necessidade e a possibilidade de refletir sobre a literatura, em especial, a literatura infantil, a partir de uma perspectiva que aponta para as complexas relações entre a sua extensa tradição e a produção de mundos possíveis a partir de seus deslocamentos. A partir disto, cabe destacar que a literatura, nesta escrita, é tomada enquanto instrumento capaz de presentificar a sutileza dos momentos, ao escrever possibilidades outras de vida a partir dos encontros entre ficção e não ficção. Michel Foucault referencia a experiência literária como aquela que torna possível notar o avesso da língua, entendendo que as palavras não representam as coisas, mas as criam:

Gostaria de falar de outra coisa, dessa estranha experiência literária que faz a linguagem rodopiar sobre si mesma e descobre, no avesso da nossa tapeçaria verbal familiar, uma lei surpreendente. Essa lei, acho que poderíamos formulá-la assim: a linguagem, não é verdade que ela se aplique às coisas para traduzi-las; as coisas é que são, pelo contrário, contidas e envolvidas na linguagem como um tesouro afogado e silencioso no tumulto do mar.

As palavras, seu encontro arbitrário, sua confusão, todas as suas transformações protoplasmáticas bastam por si só para fazer nascer todo um mundo ao mesmo tempo verdadeiro e fantástico, um mundo muito mais velho que nossa infância. (Foucault, A grande estrangeira 57)

Nesse sentido, compreende-se que as palavras não são naturais, elas forjam os objetos, as sensações e os sujeitos, desenhando arranjos possíveis de mundo e de vida:

todas as palavras são absolutamente arbitrárias, não há nenhuma necessidade de natureza para que se chame o sol de sol ou de erva o frescor da terra; e, no entanto, a linguagem ressoa em nós, em nossos corações e memórias, como alguma coisa de tão velho, de tão ligado a todas as coisas do mundo. (Foucault, A grande estrangeira 65)

Há, portanto, que se desnaturalizar a literatura, para assumi-la em sua complexidade e em seus efeitos que produzem mundos e existências, como o que pode inscrever em mares e desertos tanto passagens quanto fronteiras. Assim, a literatura se abre como modo de interrogar o mundo, e não apenas de conhecê-lo. Nessa perspectiva, não há um mundo a ser descoberto, mas um mundo a ser construído, produzido e inventado. A literatura se faz como instrumento que aproxima e mantêm a diferença pela linguagem, enquanto organiza o mundo em narrativas, ao tempo em que faz vibrar os signos e os significados, podendo escrever, sempre, de outros modos. A literatura pode.

Certa vez, em uma entrevista, Gilles Deleuze disse que "a criação funciona assim, a literatura passa sobre desertos" (O abecedário 13). Naquela mesma oportunidade, pontuou que o que há de comum entre a filosofia e a literatura é que ambas testemunham a vida, no limite de tudo o que é pensável e de daquilo que é suportável, não enquanto um caso privado de alguém, mas sempre nos agenciamentos que tornam a experiência, qualquer experiência, possível. Há, para o autor, uma distinção incontornável entre a linguística, que faz da língua um sistema de equilíbrio, e a literatura, que coloca este mesmo sistema em desequilíbrio a todo o tempo. Desse modo, só se pode compreender a literatura em feixes de efeitos, tratando-a enquanto um movimento de arte complexo e em potência.

Tomar a literatura como um modo possível para interrogar o mundo é uma escolha metodológica, que acompanha o movimento do campo da Teoria Literária, cujos pressupostos modificaram-se ao decorrer do século passado, indo do formalismo russo ao rizoma de Gilles Deleuze e Félix Guattari. O rumo desse movimento, passando pelo domínio estruturalista, seguiu ao pós-estruturalismo, que transformou a concepção de sujeito:

foi apenas no pós-estruturalismo que se deu de fato a dissolução do conceito de autoria com repercussão sobre a própria ideia de sujeito, que passou a ser entendido como mero ponto de conexão dentro de uma complexa rede de significações. (Mattos 61)

Esta inversão torna possível que a linguagem, a autoria e a obra deixem ser vistas enquanto origens em si mesmas, passando a ser compreendidas em suas relações com o exterior. Desse modo, concebe-se que as narrativas não são compreensíveis por si só, enquanto carregam os discursos que sustentam as formas de vida que são possíveis em determinados tempos e determinados lugares.

Com a literatura infantil não é diferente. Aqui, cabem outras perguntas, que vêm, desta vez, emprestadas de Cecília Meirelles: "A Literatura Infantil faz parte dessa Literatura Geral?" "Existe uma Literatura Infantil?" "Como caracterizá-la?". A resposta também vem emprestada da autora: "Evidentemente, tudo é uma Literatura só" (20). A resposta de Cecília Meirelles, publicada pela primeira vez ainda em 1951, estava ancorada em como ela, que foi escritora, jornalista, professora e pintora, considerada uma das mais importantes poetisas do Brasil, compreendia a ideia de fenómeno literário. Para a autora, a literatura poderia ser considerada para além da relação com as letras, na medida em que uma palavra, que tanto pode ser escrita, quanto pode ser pronunciada, se vem como forma de expressão, designa o fenómeno literário - um fenómeno humano: "A Literatura precede o alfabeto. Os iletrados possuem a sua Literatura. Os povos primitivos, ou quaisquer agrupamentos humanos alheios ainda às disciplinas de ler e escrever, nem por isso deixam de compor seus cânticos, suas lendas, suas histórias" (Meirelles 19). Tradição oral e tradição escrita, Literatura Infantil e Literatura Geral: ambas literaturas. O fenómeno literário aparece, aqui, como aquilo que faz reconhecer, agrupar e viver de múltiplas formas. Há aí uma aposta na invenção.

Invenção tal como as distinções entre as crianças e os adultos, que nem sempre foram afirmadas da forma como são compreendidas hoje. Isso significa inferir que a infância das crianças, enquanto uma etapa da vida que requer cuidados e investimentos especiais, é uma invenção moderna. Philippe Ariès mostra como o advento da constituição do modelo de família nuclear ligado aos primórdios do movimento burguês e a ascensão do capitalismo passou a estreitar as relações entre os adultos e as crianças, mais especificamente entre pais e filhos, a partir das ideias de afeição e investimento. Para chegar a tal conclusão, o autor se vale da análise de uma série de produções culturais, tais como representações gráficas em pinturas e escritas, nas quais foi possível notar que foi apenas entre os séculos XVII e XVIII que a criação de objetos específicos para as crianças começou a aparecer. Esse deslocamento marca, portanto, a emergência do sentimento de infância, tal como o conhecemos hoje: como uma etapa valorizada da vida, cujos investimentos definem o tipo de adulto que se desenvolverá.

Desse modo, a literatura adjetivada pelo infantil é, também, um projeto da modernidade, que assumiu um caráter pedagógico e prescritivo, incluindo a sedimentação dos valores burgueses e capitalistas em emergência no mesmo período em que a noção de infância começa a ganhar contornos da forma como a conhecemos hoje; assim, é possível localizar ao final do século XVII os primeiros livros produzidos para as crianças. Ainda conforme o estudo de Philippe Ariès, foi a partir desde período que as obras de arte passaram a representar as crianças com traços diferentes dos adultos, não apenas pelo tamanho, mas também por traços angelicais, reconhecidos como puros e inocentes. Foi, também, a primeira vez que uma obra retratou uma criança morta, talvez, pela primeira vez, constituindo-se como um marco importante do momento em que se passa a olhar para a criança como um ser com alma e, desse modo, digno de ser recordado. Portanto, percebe-se:

a importância do século XVII na evolução dos temas da primeira infância. Foi no século XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns. Foi também nesse século que os retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o centro da composição. [...] A descoberta da infância começou sem dúvida no século xiii, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século xvi e durante o século XVII. (Ariès 65)

Compreende-se, então, que a noção de infância vem sendo historicamente construída: as crianças existiram em todos os períodos da história humana, mas o tratamento e a relação que se estabelece entre elas e as sociedades projetam o conceito de infância na modernidade, a partir de um conjunto de práticas discursivas, representações, prescrições e crenças que instituíram a infância enquanto uma categoria social específica. É esta construção social da infância que surge entre os séculos XVII e XVIII. Entretanto, é importante destacar que em países que passaram pelo processo de colonização, ou que se afastam do centro europeu analisado por Ariès, esses registros têm diferenças. No caso do Brasil, por exemplo, a história social da infância está intrinsecamente relacionada às migrações, de modo que as formas pelas quais a infância era reconhecida pelos povos originários do sul da América, pouco puderam aparecer. Com o processo de povoamento, foram recrutadas pela coroa portuguesa as famílias com filhos pequenos e, ainda, pequenos órfãos e pequenos pobres que viajavam expostos a péssimas condições, submetidos a trabalhos desgastantes, punições e abusos. Apenas no final do século xix e com mais força durante o século XX, a ideia de infância enquanto uma etapa distinta e especial da vida, com necessidades e cuidados específicos, foi se constituindo no país, e foram postos em circulação discursos de proteção às crianças, através de legislações e políticas públicas voltadas ao público infantil (Bernartt).

O que parece comum é que, nesse processo, as palavras criança e infância, passaram a ser associadas como sinónimos, ambas designando um reduto da vida a ser preservado e governado, de modo a garantir uma ideia de futuro. Com isso, a infância - palavra cuja etimologia provém do termo em latim infantia: do verbo fari, falar, de seu particípio presentefan, falante, e de sua negação in, indicando portanto, aquele que não fala (Pagni 100) - ganhou contornos de virtude, e, ao mesmo tempo, de incapacidade, na medida em que foi, também, associada a duas ausências: a ausência de razão e a ausência de fala.

Contudo, nessas mesmas ausências, a infância se faz plena de possibilidades: sem coisas prontas a se falar e com a chance de torcer a razão ao aprendê-la, a infância pode dizer outras coisas do mundo e, quem sabe, instaurar outras racionalidades. Pela negação que carrega, a infância pode se fazer potência de movimento, no sentido de inaugurar outros modos possíveis de se relacionar com o mundo. E é nesse deslocamento que a infância pode ganhar contornos de começo. Uma nova história, que não se encerra nas condições históricas em que é engendrada e, assim, constrói possibilidades outras para a infância: "como a humanidade outra do infantil, do outro infantil e do infantil como outro. Se a onto-teo-arqui-teleologia aferrolhou, neutralizou e finalmente anulou sua historicidade, trata-se de pensar uma outra forma de história, talvez em outro registro do político" (Corazza 359) para a infância.

Nessa perspectiva, não se trata de negar os aspectos pedagógicos que compõem, muitas vezes, os objetivos dos livros de literatura infantil. Cecília Meireles afirmou que há, pelo menos, três aspectos que indicam a função da literatura infantil em nossas sociedades: o moral, o instrutivo e o recreativo. Há, nesse sentido, uma função social da literatura infantil, que se volta para a questão de preparar os futuros cidadãos, garantir que as crianças aprendam as lógicas adultas e desenvolvam a razão. Mas quando adjetivada pelo infantil, a literatura também pode funcionar "a partir do que ela tem e não do que lhe falta: como presença e não como ausência; como afirmação e não como negação, como força e não incapacidade" (Kohan 41). Uma possibilidade de fazer a função da literatura infantil funcionar, também, a partir de outras relações possíveis, pela invenção.

Sustenta-se, portanto, a tese de que há algo de diferente nesta literatura: a minoração pelo infantil (Hillesheim). Para a autora, a literatura infantil, quando pensada pelo viés da possibilidade de um uso "menor" - compreendendo o termo menor a partir da conceitualização de Gilles Deleuze e Félix Guattari, na qual a ideia de menor funciona, também, como potência - opera desterritorializações, abrindo passagens entre as narrativas que se pretendem homogêneas, para outras histórias-existências, para a criação de outros possíveis. Deste modo, o que se passa entre a literatura e a pedagogia, no encontro com a infância, é o devir:

eis então uma literatura menor... Balbuciante... Uma literatura que busca costurar o estético e o pedagógico, sendo que neste movimento, constrói um entre. Uma literatura que busca uma aproximação com a fala infantil, repleta de indecisões, hiatos, novos usos para a língua.2 (74)

Com efeito, a literatura infantil não precisa ficar restrita a um projeto utilitarista carregado com prescrições a respeito dos modos de ser e estar no mundo pelo viés de caráter moral, instrutivo e recreativo, justamente porque o transborda ao funcionar no entre: entre a literatura e o infantil, entre o pedagógico e o estético, entre os modos de ser e as possibilidades de se tornar outras coisas, entre a prescrição e a invenção. Assim, a literatura infantil pode fazer funcionar uma espécie de uso estrangeiro da língua, pode fazê-la gaguejar:

o E já não é nem mesmo uma conjunção ou uma relação particular, ele arrasta todas as relações; existem tantas relações quantos E, o E não só desequilibra todas as relações, ele desequilibra o ser, o verbo... etc. O E, 'e..., e..., e...', é exatamente a gagueira criadora, o uso estrangeiro da língua, em oposição a seu uso conforme e dominante. (Deleuze, Conversações 60)

Portanto, não cabe fazer uma distinção entre o que é e o que não é ocupação ou possibilidade da literatura infantil, ou um juízo de valor sobre o caráter pedagógico ou o campo estético que compõem as obras de literatura infantil. Não se trata

de interrogar se a literatura infantil é essencialmente pedagógica ou pode ser inscrita no campo da estética: na medida em que se constitui um E, este não tem mais a mesma natureza que os elementos que o compõem ou se quer suas relações. Literatura e infantil: algo que se faz entre os dois. (Hillesheim 74)

E que, portanto, já não é nem um, nem o outro, enquanto coloca em desequilíbrio tanto a literatura, quanto o infantil e produz do encontro entre os dois a possibilidade de se tornarem outras coisas, ampliando, assim o mundo, possibilitando entre o mundo infantil e o mundo adulto, um mundo comum - sempre em vias de se (refazer.

A literatura infantil, quando pensada em seu uso "menor" pode produzir novos enunciados e outros caminhos de interpretação, operando por um deslocamento crítico que retira as obras para a infância de uma espécie de subliteratura e a coloca no campo das artes literárias. Para Júlia Parreira Zuza Andrade: "Mais do que entender os livros para crianças e jovens como produtores de novos significados, a literatura infanto-juvenil é capaz de sensibilizar e de oferecer aos seus leitores questionamentos ao vivenciar as experiências de outros" (12). Dessa forma, a literatura não se compromete com as verdades universais e as histórias únicas, configurando-se como um elemento indispensável ao pensamento ético, tendo como efeito a convocação a uma postura ética frente à acolhida daqueles que chegam. Se a literatura infantil tem a função de ensinar lógicas e modos de ser às crianças, ela pode, ainda nesta função, reconfigurar tais modos, por uma subversão das próprias noções de moral, instrução e recreação, que passariam de um acomodar para um acolher pela diferença. Em outras palavras, ainda que a literatura infantil obedeça ao código em que está situada, em que foi produzida, e que faz parte de um grande sistema de controle das crianças, portanto, dos sujeitos, ela compromete este mesmo código a todo o tempo, estremecendo os signos e os significados que a compõem e que são linguísticos e também sociais, económicos, religiosos, etc.

Considerando estas premissas, a literatura infantil ultrapassa seu endereçamento para as crianças e pode se aproximar daquilo que Deleuze estabelece como uma das grandes tarefas da própria literatura: ir em direção à infância do mundo:

Na Literatura, de tanto forçar a linguagem até o limite, há um devir animal da própria linguagem e do escritor e também há um devir criança, mas que não é a infância dele. Ele se torna criança, mas não é a infância dele, nem de mais ninguém. É a infância do mundo. [...]. A tarefa do escritor não é vasculhar os arquivos familiares, não é se interessar por sua própria infância. Ninguém se interessa por isso. Ninguém digno de alguma coisa se interessa por sua infância. A tarefa é outra: devir criança através do ato de escrever, ir em direção à infância do mundo e restaurar esta infância. Eis as tarefas da Literatura. (O abecedário 23)

Ou então, como assinalam Deleuze e Guattari (O que é a filosofia? 222), "trata-se sempre de liberar a vida lá onde ela é prisioneira, ou de tentar fazê-lo num combate incerto", acrescentando novas variedades ao mundo, esperando por um povo que ainda não existe, um povo por vir. Nesse caso, a infância já não diz apenas das crianças: "infante é todo aquele que não fala tudo, não pensa tudo, não sabe tudo" (Kohan 246). Uma literatura infantil é aquela que se abre a experiência e ao mundo sem coisas prontas a serem ditas, de tal modo que há sempre o que aprender a falar. A infância deixa ser posta como uma fase provisória, um tempo a ser ultrapassado e superado por uma evolução, assim como deixa de se referir a determinadas idades e a um processo delimitado pelo tempo psicológico e biológico. A infância passa a ser encontrada naquilo que afeta pessoas, lugares, tempos e modos de ser, no que não pode ser assimilado e aprisionado pelos sistemas, na ausência da explicação e na aposta da criação. Uma infância que também é experiência e que não precisa ser abandonada para que a experiência possa se fazer, que se dão juntas e não como um ponto de partida (infância) e um ponto de chegada (experiência).

Assim, a literatura infantil resiste, como infante-experiente, abrindo brechas para assumir as descontinuidades, os deslocamentos, as narrativas menores que dão gagueira à língua. Uma literatura que assume a imagem da infância, enquanto figura dos começos e da alteridade. Nesses termos a infância "nunca é o que sabemos (é o outro dos nossos saberes), mas, por outro lado, é portadora de uma verdade à qual devemos nos colocar à disposição de escutar" (Larrosa 186), é, sempre, um vir a ser, a fazer--se de modos outros, que questionem as verdades e contem histórias múltiplas; e, ainda,

nunca é aquilo apreendido pelo nosso poder (é o outro que não pode ser submetido), mas ao mesmo tempo requer nossa iniciativa; nunca está no lugar que a ela reservamos (é o outro que não pode ser abarcado), mas devemos abrir um lugar para recebê-la. (186)

Poesia, mar e deserto

Ao longo da última década, algumas produções de literatura infantil vêm abordando o tema das migrações. Em termos gerais, a migração é entendida como o processo de mudança de um lugar para outro lugar. Migrar é mudar, movimentar-se: seja entre cidades, entre estados ou entre países. Há muitas especificidades que determinam os processos migratórios, conforme as fronteiras atravessadas, os motivos para a saída e as intenções de escolha em relação aos países de destino. Tais especificidades são nomeadas de diferentes modos, por isso, em relação às pessoas que migram, mudam-se as nomenclaturas pelas quais são reconhecidas: há os migrantes internos, migrantes internacionais, migrantes económicos, refugiados, apátridas, etc. (Organização das Nações Unidas, Inventário de migrações).

As migrações, em suas tantas variáveis, não são um fenómeno novo para a humanidade. Entretanto, nos últimos anos, as migrações internacionais, ou seja, aquelas nas quais se cruzam as fronteiras entre os diferentes Estados-nação, vêm ocupando as agendas e os grandes debates internacionais. Isso se deve ao expressivo número de pessoas que passaram a experienciar a condição de migrantes internacionais, especialmente de 2010 para cá. De acordo com a estimativa mais recente, em 2019, havia cerca de 272 milhões de migrantes internacionais em todo o mundo, um número equivalente a 3.5% da população mundial (Migration Data Portal). O amplo debate que envolve este número, cujo percentual ainda parece pequeno, está ligado ao fato de que há um expressivo aumento de migrantes internacionais, tanto em números absolutos, quando proporcionalmente, em um tempo que vem sendo considerado curto, o que significa que este aumento vem acontecendo mais rápido que o previsto e engendrando uma série de discussões internacionais, levando a compreensão de que se vive uma crise humanitária, no que tange às migrações internacionais. "Uma crise sem precedentes" de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU News).

Ainda em relação aos dados, em 2019, a Europa e a Ásia receberam cerca de oitenta e dois milhões e oitenta e quatro milhões de migrantes internacionais respectivamente, somando 61 % da população mundial total de migrantes internacionais. Em seguida, nesta escala, aparece a América do Norte, com quase cinquenta e nove milhões de migrantes internacionais, o equivalente a 22 % da população mundial de migrantes, depois a África, com 10 %, a América Latina e Caribe, com 4 %, e a Oceania, com 3 % (Migration Data Portal). Nota-se que a proporção de migrantes internacionais ainda parece relativamente pequena nos países latino americanos. Porém, a mesma Organização Internacional para as Migrações alerta que a América Latina está testemunhando uma intensa fase migratória, especialmente, desde o início da crise da Venezuela, em 2014, que fez com que cerca de quatro milhões de pessoas deixassem do país e procurassem os países fronteiriços para viver.

São esses processos recentes que vêm sendo considerados como migrações contemporâneas neste texto. Além disso, junto a este fenómeno as migrações infantis também vêm constituindo um processo significativo. Os dados a respeito das crianças migrantes são apenas prováveis, mas indicam que eles vêm atingindo grandes dimensões. Estima-se que, em 2019, havia trinta e sete vírgula nove milhões de migrantes com menos de vente anos, o que equivale a 14 % de todos os migrantes no mundo. De acordo com Bhabha e Abel, a partir de uma análise de dados produzidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), no que se refere à migração infantil há, pelo menos, dois fatos inquestionáveis: que a escala das migrações infantis está aumentando e que os dados sobre ela estão incompletos. Destaca-se, ainda, que os dados são ainda mais escassos no que se refere às crianças pequenas.

Diante disto, algumas obras de literatura infantil produzidas durante este período das grandes ondas migratórias contemporâneas, chamadas muitas vezes por crise humanitária, abordam o tema. Para fins de análise, foram selecionados cinco títulos, a partir do critério de se tratarem de obras de autores latino americanos, são eles: O barco das crianças, de Mario Vargas Llosa, peruano, ilustrado por Zuzanna Celej, polonesa, traduzido e publicado no Brasil pela editora Alfaguara em 2016; O cometa é um sol que não deu certo, de Tadeu Sarmento, brasileiro, publicado em 2017 pela editora SM; Diálogos de Samira: por dentro da guerra Síria, de autoria de Marcia Camargos e Carla Caruso, brasileiras, publicado pela editora Moderna, em 2015; Eloísa e os bichos e Para onde vamos, ambos de autoria de Jairo Buitrago, colombiano, e ilustrados por Rafael Yockteng, peruano, traduzidos e publicados no Brasil pela editora Pulo do Gato em 2013 e 2016, respectivamente.

Em O barco das crianças, conhecemos Fonchito, um menino curioso que, da janela de casa observa um homem que toda manhã contempla sozinho o oceano. Certo dia, ele decide perguntar o que o homem olha e procura com tanta insistência. Então, o homem, que ora é chamado, também, por moço, ora por "velhinho", e que nunca se define como criança, adulto ou idoso, promete contar uma história a Fonchito. A cada manhã, quando, juntos, observam o oceano, um novo capítulo da história é narrado, enquanto Fonchito espera pelo ónibus da escola. A história conta de um barco cheio de crianças que, desde o século xii, veleja pelos mares do mundo. A narrativa faz referência ao episódio histórico conhecido como Cruzada das Crianças. Com isto, se compõe uma fábula que mistura história e ficção, ao mesmo tempo em que convoca a pensar nas crianças que, sem lugar, transformam uma viagem eterna e um barco em lar.

O moço, ou velhinho, observava o oceano a cada manhã na esperança de voltar a ver o barco das crianças, do qual ele tinha saltado em algum momento, para conhecer o mundo real. Acontece que do barco as crianças não eram vistas por mais ninguém, tornaram-se invisíveis e, certa vez, ele quis descer e ser visto. Conheceu muitos países, aprendeu muitas línguas, tornou-se visível e de carne e osso. Mas já há muitos anos, sonha em voltar a ser criança e retornar ao barco, para navegar entre os mares e se tornar invisível e alegre, junto aos seus companheiros. Quando a história acaba, o velhinho, ou moço, desaparece. Mas Fonchito não o esquece:

Passavam os dias e Fonchito não parava de pensar no velhinho. Às vezes, ficava muito tempo acordado em sua cama, lembrando as palavras que ele usou para descrever a nau: "Não é muito grande. Até pequena, em comparação com os grandes transatlânticos dos nossos dias. Mas muito bonita, com suas velas brancas desfraldadas e, na proa, uma grande figura feminina de madeira que parece ir abrindo as águas do mar para o barco". Recordava, também, o que o velho lhe disse a respeito dos seus companheiros, as crianças cruzadas: "Você precisava ver com seus próprios olhos. São muito alegres e às vezes contam umas canções que chegam até a praia. Umas canções tão lindas que os peixes saem à superfície e os pássaros marinhos pousam nos mastros para ouvi-las, enlevados. Parecem muito felizes. Balançam os braços, acenam e são a impressão de estar muito contentes com a sua incansável peregrinação ao longo do tempo por todos os mares do planeta". (Llosa 97-98)

Fonchito, desse modo, pensa e faz pensar nas crianças invisíveis, destinadas a migrar pelos mares do mundo, e no que há de potência3 - triste e alegre - no seu movimento. Assim como Emanuel, em O cometa é um sol que não deu certo, que nos faz pensar na potência dos cometas: matérias que faziam parte dos sóis espalhadas por todo o Universo, que vagam e procuram um lugar no qual darão certo - como centenas de milhares de migrantes refugiados.

Emanuel é um menino que vive em um campo de refugiados em meio a um deserto. Ele nos apresenta esse campo como um lugar muito quente e muito difícil, no qual é comum que as pessoas estejam tristes, ou com fome, ou com medo, ou, ainda, com as três coisas ao mesmo tempo. Por isso, Emanuel entende que rir, de vez em quando, é importante, uma possibilidade de resistência, enquanto sonha com a chegada em outro país, um país de acolhida. Pois, dentro "do campo, as pessoas também esperam. Aguardam ansiosas as portas do mundo se abrirem para recebê-las" (Sarmento 20).

Foi com a intenção de rir e colorir o deserto que Emanuel e sua família foram expulsos do campo. Um certo dia, Emanuel subiu a colina e chamou as outras crianças para juntos soltarem pipas. Acontece que os líderes do campo não gostaram nada da brincadeira, pois as pipas poderiam indicar onde o grupo estava escondido, tentando se proteger de uma guerra civil.4 E quando souberam que a ideia fora de Emanuel, convocaram uma reunião e decidiram que o menino e toda a sua família deveriam ir embora do campo, pois entenderam que as ideias de Emanuel poderiam colocar em risco todas as pessoas no campo.

Antes de ir, entretanto, com a ajuda de um professor universitário, também refugiado, Emanuel aprendeu sobre os cometas e preparou para todas as pessoas do campo um grande espetáculo: mostrar um cometa que, naquele dia, passou logo acima deles. Emanuel, então, contou como os cometas se formam e que ali, no campo de refugiados, cada um e cada uma, criança ou adulto, também poderiam ser cometas. "Se pudéssemos ver a retina de cada um, veríamos o cometa gravado lá para sempre. Viajando" (Sarmento 101). A despedida não foi fácil e a saída também não:

  • Ainda bem que os dias são grandes o suficiente para que neles também aconteçam coisas boas que ajudam as pessoas a suportar as ruins.

  • Essa é a mensagem que Emanuel passou enquanto esteve no campo. Ensinou sem querer, ou sem perceber que ensinava, que os dias seguem, um depois do outro, porque a Terra continuará seu trabalho de dançar em torno do Sol e dias melhores virão, de um jeito ou de outro.

  • Choveu no dia em que ele e sua família deixaram o campo. Foi algo muito surpreendente, porque havia anos que não chovia no deserto. As pessoas ficaram surpresas e tão alegres que se abraçaram e agradeceram, algumas ne sabiam a quem, mas o fizeram assim mesmo, pois a felicidade não precisa de justificativas.

  • Já as crianças mergulhavam nas poças d'água e brincavam como se estivessem em um clube com piscina. Muitos aproveitaram para tomar banho, para colocar as bacias ao ar livre. Era como se o céu do deserto também chorasse a despedida daquele menino que sempre olhou para cima com bons olhos. (Sarmento 103-104)

Eles conseguiram atravessar o deserto e o mar que davam acesso ao país vizinho e foram acolhidos em um abrigo para refugiados, no qual Emanuel sempre olha pela janela e imagina reencontrar os seus amigos e a Amal, uma menina que sempre fazia perguntas e por quem Emanuel nutria um sentimento diferente. Enquanto isso, Amal, ainda do campo, observa a mesma lua que Emanuel vê pela janela do abrigo, e lembra do menino que jurava que, quando fechava os olhos o sol, permanecia dentro deles.

Em Diálogos de Samira: por dentro da guerra Síria, acompanhamos a troca de e-mails entre Samira, uma menina brasileira, descendente de imigrantes árabes, e Karim, um menino sírio, refugiado no Líbano. A correspondência começa quando Samira estuda na escola a questão das guerras e descobre que, mesmo que se entenda que as duas grandes guerras mundiais tiveram um fim, uma série de conflitos armados ainda está em curso em diferentes regiões de todo o planeta e que, em função disso, muitas pessoas precisam sair de seus países, deixando tudo para trás. Ao contar para mãe de sua angústia quando soube dessas questões, a mãe de Samira, que conhecia a família de Karim, os colocou em contato: em um primeiro momento, as mãe de Samira traduzia seus e-mails do português para o árabe e a mãe de Karim traduzia os e-mails dele do árabe para o português, mas logo as crianças passaram a usar o inglês e os dispositivos de tradução online como língua comum para trocarem correspondências que não precisassem da tradução dos pais, e escreveram cartas de papel, cartas de verdade, um para o outro.

A partir disto, Samira pôde conhecer muitas coisas a respeito da cultura árabe e mulçumana, bem como conhecer as especificidades e as histórias terríveis da guerra civil em curso na Síria, fazendo questionamentos que a levaram, inclusive, a conhecer mais do Brasil: "sabe que uma amiga minha, Cris, pesquisou sobre a violência aqui no Brasil e fiquei impressionada com o número. Imagine, Karim, que morreram 50 mil pessoas assassinadas em 2012!! Parece até que temos uma guerra também" (Camargos e Caruso 103). Assim, Samira e Karim vão aprendendo, juntos, um sobre o outro e sobre o mundo.

Samira consegue repensar muitos pré-conceitos que tinha antes de conhecer o Karim - seus costumes, sua religião e seus gostos. Karim, do outro lado do mundo, consegue fazer o mesmo ao pensar o Brasil pelos olhos de Samira. E ao conversar sobre tudo: futebol, poesia, música, escolas, saudades dos amigos perdidos para a guerra, Samira e Karim construíram um mundo comum, com pontes que colocaram o Brasil, o Líbano e a Síria muito perto. A última troca de correspondências mostra isso:

  • Karim,

  • InshaAllah, seu amigo, Sayed, esteja bem e volte. Eu acredito que isso ainda vai acontecer. Eu fico aqui torcendo. Quero muito que a guerra acabe! E que um dia você possa voltar para a Síria.

  • Beijos!

  • Samira

  • Três dias depois, quando ela menos esperava, o carteiro trouxe uma novidade. Samira correu para abrir o envelope e deparou-se com uma página de papel fininho, escrita à mão, que dizia o seguinte:

  • Samira, finalmente consegui escrever uma carta para você. Uma carta de verdade. O parágrafo está em árabe, para que você consiga ver a minha caligrafia e a beleza do desenho das letras. A outra parte será em inglês, como a sua. Eu fiquei muito feliz, nunca havia recebido uma carta de um país tão distante como o Brasil, que espero, algum dia, no futuro, poder visitar. Eu rezo por isso, e rezo para voltar a Aleppo, assim que essa terrível guerra acabar. Tomara. Karim. (Camargos e Caruso 164-165)

Assim, Samira e Karim estabelecem pela escrita, seja de e-mails ou cartas, uma ética da acolhida, que permite com que duas crianças, em lugares distantes, se preocupem com o mundo, com o que acontece nele e entendam que, independente da distância, a violência e a guerra, são questões coletivas, alteram as vidas em todos os cantos do planeta e podem ser pensadas enquanto uma experiência comum e compartilhada, ainda que com a distância de um oceano. Um jeito de ir aprendendo a viver, como o que criou a Eloísa, de Eloísa e os bichos.

Eloísa conta, em frases curtas e ilustrações narrativas, que não é daqui. Mas que chegou ainda bem pequena. Muitos bichos ocupavam a cidade, enquanto ela ia para a escola e o pai procurava trabalho. E entre os bichos, quem se sentia um bicho estranho era a própria Eloísa: a menos habilidosa, a mais baixinha e aquela que ficava sozinha entre os intervalos. Ela e o pai não conseguiam falar com mais ninguém e, às vezes, até se perdiam pelas ruas. Mas com o passar do tempo, passaram a conhecer as ruas e as formas de se comunicar naquele lugar, fizeram amigos e os dias na escola nova começaram a passar mais depressa.

Os "bichos" passaram todos a se parecer como a Eloísa, que foi fazendo amizades, aprendendo habilidades, e já nem se importava por ser a mais baixa da fila. As coisas mudaram, desta vez para melhor. Isso não significa que a Eloísa tenha esquecido do que ficou para trás, dos outros familiares ou dos outros amigos, mas que uma nova possibilidade de vida foi se construindo naquele novo lugar, como ela nos diz ao encerrar a história: "Eu sei que não nasci aqui...mas foi neste lugar que aprendi a viver" (Buitrago, Eloísa e os bichos).

Em Para onde vamos - a história que abre este artigo - uma menina viaja com o pai. No caminho, vai contando tudo o que vê: galinhas, vacas, pássaros e um coiote que acompanha a viagem. Ela já sabe contar até cem. A menina e o pai atravessam as páginas a pé, em botes e em cima dos trens. Às vezes, param por um tempo em algum lugar. A menina gosta das paradas, pois é quando pode fazer amigos e brincar com outras crianças. Numa das vezes, até ganhou dois coelhos do menino que conheceu.

Não se sabe para onde a menina e o pai vão, mas sabe-se que precisam ir. E, enquanto viajam, a menina vai fazendo da travessia o seu lar. Assim aprende a contar as estrelas - embora os soldados do caminho ela nem conte, pois parecem ser muito mais de cem:

  • - Para onde vamos agora? - eu volto a perguntar, mas ninguém me responde.

  • Algumas noites, quando não consigo dormir, começo a contar as estrelas. São milhares de estrelas, assim como as pessoas.

  • E conto a lua, que está sempre sozinha. Às vezes, também vejo soldados, mas esses eu já nem conto. Acho que são mais de cem.

  • E voltamos a viajar.

  • Mas agora, eu tenho dois coelhos brancos. (Buitrago, Para onde vamos)

Pouco a pouco, começamos a nos sentir em casa

Umberto Eco sustenta que a função da literatura pode ser ampliada quando se eleva a mesma ao estatuto de arte - arte literária. Assim, uma obra pode ser compreendida como um objeto estético, o que torna possível que outras óticas e outras existências possam ser estabelecidas a partir da literatura, como uma forma de ampliação do próprio mundo. Desse modo, ao contrário de uma função estritamente utilitária, a função estética da literatura amplia os modos de dar sentido, de modo que pode ampliar os modos de ser e estar no mundo. De acordo com o autor, uma obra literária é sempre aberta, inacabada e indefinida. E, por isso, abre múltiplas possibilidades. Enquanto um objeto estético, a literatura, que também é arte, assume funções comunicativas que levam à fruição de inúmeras sensações estéticas: perda, conflito, desconstrução - a ansiedade, a tristeza, a dor e a alegria que causam Fonchito, o velhinho-moço, Emanuel, Samira, Karim, Eloísa e a menina que viaja com o pai:

Tem-se discutido, de fato, em estética, sobre a "definitude" e a "abertura" de uma obra de arte: e esses dois termos referem-se a uma situação fruitiva que todos nós experimentamos e que frequentemente somos levados a definir: isto é, uma obra de arte é um objeto produzido por um autor que organiza uma seção de efeitos comunicativos de modo que cada possível fruidor possa recompreender (através do jogo de respostas a configuração de efeitos sentida como estimulo pela sensibilidade e pela inteligência) a mencionada obra, a forma originária imaginada pelo autor. Nesse sentido, o autor produz uma forma acabada em si, desejando que a forma em questão seja compreendida e fruída tal como a produziu; todavia, no ato de reação a teia dos estímulos e de compreensão de suas relações, cada fruidor traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmente condicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma originária. se verifica segundo uma determinada perspectiva individual. No fundo, a forma torna-se esteticamente válida na medida em que pode ser vista e compreendida segundo multíplices perspectivas, manifestando riqueza de aspectos e ressonâncias. (Eco 40)

Com isto, engendra-se a possibilidade de tomar a literatura, mais especificamente, a literatura infantil enquanto um problema político. Assim, torna-se possível pensar uma política da narratividade, enquanto uma forma de expressão do que nos acontece, afeta e surpreende nas tramas das existências sempre conectadas. Assim, na literatura infantil há, também, uma aposta política e ética de tonar possíveis as existências. Para Deleuze a isto se chama estilo:

Às vezes basta um gesto ou uma palavra. São os estilos de vida, sempre implicados, que nos constituem de um jeito ou de outro. [...] Mas se há nisso uma ética, há também uma estética. O estilo, num grande escritor, é sempre também um estilo de vida, de nenhum modo algo pessoal, mas a invenção de uma possibilidade de vida, de um modo de existência. (Conversações 126)

É assim que podemos criar e dar formas às coisas e aos sujeitos, dito de outro modo, é assim que inventamos o mundo.

Afirmar que a literatura infantil pode operar enquanto objeto estético não é, entretanto, fazer dela um dispositivo estilístico retórico, que a restringiria a função de entretenimento para as crianças. Como apontam Deleuze e Guattari:

as figuras estéticas (e o estilo que as cria) não têm nada a ver com a retórica. São sensações: perceptos e afetos, paisagens e rostos, visões e devires. [...] Estes universos não são nem virtuais, nem atuais, são possíveis, o possível como categoria estética ("possível, por favor, senão eu sufoco"), a existência do possível. (O que é a filosofia? 228-229)

Nessa perspectiva, não se escreve por memória, representando um suposto mundo, mas por fabulação, sendo que a fabulação sempre é a criação de gigantes, na medida em que carrega a vida para além de qualquer percepção vivida.

Assim, trata-se de compreender a estética na literatura infantil, enquanto uma operação feita na e pela língua, que pode dizer, não dizer e dizer de modos outros, insurgindo-se entre as cisões dicotômicas de uma lógica binária, que funciona a partir de fronteiras, do que é e do que não é. Ao operar no entre (Hillesheim) a literatura infantil se posiciona nos intervalos, nas zonas de passagens e de contaminações, torcendo a língua até que ela possa dizer outras coisas. Torna-se, portanto, a cada instante, uma contingência: podendo ser e não ser e, ainda, ser de outros modos.

Pela estética, a literatura infantil pode ser uma língua do entre, inesperada e estrangeira, ainda que aconteça na língua de todo o dia, que marcam as nações e suas possibilidades de comunicação. Faz um uso estrangeiro da língua (Deleuze, Conversações), que pode se tornar um movimento contracomunicativo, um movimento de resistência e um movimento de invenção, pela potência inesgotável da língua. Um efeito estético que convoca a um efeito ético: de chamada ao presente, aos fenómenos contemporâneos, à vida comum e compartilhada - mesmo entre as grandes distâncias geográficas e as grandes fronteiras, concretas e simbólicas. A arte literária permite viver a experiência do intervalo, da pausa e da espera, ao tempo em que constrói pontes: entre os tempos e os lugares.

Apenas o encontro com a alteridade permite alcançar uma dimensão ética da existência. Uma ética possível, que cria mundos e tem efeitos na formação dos próprios sujeitos. Desse modo, a ética passa pelo rigor: com os agenciamentos, com os singulares, os inesperados, os imprevistos e as invenções, a partir do compromisso com as forças que atravessam o campo, compondo e multiplicando sentidos. Ética, estética e política configuram a própria possibilidade de criação e recriação, de acolhida e de encontro com a diferença, com modos de ser que desafiam as regras e as configurações pré-estabelecidas. A arte é feita de trajetos e devires que constroem mapas extensivos e intensivos, a partir de trajetos que não são reais e de devires que não são imaginários (Deleuze, Crítica e clínica) - é esta união que promove algo de único que pertence à experiência da arte e que, aqui, estende-se à arte literária que compõe os livros de literatura infantil.

O caráter político da literatura infantil opera ao instaurar uma possibilidade de confronto entre as macropolíticas e as micropolíticas, ou seja, entre as normas já instituídas e as práticas singulares de modos de viver. O vetor político tem como efeito a desestabilização de normas que encerram as existências em modos de ser definidos a priori, bem como tensiona práticas que reatualizam experiências dicotômicas, como a oposição binária nós e eles e as experiências homogeneizantes, que insistem em apagar diferenças, excluindo determinados corpos e determinadas narrativas. O caráter político é possível quando as práticas se tornam expressões de existências que ensejam criações para o viver. No que se refere à literatura infantil, aponta para a possibilidade de nos despedirmos da infância como uma etapa a ser superada, para que ela possa ser assumida como um exercício ético:

Momento da despedida e de luta. Quem sabe seja esse o momento da História da Infantilidade para nos despedir de alguns espectros que constituíram nossa modernidade, e o advento de uma luminosidade e de um modo de enunciação que, finalmente, acabem por reconhecer na diversidade a singularidade de nossos infantis? Talvez, pela porção infantil de indivíduos modernos que ainda somos, possamos prosseguir a forma de luta contra aquilo que nos liga a nós mesmas/os e nos submete, deste modo, aos outros: lutas contra a sujeição, as formas de subjetivação e de submissão de nossa subjetividade. Desse modo, talvez possamos promover novos exercícios éticos de práticas de liberdade ao redor das formas pelas quais fomos subjetivadas/os como indivíduos infantis, e que nos foram impostas há tantos séculos. Nessas relações revividas - em que a consciência se torna modesta e o corpo é fruto do acaso e não de um continuum -, o infantil contemporâneo parece lutar com ar- mas da infância. (Corazza 359)

Nessa perspectiva, a literatura adjetivada do infantil, enquanto objeto estético e de chamada ética, pode operar, ainda, pela infância, como uma política. Uma política da ausência de coisas prontas a serem ditas, que assume a negação de infans e, com isto, a possibilidade de viver em um mundo sem fundamentos, sem lógicas universais e totalizantes, e, então, pode ressignificar as próprias coisas e os próprios sujeitos. Trata-se de assumir a literatura infantil, em seus efeitos estéticos, éticos e políticos - que, no caso das migrações internacionais contemporâneas, transforma os números, as crises e os riscos, também, em histórias. Garante, assim, a invenção de outras narrativas para estes movimentos, pela máxima de que, seja no banco vendo o mar, no campo de refugiados, por e-mails ou cartas, entre os bichos que se tornam iguais, ou, ainda, viajando... "pouco a pouco, começamos a nos sentir em casa" (Buitrago, Eloísa e os bichos).

Uma política da infância,

é também uma aposta pela transformação, pela inquietude, pelo não conformismo, pela perspectiva de um vir a ser de outra maneira que não pode ser antecipado nem previsto. É a afirmação de uma política que se recusa a aceitar o que é, mas não postula um deve ser. (Kohan 250)

A infância da literatura infantil, surge, portanto, como uma possibilidade de assumir a fábula e a ficção, as verdades e as não verdades, as descontinuidades e as rupturas como condição. Um processo de obra aberta, a todo o tempo, como afirmava Umberto Eco ao escrever sobre a literatura: uma abertura ao imprevisto, ao que sequer sabemos que podemos, ao que sempre pode ser compreendido, lido, de outras formas.

Mas é a praia que é a borda do mar ou o mar que é a borda da praia?

A partir das leituras de Baruch Espinosa, Gilles Deleuze define a noção de potência a partir da possibilidade de ação que determinados encontros instauram. Os encontros são, sempre entre corpos - de todas as ordens: humanos, inumanos, institucionais ou linguísticos - que, quando se chocam, produzem movimentos, na medida em que são afetados pelo encontro produzido. Os efeitos desse choque-encontro não podem ser pré determinados, mas eles sempre produzem potência de agir. Assim, o autor afirma que a alegria e a tristeza dão direções de potência aos encontros: um encontro alegre, aumenta a potência de agir, enquanto um encontro triste, é aquele que decompõe e diminui a potência de ação. De toda a forma, um encontro sempre se dá em potência: "quando um corpo encontra outro corpo, uma ideia outra ideia, tanto acontece que as duas relações se compõem para formar um todo mais potente" (Espinosa 25).

A literatura infantil produzida nos últimos anos na América Latina mostra-se atenta aos fenômenos contemporâneos, produzindo encontros a partir de temáticas que movimentam o mundo, como as novas ondas de migrações internacionais. Assim, a literatura infantil pode ser posicionada tanto entre as forças de controle, quanto - e talvez principalmente - entre as forças que escapam e resistem às formas tristes que diminuem a potência de agir. Em seus efeitos éticos, estéticos e políticos, a literatura infantil subverte as lógicas dominantes e naturalizadas e faz perguntar: como permitimos a invisibilidade das crianças migrantes? E dos campos de refugiados? E das guerras em curso neste momento? E daqueles que não conseguem chegar e não podem voltar? E, afinal, "é a praia que é a borda do mar ou o mar que é a borda da praia?" (Sarmento 13).

Foucault (A grande estrangeira) ao pensar a questão das obras de literatura, define a escrita como a possibilidade de abertura a um espaço onde aquele que escreve desaparece a todo o tempo, na medida em que deixa de importar a identidade do autor, e importa a intensidade do que se escreve. Em uma obra, portanto, a escrita é intensiva, não tendo a intenção de esgotar a língua e dizer tudo. É assim que uma obra prescinde de individualidades identitárias, decompondo o indivíduo que, ao escrever através da expressão de singularidades, se aproxima da impessoalidade. Uma obra, portanto, faz notar a vida vivida, para além das vidas individuais.

Isso torna provável a ideia de que ficcionar um percurso que estremeça os arranjos pré-estabelecidos e opere em guerras e alianças. Um percurso aberto aos encontros inesperado, às interpretações outras e às histórias múltiplas, que permitam existências pautadas pelas diferenças - pela alteridade que é condição para a ética. Um percurso no qual "em meio a um tempo cindido e replicado em vários, um sujeito se liga às aventuras de um caminhar envolto em paisagens insólitas e escorregadias" (Farina, Barone, Fonseca e Moehlecker 301). Um percurso compartilhado que faz notar que a vida está para além das individualidades e que importa pensar nos processos de construção do mundo. Portanto, um percurso no qual os

passos o levam para os descaminhos da invenção, em sua potência de ousadia e entrega a absurdos instantes mínimos, cercados de vibração e desmanche. Um movimento intensivo sucumbe aos excessos do Fora e passa a desejar a estética de uma vida, em uma zona fronteiriça que conecta subjetivação e contorno inventado (302).

Dos encontros com o campo de produção e dos efeitos da literatura infantil, emerge uma transformação possível, um percurso possível e aberto: a migração, tal como a literatura, passa a operar pelo infantil que carrega - uma migração marcada pelo infantil que se faz presente na e com a literatura infantil. Assim, as obras e os personagens, podem funcionar como infâncias-migrantes: duas pontas de começos, que engendram experimentações da experiência migrante pela literatura e afirmam a diferença, o novo e o não determinado. Afinal, como dizia-se ainda no começo deste artigo: "há muitas coisas neste mundo que fogem do controle da razão. Coisas estranhas, surpreendentes, incríveis, fantásticas. A vida também está cheia delas e são elas, justamente, que evitam que a nossa existência seja monótona, uma rotina previsível" (Llosa 28). As infâncias-migrantes, cujas existências são possíveis na literatura infantil, assumem o seu lugar de recém-chegados e resistem, como se insistissem em restaurar a infância nas narrativas sobre as migrações. A infância do mundo - tarefa da literatura.

Referências

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1 Todos os subtítulos correspondem a trechos dos livros de literatura infantil analisados ao longo do artigo.

2 Griffos da autora.

3Ver Deleuze (Espinosa). O conceito de potência será retomado na seção final do artigo.

4O livro faz referência à guerra civil em curso na Síria, desde o ano de 2011.

Cómo citar este artículo (MLA): Couto, Caroline, y Betina Hillesheim. "Literatura infantil: diálogos com as migrações contemporâneas". Literatura: teoría, historia, crítica, vol. 23, mim. 2, 2021, págs. 217-244.

Sobre os autores

Caroline Couto é psicóloga. Mestre em Educação (UNISC). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/PROSUC - Brasil).

Betina Hillesheim é psicóloga. Doutora em Psicologia (PUCRS). Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Mestrado Profissional em Psicologia (UNISC).

Recebido: 29 de Novembro de 2020; Aceito: 16 de Março de 2021

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