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Territorios

versão impressa ISSN 0123-8418versão On-line ISSN 2215-7484

Territ.  no.50 Bogotá jan./jun. 2024  Epub 29-Fev-2024

https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/territorios/a.12991 

Sección general

Cidades e literatura: um ensaio tipológico para um vazio investigativo

Cities and Literature: A Typological Essay for an Investigative Void

Ciudades y literatura: un ensayo tipológico para un vacío investigativo

Manoela Massuchetto Jazar* 
http://orcid.org/0000-0002-7627-8346

Clovis Ultramari** 
http://orcid.org/0000-0002-6441-3547

* Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Brasil). Correio eletrônico: manoelamj.arq@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7627-8346

** Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Brasil). Correio eletrônico: ultramari@yahoo.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6441-3547


RESUMEN

En este artículo, se aborda la literatura como una fuente complementaria para comprender las complejidades urbanas, considerando que las narrativas literarias pueden explicar y sintetizar aspectos de la experiencia, la historia y la cultura de una ciudad, muchas veces desapercibidos para análisis técnicos cuantitativos e incluso cualitativos. A partir de la lectura de 65 obras literarias variadas, de autores brasileños y extranjeros, se creó una tipología de posibles representaciones de la ciudad en la literatura. De esta lectura emergen seis "ciudades tipo", que comúnmente se observan superpuestas: Ciudad-retrato, ciudad-seudónimo, no ciudad, ciudad-memoria, ciudad-metáfora y ciudad-crítica. Se concluye que este ejercicio tipológico será siempre inconcluso; pero con la certeza de que pueden servir para, al mismo tiempo, comprender mejor las ciudades, fomentar el debate sobre ellas y enriquecer métodos investigativos del campo de los estudios urbanos.

Palabras clave: Ciudad y literatura; tipologías urbanas; vacíos investigativos; historia cultural urbana; narrativas literarias

RESUMO

Neste artigo, abordamos a literatura como fonte complementar para se entender as complexidades urbanas, considerando que narrativas literárias podem explicitar e sintetizar aspectos da vivência, da história e da cultura de uma cidade, muitas vezes despercebidos por análises técnicas quantitativas e mesmo qualitativas. A partir da leitura de 65 obras literárias variadas, de autores brasileiros e estrangeiros, criamos uma tipologia das possíveis representações da cidade na literatura. Dessa leitura surgem seis "cidades-tipo" que, de modo geral, ocorrem de forma sobreposta: Cidade-retrato, cidade-pseudônimo, não-cidade, cidade-memória, cidade--metáfora e cidade-crítica. Concluímos que este exercício tipológico será sempre inconcluso, porém, com a certeza que pode contribuir para, a um tempo, aprimorar a compreensão sobre nossas cidades, incentivar o debate sobre elas e enriquecer métodos investigativos no campo dos estudos urbanos.

Palavras-chave: Cidade e literatura; tipologias urbanas; vazios investigativos; história cultural urbana; narrativas literárias

ABSTRACT

In this article, we approach literature as a complementary source to understand urban complexities, considering that literary narratives can explain and synthesize aspects of a city's experience, history, and culture, often unnoticed by quantitative and even qualitative technical analyses. From reading 65 literary books by Brazilian and foreign authors, we created a typology of possible representations of the city in literature. From this reading, six "type cities" emerged, which are commonly observed superimposed on reality: City-portrait, city-pseudonym, non-city, city-memory, city-metaphor and city-criticism. We conclude that this typological exercise will always be inconclusive, however, with the certainty that it constitutes an important tool to, at the same time, better understand our cities, encourage debate about them, and enrich investigative methods in the field of urban studies.

Keywords: Cities and literature; urban typologies; investigative void; urban cultural history; literary narratives

Introdução

Partindo do pressuposto de que a literatura é um elemento provocador de discussões sobre a cidade, seus compartimentos, e seus elementos constituintes, este artigo apresenta e discute como essa mesma fonte de informações pode representar o espaço urbano, tornando-o mais claro quando estudado a partir da vivência urbana.

A partir do século XIX, a relação entre literatura e experiência urbana se explicita justificada sobretudo pelo próprio crescimento do fenômeno urbano e da visão de mudança e progresso que a ele era imputado. O romance - gênero literário em prosa mais comum nessa época - passa a informar, comentar e reconstruir as práticas e experiências urbanas resultantes da revolução industrial e seus impactos. Trata-se de momentos históricos absolutamente caros para se entender a cidade contemporânea: "além do conjunto de experiências dos habitantes das cidades narrado, o que se nota [...] é que a própria cidade [passa] a ser uma personagem, deixando de ser apenas palco ou cenário dos acontecimentos" (Castro, 2015, p. 1). A partir desse período, de modo mais explícito, a cidade passa a ser entendida não apenas pelo olhar de quem formalmente a pensa, mas começa a ser explicada por uma multitude de discursos: "A cidade é objeto da produção de imagens e discursos que se colocam no lugar da materialidade e do social que os representam [...]" (Pesavento, 2007, p. 14).

Todavia, se concluímos pela potencialidade e diversidade de fontes para se entender a cidade, sua aplicação ainda permanece restrita, sugerindo a existência de um "vazio investigativo", ou seja, uma lacuna com potencial teórico ainda pouco esmiuçado no contexto dos estudos urbanos. Integra esse vazio investigativo não apenas a literatura, mas outras fontes como, por exemplo, as estatísticas emergentes e as estatísticas não-oficiais. Para o primeiro caso, pesquisa da revista Nature (Van Noorden, 2014) atesta o uso crescente, mas longe de ser esgotado, das mídias sociais como fonte para pesquisas científicas; para o segundo, Sousa (2021) demonstra que dados oficiais há muito "não conseguem dar conta das favelas e periferias. Várias organizações da sociedade civil têm se movimentado para produzir dados que sejam coerentes com áreas e realidades específicas" (p. x). Esse novo conjunto de fontes, complementar ou alternativo, reduziria o vazio investi-gativo que ora se observa e contribuiria para a mitigação do frequente desalento em ensaios conceituais sobre a cidade, conforme descrito por Ultramari (2017). Em síntese, numa digressão a partir do ensaio de João do Rio (1908/2016) sobre as ruas da cidade, "os dicionários só são considerados fontes fáceis de completo saber pelos que nunca os folhearam. Abri o primeiro, abri o segundo, [...]. A rua era para eles apenas um alinhado de fachadas... " (p. 10).

Esse vazio investigativo, entendido como um potencial, como "o intervalo entre os fragmentos [de conhecimentos] é determinante, pois é precisamente nesses intervalos que surgem campos de possibilidades para novos nexos de compreensão" (Jacques, 2015, p. 52). É com a hipótese desse potencial que propomos a exploração de uma das tantas camadas da complexidade urbana por meio de um jogo contínuo de representação e interpretação.

Procedimentos e tipologia

A proposta de diferenciação dos papéis da cidade é baseada no conceito de Weber (1981) para a construção de uma tipologia na qual se preocupa menos com a imitação da realidade, e mais com abstrações do real, simplificações e generalizações que expõem particularidades ou totalidades de um fenômeno. A construção de uma tipologia se apresenta como um instrumento e recurso analítico baseado em conceitos de representações urbanas e significância do espaço em diferentes narrativas literárias. A criação de tipos tem como propósito ordenar esferas do real e facilitar sua análise num processo relativo de neutralidade - uma vez que o pesquisador também possui pré-conceitos e valores sobre a realidade.

Esses tipos funcionam como um instrumento comparativo de projeções literárias sobre o espaço urbano que estabelecemos a partir de leituras anteriores à própria investigação - e que são res-significadas no contexto da pesquisa. No decorrer da análise textual, observamos que os espaços narrados são descritos por meio de diferentes linguagens, permitindo compreender não só a importância dos lugares para o desenvolvimento das narrativas e seus personagens, mas também a relação desses com o autor e a realidade.

Caracterizações territoriais e geográficas usualmente conferem à cidade o papel trivial de um cenário que serve como elemento de apoio para os acontecimentos da narrativa; normalmente identificamos a cidade como palco de ações, vontades e impulsos fundamentais para o desenvolvimento pessoal de personagens. As representações da cidade podem ser mais ou menos valorizadas, dependendo do número de informações acerca desse espaço e até que ponto essas informações influenciam o enredo.

A criação do espaço no texto literário serve a variados propósitos: Caracterizar personagens, situar-lhes no contexto socioeconômico e psicológico em que vivem; influenciar personagens e sofrer com suas ações; propiciar ações; situar personagens geograficamente; representar sentimentos vividos por personagens; estabelecer contraste entre personagens; e antecipar a narrativa (Borges Filho, 2008). A interpretação dessas funções, pois, abrange a vida social e todas as relações do espaço com os personagens, seja no âmbito cultural ou físico.

A literatura contemporânea, eminentemente urbana, une-se a outros discursos culturais, e permite leituras múltiplas e diversificadas sobre a cidade. Mais que um mero cenário, portanto, o espaço urbano ganha destaque como um protagonista narrativo em que se substitui a simples caracterização do local em que são repercutidas ações de personagens por uma ambientação que condiciona o enredo: Os eventos narrados não poderiam ocorrer a outro momento, de outra forma e, principalmente, em outro lugar (Ultramari & Jazar, 2016).

A construção narrativa de jogos de figuração do espaço urbano - fictício ou real, específico ou genérico - está atrelada à experiência da cidade, permitindo oferecer relatos da vida cotidiana, apresentando informações sobre indivíduos e sociedade; essa vivência urbana é traduzida em diálogos, conflitos e múltiplas vozes narrativas, enfatizando fragmentações e temporalidades do mundo (Castro, 2016). Compreendemos, assim, que tanto a literatura que reconstrói um passado remoto quanto aquela que projeta ficcionalmente o futuro são testemunhos do seu tempo (Pesavento, 2006), refletindo um imaginário urbano e, por meio de metáforas e projeções, induzindo a representação figurativa do espaço no texto, articulando e transformando significados.

As formas de representação e interpretação da cidade em narrativas são subjetivas e por isso o protagonismo urbano na literatura é exercido de diferentes formas. É possível considerar a existência de tipos de "cidades literárias" a partir de dois aspectos considerados fundamentais: A relevância do tempo e do espaço urbano para o desenvolvimento narrativo, e o sentido pretendido na retratação da realidade. De fato, "as tramas são imaginadas, os personagens são fictícios, mas o universo do social e a sensibilidade de uma época se revelam diante do leitor de maneira verossímil, convincente" (Pesavento, 2007, p. 18).

Ainda que a definição de títulos, autores ou contextos espaciais e temporais utilizados para o exercício empírico que desenvolvemos neste artigo tenha ocorrido de modo exploratório, três parâmetros foram adotados: A seleção de narrativas reconhecidas pela relevância literária, que apresentam a cidade como elemento fundamental para desenvolvimento de seus enredos, e que abranjam um recorte temporal longo, de fins do século XIX aos dias atuais. Sem dúvida, outros recortes temporais ou especificidades regionais resultariam em outros tipos; aquilo que aqui apresentamos deve ser entendido como uma tipologia reconhecidamente ampliada.

O uso - para fins deste artigo - das 65 obras literárias referenciadas é iniciado por um conjunto bem menor, definido por referências anteriores, comumente reconhecidas como obras literárias que interagem com o fenômeno urbano. Esse acervo inicial, e que levou às outras obras, é constituído por livros de Machado de Assis (1839-1908), João do Rio (18811921), Rubem Fonseca (1925-2020) ou Lima Barreto (1881-1922) para Rio de Janeiro; Guilherme de Almeida (18901969), Oswald (1890-1954) e Mário de Andrade (1893-1945) para São Paulo; Milton Hatoum (1952-) para Manaus; Balzac (1799-1850), Zola (1840-1902), Baudelaire (1821-1867) ou Victor Hugo (1802-1885) para Paris; Dickens (18121-870) para Londres; Eça de Queirós (1845-1900) ou Cesário Verde (1855-1886) para Lisboa; Dostoiévski (1821-1881) para São Petersburgo; e Pamuk (1952-) para Istambul, dentre outros (Gomes, 1997; Ultramari & Jazar, 2016). Pela valorização recente de uma nova literatura, passa a ser valorizada também a cidade informal ou esquecida. São exemplos, para o caso brasileiro, dentre muitos que mais recentemente ganharam notoriedade, as margens do rio Tietê na São Paulo de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), e o bairro Anchieta em Belo Horizonte de Conceição Evaristo (1946-), por exemplo (Ultramari & Andreoli, 2021).

Do mesmo modo que o conjunto de obras literárias selecionadas foi se definindo ao longo do processo investigativo, a definição tipológica foi se esclarecendo no acumulado das leituras feitas. Num primeiro momento, entendíamos a cidade por meio de duas tipologias apenas: A das cidades reais, descritas de forma precisa na literatura, e a das cidades imaginárias.

Essa simplificação logo se mostrou insuficiente, sugerindo matizes intermediárias ou distintas intrinsicamente. Essa complexificação se deu a partir de novas leituras de obras literárias, da leitura de artigos que as discutiam a partir de uma perspectiva "urbana", e de discussões metodológicas entre os autores deste artigo. Ao final, reconhecemos seis tipologias e características principais, sempre sujeitas a novas revisões: Correspondência (cidade-retrato), verossimilhança (cidade--pseudônimo), contraste (não-cidade), intangibilidade (cidade-memória), abstração (cidade-metáfora), e opinião (cidade--crítica).

Cidade-retrato

Cidade-retrato é aquela cujas características espaciais são traduzidas em detalhe na narrativa literária, respeitando uma abordagem tendencialmente relatorial, vinculando referência e representação por meio de uma visão espaço-temporal definida, e assemelhando-se de fontes oficiais e tradicionais de pesquisa: "[... ] writers [...] design these settings in a rather realistic way, sometimes even that realistic that one could as well use the novels in question as guidebooks to the described region or city" (Piatti et al., 2009, p. 180). Exemplos desse tipo de análise de mapeamento da literatura podem ser encontrados nos trabalhos de Bradbury (1996), Moretti (1997) e muitos outros.

Representações de cidade-retrato no contexto brasileiro podem ser encontradas em obras de Machado de Assis, autor que, com raras exceções, descreve o Rio de Janeiro com especificidades (Bueno, 2012), vinculando comportamentos sociais e condições econômicas dos personagens aos espaços em que vivem. A confirmação dessa recorrência de cidade-retrato em Machado de Assis pode ser confirmada no projeto "Rio de Machado", idealizado a partir de uma lista de 81 endereços citados nas obras e 20 locais associados à rotina do escritor (Brisolla, 2014). Na sua cidade-retrato, reconhecidamente, há também o "projeto de cidade". De fato, o desejo modernista-europeu vivenciado no Rio de Janeiro, no início do século xx, é facilmente observado em Esaú e Jacó (1975), Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), e Dom Casmurro (1899). Abaixo, da trama de Bentinho e Capitu, selecionamos algumas referências:

Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia. há bastantes anos, lembrou-me de reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu. (De Assis 1899/2007, p. 11)

Entramos no Passeio Público. Algumas caras velhas, outras doentes ou só vadias se espalhavam melancolicamente no caminho que vai da porta ao terraço. Seguimos para o terraço. Andando, para me dar ânimo, falei do jardim. (p. 31)

Este gosto de imitar as francesas da Rua do Ouvidor, dizia-me José Dias andando e comentando a queda, é evidentemente um erro. As nossas moças devem andar como sempre andaram, com seu vagar e paciência, e não este tique-tique afrancesado. (p. 60)

Quanto mais andava aquela Rua dos Barbonos, mais me aterrava a ideia de chegar à casa, de entrar, de ouvir os prantos, de ver um corpo defunto. (p. 79)

Ainda para o Rio de Janeiro, os romances e crônicas de Lima Barreto também revelam uma cidade de contrastes e transformações; em seu texto é possível reconhecer um retrato da reforma Pereira Passos, da construção do novo porto, e da expansão para a Zona Sul. Barreto também exalta bairros do subúrbio, registra o crescimento urbano e valoriza a geografia e a paisagem genuinamente cariocas. De seus trajetos em trem, entre o centro e o subúrbio cariocas, "[... ] encontrava tempo para observar não só passageiros, como as arquiteturas das várias estações, os vizinhos, os aristocratas do local, os funcionários públicos como ele, os estudantes, os humilhados, os operários, as moças [...]" (Schwarcz, 2017, p. 123). Tais retratos proliferam igualmente em Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), e O triste fim de Policarpo Quaresma (1915). Desta última, destacamos:

Os subúrbios do Rio de Janeiro são a mais curiosa cousa em matéria de edificação de cidade. A topografia do local, caprichosamente montuosa, influiu decerto para tal aspecto, mais influíram, porém, os azares das construções. Nada mais irregular, mais caprichoso, mais sem plano qualquer, pode ser imaginado. As casas surgiam como se fossem semeadas ao vento e, conforme as casas, as ruas se fizeram. Há algumas delas que começam largas como boulevards e acabam estreitas que nem vielas; dão voltas, circuitos inúteis e parecem fugir ao alinhamento reto com um ódio tenaz e sagrado [...]. Num trecho, há casas amontoadas umas sobre outras numa angústia de espaço desoladora, logo adiante um vasto campo abre ao nosso olhar uma ampla perspectiva. (p. 41)

O doutor desceu a escada da varanda, [... ] Ricardo vivia ainda na sua casa de cômodos dos subúrbios, [... ] Toda a cidade o tinha na consideração devida e ele quase se julgava ao termo da sua carreira. Faltava o assentimento de Botafogo, mas estava certo de obter. (p. 68)

Tal qual já praticado pelo uso de dados mais tradicionais no entendimento da cidade, a multiplicidade de fontes é sempre positiva, seja pelo potencial de aportar outras camadas de compreensão, por garantir uma compreensão multidisciplinar e por eventualmente sugerir miradas antagônicas. No caso do Rio de Janeiro e o mesmo recorte temporal, essa multiplicidade de fontes, agora literária, poderia ser obtida, minimamente, com Machado de Assis, Lima Barreto e as crônicas de jornal de João do Rio, as quais

[... ] recompõem no tempo presente reminiscências e experiências passadas, contando as cidades do passado que as cidades de hoje encerram. Seria impensável mergulhar nos valores, nas maneiras, no proceder de uma época sem ter em conta cronistas como João do Rio ou Bilac, para a Capital Federal de 1900. (Pesavento, 2007, p. 19)

Para São Paulo, a tipologia "cidade--retrato" pode ser exemplificada na obra de Guilherme de Almeida, autor de Pela Cidade (2004a) e Cosmópolis (2004b), onde ele se dedica à tradução de uma metrópole em formação e desejos cosmopolitas. Aí se observa o retrato do cotidiano em transformação e uma condescendência analítica frente aos novos problemas urbanos que já eram percetíveis na metrópole brasileira (Ultramari et al., 2018). Apontamos alguns exemplos dessa construção:

Alto da Mooca. É aqui em cima que moram todos os ventos de São Paulo. Rua do Oratório: Que não é rua e não tem nenhum oratório. Uma subida alongada, cansada, arrastada. Vai, não vai [...]. O bairro húngaro de São Paulo. (Almeida, 2004b, p. 13)

Vou num declínio da tarde, pela Rua Correia Dias. A rua é reta, plana e bem calçada. Mas, de repente, quebra-se e descamba numa ladeira brusca e trôpega, de terra estorricada e despenca, de buraco em buraco, até uma estrada transversal, vermelha, calma, repousante, que se chama Rua Jurubatuba. [...]. Desço ao vale, espremido entre o recorte alto de Vila Mariana e o apinhado baixo do Cambuci. Uma frescura serrana. [...] E de onde são vocês? Somos de Bringança [... ] Portugal. (p. 50)

Rua curva, corcovada, de um só quarteirão e com três casas somente [... ] era apenas uma estrada rústica. [... ] aí [bairro do Pa-caembu] assentei a minha casa, porque o lugar era tão alto e tão sozinho, que eu nem precisava erguer os olhos para olhar o céu, nem baixar o pensamento para pensar em mim. (p. 65)

Tais obras de Guilherme de Almeida, a despeito de "retratarem" a São Paulo dos anos 1930 e 1940 do mesmo modo que fontes tradicionais, merecem restrições em seu uso e requerem análises dialéticas. Em seus textos, a visão fractal na descrição do complexo urbano e um desejo de universalidade das ideias se evidenciam, retirando do "retrato" outros compartimentos da cidade. Há, pois, claramente, uma carência da representação da dicotomia entre áreas mais e menos urbanizadas, um debate sobre a apropriação da cidade, a distribuição espacial da renda, da qualidade da vida urbana, e da oferta de serviços e de infraestruturas (Ultramari et al., 2018).

Ainda no Brasil, Bahia de Todos os Santos (1945/2012), de Jorge Amado (1912-2001), revela a "cidade-retrato" de Salvador, incorporando discursos urbanísticos oficiais e as práticas urbanísticas realizadas ao longo do século XX (Wan--Dall Junior, 2014). Na pretensão do próprio autor, essa obra com descrições sobre materialidades e imaterialidades de Salvador teria se convertido na "enciclopédia da vida baiana" (Amado, 2012, pp. 7-8).

No cenário internacional, nossa pesquisa exloratória enfatiza as obras de Eça de Queiroz como exemplos da tipologia em questão, por conter descrições precisas de ruas, igrejas, hotéis, praças, esquinas, comércios, monumentos, avenidas e outras particularidades de Lisboa que, à época, reproduzia o modelo parisiense dos bulevares. Os relatos de Eça estão temporal e geograficamente recortados: A Arcada (Terreiro do Paço), Rossio, antigo Passeio Público (Restauradores e Avenida da Liberdade), Bairro Alto, Chiado, Cais do Sodré etc. O crime do Padre Amaro (1875), O primo Basílio (1878), Os maias (1888), entre outras obras do autor, confirmam essa intenção e retratismo: "O dia (dizia ele) tinha-o todo tomado: Andava procurando casa, andava estudando mobílias... Mas era fácil encontrá-lo pelo Chiado e pelo Loreto, a rondar e a farejar - ou então no fundo de tipoias de praça, batendo a meio galope, num espalhafato de aventura" (Queiroz, 1988/2019, p. 173). Os exemplos seguem.

Algumas cidades são privilegiadas pela densidade de seus retratos literários, pelas séries históricas que deles desfrutam e por uma esperada multiplicidade de debates que despertam. Sempre em narrativas vinculadas a processos de intensa mudança urbana, vale lembrar de Charles Dickens, com Oliver Twist (1838), que relata Londres e, com Um conto de duas cidades (1859), que adiciona Paris; Virginia Woolf (1882-1941), com sua coletânea de narrativas intitulada Londres (1931), detalha o cotidiano dessa cidade, suas catedrais, seu Parlamento, ruas, docas e casas; e James Joyce (1882-1941), com Ulisses (1922), descreve a mítica Dublin. Nesse último caso, o próprio autor atesta: "I want [..] to give a picture of Dublin so complete that if the city one day suddenly disappeared from the earth it could ' be reconstructed out of my book" (Joyce, citado em Budgen, 1972, p. 69).

Grandes projetos urbanos - os quais contam com um conjunto amplo de cidades retratadas em distintas geografias - são esperadamente retratados na história de Paris. São exemplos conhecidos a obra Notre-Dame de Paris (1831), de Victor Hugo, com descrições de um urbano medieval, e As flores do mal (1857), de Baudelaire, com os resultados das reformas urbanas na Paris de Haussmann, no século xix. No segundo caso, é recorrente considerar Baudelaire como a grande referência relatorial do momento: "quem melhor soube traduzir o efeito temível da rapidez com que essas obras eram executadas?" (Menezes, 2008, p. 120).

Assim, "Fecundou-me de súbito a fértil memória. / Quando eu cruzava a passo o novo Carrossel. / Foi-se a velha Paris (de uma cidade a história/ Depressa muda mais que um coração infiel) (Baudelaire, 1985, pp. 326-327).

De uma lista que não se pode jamais pretender esgotar, temos Ernest Hemingway, com The Sun Also Rises (1899-1961), onde rio, paisagens, muralhas, igrejas e ruas de Pamplona (Espanha) são detalhadas com precisão descritiva, e Orhan Pamuk, com Istambul: Memórias de uma cidade (2003), em que as descrições de lugares favorecem a compreensão de uma cidade que se ocidentaliza e se universaliza. A lista de obras que poderiam ser citadas aqui ainda é vasta, mas o que foi apresentado já permite demonstrar que aquilo que define esse tipo de relação entre cidade e narrativa é a coerência e a correlação entre realidade histórica e representação literária.

Terminamos essa revisão com restrições. A correspondência é, de fato, o elemento chave na criação de retratos urbanos, apreendidos e expressos num contexto espaço-tempo preciso. Entretanto, a cidade não é e nem foi exatamente como os escritores a traduziram (Schama, 1995); os textos refletem um conjunto de preconceitos, conhecimentos comuns e experiências pessoais que reproduzem e reinventam paisagens. Os "retratos urbanos" criam uma ilusão de conhecimento e identidade com os territórios referenciados, fazendo com que leitores compartilhem dessa descrição espacial e assimilem mentalmente essas geografias. De fato, na dificuldade de precisão da descrição, literatura e fontes tradicionais para se entender a cidade parecem que pouco se distinguirem.

Cidade-pseudônimo

A cidade-pseudônimo reflete parcial ou integralmente uma cidade real num texto literário, porém, não revela seu nome verdadeiro: O espaço é imaginário, porém, suas características são essencialmente baseadas no real, exagerando-as ou adaptando-as. Toda forma de representação da realidade, mais do que a sua apreensão, revelaria uma percepção incompleta e imperfeita do real. No uso do pseudônimo estaria uma maior liberdade literária, mas também, em alguns casos, uma possibilidade de se descrever, sem censura, sobre uma determinada compreensão do urbano.

A partir de um recorte no século XX, essa tipologia se destaca em obras como as de Gabriel García Márquez (1927-2014), William Faulkner (1897-1962) e Marcel Proust (1971-1922), escritores de tradições literárias distintas que "criaram" suas próprias cidade: Macondo, Yokna-patawpha e Combray, todas facilmente identificadas no estrato da realidade. As representações dessas cidades têm uma fácil identificação com as cidades "legítimas", vividas e experienciadas por cada um deles (Ultramari & Jazar, 2016). São casos em que os autores criam um universo imaginário verossímil na realidade exterior à obra literária (Lucena, 2009, p. 186).

Talvez o exemplo literário mais representativo de cidade-pseudônimo seja encontrado em Cem anos de Solidão (1967), de Gabriel García Márquez, uma vez que "não há como escrever sobre Macondo sem recorrer à Aracataca" (Lucena, 2009, p. 184); a cidade natal de García Márquez é um elemento fortemente arraigado à sua memória e serve de ponto de partida para a criação narrativa do escritor. Macondo, de alguma maneira, também é representada em outros livros anteriores desse autor: La hojarasca (1955), El coronel no tiene quien le escriba (1961a), La mala hora (1961b) e Los funerales de la Mamá Grande (1962). Há sempre um paralelo entre realidade e ficção que estabelece uma ponte para a transposição de elementos reais adaptados ao tempo, aos acontecimentos e aos desejos de quem escreve. Por meio de artifícios literários, a cidade imaginária supera a cidade real que lhe serviu de modelo, e é comum que características específicas de Macondo sejam transplantadas para Aracataca.

A análise reforça a condição de isolamento das cidades (real e ficcional), permeadas por rios e serras, condicionadas à precariedade da terra, destinadas ao esquecimento por parte dos governantes. Acentuamos, nessa perspectiva, a noção passada pelo próprio título da obra: A solidão. Algumas citações que permitem propor um mapeamento são destacadas a seguir:

Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. (Márquez, 1967/2009, p. 5, grifos nossos)

Foi também José Arcadio Buendía quem decidiu por essa época que nas ruas do povoado se plantassem amendoeiras em vez de acácias, e quem descobriu, sem revelá-los nunca, os métodos de fazê-las eternas. (p. 27, grifo nosso)

Macondo naufragava numa prosperidade de milagre. As casas de sopapo e pau-a-pique dos fundadores tinham sido substituídas por construções de tijolo, com persianas de madeira e chão de cimento, que tornavam mais suportável o calor sufocante das duas da tarde. Da antiga aldeia de José Arcadio Buendía só restavam agora as amendoeiras empoeiradas, [...]. (p. 119, grifos nossos)

No caso de William Faulkner, o "condado" de Yoknapatawpha é baseado em Lafayette, e a cidade de Jefferson se espelha em Oxford (Mississippi, EUA). É nesse ambiente que se constrói grande parte das narrativas desse autor, como em The Sound and the Fury (1929), As I Lay Dying(1930), Absalom, Absalom! (1936), e The Yoknapatawpha County (1963). Faulkner chega a desenhar diversos mapas com variados detalhes sobre "sua cidade" (Jones, 2015), mas mais do que uma representação gráfica de um lugar real - ou, neste caso, um lugar ficcional baseado em um lugar real - a preocupação do autor estava em dar tangibilidade ao fictício. Essas representações espacia-lizam mitologias e alegorizam questões políticas, sociais e pessoais (Kerr, 1985).

Há, ainda, a obra Em busca do tempo perdido (1913), de Marcel Proust. O autor nascido em Auteuil, subúrbio de Paris, também se propôs a criar uma cidade ficcional, Combray, fortemente inspirada nos cenários urbanos que lhe foram familiares quando de sua infância em Illiers. A paisagem provinciana mescla real e imaginário em descrições que passam pela estação de trem e edificações mais imponentes, como a escola e a torre da igreja. A importância desse local para a obra de Proust é recíproca, uma vez que a cidade passou a se chamar Illiers-Combray a partir de 1971, por ocasião do centenário do escritor, "sendo uma das raras comunas francesas a tomar emprestado um nome da literatura" (Santos, 2017, p. 41).

A "geografia do imaginário", construída pela literatura paralelamente à realidade, mostra-se relevante por apresentar espaços que souberam transcender esse imaginário (Aínsa, 2007). Por vezes a ficção é necessária para ressaltar elementos e momentos urbanos pouco discutidos - ou que precisam ser discutidos - no âmbito do real. A verossimilhança é o elemento essencial para dar credibilidade à representação desses espaços ficcionais, transcendendo topografias e cartografias, a imaginação espelha uma realidade diferente em que é necessário nomear e inventariar o espaço. Aqui, a tipologia de cidade-pseudônimo nos sugere uma outra justificativa para o uso da literatura como fonte de entendimento da cidade: Na busca do que é real e do que é ficção pode estar um excelente caminho metodológico para uma leitura da cidade em questão.

Não-cidade

A não-cidade é a construção da imagem urbana constituída a partir de seu oposto, ou seja, quando se entende a concepção sobre o que é urbano a partir daquilo que não o é. Essa noção diverge do conceito de não-lugares proposto por Augé (1994), estando estritamente relacionada à forma de representação literária do espaço urbano.

Constatamos que o conceito de cidade pode ser buscado pela profunda distinção entre vida rural e metrópole (Ultramari, 2017), de fato, é "pela materialidade visível" que se reconhece, imediatamente, "estar em presença do fenômeno urbano, visualizado de forma bem distinta da realidade rural" (Pesavento, 2007, p. 13). Por isso, em narrativas literárias, dentre muitos outros exemplos daquilo que não é urbano, ganham destaque as construções do campo, da floresta, do sertão, do ermo. Na dualidade dos espaços, revela-se uma idealização e uma repulsa de um e de outro. A descrição da não-cidade insinua e legitima a missão social da escrita em que o eixo do problema está situado na relação de conflito entre o sistema socio-cultural urbano e o sistema sociocultural rural (Gil, 2008; Sales & Souza, 2013;

Alves, 2016). Em tais representações, é recorrente a crítica à modernidade, tal qual encontrado na emblemática obra A cidade e as serras (1901), de Eça de Queiroz, com ironias ferrenhas aos males da civilização, fazendo elogio aos valores da natureza. Ao longo da narrativa, há uma mudança radical na visão do personagem sobre as diferenças entre cidade e campo, "passando por três fases bem definidas: Cidade sobrepõe-se ao campo; campo sobrepõe-se à cidade e a busca da conciliação entre a cidade e o campo" (Santos et al., 2010, p. 8).

Na cidade [... ] nunca se olham, nem lembram os astros [...]. Por isso [... ] nunca se entra nessa comunhão com o universo que é a única glória e única consolação da vida. Mas na serra, sem prédios disformes de seis andares, sem a fumaraça que tapa Deus, sem os cuidados que, como pedaços de chumbo, puxam a alma para o pó rasteiro [...]. (Queiroz, 1901/2012, p. 120)

[... ] Na Natureza nunca eu descobriria um contorno feio ou repetido! Nunca duas folhas de hera, que, na verdura ou recorte, se assemelhassem! Na cidade, pelo contrário, cada casa repete servilmente a outra casa; todas as faces reproduzem a mesma indiferença ou a mesma inquietação; as ideias têm todas o mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma forma, como as libras; e até o que há mais pessoal e íntimo, a Ilusão, é em todos idêntica, e todos a respiram, e todos se perdem nela como no mesmo nevoeiro... a mesmice - eis o horror das cidades! (p. 133)

A contraposição de campo e cidade relatada por Jacinto, na obra de Eça, é invertida na obra de Flaubert (1821-1880), Madame Bovary (1857). Nesta, a protagonista, infeliz no casamento, "não suporta mais a vida em Tostes e quer se mudar, pois acredita que encontrará a felicidade em outro lugar, em uma cidade maior" (Mello, 2012, p. 139). É no adultério que Emma busca uma forma de se libertar, envolvendo-se num cenário de traição e mentiras, à medida em que as promessas de sair do campo se renovam e seu desprezo pela vida no interior se intensifica. "Ela bem gostaria de morar na cidade, nem que fosse pelo menos durante o Inverno" (Flaubert, 1857/2000, p. 23).

A obra evidencia "relações simbólicas e dicotômicas tais como Paris / província, cidade / campo, sociedade rural / sociedade urbana, camponês / burguês, privado / público, homem / mulher, normas / transgressões" (Mello, 2012, p. 109). Flaubert, de fato, constrói sua narrativa associando o corrompimento de Emma à sua ambição pela vida urbana; a cidade é responsável pelo desvirtuamento da jovem.

Nos exemplos de não-cidade na literatura brasileira, parece ganhar destaque como oposição à cidade o sertão, as transformações socioeconômicas regionais, e os fluxos migratórios campo-cidade. Talvez, um dos mais emblemáticos exemplos seja Grande Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa (1908-1967), onde o sertão é múltiplo e labiríntico; é dele que sai o herói solitário, Riobaldo, rumo à cidade. Nessa obra, o sertão está referido ao processo histórico e ao mundo urbano - apesar de marcas históricas serem ocultadas ou dissolvidas pelo autor, elas fazem parte da representação, "demonstrando como esse espaço tão particular se acha siderado pelos valores da cidade, que penetram fundo nos modos de vida onde parece que reina apenas a natureza" (Arrigucci Jr., 1994, p. 16).

Narrativas como S. Bernardo (1934) e Vidas secas (1938), de Graciliano Ramos (1892-1953), também articulam dimensões sociais e psicológicas causadas pela "vida agreste". A visão é marcada pela falta de perspectivas humanas e sociais, onde o embate entre urbano e rural se dá pelas sensações de adequação ou inadequação dos personagens em um ou outro espaço. Os sertões (1902), de Euclides da Cunha (1866-1909), sobre a Guerra dos Canudos, cuja narrativa "organiza, estrutura e dá forma a tendências profundas do meio social, expressando-as de maneira simbólica" (Venâncio Filho, 1998); a representação evidencia o contraste entre o não-urbano e o urbano em diversos aspectos. Morte e vida Severina (1955), poema de João Cabral de Melo Neto (1920-1990), numa apologia pastoril, descreve o percurso do personagem do sertão em direção à cidade pelo rio Capibaribe, buscando uma vida melhor difícil de se concretizar.

Por mais que a vida no sertão se revele cruel e desesperançosa, é ali que seus protagonistas têm a sensação de pertenci-mento. A ideia de uma vida melhor no espaço urbano é descartada ou se apresenta como sinônimo de infelicidade (Coelho, 2008; Hirata & Cícero, 2016; Pacheco, 2015), e, "em termos de representação, o rural é a face indesejada da modernidade, onde melhor se revela a contradição dos projetos modernos, a dimensão bárbara do discurso de civilização" (Alves, 2016, p. 35). Assim, seja na valorização das benesses oferecidas pela vida no campo, como observado em algumas obras internacionais, seja frisando problemáticas socioeconômicas e culturais da vida no sertão, como no caso das obras brasileiras citadas, a não-cidade se estabelece a partir de uma dicotomia imagética entre esses espaços.

Cidade-memória

Por cidade-memória entendemos a projeção do espaço da cidade a partir de lembranças e experiências ali vividas, isto é, a representação do urbano construída a partir de uma realidade pretérita revivida pela memória individual e/ou coletiva; perspectivas apresentadas nos trabalhos de Neves (2004) e Delgado (2006) nos auxiliaram a formular essa compreensão. Nesta tipologia predominam descrições sensoriais sobre o espaço, consequentemente, apresentando menor precisão geográfica. Trata-se da construção de uma cidade sensível que identifica, classifica e qualifica o traçado, a forma, o volume, as práticas e os atores do espaço visível e da realidade tangível. Emprestando uma formulação de Pesavento (2007), entendemos que é na concepção desse tipo de cidade que se atribuem "sentidos e significados ao espaço e ao tempo que se realizam na e por causa da cidade" (pp. 14-16, grifo da autora).

Nesse processo de (re)construção do espaço-tempo, consideramos que a cidade explica seu presente a partir da forma como inventa seu passado, definindo sua identidade e propiciando a identificação dos cidadãos com o espaço urbano, de modo similar ao apresentado por Halbwachs (1990) e Pesavento (2007) em seus estudos. A lealdade ao passado - real ou imaginário - está vinculada à sensação de pertencimento, consciência coletiva e autoconsciência, sendo a memória uma tradução de ecos do imaginário urbano que emergem no texto, como uma releitura e atualização da memória do autor (aspectos pessoais) e da sociedade (aspectos globais). A ficção urbana tende a projetar uma nostalgia sobre um passado idealizado, o que intensifica a relação entre memória e História, Literatura e imaginário urbano (Gomes, 2000), cabendo-nos analisar esse conjunto de informações e representações para se ampliar as perspectivas acerca da história cultural das cidades e sociedades. Nas obras literárias aqui revistas e que exemplificam a cidade--memória, o retrato do passado critica o presente, servindo como uma referência provocativa para o urbano que se vive, sobretudo a respeito de suas carências, da perda da escala humana, das perdas do ambiente natural e das impessoalidades agora comuns no dia a dia.

A prosa ficcional do escritor baiano Carlos Ribeiro (1958-) pode ser igualmente apontada nesta tipologia, pois o autor "aparenta tomar para si o papel de, pela representação do que não mais existe, trazer para o presente aquilo que fincou suas raízes no passado e que constitui lembranças importantes demais para serem obliteradas" (Tanure, 2018, p. 312). Ribeiro recupera antigas vivências, experiências e locais enraizados na memória, e "a retomada do passado se apresenta, assim, como tentativa de se resguardar aquilo que vai se apagando na imagem atual do espaço urbano, mas que é nítido e significativo para aquele que rememora" (p. 32). No conto "O visitante invisível", primeiro de Contos de sexta-feira e duas ou três crônicas (2010), o Centro Histórico de Salvador é representado a partir de acontecimentos - sobretudo da infância - que dão significado ao espaço urbano.

Façamos de conta que você possa tornar-se invisível. E que possa fazer uma viagem no tempo. Você desce, agora a ladeira do Pelourinho, vê? É um dia qualquer de 1963. O céu tem uma intensa luminosidade avermelhada. Uma menina, com um vestido amarelo, toca acordeom na janela de um sobrado. Um bêbado dorme na calçada próxima à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Os casarões são velhos e desbotados. Homens vestem roupas brancas. Sinos tocam nos ares finos da velha Salvador. Você passa pela banca de revistas. Desce a Rua Silva Jardim, no Taboão. Chega em frente ao Plano Inclinado do Pilar. Um homem, com grande bigode grisalho, bebe grapetti com o filho no bar que fica no andar térreo do edifício Bola Verde [...]. É sábado e ninguém, senão você, carrega um passado que ainda não existe. (Ribeiro, 2010, p. 21)

A voz narrativa convida o leitor a visitar antigos espaços, a nostalgia reconstitui "as vivências deixadas para trás pelas mudanças da vida e os lugares afetivos corroídos pelas transformações da cidade" (Tanure, 2018, p. 313). Em O chamado da noite (1997), também é possível identificar a construção dessa "cidade-memória":

[... ] insisto em comprar o meu pão na velha padaria e creio mesmo que sou um dos últimos clientes e que em breve eles também fecharão as portas e então terei que comprar pão nessas padarias que parecem mais um shopping Center. (Ribeiro, 1997, p. 15)

A terra do Prestes João era aquele apar-tamentozinho apertado no Taboão onde nas manhãs de domingo eu me reunia com minha mãe e o meu irmão mais velho, e as minhas tias, para comer feijoada e beber mirinda [... ] que comprávamos no armazém que existe até hoje, na bola verde, em frente àquele edifício velho, caindo aos pedaços, com vista para lugar nenhum ou para uma rua suja e decadente que eu não via naquele tempo, porque tudo o que eu via em volta de mim era o mistério. (p. 46)

De modo similar, as obras de Pedro Nava (1903-1984), como Balão cativo (1973) e Chão de ferro (1976), podem ser consideradas no âmbito da "cidade--memória", uma vez que o autor registra o passado no texto, criando e rememorando diferentes inserções sociais e circunstanciais de Minas Gerais, "ora com toques de imaginação, ora com reverência à tradição, ora com paradoxal ressentimento em relação ao inexorável fluir do tempo". Nava faz da história substrato de seus textos, consagrando à cidade "parte substantiva de sua evocação memorativa, recorrendo, inúmeras vezes, à reminiscência sobre o que se perdeu ao longo do tempo (nostalgia e esquecimento)" (Neves, 2004, p. 139).

Esta tipologia pode ser identificada ainda em obras do argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), em que a memória é fundamental para entender a relação do autor com sua cidade. Afirmações como "Las calles de Buenos Aires ya son mi entraña" (Borges 1923/1970, p. 52) ou "Si yo pienso em Buenos Aires, pienso en el Buenos Aires que conocí cuando era niño [...], y ese Buenos Aires era todo Buenos Aires [...] (Borges, 1979, citado em Gómez Osorio, 2003, p. 71) comprovam a aproximação e o afeto de Borges com a capital argentina. Borges descreve uma Buenos Aires perdida no tempo, lembrando daquilo que ela foi e deixou de ser. Suas obras transcendem a visão descritiva e criam uma cidade que só é visível a partir de suas memórias acumuladas, perdidas e silenciadas. Suas lembranças estão justamente centradas nessa cidade da saudade, rememorada como um paraíso perdido, demonstrado no poema "Buenos Aires", que compõe a obra La cifra (1981/2005, p. 22):

He nacido en otra ciudad que también se llamaba Buenos Aires.[...]

Recuerdo el tiempo generoso, la gente que llegaba sin anunciarse.[...]

Recuerdo lo que he visto y lo que me contaron mis padres.[...]

En aquel Buenos Aires, que me dejó, yo sería un extraño.

Sé que los únicos paraísos no vedados al hombre son los paraísos perdidos.

Alguien casi idéntico a mí, alguien que no habrá leído esta página, lamentará las torres de cemento y el talado obelisco.

A identidade do autor é intrínseca à reconstrução das memórias do urbano. Consequentemente, no espaço da cidade - onde o processo de transformação é inerente - não é possível obter uma reconstrução exata daquela realidade pretérita - que já não existe mais, pois "as cidades das quais nos lembramos são alimento das reminiscências, essência de um passado perdido" (Neves, 2004, p. 173). Cria-se uma herança imagética que aproxima a percepção individual (ou coletiva) sobre um ambiente urbano distorcido.

Cidade-metáfora

A cidade-metáfora se estabelece por meio de deslocamentos de significados, numa relação de afinidades e contrastes entre a realidade e a representação a partir de alegorias urbanas. Tais alegorias - para o caso deste estabelecimento de categorias - não reduz a cidade a imagens abstratas, empobrecendo e esvaziando o conceito urbano, mas atua como elemento mediador entre o texto literário e a realidade. Trata-se de uma alegoria que qualifica a cidade, consolidando uma possibilidade para revelar a complexidade de aspectos do urbano (conforme desenvolvido em trabalhos como os de Possamai, 2007 e Pesavento, 1999). Distintamente da cidade-pseudônimo apresentada anteriormente, na cidade-metáfora as alegorias não precisam existir, elas tão-somente auxiliam na reflexão sobre o espaço urbano em que vivemos, sem mimetizar aquilo que realmente existe, como no caso de Macondo, Combray e Yoknapatawpha.

Ítalo Calvino (1923-1985), em As cidades invisíveis (1972), por exemplo, se preocupa em apreender as cidades imaginando-as a partir de conversas entre Marco Polo e Kublai Khan. Calvino, então, traz à tona as complexidades urbanas a partir de descrições metafóricas e enigmáticas que são ampliadas pela interpretação, "no entanto, adverte o escritor, se é atraente pensar a cidade como máquina, esta imagem também pode ser enganadora, pois diferente da máquina, a cidade não foi feita para cumprir uma determinada função" (Possamai, 2007, p. 1). Ao longo da obra encontramos descrições sobre as diferentes cidades do Império sempre apresentadas sob um mesmo olhar, o de Marco Polo; "interessa ao imperador a referencialidade, os itens e os problemas. A todas as cidades, às que visitou e às desconhecidas até por geógrafos, Marco Polo dá nome e oferece um itinerário a percorrer" (Polesso, 2017, p. 207). Para Calvino, "as cidades construídas pela fala de Marco Polo implicam uma cartografia imaginária, sobrepondo os tempos e os espaços numa rede em que se busca uma infinidade de percursos [...]" (Gomes, 1999, p. 25). O emprego de tais alegorias urbanas induz à criação de utopias e distopias do espaço ao permitir que um autor revele ou dissimule características ou circunstâncias do cenário-personagem. Escritos utópicos ganham força no período renascentista, apresentando-se como reflexos de uma sociedade imperfeita e sintetizando "um grande experimento de racionalização da vida humana" (Berriel, 2004, p. 46).

Utopias são a base do planejamento urbano ou, mais recentemente, de sua versão fractal e comunitária, isto é, das insurgências urbanas. No caso de As cidades invisíveis, o teor imaginário da metáfora é explicitado a partir de viagens e sonhos que transportam o narrador até uma cidade utópica. Entretanto, em outros casos analisados para este artigo, a cidade-alegórica é descrita de modo distópico, termo que não se opõe ao primeiro, mas está vinculado a ele (Silva, 2008). Com efeito, escritas utópicas e distópicas, na primeira metade do século XX, são mutuamente dependentes, pois a distopia (ou anti-utopia) representa o medo do que o futuro pode manter se não agirmos para evitar a catástrofe, enquanto a utopia encapsula a esperança do que poderia vir a ser (Levitas, 1990). Nas distopias literárias, acirram-se as relações sociais entre os sujeitos, as injustiças e frustrações se intensificam, e o futuro se torna ameaçador e imprevisível (Silva, 2008). O tom das representações se aproxima de advertências e ironias numa elucubração sobre a realidade social moderna e suas tendências. Citamos aqui obras como 1984 (1949), de George Orwell (1903-1950), e Brave New World (1932), de Aldous Huxley (1894-1963), em que a suposta configuração mítica na narrativa explicita uma realidade desesperançosa.

Os discursos contemporâneos que cenarizam e escrevem o espaço urbano - maravilhoso ou ameaçador - conectam dois extremos simultaneamente dependentes e complementares: O modelo e a realidade. O modelo instrumentaliza estruturas como forma de análise e problematização da realidade sintetizando em termos metafóricos as bases de um pensamento universalizante, assim, as representações literárias prometem uma reflexão sobre as expectativas da coletividade no que tange à cidade ideal.

Cidade-crítica

Por fim, na cidade-crítica, o urbano é apresentado de modo avaliativo, crítico, ideológico, político, refletindo aprovação ou descontentamento frente à realidade. Um(a) autor(a) explicita problemas urbanos, sugere possíveis agentes sociais que atuam em seus interesses, revela injustiças e narra cenários "atravessados pela violência, pela desestabilização de valores, pela lógica da exclusão" (Gomes, 1999, p. 26). No século XIX, com o surgimento do movimento realista no campo da literário e com a escrita social e politicamente comprometida, intensificam-se representações mais analíticas de um determinado momento ou comportamento a partir de posicionamentos de autores (Facina, 2004; Pellegrini, 2007). Esse cenário resulta da mudança na mentalidade e na "visão de mundo": A vida e as relações entre os corpos na cidade se recriam a partir de novas observações críticas da modernidade e do que significa ser moderno (Serrato, 2017).

Tais narrativas de caráter crítico certamente não retratam a amplitude das cidades, mas contribuem para compreender a "multiplicidade das relações entre o espaço, seus habitantes, o poder, o caos e a crise" (Serrato, 2017, p. 29). Algumas construções narrativas se revelam mais comuns na expressão dessa crítica urbana, podendo-se destacar: A vulnerabilidade urbana e a fragilidade ambiental, a segregação espacial, a desigualdade na distribuição e apropriação de recursos, e a injustiça social. Em contextos específicos, locais, circunstanciais e históricos, o texto pode cumprir a função de estabelecer a crítica social reconstruindo uma determinada história e procurando uma identidade cultural, propondo simultaneamente a interpretação, a avaliação e a contextualização da realidade como resultados de uma poética do espaço urbano e de suas complexidades.

A cidade-crítica comumente se sobrepõe aos demais tipos de cidades literárias anteriormente apresentadas e manifesta-se em diferentes níveis de explicitação de ideias sociais. Dentre autores conhecidos que carregam de intencionalidade suas narrativas, são exemplos os já citados Graciliano Ramos, Pedro Nava, Rubem Fonseca, Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa, Aldous Huxley, Ernest Hemingway, Gustave Flaubert, George Orwell, Lima Barreto e Jorge Amado; todos com críticas dogmáticas a uma cidade, a uma sociedade, a uma gestão ou a uma política.

A discussão concentra-se em obras que não só retratam os diversos problemas sociais, mas que descrevem ainda um determinado espaço urbano e/ou políticas e práticas de gestão desse espaço. Consideramos como um dos principais exemplos de construção de "cidade-crítica", a obra de Dalton Trevisan (1925-), que procura expressar de forma indireta, porém enfática, uma opinião contrária à imagem idealizada de Curitiba - especialmente durante as décadas entre 1960 e 1990. Livros como Cemitério de elefantes (1964), O Vampiro de Curitiba (1965), Mistérios de Curitiba (1968), Pão e Sangue (1988) e Em busca de Curitiba Perdida (1992) vão de encontro às modernizações urbanas e ao "marketing político" estabelecido na aura da capital paranaense. Esses são também exemplos de "cidade-memória", com relatos de uma Curitiba que não mais existe, existentes nos bons tempos de sua juventude (Jazar, 2020).

[...] à margem esquerda do rio Belém, nos fundos do mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro - ali os bêbados são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, provê as suas necessidades de cachaça e pirão. No trivial contentavam-se com as sobras do mercado. (Trevisan, 1964/1980, p. 86)

Viajo Curitiba das conferências positivistas, eles são onze em Curitiba, há treze no mundo inteiro; do tocador de realejo que não roda a manivela desde que o macaquinho morreu; dos bravos soldados do fogo que passam chispando no carro vermelho atrás do incêndio que ninguém não viu, esta Curitiba e a do cachorro-quente com chope duplo no Buraco do Tatu eu viajo. (Trevisan, 1968/1979, p. 89)

Desde que aportou a Curitiba, Chico viveu às margens do rio Belém, sempre nas unhas o barro amarelo. Para ser feliz deveria, menino, ter pescado lambari de rabo vermelho. Sonhava em fugir para outra cidade - ah, Nápoles! (Trevisan, 1992, p. 10)

[...] A prefeitura ignorava-lhe o curso subterrâneo; rio de pobre, não fora o Belém, com que água as mães dariam nos piás o banho de sábado?(p. 11)

[...] nada com a tua Curitiba oficial enjoadinha narcisista toda de acrílico azul para turista ver [...]. (p. 89)

De modo igualmente explícito, o argentino Ricardo Piglia (1941-2017) declara seu engajamento político em obras como Nombre falso (1975), Respiración artificial (1980), La ciudad ausente (1992), e Plata quemada (1997), todas abordando uma Buenos Aires tendencialmente distópica, como reflexo das condições do país, buscando recuperar-se de um regime ditatorial violento. Piglia denuncia as práticas da ditadura militar e histórias invisíveis construídas pelo discurso autoritário; essa ditadura é narrada "senão por meias palavras e insinuações. É precisamente por causa dessa ausência e do irrepresentável que o terror se faz presente" (Grotto, 2006, p. 60). Para Piglia (2001a), "el escritor es el que sabe oír, el que está atento a esa narración social y también el que las imagina y las escribe" (p. 25).

Ahora imagino los pasillos, la rampa, las galerías interiores que atraviesan el Archivo, si intento recordar sin que la pureza del recuerdo me ciegue, veo la puerta entornada de una pieza, una hendija en la oscuridad, una silueta contra la ventana. Sólo la puerta entornada de una pieza de pensión, ¿hará quince, dieciséis años? Nunca hay una primera vez en el recuerdo, sólo en la vida el futuro es incierto, en el recuerdo vuelve el dolor igual, exacto, al presente, hay que evitar ciertos lugares a medida que se atraviesa el pasado con el ojo de la cámara, quien se mira en esa pantalla pierde la esperanza. (Piglia 1992/1995, p. 171)

Considerações finais

O cenário urbano assume forças diferentes no desenvolvimento de narrativas, dessa forma, a cidade pode se constituir apenas como elemento de apoio para o enredo ou atuar como uma condicionante dos acontecimentos (Gomes, 1999; Ultramari & Jazar, 2016). Quando se identifica o protagonismo do urbano na literatura, certos elementos merecem destaque: I) a importância do observador - o próprio escritor - que traduz e reporta a realidade para o texto (Jenks, 1995; Milburn, 2009); ii) a representação de fragmentos temporais que auxiliam na compreensão de indivíduos e sociedades (Pesavento, 2006; Castro, 2016); iii) o convívio de múltiplas mediações e filtros que dão significado ao urbano. De modo geral, é na combinação desses três potenciais intrínsecos de obras literárias que têm a cidade como protagonista que repousa o pressuposto deste artigo: A literatura como fonte investigativa.

Na verdade, a presunção, antes de qualquer exercício tipológico, já se confirma como potencial. A elaboração das tipologias passa a ganhar valor, então, pelo próprio exercício: Mais que seu fim, os seus meios já garantem o debate sobre o uso e ocupação de nossas cidades. Nesse debate, surgem imperativamente questões que nos são caras, como a relação entre o individual e coletivo, a faceta humana desse artifício urbano, e a necessária prioridade social que ele deve conter.

De modo geral, a organização tipológica até aqui apresentada se deu por meio da apreensão de elementos iguais ou semelhantes, permitindo a generalização de papéis e funções (Travaglia, 2004); isso significa que, idealmente, o elemento tipológico possui um conjunto de características comuns em termos de abordagem na representação do urbano, diferenciando-o dos demais. A tabela 1 traz brevemente cada cidade-protagonis-ta identificada, sintetizando definições, principais características e exemplos.

Tabela 1 Protagonismos urbanos e principais características 

Tipo Definição Principal característica Exemplo
Retrato Narrativas traduzem, com detalhes, elementos presentes em cidades reais. Correspondência Rio de Janeiro (Machado de Assis), Lisboa (Eça de Queiroz)
Pseudônimo Reflete parcial ou integralmente uma cidade real, sob um "pseudônimo". Verossimilhança Macondo/Aracataca (Gabriel García Márquez)
Não-cidade Entende a cidade a partir de espaços que não são urbanos. Contraste O campo e o sertão (Euclides da Cunha, Graciliano Ramos)
Memória Tenta substancializar o urbano a partir de lembranças num espaço pretérito. Nostalgia Buenos Aires (Jorge Luiz Borges)
Metáfora Transpõe o real e dá novos sentidos à representação do objeto-cidade. Alegoria Utopias e distopias (Italo Calvino, George Orwell)
Crítica Analisa a cidade real e expõe um engajamento urbano. Intenção Curitiba (Dalton Trevisan), Buenos Aires (Ricardo Piglia)

Fonte: Elaboração própria.

Sem dúvida, o atravessamento das fronteiras tipológicas deve ocorrer com cautela, sendo possível de antemão afirmar que existem tipos que se excluem, se conjugam, se complementam ou atuam em paralelo. Em síntese, apesar de distintas, as cidades-tipo podem ser reunidas e conciliadas, pois suas fronteiras são fluidas e imprecisas. Cada obra literária admite análises e classificações múltiplas, definidas pelo contexto proposto na narrativa e, principalmente, pelos propósitos da sua leitura e da interpretação. Devido a essa conjugação de tipos, é preciso considerar que há uma "dominância tipológica" para cada obra literária avaliada, tornando possível a definição de um tipo preponderante nas narrativas que justifique sua indicação como uma ou outra cidade--personagem.

Pautando-nos pela complexidade da vida nas cidades, apresentamos neste artigo a literatura como ferramenta capaz de agregar conhecimentos sobre a história cultural urbana. Por sua realidade complexa e dinâmica, admite-se que a cidade ganha inteligibilidade quando considerada em suas múltiplas dimensões territoriais, econômicas, políticas, sociais e culturais; entende-se, pois, que as narrativas literárias são capazes de ampliar o debate sobre esses aspectos.

Entendemos ainda que devem ser filtrados os limites da representação literária, uma vez que se trata de algo construído por meio de críticas, descrições, memórias e metáforas propostas por um escritor e que pode ser relativizado por um intérprete. No entanto, é preciso reconhecer que as narrativas literárias demonstram críticas sociais, políticas e culturais, além de indicarem organizações do espaço - simbólicas ou não. Essas características permitem que sejam compreendidas, à época de cada publicação, as maiores preocupações urbanas por parte da população (de diferentes classes sociais, dependendo da perspectiva priorizada por cada autor) e as práticas de gestão e planejamento que mais repercutiram, naquele tempo (da escrita), na vida dos personagens.

A cidade se articula com a narrativa a partir de inúmeras experiências, delineando movimentos e caminhos distintos. Quando se fala sobre uma cidade, não se fala apenas de uma cidade real ou ficcional, mas das diversas construções físicas, palpáveis, coletivas, sociais, políticas, culturais, mentais e subjetivas que se entrecruzam, se sobrepõem e se misturam.

Referências

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Para citar este artigo Jazar, M. M., & Ultramari, C. (2024). Cidades e literatura: um ensaio tipológico para um vazio investigativo. Territorios, (50), 1-29. https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/territorios/a.12991

Recibido: 21 de Febrero de 2023; Aprobado: 16 de Agosto de 2023

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