SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número25Cine colombiano1915-1933: la historia, el melodrama y su histeriaSetenta y dos horas en Londres 38 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • En proceso de indezaciónCitado por Google
  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO
  • En proceso de indezaciónSimilares en Google

Compartir


Revista de Estudios Sociales

versión impresa ISSN 0123-885X

rev.estud.soc.  n.25 Bogotá sep./dic. 2006

 

Memorial: uma trajetória intelectual

Renato Ortiz

Doctor en Sociología y Antropología de la École des Hautes Études en Sciences Sociales (París) . Profesor de Unicamp en Sao Paulo. Entre sus obras están "Mundialización y cultura", "Otro territorio", "Modernidad y espacio. Benjamín en París", "Lo próximo y lo distante. Japón y la modernidad-mundo", y "Taquigrafiando lo social", entre otras.


RESUMEN

El autor propone un ejercicio de la memoria a través del cual explora sus años de formación académica en Europa. El texto, además de ser un registro personal excepcional, es también un panorama del debate intelectual en las ciencias sociales francesas durante un período particularmente interesante de su historia, visto desde la experiencia de un intelectual e investigador brasileño. Debate que por lo demás ha tenido una presencia muy viva en la evolución de las ciencias sociales latinoamericanas.

PALABRAS CLAVE

Memorial, trayectoria intelectual, habitus, Brasil, Mayo de 1968.


"Memorial: An Intelectual course"

ABSTRACT

The author carries out a memory exercise by which he explores his years of academic education in Europe. The text, besides from being an exceptional personal record, is also an outlook of the intellectual debate present in French social sciences throughout a particularly interesting period of its history, seen through the eyes and experience of a Brazilian intellectual and researcher; debate that has also had a very strong presence in the history of Latin-American social sciences.

KEYWORDS

Memorial, intellectual course, habitus, Brazil, May 1968.


Em Matiére et Mémoire, Bergson distingue dois tipos de memória, uma que seria hábito, ação, outra, representação. O exemplo que ele trabalha é sugestivo. Eu estudo uma lição e para entendê-la a leio inúmeras vezes, cada nova leitura é um progresso, as palavras se encadeiam e terminam por encaixar-se dentro de um conjunto inteligível. Diz-se então que ela tornou-se lembrança pois encontra-se impressa na minha memória. Entretanto, posso perceber o processo de aprendizagem de outra maneira, neste caso, não é tanto o resultado que interessa, o fato de tê-la ou não decorado, mas como a lição foi aprendida, quais são as circunstâncias que a envolveram, o clima afetivo que a submergia. Cada leitura é assim um ponto descontínuo, uma individualidade diferente das outras, uma situação específica. O primeiro tipo de lembrança é na verdade um hábito que permite agir nas leituras futuras, o segundo, uma representação, pois a recordação de cada uma delas é irredutível a todas as outras. Refazer uma trajetória intelectual é representá-la, torná-la presente através da rememorização, este momento arbitrário é o ponto de partida em torno do qual organiza-se o relato. A distinção proposta por Bergson é fácil de ser entendida quando se trata de estabelecer a diferença entre memória fisiológica e simbólica. Sua argumentação tinha o intuito de combater os psicólogos e a Psicologia de seu tempo, quando reduziam a lembrança a um traço material inscrito no cérebro. Dentro desta perspectiva, relembrar seria um procedimento de caráter puramente biológico. Existem porém, outros contratempos, Proust bem que os percebeu, e na busca de seu tempo perdido chegou a esboçar um contraponto entre memória voluntária e involuntária. A primeira seria decorrente da razão, a segunda da intuição, não foi a vontade de sua consciência que o projetou no passado, um acontecimento trivial, fortuito, o cheiro de uma madeleine, o introduziu no recôndido mundo da infância.

Dificilmente poderia argumentar que um memorial seria da ordem da memória involuntária, meu impulso inicial nada tem de casual, ele ancora-se num pressuposto anterior, a necessidade de circunstanciar uma auto- narrativa visando a obtenção de um título específico. De alguma maneira devo provar que os fatos "realmente se passaram assim", e para isso, sou obrigado a anexar um volume de evidências atestando a veracidade de minhas palavras -diplomas, cópias de artigos, exemplares de livros, atestados de freqüência à congressos. Ao afirmar que li Os Manuscritos Filosóficos de Marx posso demonstrar, para mim e para os outros, que se trata de um algo concreto e não o eco longínquo de uma lembrança fugida. Meu exemplar em francês, já bastante manuseado, as passagens nele grifadas, ou as anotações que guardei na minha pasta do marxismo, não deixam dúvidas de que estive por ali. Mesmo que eu as tivesse perdido, juntamente com o livro, restaria à banca examinadora o recurso de interrogar-me sobre a matéria. Teria então de recorrer à memória hábito daqual Bergson nos falava, embora longínqua, ela me guiaria nas agruras do presente. Mas seria um memorial para a recordação pura e simples de um passado "verdadeiro"? Meu olhar passeia pela estante do escritório e pousa sobre um texto de Walter Benjamim. São dois tomos em francês. Confesso, nunca entendi o titulo, Mythe et Violence, a coletânea incorpora um único escrito sobre a violência, a maioria deles diz respeito à literatura e á arte. Logo na primeira página encontro uma dedicatória de Paula: "se você tiver saco de ler até o fim, considere-se bem presenteado", em baixo uma data, vinte e cinco de dezembro de 1971. Um presente de natal. Eu havia visto o livro na vitrine das livrarias, as resenhas e os comentários na imprensa eram estimulantes, pois os franceses conheceram os pensadores frankfurtianos um pouco tardiamente, já em meados da década de 60. Ele acabava de ser lançado com um prefácio de Maurice de Gondillac, fiquei curioso, mas não tinha dinheiro para adquiri-lo. Paula o roubou para presentear-me. Nós éramos concierges, tínhamos uma vida difícil, eu guardava aquele prédio de sete andares numa pequena rua próxima ao Jardim de Luxemburgo. Deixo o exemplar de Benjamin e escolho outro: Textos Dialéticos, de Hegel. Na capa, uma informação adicional para o leitor: "selecionados e traduzidos com introdução e notas pelo prof. Djacir Menezes". Uma surpresa. O que faz este pensador conservador na minha estante ao lado de Marx e de Engels? Não teria sido mais apropriado ter lido algo canônico como a introdução à filosofia escrita por Kojève ou Hippolyte? A data é de 1969, significa que eu ainda encontrava-me no Brasil, era politécnico, começava a me interessar pelas Ciências Sociais, e seguia alguns cursos no Instituto de Filosofia, reduto dos conservadores, que eu inclusive combatia no movimento estudantil. Paris -as livrarias - Paula - concierge; Escola Politécnica - o curso no Instituto de Filosofia - a politização dos anos 60. Já não me encontro mais entre minhas anotações, esses livros projetam-me numa dimensão que não pode ser atestada da mesma forma que os diplomas, livros ou conferências. Só posso representá-la.

A arte mnemônica realiza-se sempre a partir de um determinado ponto fixo, eu relembro o passado numa situação na qual o presente age como filtro. Os negros africanos ao celebrarem os mitos de sua memória coletiva os misturaram aos elementos brasileiros porque o mundo no qual viviam era inteiramente diferente da condição em que se encontravam nas suas nações de origem. O fato de terem sido deslocados da África para o continente americano fez com que vários traços de sua cultura fossem esquecidos. Seria a memória dos candomblés falsa ou verdadeira? A pergunta contém uma armadilha e nos induz a um falso problema, na verdade, interessa saber como ela se atualiza, e isso implica uma relativa arbitrariedade na organização das lembranças, pois o presente é um fator dinâmico, intrínseco ao processo mnemônico. Este memorial-memória vem marcado por uma contradição estrutural, a necessidade de ser representação e verdade. Tenho de escrevê-lo de maneira convincente, relatando fatos que necessitam, e podem, ser comprovados, caso contrário fracassaria na tentativa de obter minha Livre-Docência. Mas não posso escapar-me de mergulhar numa dimensão imagética que se encontra nebulosa e obscura para mim. Um texto, escrito aos quarenta e um anos de idade com uma finalidade acadêmica, no qual não devem vazar minhas recordações mais íntimas. Um memorial balanço de minhas inclinações teóricas, que não se reduz a meros conceitos abstratos mas dizem ainda respeito a meus sonhos e ilusões.

1947-1964

Pierre Bordieu, quando desenvolve o conceito de habitus, recupera da velha escolástica a idéia que o hábito é um modus operandi, uma disposição estável para se operar numa determinada direção. Através da repetição, cria-se uma conaturabilidade entre sujeito e objeto, assegurando-se assim a realização de uma ação determinada. Quado menino, acreditava que a sentença, "o hábito faz o monge", dizia respeito a sua vestimenta, não havia compreendido ainda que eram os rigores da vida monástica e a ética frugal, inscritas no corpo, fruto de um aprendizado longo e severo, os que constituíam seu verdadeiro habitus. O conceito já tinha sido trabalhado no livro A Reprodução, escrito em colaboração com Passeron, de de quem fui aluno em Vincennes, e retomava as preocupações de Althusser que considerava a escola como um "aparelho ideológico de Estado". Bourdieu, apesar de suas críticas posteriores, na época encontrava-se próximo da corrente estruturalista dominante, e procurava entender como o indivíduo, enquanto ator social, era um elemento ativo na reprodução da ordem. A noção foi mais tarde melhor elaborada e aplicada às pesquisas empíricas sobre a esfera da cultura, teatro, cinema, museus, fotografia, procurando dar conta dos mecanismos de distinção social. Poderíamos resumi-las da seguinte maneira: diga-me que museus freqüenta, os livros que lê, seu gosto musical, sua inclinação estética, as roupas que usa, a escola que freqüentou, e eu te direi quem és. Não tenho dúvidas que os estudos realizados pela equipe de Bourdieu são importantes, mas creio, eles seriam insuficientes para apreender meu itinerário. A formação de meu habitus cultural orientava-me para tudo o que não fui. Muitas vezes perguntam-me como tornei-me um intelectual, confesso, mesmo já tendo refletido algumas vezes sobre o assunto, ter ainda algumas dificuldades para encontrar uma explicação definitiva. Se não hesitasse em aceitar a idéia de beruf resolveria o dilema sem maiores complicações, no entanto, o argumento da vocação possui um fundo religioso que me incomoda, não foi por acaso que Weber o encontrou na releitura que Lutero fazia da bíblia. Talvez, sendo agora obrigado a colocar minha trajetória no papel, consiga esclarecer meu comportamento desviante e entender melhor as linhas de um destino que não havia sido ainda traçado.

Fora de uma disposição musical que herdei de minha mãe, e eu me refiro à música popular, a clássica era uma dimensão estranha ao ambiente no qual fui educado, não consigo lembrar-me de nenhuma inclinação cultural mais sofisticada que porventura pudesse ter absorvido durante minha infância e adolescência. Do lado de meu pai, eu poderia talvez ter "puxado" meu tio Carlos, ex-padre, que na década de quarenta abandonou a batina, deixou o interior pela capital, aproximou-se do partido comunista, foi jornalista e cineasta. Pude recentemente ver seu longa-metragem, "Alameda da Saudade 113", nada mau para a época, embora o enredo seja um tanto melodramático, conta a história de um amor espírita, o encontro de um homem apaixonado por uma mulher já falecida. O número 113, figurando no título, indica a localização do jazigo no cemitério. Outro dia, folheando um texto de Glauber Rocha, fui encontrar Carlos Ortiz em nota de pé-de-página, com suas cartilhas sobre cinema, resumo dos cursos que ministrava no início dos anos cinqüenta. Mas se coloco esta possível influência no condicional é porque ela decorre de uma visão a posteriori. Minha memória organiza as lembranças a partir de informações que hoje possuo, como este pequeno livro, Carlos Ortiz e o cinema brasileiro na década de 50,, ele me ensina algo que nunca vivenciei. Meu tio Carlos foi uma exceção dentro de uma família provinciana para a qual o aprimoramento cultural era uma preocupação secundária; meu pai não terminou o curso ginasial e sua profissão de comerciante, era representante de produtos diversos, farinha, fósforos, banha, o fazia viajar por todo o vale do Para íba apresentando aos donos dos pequenos bares e armazéns a lista das marcas com as quais trabalhava. Morreu quando eu tinha oito anos de idade o que definitivamente afastou-me da influência da família Ortiz. Minha mãe tinha mais estudo. Preparou-se para o magistério, fez Escola Normal e um curso de especialização em Educação Física, dinâmica, trabalhava fora quando as mulheres eram geralmente donas-de-casa, guiava automóvel, e cedo, viúva, teve de arcar com uma família de três filhos. Após o falecimento de meu pai tentou por todos meios retornar a Ribeirão Preto junto ao clã dos Henriques Pinto. Conseguiu por fim uma vaga numa pequena escola secundária em Brodósqui e nos mudamos quando estava para completar quatorze anos. Se a ascendência paterna tinha sido até então pequena, tornou-se pálida a partir daí. Os Henriques Pinto eram uma família numerosa, oito homens, oito mulheres. A natureza dividiu em número idêntico os sexos, como essas fratrias das sociedades aborígenes cujo sistema de classificação social erigia uma ordem harmoniosa e complementar. Meu avô, imigrante português, marceneiro, casou-se com uma mulata de Cravinhos, semi-letrada, cuja origem os filhos persistiam em esconder. Artifício inútil pois as marcas na epiderme denunciavam de maneira clara o passado negro. Uma família afetiva, solidária. Os irmãos ajudavam-se entre si, os mais velhos custeando os estudos e as despesas dos mais novos para que todos tivessem melhores oportunidades na vida. Uma família endogâmica, voltada sobre si mesma, professando ao extremo a ideologia de ajustamento social, tão característica de determinados grupos que não se encontravam ainda plenamente integrados na sociedade brasileira.

Desde cedo aprendi a importância do trabalho, "dar duro", a cultura, um apêndice, identificava-se à escola, instrumento de ascensão social por excelência. Uma lição que de alguma maneira já tinha sido testada pela geração anterior, alguns de meus tios, com dificuldade, terminaram a universidade, minhas tias, na sua maioria, contentaram-se em cursar a Escola Normal, transformando-se em professoras primárias. No espaço de alguns anos, as cores estigmatizadas de minha avó ou o passado proletário de meu avô começaram a ser apagados. Mas vivíamos uma situação ambígua. Ao lado do êxito conseguido por alguns, coabitavam os fracassados, um tio alcoólatra, outro irresponsável por ter abandonado os estudos, além é claro, do homossexualismo manifesto do primogênito, tema protegido pelo tabu do silêncio. A endogamia dos Henriques Pinto enfrentava a contradição entre o conforto do presente e um tempo demasiadamente próximo que indelicadamente adulterava o retrato harmônico que se buscava esculpir. Esta ambigüidade refletiu-se em vários momentos de minha educação.Por um lado, percebia-se a escola como sendo a única via possível de mobilidade social, assim, os estudos eram valorizados, de preferência as profissões mais técnicas como medicina, engenharia, advocacia. Entretanto, permanecia uma consciência latente, não confessada, que emitia sinais de que "nem tudo era possível". Isso gerou uma atitude peculiar. Era importante estudar, tirar boas notas, mas deveríamos desconfiar dos excessos, os primeiros lugares, os postos mais visíveis, eram sempre as posições mais cobiçadas portanto as mais vulneráveis. Minha mãe exultava com meu desempenho escolar, as distinções que recebia na escola primária, os boletins atestando minha facilidade no estudo, mas ela deixava também transparecer um certo mal estar ao perceber que isso me tornava mais exposto ao mundo exterior. O melhor seria adequar-se a uma posição média entre os extremos. Deveríamos fazer o possível para entrarmos nas melhores faculdades, mas no fundo, todas eram igualmente boas e seguras. Fui educado para preservar a medianidade de uma classe média conformista, até mesmo a religião era entendida assim, uma visão que expulsava os ruídos e os contrastes. A missa e os ensinamentos católicos deviam ser respeitados, mas sem muita convicção, o entusiasmo poderia levar-nos ao fanatismo ou a uma paixão incontrolável pelos parâmetros familiares. Mais tarde, ao ler Nietzsche, naturalmente identifiquei esta obsessão pela normalidade à idéia de rebanho, do homem medíocre que concebe a diferença como estigma ou ameaça. Foi com assim que minha mãe enviou-me para escola agrária, não que ela não se interessasse pela minha educação, e no caso, isso exigiria uma solução diversa pois o curso cientifico era mais apropriado do que uma formação técnica. Quando entrei na Escola Politécnica, já doente, ela ficou orgulhosa com meu feito, afinal, era o primeiro na família a entrar numa grande escola. Mas ao terminar o ginásio seu raciocínio foi outro, não havia nada que lhe assegurasse que um dia eu chegaria lá, um acidente de percurso, uma falha, bastaria para desviar-me de seus sonhos de segurança. Entre um futuro incerto e a garantia do presente era melhor não hesitar, afinal, aos dezessete anos teria uma profissão e poderia exercê-la de forma independente, caso viesse a me arrepender da escolha, bastaria reconverter minhas energias.

Não há muito a dizer de minha permanência no Instituto de Zootecnia e Indústrias Pecuárias Fernando Costa. Deixei Ribeirão Preto aos quinze anos e mal suspeitava de que nunca retornaria à casa. Morando em regime de intemato, vivi na fazenda, em Pirassunga, num quartel de jovens, onde ao menos aprendi as regras de convivência nos espaços coletivos. Um dormitório com quarenta pessoas, refeitório comum, aulas pela manhã, matemática, física, inglês, à tarde, zootecnia do gado leiteiro, microbiologia do leite, preparação e conservação de queijos, higiene rural. Formei-me em 1964 como técnico em laticínios. Quando debruço-me sobre meu passado, seccionando-o para este memorial, enxergo mal os nichos nos quais uma formação mais reflexiva pudesse ter se incrustado. Minha ida para escola rural somente agravou a situação. Weber cultivava a idéia que o intelectualismo é uma qualidade das cidades, com sua racionalidade especifica, a vida dinâmica, o burburinho das ruas e das grandes aglomerações. Jacques Le Goff tem um belo livro sobre os intelectuais na Idade Média no qual mostra como na Europa a intelligentzia nasce com as cidades. É sugestivo o contraste que ele descreve entre Abelardo, professor em Paris, cavaleiro da dialética, animado pela paixão intelectual, e São Bernardo, este homem rural, defensor das cruzadas, para quem a força bruta era a via certeira para se promover a fé. Sua reflexão nos remete a toda uma discussão a respeito do contraste entre a cidade e o campo, o trabalho reflexivo e a contemplação mística. Mas eu não possuía na época a erudição que agora exibo, desconhecia a existência de Max Weber, e São Bernardo era uma imagem santificada adornando os muros das igrejas. No entanto, não era difícil intuir que a experiência agrária em nada privilegiava a atividade intelectual, os valores que prezávamos eram outros, a força e a masculinidade. "Ser macho", "inflexível", enfrentar com rigidez o gado leiteiro e a vida eram as qualidades apreciadas, a sensibilidade e a reflexão, vistas com desconfiança, associavam-se a fraqueza do espírito e do corpo.

Forçando minha memória, consigo reconhecer um aspecto, que talvez, de alguma maneira, tenha influenciado em meu descaminho: o gosto excessivo pelo cinema e pela leitura. Menino, quando a televisão era um artefato raro, poucos a possuíam em seus lares, eu tinha um fascínio pela sala escura dos cinemas e ali sentava-me à espera do mundo de aventuras com o qual sonhava. Era capaz de assistir no domingo, a sessão mercurinho pela manhã, com seus desenhos animados, em seguida as matinês do cine Palas, onde exibiam um filme mais o seriado, e as vezes, quando sobrava uns trocados, corria para pegar o horário do final da tarde. Minha mãe não via com bons olhos esta minha avidez mas não chegava a colocar-se contra ela. Em Taubaté, em frente de casa, havia um Circulo Operário, seu edifício modesto partilhava uma zona da cidade que foi aos poucos sendo tomada por uma classe média. Criadas para combater o socialismo e o comunismo, essas instituições, originárias da Itália, atuavam como progagradoras da fé católica e congregavam as pessoas em torno de atividades diversas, festas juninas, cinema, teatrinho infantil; ofereciam ainda serviços para as camadas médias e populares, barbeiro, curso de datilografia, do qual não escapei por insistência de minha mãe, estenografia, etc. A sala de projeção era precária, o palco funcionava como cinema, lugar de apresentações musicais e teatrais, a tela era improvisada, o som ruim, os duros e longos bancos de maneira,mas semanalmente ali se apresentava uma filmografia saborosa: Rodolfo Valentino, Greta Garbo, Hopalong Cassidy. Alguém poderia imaginar tratar-se de uma escolha tipo erudita, gênero cine-clube, mas ela resultava de uma intenção aleatória, optava-se pelos filmes dos anos trinta e quarenta por serem mais baratos. Eu era freqüentador assíduo dessas sessões que dispensavam a censura existente nos cinemas cidades, na sala do COTI (Circulo Operário dos Trabalhadores Industriais) não havia discriminação entre crianças, jovens, adultos e velhos, éramos todos cobiçados pelo proselitismo religioso. Graças a sanha piedosa iniciei-me nesta filmografia preto e branco, que mais tarde fui reencontrar na Cinemathèque du Palais du Chaíllot.

A mesma inclinação pelo cinema refletia-se nos livros. Lia muito e indiscriminadamente. Haviam preferências, suspense e aventuras, uma literatura a gosto do público juvenil masculino: Maurice Leblanc, Conan Doyle, Ellery Queen, Victor Hugo, Rafael Sabatini. Eu passeava pelos romances com Arsène Lupin e Jean Vai Jean, eles estavam muito próximos de meus heróis cinematográficos, Errol Flyn e John Payne, um ator de segunda linha que povoou minha imaginação com filmes de pirata. Minha avidez pela leitura estendia-se aos gibis, às fotonovelas, à biblioteca para moças, e os romances compactados de Seleções. Fui um grande leitor de A.J.Cronin e de Daphnée du Murier. Meu sentido de escolha era no entanto restrito, lia o que estava disponível. Quando nas férias viajava para casa de meus tios em Ribeirão Preto, tinha a minha disposição uma pequena biblioteca que foi sendo aos poucos formada com as sobras de leitura de minhas tias, do tempo em que estudavam na Escola Normal. Helena, O Guarani, A Moreninha, escritos tidos como aborrecidos pelos camaradas de ginásio caíam em minhas mãos, ao lado de outros, como O Retrato de Dorian Gray. Minha voracidade de leitor, provavelmente uma estratégia para escapar a meu em torno, não conseguia diferenciar autores e textos na poeira de letras que sobravam em meus olhos. Volto à Bourdieu, ao estudar a cultura da classe média francesa ele diz que uma de suas características é a "boa vontade cultural", ela absorve indiscriminadamente tudo o que lhe é proposto. Há pois uma dificuldade em se distinguir entre conhecer e reconhecer. Na apropriação dos bens simbólicos de consumo, Charles Aznavour ou Danúbio Azul, western ou Felini, fotografia ou pintura, não há rupturas, paira uma continuidade morosa reduzindo as diferenças a um mínimo denominador comum. Minha ansiedade tinha algo assim, eu absorvia tudo no processo de digestão niveladora. Talvez por isso, durante anos, cultivei um certo gosto pelas enciclopédias. Quando menino, os caixeiros-viajantes paravam em frente ao portão de minha casa, batiam palma, e minha mãe os fazia entrar até a sala. Compenetrada ela me chamava e discutia com seriedade a propriedade de se comprar esses livros encadernados, que ordeiramente arrumados nas estantes dava a boa impressão de um tesouro impávido. Uma sensibilidade comum às famílias da vizinhança, o fascínio pelo conhecimento definitivo sobre o mundo. Fascinação- segurança pois a qualquer momento as dúvidas podiam ser dirimidas com uma simples consulta ao tomo. Conservei o hábito de apreciar este saber arrumado por vários anos. Quando a biblioteca da família se ampliou, um velho amigo de meu tio, médico e pesquisador da universidade, faleceu, deixando-lhe os livros como um legado, o leque de opções transformou-se qualitativamente: Nietzsche, Shopenhauer, Voltaire. Entre eles, fui privilegiar a História da Filosofia de Bertrand Russeli, que li inteira, e a História da Civilização de Will Durant, que em pouco tempo devorei da Mesopotâmia ao mundo clássico europeu. Nunca me esqueço que os primeiros livros que comprei em Paris pertenciam à coleção Histoire de Ia Philosophie de Emile Bréhier, sete volumes, da Antigüidade à Filosofia moderna. Folheando hoje esses textos, marcados a lápis, na margem do papel, encontro nomes como Jean Scott Erigène, Saint Anselme, Anéxagore, Clazomènes, que nada significam para mim, encontram-se perdidos na minha memória. Livros que foram lidos para não serem lembrados, como esses best-sellers dos quais esquecemos o enredo mal acabamos de virar a última pagina.

1965-1969

Cheguei em São Paulo em dezembro de 1964, fui primeiro morar na casa de um de meus tios, alguns meses depois, mudei-me para um pequeno e velho apartamento que meu pai havia comprado na Praça Clovis Beviláqua. Uma tentativa frustrada de investimento pois a região só tinha deteriorado ao longo dos anos, de qualquer maneira, ele nos foi providencial. Serviu para que eu, e posteriormente meu irmão, o habitássemos quando viemos estudar na capital. Apesar da mudança, os primeiros anos na cidade seguiram a trilha provinciana à qual ajustava-me tão bem. Uma sensação incômoda de atraso me perseguia pois a escola agrária dificilmente poderia ser considerada uma boa instituição preparatória para o vestibular. Gastei o ano de 1965 debruçado sobre as apostilas do cursinho Universitário, esforçando-me em recuperar o tempo perdido, e o exame final tornou-se para mim uma obsessão, um pesadelo. Fiquei eufórico quando ingressei na faculdade, passei em 150° lugar uma posição anônima, bem a gosto de minha família, no contingente de 360 alunos aprovados. Os antropólogos ao estudarem os mecanismos acionados pelas populações imigrantes nas grandes cidades mostram como elas tendem a reproduzir, em novas condições de vida, o seu mundo anterior. Fiz o mesmo, incrustei a memória coletiva interiorana nas malhas da capita! descobrindo os nichos onde pudesse florescer. Meus amigos eram velhos conhecidos da infância, tinham vindo de Taubaté fazer cursinho e tentar a sorte numa universidade melhor, alguns deles ficaram morando comigo, meu apartamento tinha dois quartos, até que meu irmão Jaime, chegasse para ocupá-lo. Esta era também uma forma de se minorar os gastos, pois a exígua pensão que recebia, tinha de ser dividida com as despesas de meu irmão com a faculdade privada. Apesar de cultivar novos gostos, o teatro (Arena e Oficina) , no início São Paulo era uma extensão dos antigos projetos familiares. Minha mãe faleceu em setembro de 1966 vítima de um câncer que se prolongou por vários meses, um golpe duro, simbolizou uma ruptura para mim. De repente vi-me cortado das relações familiares, morando só com uma pequena pensão, suficiente porém para uma vida de estudante. Comparado aos meus colegas, passei a desfrutar de uma liberdade invejável, minhas referência mais próximas haviam ruído inteiramente. Longe da tutela dos parentes, vivendo uma crise existencial que se agudizava, em pouco tempo percebi o equivoco em ter entrado na Escola Politécnica. Comecei a redimensionar minha rota, uma maturação lenta, prolongada, até minha decisão em abandoná-la.

O período que vai de 1965-1969 foi descrito por muitos como uma nova camada geológica que marca a produção cultural brasileira, Roberto Schwartz costumava dizer que o entrelaçamento entre cultura e política, efervescência e criatividade, tinha deixado o país mais inteligente. Vidas Secas - Os Fuzis - Deus e o Diabo na Terra do Sol; Arena Conta Zumbi -Tiradentes - Opinião - Brecht e o Oficina; os festivais de musica popular -Tropicalismo. Realizações sofisticadas, elas afastavam-se das preocupações um tanto esquemáticas dos CPCs da UNE, dos movimentos de cultura popular ou dos Cadernos do Povo mas integravam em seu bojo a política e o espírito de contestação. Momento em que os movimentos populares refluem, desmantelados pelo golpe militar, e a esfera da universidade torna-se um espaço privilegiado para se vivenciar a política. Não é difícil descrever sociologicamente esta época, vivê-la era mergulhar num turbilhão de experimentos que me possuíram. Como o espaço geográfico no qual decorre nossas vidas é importante? 0 golpe de 64 havia passado desapercebido para mim, era adolescente, encontrava-me em Pirassunga envolvido pelos afazeres da fazenda, o verde, o laticínio, o gado, nada ali prenunciava uma crise nacional. A queda de Goulart influenciava pouco o ritmo da natureza ou nossos hábitos de masculinidade exacerbada. Se fossemos contar nossas vidas a partir dos grandes fatos históricos perceberíamos que muitas vezes elas escapam de seu alcance, como passassem ao largo da relevância histórica. Minhas lembranças de 1964 reduzem-se a um batalhão de tanques e soldados concentrados na estrada à espera de ordens para marchar para o sul. Movimento de tropas que bloqueava o caminho e nos impedia de sair da fazenda. Com São Paulo foi diferente, o Espírito Objetivo, diria Hegel, escolheu o meio estudantil para se alienar. Como escapar de sua manifestação, eu encontrava-me topograficamente envolvido nas suas malhas.

Tomar partido, imperativo categórico para uma geração de jovens que vivenciou o circuito universitário. Nos festivais de música popular decidir-se entre a guitarra elétrica ou o violão, ser contra ou a favor do Tropicalismo, ou ainda, apreciar ou não a estética sofisticada e hermética do cinema novo. Direita ou esquerda, nação ou imperialismo, escolher entre a família, a tradição, a repressão sexual, ou a liberdade disruptiva, anunciada sem a promessa de sua realização. No Brasil, o radicalismo do final dos anos sessenta não possuía a marca marginal dos movimentos da contra cultura, nem o ludismo de maio de 68, suas palavras de ordem reproduziam o discurso oficial de uma orientação frugal e ortodoxa da vida. A maconha, o LSD e o amor livre, encaixavam-se mal neste ideário ascético, tampouco a crítica ao poder, aos partidos políticos era tolerada, pelo contrário, lutava-se pela criação de novos partidos, desde, é claro, fossem revolucionários. A rigidez ideológica impedia a liberação individual e a ética era envolta pela áurea férrea da devoção inconteste à grande transformação. Recordo-me de um texto, diagnóstico do momento político, no qual alguém exaltava a ação dos homens-horas-revolucionários, conscientemente e alertas eles não se desviariam nunca de suas tarefas históricas. Daí a condenção ao futebol e ao carnaval, não se tratava apenas da manifestação de uma consciência alienada, contrária à autenticidade do Ser, eles dispersavam a energia contestadora de seus verdadeiros objetivos. Mas havia uma clivagem entre dirigentes e dirigidos, discurso e história. A noção de política não se restringia ao significado encontrado nos manifestos políticos, a teoria da revolução, ou as assembléias estudantis, ela revestia-se de um sentido amplo e condensava múltiplas dimensões da vida, do cotidiano ao ato rebelde contra o regime militar. Não diziam as primeiras páginas de jornal, quando em São Paulo o exército invadiu o congresso de estudantes em Ibiúna, que tinha sido encontrado anticoncepcional na bolsa das meninas! Forma de se desqualificar o adversário, mas que revelava, além de um gesto de intolerância, a mescla entre manifestação política e ruptura de valores. Creio que minha iniciação intelectual começou por esta via, não um engajamento como liderança, minha atuação estava diluída na massa de jovens, passeatas e batalhas campais contra os gorilas. Preenchia com satisfação pequenas tarefas, distribuía folhetos, fui serviço de segurança na peça Roda Viva, e em meu apartamento, durante o congresso da UNE, ficaram abrigados estudantes vindos de outros estados. Nada espetacular, uma atividade singela, mas contrastante com meu passado, abrindo-me um horizonte radicalmente novo. Tomar partido. A frase continha uma forte inclinação antiburguesa. Na acepção limitada do termo aplicava-se a uma determinada classe social: "o movimento estudantil, aliado ao proletariado e ao campesinato, contra a burguesia dominante". Palavra de ordem fácil de se enunciar, difícil de se sustentar teórica e politicamente. Havia entretanto uma dimensão subjetiva que a extravasava pois uma existência podia ser também qualificada de burguesa: o pensamento conservador, a vida calma de nossos pais, o futuro ordenado à nossa frente. Uma descoberta explosiva, embora pouca original se eu conhecesse melhor a história das idéias. Os surrealistas, ainda na década de vinte a haviam colocado em prática, anos mais tarde, seria a vez dos existencialistas se rebelarem. Não tínhamos lido A Náusea, muito menos O Ser e o Nada, os filmes de Bunuel que conhecíamos eram Tristana e Belle de Jour, jamais ouvíramos falar de L'Age D'Or, mas partilhávamos este sentimento vago e eficaz, o mundo burguês era poluído. Lembro-me, já em Paris, ao ler uma entrevista de Sartre, alguém lhe perguntava porque considerava os burgueses uns "porcos", sua resposta foi tautológica: parce qu'ils sontdes bourgeois. Rebelar-se contra... a frase ficava no ar, sem objeto direto. Enquanto durou o movimento político confiamos no seu conteúdo indefinido, com o Ato Institucional n 5, o avanço da repressão, as prisões, as cassações dos professores nas universidades, tornou-se evidente a fragilidade de nossas esperanças. Contudo, o sentimento de revolta permaneceu. Buñuel, em sua biografia, dizia que o surrealismo foi antes de mais nada uma ética anti-burguesa, Sartre tinha uma visão semelhante. No entanto, ele acrescentava, entre a circunstância do momento e o destino uma alternativa se entrebria: a escolha. Ela determinaria minha autenticidade ou inautenticidade. A idéia de projeto possui uma dimensão subjetiva que confere a mim, apenas a mim, a decisão última sobre minha liberdade. Sei hoje ser esta uma visão um tanto idealizada das coisas, afinal, os existencialistas foram longe demais ao afirmar que o homem poderia ser livre na prisão. Sem contar com os limites objetivos que encerram toda individualidade, condição de classe, educação familiar, renda, lugar de nascimento. Mas a idéia de projeto me seduzia, nela, de maneira oblíqua, encontrava o caminho para ser o senhor de minha própria vida. Evidentemente, eu havia lido Sartre superficialmente, esqueci-me, ao escolher a liberdade, que por ela seria tragado, dela me tornaria escravo. A ética é uma imposição que aprisiona à eleição realizada. Quando percebi, minha revolta tinha-me empurrado para o abismo, ao decidir abandonar o curso de Engenharia, optar pelas Ciências Sociais, num momento em que a universidade se fechava, era invadida pelas forças policiais, tomei talvez a única decisão plausível. Comprei uma passagem de terceira classe num dos navios da linha "C", uma companhia italiana que atormentava minha imaginação. Cada vez que retornava dos almoços na casa de meu tio, ao lado da Praça da República, caminhando pela avenida São Luiz, eu parava diante desta agência de viagem, minha mente divagava ao contemplar a imagem tosca, esculpida em papelão, daquele transatlântico enorme. Um dia cruzei o umbral da porta e com a soma equivalente a um terço de um DKW, herança de minha mãe, eu a havia guardado, comprei o bilhete de ida, não sem antes tomar as precauções para dificultar meu retorno. Ao abandonar a Escola Politécnica recusei-me a trancar a matrícula, fazer isso não teria sido uma atitude burguesa...

Os anos de 1968 a 1969 foram um interregno, embora continuasse cursando a Poli meus interesses já eram outros. Uma matéria sobre Filosofia e Evolução das Ciências, ministrada no terceiro ano da escola, abriu-me novas perspectivas. Willem Fluser, meu professor, tinha o carisma para mobilizar um pequeno círculo de neófitos, afastando-nos da rotina dos cálculos matemáticos. Foi assim que acabei no Instituto de Filosofia, numa pequena sala escura no centro da cidade, perto de meu apartamento, onde alguns cursos noturnos eram oferecidos. Fiquei pouco tempo, se o tema me distanciava do ambiente rarefeito da engenharia, os imperativos políticos eram demasiadamente fortes, terminei afastando-me desses filósofos conservadores. Retomei minhas leituras erráticas escolhendo porém melhor os conteúdos, Caio Prado, Leo Huberman (que até hoje pode ser encontrado nas bancas de aeroporto) , Marcuse. Dediquei uma atenção especial a Marx e com dificuldade acompanhei os textos de Hegel, preparados por Djacir Menezes. Minha compreensão melhorou somente quando me deparei com Razão e Revolução de Marcuse, uma exposição do sistema hegeliano, que mesmo François Chatêlet, de quem seria mais tarde aluno, apesar de suas reservas em relação aos frankfurtianos, apreciava bastante. Sartre, com Questões de Método marcou-me bastante, sua proposta em articular o nível objetivo da sociedade à dimensão subjetiva do indivíduo me encantava. Um autor que muito me influenciou, foi Nietzsche. Nele me interessava não tanto a discussão sobre a verdade, aspecto dominante entre alguns filósofos franceses quando cheguei em Paris (contraditóriamente, para se desdizer, Deleuze publicou um pequeno livro com um roteiro para que pudéssemos ter a "correta" leitura do autor) . Não, a temática que me seduzia era a do homem solitário e de sua revolta contra o conformismo. Quando li Zaratrusta pela primeira vez, fiquei fascinado com o capítulo "DasTrês Transformações", mas não era a parte relativa à transformação do leão em criança, do saber, ao tornar-se mais leve constituindo-se em sabedoria, que eu retinha, minha passagem predileta era quando o camelo transmutava-se em leão, e que o Eu, deixando-se de submeter-se às forças externas que o oprimiam, caminhava do "Tu deves" para "Eu quero". Leitura subjetiva, que articulava minhas inquietações com o mundo objetivo desfazendo-se lá fora.

1970-1975

A escolha de Paris foi relativamente arbitrária, tentei primeiro o consulado inglês, mas percebi que sem dinheiro era impossível estudar na Inglaterra. Cheguei a buscar informações no lado alemão mas desisti diante da barreira da língua, a França oferecia-me algumas vantagens, sem maiores delongas eles reconheciam meu diploma de estudos agrários como equivalente ao baccalauréat, a universidade era gratuita e o visto de permanência no país podia ser obtido com uma certa agilidade. No ano de 1969, juntamente com um grupo de amigos da Poli, eu tinha iniciado um pequeno curso de francês com Onde Jô, tio de um de meus colegas de turma. Como recusava-me a considerar a possibilidade de ir para os Estados Unidos, a cabeça do tigre de papel, a França surgiu como o caminho mais natural. Parti com uma mala, uma máquina de escrever portátil e o violão. No meu passaporte, o carimbo da Divisão de Polícia Marítima diz que embarquei em Santos no dia sete de março de 1970, desci em Vigo duas semanas depois. Completava vinte e três anos. No navio, conheci um aspirante a jogador de futebol que arriscava sua sorte na Espanha, descendente de imigrantes, seu pai tinha sido goleiro do Vasco nos idos de 50, ele saía do time juvenil. Arranjou-me alojamento na casa de sua avó em Madrid, passei aí alguns dias e logo cruzei a fronteira em Irun. O trem deixou-me na Gare d'Austerlitz. Não conhecia ninguém em Paris, minha única referência era o endereço de um alojamento coletivo no Xlllème que um amigo das Ciências Sociais tinha me passado. Estava lotado, mas numa sala improvisada ao lado, exibiam Hiroshima mon Amour, resolvi assistir o filme. Só fui conseguir pernoite num velho albergue em Pigalle, onde me alojaram no terceiro andar de uma cama beliche.

Os primeiros anos que passei na cidade foram bastante árduos, minha situação financeira oscilava entre a escassez e a penúria. Os 770 dólares que levei comigo (em meu passaporte, o carimbo do Banco do Brasil atesta que viajei com esta quantia) duraram pouco. Durante os dois primeiros anos recebia de forma irregular parte da pequena pensão de minha mãe, com a chegada de Paula, quatro meses depois da minha, tivemos de dimensionar os gastos para dois. Isso forçou-me a integrar o lumpenproletariado francês, empregos ocasionais, sem carteira de trabalho, mal remunerado. Trabalhei numa fábrica de escovas de dente, fui pintor de parede, garçom de café, concierge, baby-sitter, colhedor de uvas nos campos da Champagne. Quando conheci Fernando Perrone, ex-deputado, exilado, as coisas melhoraram um pouco, ele ofereceu-me emprego como pesquisador. Estava realizando seu doutorado sobre "A imagem do Chile na imprensa francesa", minha tarefa, vasculhar os jornais por sete francos a hora: Le Monde, L'Humanité, Le Figaro. Trabalho conveniente, dava-me tempo suficiente para continuar estudando. A situação de instabilidade levava-me a procurar as moradias mais baratas possíveis, restringindo a escolha aos chambres de bonnes, sétimo andar, sem elevador, sem banho, w.c. no corredor. Mudava freqüentemente de quarto devido aos problemas financeiros, e em poucos anos passeei por toda a cartografia da cidade. Morei perto do Palais de Chaillot, onde freqüentava assiduamente a cinemateca, mudei-me para a Daniel Lessuer, popular escritor folhetinesco do final do XIX, estive ao lado do General Gambetta no XXème, e com Royer Collard nesta pequena rua sem saída onde fui concierge, perto da estação de Luxemburgo. Paris hospedava-me mal mas acariciava-me com a poeira de sua história.

Primeiro de maio, fui assistir às comemorações na praça da Bastilha. Lembrei-me das críticas de Marx aos princípios burgueses, liberdade, igualdade, fraternidade, naquele momento elas me pareceram indevidas. Recém chegado do Brasil, era impossível não contrapor o clima de liberdade existente à repressão policial da ditadura, nunca tinha visto tantas foices e martelos tremulando no ar. Foi então que percebi haver algo de errado, demorei a entender o que os serviços de segurança da CGT e do Partido Comunista diziam. Cestpas nous...c'estpas nous. O desfile não tinha ainda terminado mas entre a ultima coluna de sindicalistas e os grupos de manifestantes que se encontravam no final havia um enorme clarão. Um fosso os separava. Aos poucos comecei a me dar conta das coisas, os que vinham lá trás, no fundo, "não eram eles", mas os gauchistas. De repente, a praça foi tomada pelos CRS, armados de cassetetes, escudos transparentes e translúcidos, capacetes, eles provocaram o pânico, a multidão correu assustada. Encostei-me na parede de um edifício esperando pelo desenlace. Um silêncio pesado se impôs, longo, denso, palpável, até que em uníssono, aos gritos de "Mao...Mao...Mao", um punhado dejovens ousou adentrar pela praça. Eles marchavam ritmadamente levantando os punhos cerrados em torno do livro vermelho, uma cena cinematográfica, pegou a polícia de surpresa. Foram os únicos a passar. O emblema histórico da Revolução Francesa ficou coberto de gás lacrimogêneo, uma nuvem de azul ácido que eu conhecia das ruas de São Paulo.

O gauchismo não é simplesmente uma doença infantil do comunismo, era todo um modo de vida. Maio de 68 havia abalado os alicerces da sociedade francesa, uma geração de jovens, preparados para ingressar no mercado de trabalho, para assumir suas responsabilidades na sociedade, rebelava-se contra a ordem estabelecida. Uma explosão que unia a objetividade da luta à subjetividade das paixões. Os grafitis nos muros revelam bem esta dimensão lúdica da rebelião estudantil: "a imaginação no poder", "proibido proibir", "pais contem seus sonhos à seus filhos". Edgar Morin observou que as barricadas não foram mera proteção contra o assalto dos guardas, elas projetavam novos símbolos nos quais contestação e prazer se confundiam. Sous le pavé, Ia plage. Os paralelepípedos das ruas podiam ser utilizados como armas contra a polícia, mas debaixo deles jazia a areia da praia, lugar para se repousar e bronzear o corpo. A revolução devia ser inteira atingindo o âmago das relações pessoais. Contra as instituições consagradas: o marxismo ortodoxo, o Partido Comunista, o Estado, o futuro programado, a família. Ao se politizar a esfera do cotidiano ultrapassava-se o espaço institucionalizado de se fazer política, o cabelo comprido, o haxixe, a liberdade sexual, o feminismo, a luta contra a injustiça, eram faces da mesma moeda. Política, festa e cultura dissolviam-se numa solução colorida. Nunca esquecerei a beleza da cena que presenciei no Jardim de Luxemburgo. Eu vivia ao lado e fui retirado de minha concentração nos estudos por uma imensa algazarra. Eram os estudantes de Belas Artes, eles formavam um cortejo alegre subindo pelo boulevard Saint Michael. Cantavam e gritavam palavras de ordem, sendo acompanhados pelo som estridente de uma fanfarra. Logo na entrada do jardim, haviam aquelas placas, secas e ríspidas, sinalizando a contenção da conduta, o controle ressentido como insuportável: // est interdit de marcher sur le gazon. A multidão, a despeito do aparato policial, invadiu o gramado, foi quando todos se despiriam e se atiraram na fonte. O dia estava claro, azul e ensolarado, eu me sentei na relva para admirar o contraste entre os pingos d'água, a luz, e os corpos nus dos manifestantes. Dificilmente eu poderia escapar desta gravitação envolvente, em Paris, o inicio dos anos 70 vieram marcados pelo signo de maio, mês mágico, profético, ele definia o ascendente do mapa astral de toda uma geração. Eu acabava de chegar do Brasil, e como os que "amaram tanto a revolução", minha experiência anterior apresentava traços em comum com a rebelião estudantil. Como não identificar-me com esta dimensão que enfrentava a estupidez das instituições e sonhava com um mundo igualitário? Ao optar por Vincennes, uma escola oposta à "burguesa" Sorbonne, acabei privilegiando uma experiência de vida como referência.

No entanto, minha atração pelo universo do gauchismo sempre foi reservada, algo previnia-me contra ele. Procurando reavivar as lembranças, recorri à leitura de alguns livros para aproximar-me do tempo em que vivi. Casualmente encontrei uma amiga, eu a conheci em Paris, até hoje guardamos uma cumplicidade com o passado em comum, ela emprestou-me este belo livro, Génération: les années de poudre, no qual dois jornalistas reuniram o testemunho dos que viveram após maio de 68. Uma citação, um tanto bíblica, de Jean Daniel chamou-me a atenção, ela referia-se ao gauchismo: "Ele é como o sal do qual fala a Escritura, e seu desaparecimento conduziria a um inferno de farisaísmo e de imobilidade. Mas ele é também, ao mesmo tempo, anárquico e irresponsável, seu destino não é a responsabilidade, mas a mudança. Não o devir, mas a recusa. Composta exclusivamente de gauchistas uma sociedade é conduzida à histeria. Privada de gauchista uma sociedade é conduzida à asfixia"1. Histeria e asfixia, há entre elas uma tensão criativa, contradição que empurrava-nos para a margem, o caminhar sobre o fio da navalha. Equilíbrio precário, instável, muitas vezes rompido pela viagem sem retorno de ácido lisergico, ou a ação violenta dos grupúsculos políticos. Buñuel compreendeu bem esta contradição em seu filme O Obscuro Objeto do Desejo. Seu personagem principal não consegue realizar-se sexualmente, e na sua saga, sempre o acompanham cenas de violência gratuitas. Elas explodem aqui e ali como uma manifestação caótica. O segredo do estranho objeto do desejo é o próprio desejo, ele não se atualiza nunca enquanto ato, seja o sexo ou o terrorismo, sua sina é reproduzir-se indefinidamente. Vincennes era produto das "barricadas do desejo", foi construída em tempo recorde pelas autoridades governamentais e começou a funcionar em janeiro de 1969, um ano antes de minha chegada. Concebida dentro de um projeto multidisciplinar, concentrava os estudantes de esquerda e seduziu nomes importantes da intelectualidade francesa - Foucault, Lyotard, Guatari, Deleuze. O currículo era experimental, não haviam cursos estanques, independentes uns dos outros, e as matérias não eram obrigatórias, cabia ao estudante a escolha das linhas temáticas que lhe interessassem, compondo assim sua formação acadêmica. Um aluno de Sociologia podia montar até um terço de seu curso com disciplinas variadas, inglês, literatura, filosofia. Experimentação e liberdade eram a tônica. Mas havia algo de estranho nesta universidade, ela ficava no bosque, moradia das prostitutas, com as quais cruzávamos pela manhã, elas voltando do trabalho, nós chegando à escola. Sem mencionar que a pausa das aulas era pontilhada pelo som metálico das rajadas de metralhadora, pois os edifícios, de má qualidade, situavam-se nos fundos de um terreno militar dedicado ao treinamento dos soldados. Havia uma dimensão de festa em Vincennes, feira popular, bazar no qual tudo podia ser encontrado, Hegel, Marx, Mao, haxixe, livros roubados da Maspero, comidas, artesanato hippie, roupas andinas, discos usados. Um ambiente descontraído e sedutor, uma mescla de utopia política e Woodstock, tinha-se a sensação de que ali tudo era possível. Havia uma dimensão istrônica em Vincennes, histeria que manifestava-se nos grafittis das paredes, a sujeira espalhada pelo chão, os panfletos como uma relva cobrindo o solo das faculdades, ou nos banheiros, onde as portas tinham sido arrancadas para se acabar com a "privacidade burguesa". Dentro deste espaço, criado para se experimentar um novo tipo de educação, uma relação alternativa com o conhecimento, coabitava uma tendência de desprezo pelo trabalho intelectual. Ela possuía raízes na revolta dos estudantes secundários, quando se rebelaram contra a rigidez do "liceu caserna", convulsionando o liceu Louis Le Grand, símbolo da tradição francesa, porta de acesso para École Normale Supérieure. Impregnava ainda os escritos estampados nos muros: "feu sur llntelectuelbourgeois", não diziam os maoístas que destruir a universidade burguesa era enfraquecer o poder burguês? Para esses grupos, minoritários, o mundo universitário representava o elo mais fraco de uma cadeia de dominação que necessitava ser rompida.

Não é difícil constatar a existência de um razoável anti-intelectualismo nos movimentos juvenis dos anos 60, a contra-cultura norte-americana, os hippies, os estudantes alemães e franceses, mantinham uma distância nada discreta em relação ao pensamento teórico, dimensão identificada à alienação infrutífera e enrijecedora da vida. Adorno não hesitava em condenar tal atitude, assimilando-a a um retorno ao irracionalismo, ao desprezar a reflexão, privilegiar o agir, a contestação juvenil mergulharia numa caótica corrente irracional. Sua visão amarga e mal humorada, para mim escondia seu elitismo e conservadorismo mal confessados, acabava por identificar qualquer atividade política à idéia de regressão, como se o fazer e o agir, ontologicamente, fossem a negação do pensar, toda ação, independentemente de seu objetivo, sendo qualificada como uma expressão irracional, sem sentido, contribuindo unicamente para o reforço da ordem dominante. Marcuse possuía uma perspectiva mais generosa, pois sem se afastar da tradição crítica percebia com clareza a potencialidade contestadora dos movimentos da década de 60. De qualquer forma, em Vincennes, a tensão entre teoria e prática, pensar e agir, muitas vezes se rompia, derivando para um anti-intelectualismo inócuo. Os maoístas levaram ao extremo esta desconfiança, inspirados no modelo chinês, despacharam seus quadros dirigentes, alguns deles oriundos das grandes escolas francesas, para as usinas Renault. Como os intelectuais chineses durante a Revolução Cultural foram enviados ao campo para se reeducarem, o processo francês de purificação das mente e dos corpos prescrevia o convívio forçado com o proletariado. Nos cursos, o descrédito em relação ao aprendizado teórico era recorrente, a cada aula sobre Hegel, Chatêlet tinha de alinhavar cuidadosamente seus argumentos, explicando o porque da importância em se ler um intelectual burguês. Entre os professores de renome e os estudantes havia uma incompreensão surda, Deleuze tinha dificuldades em ministrar suas aulas, era seguidamente interrompido, e Foucault, retirou-se logo no início dos trabalhos universitários, trocando os ideais da revolução pelo tradicional Collège de France. Eu trilhava cauteloso esta linha de giz tentando a qualquer custo manter o equilíbrio. Seduzido pela efervescência, distante da histeria reinante, em certa medida incompreensível para mim, pois havia literalmente cruzado o Atlântico para encontrar meu caminho.

Mas em que sentido o clima político marcou minha trajetória ulterior? Um primeiro aspecto encontrado-se no tipo de temática que vim a desenvolver, a questão do poder, no entanto, enveredei-me por um caminho diverso dos cientistas políticos. Não foram as instituições que me chamaram a atenção mas como as relações de dominação expressavam-se no cotidiano e na cultura. Tradicionalmente as Ciências Sociais tenderam a identificar a problemática do poder com a política. Há evidentemente exceções que confirmam a regra, por exemplo, a sociologia da religião de MaxWeber. Não obstante, o movimento dominante no pensamento sociológico, foi considerá-la como algo preferencialmente vinculado à esfera política. Estado, governo, partidos, sindicatos, movimentos sociais, tornaram-se assim interesses dominantes entre os cientistas sociais. A cultura ficava um tanto à margem disso tudo. Procurei sempre diferenciar entre, política e político, entendendo este último aspecto como algo imanente ao social. Neste sentido, nem tudo o que é político atualiza-se enquanto política, ou seja, é passível de compreensão no âmbito exclusivo da ideologia ou das disputas partidárias. É bem verdade que o debate cultural na América Latina, particularmente no Brasil dos anos 50 e 60, fazia-se estreitamente vinculado às coisas da política, mas é importante dimensionar as coisas para não cairmos em malentendidos. O dilema da identidade nacional levou a intelectualidade latinoamericana a compreender o universo cultural (cultura nacional, cultura popular, imperialismo e colonialismo cultural) como algo intrínsecammente vinculado às questões políticas. Discutir cultura era discutir o destino do país, identidade que encerrava os dilemas e as esperanças relativas à construção nacional. No entanto, tal aproximação não era o equivalente a se pensar a cultura como lugar de poder. As contradições existentes no seio das manifestações culturais eram imediatamente traduzidas em análises e propostas encampadas pelas instituições tradicionalmente consagradas ao "fazer política": governo, partidos, sindicatos, movimentos sociais. Por isso o debate em voga na América Latina nos anos 50 e 60 girava em torno da idéia de conscientização. Os lugares de poder são justamente os espaços do inconsciente, a produção e a reprodução da sociedade passa necessariamente por sua compreensão. Há pois um deslocamento do plano do consciente para o inconsciente. A problemática anterior ancorava-se na idéia de que a consciência era a sede principal da ação, esclarecê-la, desaliená-la, seria a maneira de se caminhar na direção correta (daí a ênfase na consciência de classe) . Pensar em termos de inconsciente, seja em termos psicanalítico ou não, implicava em reconhecer elementos de poder que não se encontravam explícitios na atitude de cada um. Essas questões estavam no ar na França pós-68. Temos as vezes a tendência, ao nos encerrarmos na história das idéias, em atribuí-las à genialidade de alguns poucos autores, Foucault, Bourdieu, Deleuze. Lendo o passado sob a ótica exclusiva dos conceitos terminamos por separá-los do contexto no qual foram elaborados. Tenho claro que a inspiração teórica de minha tese de doutorado tem uma dívida com minha passagem por Vincennes. Não foram as raízes africanas do culto umbandista, objeto privilegiado por vários pesquisadores, que me seduziram, mas como esta religião, ao tornar-se brasileira, definia um espaço simbólico no qual as próprias relações assimétricas e desiguais da sociedade terminavam por ser absorvidas. Quando encontrei Bastide, essas questões encontravam-se maduras para mim e chocavam-se inclusive com sua antiga interpretação do culto umbandista (o que não o impediu em aceitar-me como orientando).


Comentrios

1 H. Hamon e P. Rotman, Génération: les années de poudre, Paris, Senil, 1988, p.

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons