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Revista de Estudios Sociales

versión impresa ISSN 0123-885X

rev.estud.soc.  n.33 Bogotá mayo/ago. 2009

 

Estado, burguesía e legislação trabalhista brasileira no limiar dos anos 30: notas para urna discussão*

Rafael Vicente de Morales**

* Reitero meus agradecimentos á Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) pelo auxílio financeiro concedido para realização da pesquisa nos documentos históricos e nas fontes primárias do Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade de Campinas (UNICAMP- Brasil).

** Posee graduación, licenciatura y maestría en Ciencias Sociales de la Universidad Estadal Paulista (UNESP), Brasil. Ha publicado y presentado trabajos en revistas y eventos científicos. Actualmente se desempeña como profesor de sociología y antropología en la Facultad Aldete Maria Alves (Iturama-MG-Brasil) y de sociología en la Escuela Estadal Dom Artut Horsthuis (Jales-SP-BrasM). Correo electrónico: ravimo@marilia.unesp.br.


RESUMO

A produção e a aplicação das leis trabalhistas brasileiras nos anos 30 suscitaram grandes debates no cenário político. Os atores em cena, Estado, Burguesía e Trabalhadores cada qual com projetos societários específcos forjaram mecanismos a fim de defenderem e concretizarem seus respectivos interesses. Nesse quadro situamos as discussões acerca da Lei de Expulsão dos Estrangeiros (1907), Lei dos Dois Terços (1930) e a Lei de Sindicalização (1931) mostrando que o crescente intervencionismo estatal se fez não sem tensões e rearranjos e que a legislaçã trabalhista não fora "doada" pelo Estado Corporativo.

PALAVRAS CHAVE

Estado, burguesia brasileira, movimento operário, leis trabalhistas.


Estado, burguesía y legislación de trabajo brasileño a comienzos de los años 30: notas para una discusión

RESUMEN

La producción y la aplicación de las leyes laborales brasileñas en los años 30 generaron grandes discusiones en la escena política. Los actores en escena, Estado, burguesía y trabajadores, cada uno con sus proyectos sociales específicos, habían forjado mecanismos destinados a defender sus intereses. Dentro de este cuadro, situamos las discusiones con respecto a la Ley de Expulsión de Extranjeros (1907), la Ley de los Dos Tercios (1930) y la Ley de Sindicalización (1931), lo cual evidencia que el aumento del intervencionismo estatal estuvo acompañado de tensiones y cambios y que la legislación laboral no fue "donada" por el Estado Corporativo.

PALABRAS CLAVE

Estado, burguesía brasileña, movimiento obrero, leyes laborales brasileñas.


The State, the Bourgeoisie, and Brazilian Labor Law in the Early 1930s: Notes for Discussion

ABSTRACT

The creation and implementation of Brazilian labor laws during the 1930s gave rise to important political debates. The various stakeholders - the state, the bourgeoisie, and workers - each with their own social project, had forged mechanisms designed to protect their own interests. Within this framework, this article addresses the arguments regarding the Expulsión of Foreigners Act (1907), the "Dois Terços"(Two-thirds) Act (1930), and the Unionization Act (1931). These acts provide clear evidence that the growth of state interventionism was accompanied by tensions and changes, and that the labor legislation was not simply the 'gift' of a Corporate State.

KEY WORDS

State, Brazilian Bourgeoisie, Working-class Movement, Labor Laws.


A teia de relações que os homens criam entre si no interior da atividade de produção da sua vida material e imaterial se, reduzida à medula, constitui a formação social na qual vivem e atuam. O período histórico que se iniciou nos anos de 1930 manifestou uma ambigüidade reconhecida. A sociedade brasileira vivia o confronto entre a tradição de base rural e a nova sociedade altamente urbana. Se de um lado, a presença de valores conservadores era marcante em certas regiões do país, por outro lado, o Estado Novo pretendeu estabelecer o Brasil nos eixos da modernidade. Esse esforço esteve vivo nos indicadores de progresso tecnológico, numa maior complexidade do aparelho burocrático-administrativo e na busca da racionalização produtiva do trabalho. Nesse sentido, adquiriu relevo um leque de interesses latentes, marcado por processos de luta que se desdobraram no transcorrer dos anos e contribuíram de modo terminante para desenhar seus aspectos constitutivos.

No Brasil, esse mesmo período, entre outras questões, foi marcado pelo crescimento populacional, pela urbanização acelerada, pela execução do processo de industrialização –aqui estaremos nos referindo às áreas de maior concentração fabril de então, Rio de Janeiro e São Paulo– e por fortes pressões do movimento operário tendo como conseqüência algum tipo de regulamentação e legislação relativas ao trabalho dos menores e das mulheres, à jornada de trabalho, à Lei de Férias etc. Não obstante, parte importante da concretização das leis trabalhistas foi debatida e sancionada entre 1930 e 1937.

O estudo dos atores coletivos, em razão mesmo de sua organização, pode esmiuçar o seu conjunto de interesses bem como suas respectivas formas de ação. Além disso, éuma maneira de conhecer a própria estrutura da sociedade, a existência e a atuação dos grupos que a compõem e criam leis correspondentes a seus projetos. As ações humanas são sentidas e experimentadas, além de constituírem a experiência efetiva, no mundo dos homens, marcada pela ambigüidade, por códigos e formas de linguagens. Através de narrativas e vicissitudes pensadas como realização pode-se vislumbrar nas ações humanas não somente intenções e finalidades, mas circunscrevê-las no próprio conhecimento que fazem do mundo. As ações humanas não podem ser reduzidas a fragmentos desconexos e demasiados empíricos, onde seus desenhos são explicados a partir de sua previsibilidade. Entretanto, a experiência humana sedimentada em ações deve ser compreendida como significação, ou seja, não ajustável a modelos, ao contrário, está sujeita a variantes e expressa um quadro de significações objetivas e subjetivas além de ser matéria analítica para o pesquisador que pretende situá-la no seu campo de estudo.

Em que medida a sociedade do início do segundo quarto do século XX, constituída por classes e agrupamentos distintos com reconhecido modus operandi para agir na conquista de seus projetos, já se encontrava diferenciada daquela sociedade do século XIX? A compreensão dos elementos presentes no desenvolvimento histórico das lutas trabalhistas passa necessariamente pela existência do conflito de classe dentro da ordem capitalista. Ao passo que as relações de produção foram se gestando enquanto alicerce da formação social, as relações de classe emergiram mais visivelmente demarcando as contradições a elas inerentes.1

O (re) arranjo político e Estado corporativo

Ao adentrar no estudo do movimento operário e da legislação trabalhista no limiar da década de 30 estaremos pensando na idéia de um projeto político construído pelo trabalhador através do qual se definiram formas de sua inserção na sociedade. Segundo Kosik (1976), a essência do mundo oculta-se e mostra-se nos fenômenos. Ao conceber a realidade como totalidade concreta que se manifesta no cotidiano do trabalhador, privilegiaramse as perspectivas de trabalho e de sociedade que estavam contidas nas práticas de luta. A argumentação se debruça nos acontecimentos políticos enquanto produtos da experiência vivida pelas classes sociais e adquire significado quando costurada num todo formado pelos diferentes atores sociais.

Nesse sentido, os estudos que têm procurado chegar mais perto do concreto, sem fugir das dificuldades colocadas pela complexidade e pelas contradições do real, são justamente os que mais têm contribuído para avançar o conhecimento científico a respeito dos limites e alternativas postos à ação operária pelas condições históricas [...] (Pereira 1979,19).

Ao longo dos anos 30, em especial durante o Estado Novo, houve uma crescente importância do setor industrial no conjunto da economia do país através do desenvolvimento daquilo que seria o motor da economia: a indústria. Era esse o caminho para tornar o Brasil mais independente economicamente. Não foram poucos os esforços dos industriais para colocar em prática suas metas. No percurso analítico traçado, produziram-se avanços e retrocessos no interior de processos concretos que representaram fricções permanentes.

A experiência política do movimento operário significou uma complexa estruturação do pensamento e da ação dos sujeitos sociais nela imersos. Significou o modo determinado de dilemas sociais –de que ela fez e faz parte– que esteve ancorado por canais específicos de organização e difusão de idéias. A promulgação das leis trabalhistas após 1930 apresentou-se como tela de fundo de grandes embates entre as diferentes frações sociais –Estado, burguesia e trabalhador– implicando, portanto, um rearranjo na estrutura do poder, Gomes (1979), e um intervencionismo estatal crescente.

A política social passou a ter o cariz autoritário-corporativo deixando de ser liberal. Segundo Vianna:

Captar o sentido desse processo consiste na determinação do arranjo efetivado no estatuto da ordem, que de liberal redefiniu-se como corporativista explicitando-se a nova articulação do Estado com as classes sociais e o peso jogado por cada uma no interior desta combinação. Assim, o peculiar do Estado pós-30 não se encontra numa maior intensidade de leis trabalhistas, mas na sua inclusão numa ordem corporativa (Vianna 1976, 33-34).

O corporativismo criticou a inexistência de leis jurídicas e racionais –que deveriam ser elaboradas por técnicos– capazes por si só de regularem as paixões egoístas inerentes ao liberalismo bem como as atividades econômicas. O Estado Novo abrigou resistências à constituição de uma estrutura aos moldes da corporativista, vindas sobretudo, dos mais diversos segmentos, seja da parte do empresariado urbano, seja das oligarquias agrárias, seja do movimento operário. Por isso mesmo, o encadeamento dos processos político-sociais e de uma ordem corporativa se fizeram não sem tensões. A intervenção direta do Estado na produção e implementação das leis trabalhistas e no arranjo das classes e grupos sociais foram pontos nodais da conjuntura política dos anos 30.

O eixo da ordem corporativa se assentou na concessão de uma legislação trabalhista carregada de direitos e benesses o que acabou perfazendo um mecanismo de controle ideológico do operariado suavizando o conflito e a luta de classes. O sindicato era o elo entre o trabalhador e o Estado. Nesse sentido, forjaram-se mecanismos institucionais através dos quais a ação do trabalhador pudesse ser enquadrada e racionalizada na sociedade expressando seus anseios e insatisfações. Em contrapartida, esvai-se o interesse pela atividade eminentemente política no conjunto das manifestações da organização proletária. A elaboração de uma legislação trabalhista e assistencial foi uma das diretrizes buscadas pela política governamental a fim de aderir as massas e conquistar apoio popular. As inferências do Estado nas ques/tões trabalhistas foram tornando-se mais sistemáticas –expansão dos institutos de aposentadoria e pensões; medidas sociais de proteção ao trabalhador; a regulamentação das entidades do operariado e uma série de "concessões"– e com isso arrefecendo o conflito entre capital e trabalho e cooptando as lideranças operárias. Tratava-se de amortizar as tensões e institucionalizar o comportamento político do trabalhador.

Este trabalho procura mostrar que a legislação trabalhista não fora "doada" pelo Estado corporativo. Com efeito, isso acabaria destituindo o valor das pressões reivindicativas realizadas pelos trabalhadores ao longo de sua trajetória2 bem como a luta e consciência de classe gestadas pelo movimento operário. Tal enfoque causou:

[...] a supressão da memória das classes subalternas, que apareciam como impotentes e incapazes de reivindicar seus direitos elementares por si sós. De outro, recriando ideologicamente a história, buscava incentivar uma inação real, implícita na noção de que o Estado se constituía no guardião de seus interesses (Vianna 1976 32-3).

Diante de tais questões, a sucessão ao governo pleiteada pelo candidato governista Júlio Prestes e pelo candidato opositor da Aliança Liberal, Getúlio Vargas não desconsiderou do cenário político, a força da classe trabalhadora que possuía uma plataforma reivindicativa específica e clara (Araújo 1981). Por exemplo, ao se voltar contra a sindicalização oficial operada pelo Estado, além de fomentar um número crescente de greves mais estruturadas no sentido de abrigar diversos segmentos exigindo o cumprimento dos direitos sociais existentes e a regulamentação das leis ainda não formalizadas (Almeida 1978). O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio –MTIC– criado em novembro de 1930, através do decreto n. 19.433, tendo a frente o ministro Lindolpho Collor, era o órgão que recebia diretamente as reivindicações dos trabalhadores e elaborava as leis através das comissões de técnicos. Na verdade, o Ministério atuou enquanto apaziguador de conflitos entre o empresariado e os trabalhadores mediando movimentos grevistas, enfim diluindo o conflito de classe em nome da colaboração entre as classes.

Mas como assinalam Gomes (1979) e Silva (1983), a elaboração das leis trabalhistas teve um primeiro momento onde não se consultaram diretamente os segmentos interessados –trabalhador e patrão. O segundo grupo, com o objetivo de retardar a criação de leis trabalhistas difundiu a idéia de que os políticos não estavam aptos a formulá– las justamente por desconhecerem a realidadedas fábricas. E, ainda que não rechaçasse a presença do Estado, rejeitava, o ponto do Código de Menores3 que fixava a jornada diária de trabalho em 6 horas, pois desestruturaria a produção na indústria têxtil, já que de seu quadro, 80% era formado por menores. Além disso, exigia a participação efetiva na formulação das leis.

A presença do braço infantil no trabalho industrial em pequenas oficinas e estabelecimentos têxteis, em São Paulo, já se fizera presente na década de 1870, através, por exemplo, de anúncios publicados na imprensa da época. Segundo um levantamento realizado pelo Departamento Estadual do Trabalho, no ano de 1912, a inserção de crianças e adolescentes empregados principalmente na tecelagem e na fiação representavam 30% e 50% respectivamente (Moura 1982; Pinheiro y Hall 1979).

Na indústria metalúrgica ou mecânica, o número de menores também era predominante. Com exceção de um reduzidíssimo número de técnicos (mecânicos, ferramenteiros, moldadores, fundidores), o restante era constituído de carvoeiros, alimentadores de fornalhas, fazendo serviços quase suicidas pelas bronquites, pneumonias, reumatismos que iam contraindo. Os menores (em que se contavam rapazinhos de oito anos) eram empregados em serviços pesados, alguns incompatíveis com sua idade e sua constituição física (Dias 1977, 45).

Os primeiros passos com respeito à regulamentação do trabalho de menores foram dados após a proclamação da República. Em 1891, sob o Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca promulgou-se um decreto4 que estabelecia, entre outras medidas, a idade mínima de 12 (doze) anos para o trabalho nas fábricas, salvo na condição de aprendiz —a partir dos 8 (oito) anos—, e proibia o trabalho noturno ou em locais insalubres e perigosos. Não obstante, a referida lei, não teve efeito concreto (Boletim do Departamento Estadual do Trabalho 1913, 37; Simão 1966). Nas décadas seguintes, o tema voltou à baila, porque com o avanço da industrialização o emprego de menores nas fábricas tornouse generalizado. Somente quando o trabalho do menor esteve atrelado às questões de abandono e delinqüência é que se consubstanciou urna intervenção mais abrangente do Estado. Assim, em 1917, o projeto de Alcindo Guanabara que versava sobre urna ampia legislação de proteção e amparo à infância e à adolescência no Distrito Federal teve grande ressonância. Entretanto, é no governo de Epitácio Pessoa que essa legislação adquiriu força e o advogado José Cândido de Albuquerque Meló Matos foi encarregado de organizar um projeto substitutivo ao de Guanabara.

No ano de 1917, o então deputado Maurício de Lacerda5 elaborou um projeto que correspondeu segundo Dias (1977) a urna estrutura de legislação social que propunha:

  • Criação do Departamento Nacional do Trabalho.
  • Estabelecimento da jornada diária de trabalho de 8 horas.
  • Fixação da idade de quatorze anos como mínima para admissão ao trabalho.
  • Fixação das condições de trabalho das mulheres nas oficinas e fábricas.

Porém, as idéias de Lacerda pouco ecoaram no cenário da época. De acordó com Dias (1977), a própria classe trabalhadora não pressionou o Legislativo para sancionar tal legislação. É interessante notar que em 1905, o deputado federal pela Bahia, Ignácio Tosta apresentou um projeto de lei estabelecendo a fundaçáo de cooperativas e o direito de criação de associações profissionais e de sindicatos operários e patronais. Mais especificamente, o artigo 8o do referido projeto definia a função dos sindicatos:

Os sindicatos que se constituírem com o espírito de harmonia entre patrões e operários, como sejam os ligados por conselhos permanentes de conciliação e arbitragem, destinados a dirimir as divergências e contestações entre o capital e o trabalho serão considerados como representantes legais da classe integral do trabalho e, como tais, poderão ser consultados em todos os assuntos da profissão (Moraes Filho 1978, 188).

A esfera parlamentar de cunho reformista desenvolveu estratégias políticas e ideológicas, através de seus parlamentares, no sentido de canalizar os conflitos trabalhistas em direção à institucionalização e ao acordo entre capital e trabalho. Depois de inúmeros debates, em 5 de janeiro de 1907, o projeto de Ignácio Tosta, acerca da formação dos sindicatos operários e patronais, converteu-se em lei, através do Decreto Legislativo de n. 1.637 (Fausto 1977). No Primeiro Congresso Operário Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 15 e 22 de abril de 1906, reuniram-se dezenas de associações operárias6 de vários Estados brasileiros. A posição acerca do sindicato assim se mostrou:

O Congresso Operário aconselha o proletariado a organizar-se em sociedades de resistência econômica, agrupamento essencial e, sem abandonar a defesa, pela ação direta dos rudimentares direitos políticos de que necessitam as organizações econômicas, a pôr fora do sindicato a luta política especial de um partido e as rivalidades que resultariam na adoção, pela associação de resistência, de uma doutrina política ou religiosa, ou de um programa eleitoral (Rodrigues 1979,101).

No Congresso –fundado pela Confederação Operária Brasileira–, do ponto de vista da organização, discutiu-se a estrutura e o estatuto interno do sindicato. No que se refere á ação propriamente dita, as questões reivindicativas7 mais imediatas se pautaram em educação, acidentes de trabalho, salários etc. (Dias 1977), e na luta pelas oito horas diárias de trabalho como o principal dos objetivos a ser alcançado pelos trabalhadores. Além disso, a Confederação Operária Brasileira, "através de seu jornal 'A Voz do Trabalhador' permitiu pela primeira vez certa coordenação e troca de informações no interior do movimento operário em nível nacional" (Pinheiro y Hall 1979).

Lei de expulsão dos estrangeiros: Situando o debate

Várias causas explicam aquela expansão: existência de terras virgens próprias para o cultivo do café; mão-de-obra abundante, controlada por organismos estatais, diretamente interessados na produção; inflação interna; medidas governamentais de defesa do preço; construção de vias férreas nas zonas de plantio; condições de mercado internacional favoráveis; e declínio da produção dos países concurrentes (Documentos Parlamentares -Valorização do Café— 1908-1915 apud Carone 1969).

A pujança da exportação cafeeira começou a declinar no final dos anos 20, sobretudo, pelo esgotamento do mercado consumidor. Os preços outrora vantajosos, embora mantidos pela defesa do produto, desencadearam o aumento excessivo da produção mundial. No Brasil, os estoques acumularam-se e o ritmo de crescimento da quantidade de café exportada caiu. A queda da exportação arruinou muitos fazendeiros, enquanto o preço do café se desvalorizava rapidamente: a tonelada passou, entre 1929 e 1930, de 2 000$000 a 846$000, despencando 57% (Alencar, Carpi y Ribeiro 1985). Como foi ressaltado, o Estado paulista, entre 1890 e 1930, assentou-se na economia mercantil voltada à produção de produtos primários para o mercado externo e também para o mercado interno. O Estado brasileiro, mesmo depois de 1930, dirigido por novas forças políticas, não deixou de incentivar a economia de tipo primária, sobretudo o café. No Brasil, a industrialização nasceu subordinada à economia agro-exportadora e ao capital internacional que colocava sérios obstáculos ao crescimento das forças produtivas no país. Como revela o quadro a seguir foi um tipo de industrialização limitada à produção de bens de consumo leves.

As indústrias de bens de consumo leves desenvolveramse no Brasil pois requeriam um volume menor de capital e tecnologias simples se comparada à de bens de capitais –máquinas e equipamentos– além de certa facilidade para obtenção de matérias-primas e dada a existência de um relativo mercado consumidor.

Nessa época, o motor da economia do Estado paulista ainda era a cafeicultura, portanto um número muito maior de estrangeiros estava fixado em tal atividade do que na indústria. Geralmente, esses imigrantes eram oriundos de zonas rurais da Europa. Em menor número houve importação de trabalhadores de áreas urbanas que acabaram trazendo alguma experiência política. O caráter rural da população brasileira acentuou-se com a chegada de contingentes de imigrantes. No caso, os colonos se instalaram nas regiões rurais e formaram núcleos coloniais. Os dados ilustram esse quadro. Segundo Carone (1988), em 1872, 60% da população do país estava fixada no campo; nos anos de 1900 e 1920, 64% e 70%, respectivamente. No ano de 1940, 71,1% da população morava na zona rural. O espaço urbano que sofre o processo de industrialização "passa a ser sede não só dos aparelhos burocráticos do Estado quanto do capital comercial, passando a ser também a sede do novo aparelho produtivo que é a indústria" (Oliveira 1982, 23) e se redefine com a intensificação do processo de industrialização.

As cidades tornam-se, com a industrialização, além do centro burocrático, o centro do aparelho produtivo e constituem-se em cidades autárquicas, ou seja, a industrialização imprime um ritmo de acumulação que gera um tipo peculiar de urbanização. Oliveira (1982) oferece uma cronologia das fases do processo de urbanização no Brasil. A 1° fase abrange a economia colonial agroexportadora até fins de 1920, marcada pelo peso da economia cafeeira. A 2ª fase (1930-1950) é marcada pela intervenção do Estado que busca regular as relações capital-trabalho. O processo de industrialização e a conseqüente redefinição do urbano são fundamentais para o autor. E, a 3ª fase (dos anos 50 em diante). Nela, a relação entre Estado e o urbano na sociedade brasileira assume tons distintos dos anteriores, pois é o período de instalação do capitalismo monopolista, da expansão das empresas internacionais e da divisão internacional do trabalho. Referindo-se à cidade de São Paulo argumenta Singer (grifos nossos):

[...] constituem-se em São Paulo os principais mercados de fatores – o de capitais e o de trabalho – que desempenharão papel crucial para o desenvolvimento industrial da cidade. Ambos devem-se ao café. Graças a ele uma parcela cada vez maior do produto social toma a forma monetária, isto é, a forma indispensável para que o seu excedente, o mais-produto, se possa transformar em capital. É também graças a ele que quantidades consideráveis de trabalhadores livres são atraídos para São Paulo, prontos para oferecer sua força de trabalho a quem melhor a remunere (Singer 1977, 37).

Além disso, o fator capital permitirá dotar São Paulo de vários serviços públicos tais como: o serviço telefônico, serviços de água e esgoto, a iluminação pública por lâmpadas a gás em vez de querosene, o serviço de bondes, o calçamento de ruas, o alargamento das vias públicas facilitando a circulação das pessoas. Todos esses fatores acabaram por intensificar a processo de industrialização. Morse (1970) ilustra o crescimento populacional da cidade de São Paulo:

Como indica a tabela, o crescimento populacional foi causado, sobretudo pela imigração estrangeira e é a partir do final da década de 1980 que se intensifica o processo de urbanização. A baixada do Brás, com sua Hospedaria e a Estação do Norte, rapidamente se transformava em bairro de comércio e reduto do operariado. Ao norte, a Estação da Luz, era também centro da atividade de comércio, com terrenos ocupados pelas classes mais pobres. Já o sul e o sudeste não contavam com a presença de uma linha férrea e começavam a sentir a pressão através do espaço residencial. No caso de São Paulo, coube à indústria paulistana influir sobre a paisagem urbana da cidade e sobre sua própria população.

A implantação e o desenvolvimento da grande indústria no país não significaram as transformações do artesanato e da manufatura, conforme concebeu Karl Marx em O Capital, porém foi fruto do acúmulo de capital proporcionado pela cultura cafeeira exportadora que se reverteu em capital industrial e em melhoramentos urbanos como: a expansão das estradas de ferro, a criação dos bancos, a ampliação das atividades comerciais, financeiras e dos serviços de transporte etc. (Dean 1971; De Decca 1981).

Segundo Martin (1966), até fins de 1910, o sistema industrial brasileiro era constituído por oficinas e atelliers que produziam bens de consumo doméstico (tapeçarias, móveis, etc.), vestuário (sapatos, chapéus, roupas etc.), alimentos (balas, caramelos, massas em geral) e bebidas (refrigerantes, cervejas). Esses estabelecimentos não tinham sua produção voltada para atender um mercado consumidor maior, não investiam altas somas de capital e por isso, não eram mecanizados; a mão-de-obra empregada contava com os membros da própria família e com poucos ajudantes. Acerca dos alimentos produzidos no Brasil, em 1890, informa Morse:

[...] os gêneros alimentícios eram em geral vendidos por portugueses e brasileiros, e os tecidos por brasileiros, alemães, franceses e italianos. Eram ainda os italianos os principais vendedores a varejo de sapatos, funilaria e ferragens. Os padeiros, confeiteiros e curtidores eram franceses ou alemães. As metalúrgicas pertenciam na sua maioria a ingleses e americanos, seguindo em importância brasileiros e alemães. Portugueses e brasileiros faziam os serviços mais grosseiros de carpintaria [...] (Morse 1970, 34-35).

A vinda para o Brasil do imigrante europeu de origem urbana, notadamente, italianos e espanhóis, foi apregoada como sinônimo de desenvolvimento nacional. Em geral, eram imigrantes pobres que vieram com famílias de cinco pessoas em média e não tinham condições de custear sua própria passagem. Ressalte-se que a Constituição de 1891 proibiu a entrada de imigrantes asiáticos e africanos. No Estado de São Paulo, no período compreendido entre 1888 e 19288 entraram cerca de 2,1 milhões de imigrantes dos quais aproximadamente metade teve suas passagens custeadas pelo governo paulista. Número muito maior que a população de São Paulo que em 1890, era de 1,4 milhão de habitantes (Holloway apud Andrews 1998).

Esse amplo quadro de mudanças sociais trouxe sérias preocupações políticas. Nesse ínterim, anarco-sindicalistas, anarquistas e comunistas vindos da Europa procuraram organizar as bases sócio-políticas do operariado no embate contra o capital industrial. A constituição de uma incipiente tradição operária gradativamente definiu propostas e meios de luta especificamente operários, não obstante, essas ações fossem repetidas vezes reprimidas pelo aparato policial. O desdobramento desse processo culminou, em 7 de janeiro de 1907, com a aprovação da primeira Lei de Expulsão de Estrangeiros, denominada Lei Adolpho Gordo. É interessante notar que na Câmara dos Deputados, em 1894, transcorreram acalorados debates em torno do projeto que tratavam sobre a expulsão dos estrangeiros nos seguintes termos:

Art. 1° - O estrangeiro cuja conduta ésuspeita ou por qualquer forma compromete a tranqüilidade pode ser expulso de parte ou de todo o território nacional.

Art. 2° - São causas bastantes para expulsão:
1ª ) a condenação por qualquer crime ou delito previsto em leis federais, depois de cumprida a sentença;
2ª) a insuficiência de recursos para prover a sua própria subsistência;
3ª) os interesses da alta polícia, concernindo à ordem e à segurança pública.

Art. 4° - Aos expulsos comunicar-se-á, em nota oficial, o motivo da expulsão, dando-selhes o prazo de três a trinta dias, antes de tornar-se efetiva a medida decretada.

Art. 6° - O estrangeiro que regressar ao território da União, de onde houver sido expulso, será punido com a pena de um a três anos de prisão (Anais da Câmara dos Deputados 1896, 424-25).

Ainda que tenha sido aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto não teve efeitos concretos no Senado até 1906. Em 7 de janeiro de 1907, o projeto, conhecido como Lei Adolpho Gordo, e composto por 11 artigos finalmente foi aprovado e sancionado pelo Presidente da República. Em relação ao projeto de 1894, introduziram-se as seguintes modificações:

Decreto n. 1641 – de 7 de janeiro de 1907

Providencia sobre a expulsão de estrangeiros do território nacional

Art. 2° - São também causas bastantes para a expulsão:

1ª a condenação ou processo pelos tribunais estrangeiros por crimes ou delitos de natureza comum;
2ª duas condenações, pelo menos, pelos tribunais brasileiros, por crimes ou delitos de natureza comum;
3ª a vagabundagem, a mendicidade e o lenocínio competentemente verificados.

Art. 3° - Não pode ser expulso o estrangeiro que residir no território da República por dois anos contínuos, ou por menos tempo, quando:

a) casado com brasileira;

b) viúvo com filho brasileiro.

Art. 5° - A expulsão será individual e em forma de ato, que será expedido pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores.

Art. 9° - O estrangeiro que regressar ao território de onde tiver sido expulso será punido com a pena de um a três anos de prisão, em processo preparado e julgado pelo juiz seccional e, depois de cumprida a pena, novamente expulso. [...] (Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil 1909,24-5).

Milhares de imigrantes e seus descendentes participaram ativamente da vida política em São Paulo. De acordo com Silva (1976) em 1901, 90% dos operários em São Paulo eram estrangeiros. Em 1913 correspondiam a 82% e em 1920 a 40%. Segundo Lesser (1995), entraram no Brasil, entre 1924 e 1934, por volta de 93 mil indivíduos oriundos do leste europeu. Destes, de 45 a 50% eram judeus. A título de exemplo, foram organizadas as seguintes instituições de estrangeiros: o "Clube Nacional Russo", composto basicamente de russos brancos; o "Ingend Club", formado por judeus. Além dos Clubes, os imigrantes de São Paulo fundaram a "Sociedade dos Lituanos no Brasil"; a "Sociedade dos Amigos da Cultura Russa"; a "Sociedade 28 de Outubro". Durante os anos 20 e 40, a participação política de militantes de esquerda estrangeiros nessas entidades questionava a sociedade burguesa reacionária que, ainda que tenha, através do Estado policial Varguista, expatriado milhares de imigrantes, isso só veio a nos mostrar a envergadura de sua militância na construção de um projeto político.

Daí, os projetos relacionados à expulsão dos estrangeiros suscitaram calorosas discussões. De um lado, aqueles que acreditavam que tais medidas garantiriam a segurança contra os "elementos indesejáveis" que ameaçavam a ordem pública vigente. Para outros, significava um mecanismo por meio do qual os grupos dominantes debilitaram o movimento da classe trabalhadora que vinha ganhando densidade. Pois o trabalhador era: "[...] considerado perigoso e como tal diminuído perante o nacional, exposto a ser expulso por qualquer acusação patronal ou policial. [...] A lei Adolpho Gordo era uma constante ameaça a todos; meio de intimidação e de vingança, um cutelo suspenso sobre a cabeça do irreverente ou inconformado" (Dias 1977).

Como fora visto, os movimentos grevistas de operários recrudesceram e adquiriram contornos. Nesse sentido, Adolpho Gordo, em 1912, retoma o debate propondo modificações na lei de 1907. O então deputado federal por São Paulo rechaçou, entre outros, o artigo 3° desta defendendo que o estrangeiro que residisse no país por dois anos contínuos poderia ser mais perigoso que o recém-chegado. Nas palavras do deputado: "A expulsão éuma medida de alta polícia, de prevenção, de segurança social e política, é um instrumento de governo, de defesa, que cabe ao Estado no exercício de sua soberania" (Anais da Câmara dos Deputados 1912). A literatura que aborda a Lei de Expulsão de Estrangeiros9 defende que tal medida se constituiu numa forma de as classes dominantes conterem o avanço da organização operária.10 Para Carone:

[...] a expulsão de estrangeiros – anarquistas e revolucionários – é a arma da burguesia e das oligarquias para enfraquecer o movimento operário. A pretexto da profilaxia social são banidos do país os líderes sindicais, os dirigentes de greves. As leis se fazem segundo as necessidades do momento, e não dentro de um espírito constitucional (Carone 1975, 238).

A atuação de Adolpho Gordo na elaboração da Lei de Expulsão de Estrangeiros mostrou a importância das lideranças políticas, formadas, sobretudo por estrangeiros que buscavam estruturar nas indústrias e fábricas, os grupos de trabalhadores urbanos gerando um embrião de luta e consciência de classe. A incursão no entendimento da Lei de Expulsão de Estrangeiros permite identificar, entre outros aspectos, que o Estado já vinha realizando intervenções nas relações trabalhistas, ainda que regulamentasse predominantemente questões econômicas que se referiam às tarifas alfandegárias e à política cafeeira. Num primeiro momento, como anteriormente assinalado, as leis formuladas não passaram pelo crivo do patronato nem pelos trabalhadores e suas entidades representativas.

Estado, burguesia e trabalhador: uma relação conflituosa

O Estado corporativo procurou harmonizar a luta de classes realizando dessa forma, mudanças na conduta do trabalhador, na relação capital/trabalho e na própria organização social, econômica e política do país. Ainda assim, a elaboração e implantação da legislação trabalhista não se fizeram sem resistências principalmente por parte do operariado. A fala do então ministro do Trabalho, Lindolpho Collor em 1931 é sintomática:

Ou aceitam a ação do Ministério do Trabalho que traz uma mentalidade nova de corporação, ou se consideram dentro de uma questão de polícia, no sentido do antigo governo. Ou abandonam a mentalidade bolchevista e subversiva ou se integram no corpo social a que pertencem (Collor apud Carone 1974, 134).

Com efeito, a legislação trabalhista é abarcada enquanto produto de forças sociais antagônicas, Estado, burguesia e operariado que se mobilizaram rapidamente na concordância de seus interesses (Munakata 1981). Vejamos os desdobramentos concernentes a Lei dos Dois Terços de 12 de dezembro de 1930 e a Lei de Sindicalização de 19 de março de 1931. Quanto à primeira –a Lei dos Dois Terços11– obrigava a contratação nas indústrias e empresas comerciais de 2/312 de brasileiros natos com o fito de proteger o trabalhador nacional. Nesse ponto, a burguesia não se mostrou avessa, pois a lei permitia que os líderes combativos estrangeiros fossem afastados dos sindicatos e fábricas. Entretanto, considerou a dificuldade imediata de estar substituindo o trabalhador estrangeiro, pois em inúmeras empresas predominava a mão-de-obra estrangeira.

No seio do operariado a lei causou polêmicas. As objeções se referiam ao seu cariz discricionário porque além do desemprego em massa de milhares de trabalhadores estrangeiros –muitos do quais com famílias constituídas– negou-lhes direitos adquiridos como pensões e aposentadorias (Silva 1983). As pressões realizadas pelas representações dos trabalhadores acabaram sendo responsáveis pela tomada por parte do Governo, de algumas medidas paliativas apenas para abrandar o índice de desemprego.

A Lei de Sindicalização proposta pelo ministro do Trabalho Lindolpho Collor fixou o limite de 8 horas diárias para a jornada de trabalho; regulamentou o trabalho de mulheres e crianças; criou Institutos de Previdência (IAPs) para várias categorias e o Conselho Nacional de Serviço Social. Mas nem por isso, a referida Lei deixou de suscitar contendas entre os setores envolvidos. O Decreto n. 19.770 versou sobre a constituição das confederações, federações e sindicatos. Os artigos 1° e 3° estabeleciam o afastamento destes "de toda e qualquer propaganda de ideologias sectárias, de caráter social, político ou religioso". O artigo 9° estabelecia a unicidade sindical através do qual só podia haver, em cada unidade territorial, um único sindicato oficial de cada ramo de atividade. A burguesia reagiu contra os dispositivos de lei de sindicalização por não participar da formulação do Decreto-lei principalmente no que concerne ao artigo 8° –que dava ao sindicato o poder de fiscalização e negociação dos contratos de trabalho– e ao artigo 13° que proibia a dispensa de trabalhadores por motivo de filiação ao sindicato de sua classe considerando-os prejudiciais para a autonomia das fábricas, para a atividade patronal e a extinção da disciplina de trabalho.

O Centro Industrial do Brasil –CIB– criou uma comissão para esmiuçar o decreto e sugerir as alterações cabíveis. Processo semelhante ocorreu em relação à Lei de Acidentes de Trabalho (1919). Em sua versão inicial, o projeto responsabilizava o patrão no caso de operários vítimas de acidentes no trabalho. Na redação final, a responsabilidade patronal foi isentada, pois o acidente, na letra da lei passou a ser entendido como uma condção do exercício profissional que poderia ser equacionado por meio da inscrição do trabalhador em companhia seguradora para exigir o cumprimento da lei. A resolução dos acidentes de trabalho não passava pela ação direta do sindicato. Sendo assim, as condições de trabalho não eram questionadas (Munakata 1981, 35).

Fica evidente em tais pontos que em nenhum momento a comissão do CIB se mostrou disposta a alterar a estrutura sindical proposta pela Lei de Sindicalização. Pelo contrário, caminhou no sentido de diminuir o raio de atuação do sindicato, transfigurando-o em sindicatos patronais além de defender incisivamente a ingerência estatal em suas entidades de classe. O trabalhador tendo seu pensamento e ação rotinizados pelo sindicato atrelado ao Estado admitiu em larga medida seu controle onde dificilmente desataria essas amarras. A atuação do sindicato passou a significar sua capacidade operacional de defender os interesses da categoria, ou seja, melhorias nos salários e nas condições de trabalho e não mais um modo combativo de inserção na política e na própria relação com o Estado.

Ainda que mantenha o sindicato enquanto órgão de colaboração com o Estado, esse último foi o nódulo no qual as representações patronais procuraram incidir seus argumentos defendendo a não intervenção governamental nas questões internas e estatutárias dos sindicatos. Em 12 de julho de 1943, o Decreto n. 24.694, conteve as modificações sugeridas que já vinham sendo debatidas desde abril de 1932, quando o então ministro do Trabalho, Salgado Filho decidiu estruturar uma Comissão Mista e reformular a Lei de Sindicalização que se encontrava inoperante (Gomes 1979). Atéo final de 1932 existiam apenas quatro sindicatos patronais reconhecidos no Brasil. O crescimento da sindicalização se verificou a partir do Decreto n. 22.653, de 20 de abril de 1933, que estabelecia que apenas os sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio poderiam participar de eleição classista de deputados para a Assembléia Constituinte (Vianna 1976).

No interior do movimento operário, as reações contra a Lei de Sindicalização foram manifestas considerando a luta histórica de suas entidades representativas para assegurar a liberdade sindical e se fazerem interlocutores no debate político no país. Os segmentos independentes e combativos do movimento sindical –comunistas e anarquistas em especial– procuraram rechaçar a sindicalização oficial e os sindicatos que buscavam oficialização (ambos submetidos ao reconhecimento do Ministério do Trabalho). Ademais, a não adesão à sindicalização oficial, pelo menos até 1933 se mostrou como um mecanismo de resistência. Em abril de 1931, após a promulgação da Lei, segmentos anarco-sindicalistas do operariado de São Paulo, através da Federação Operária, assim se manifestaram:

Considerando que a lei de sindicalização [...] visa a fascistização das organizações operárias [...]. A Federação Operária resolve: a) não tomar conhecimento da lei que regulamenta a vida das associações operárias. b) promover intensa campanha nos sindicatos por meio de manifestos, conferências, etc. c) fazer mediante essa campanha de reação proletária, com que a lei de sindicalização seja derrogada (Silva 1983, 94).

Para esse segmento, a presença do Estado e das agremiações políticas nas relações de trabalho não era vista com bons olhos. A luta pelos interesses dos trabalhadores –jornada de trabalho, remuneração, férias, etc. – devia trilhar um viés de constante embate com o patronato, sem mediadores. No decorrer dos anos 30 tornou-se muito difícil não aderir ao registro legal dos sindicatos. Os libertários acabaram registrando-os, muito embora, isso possa ser entendido mais como uma estratégia de resistência a fim de assegurar a liberdade de reunião do que propriamente obediência à lei. Ainda assim, o jornal "A Plebe"13 reage fortemente denunciando que certos sindicalistas ao cooperarem com o governo no sentido de atrelar o sindicato ao Estado desestruturam a experiência sindical autônoma que passa a incorporar valores da moral burguesa-católica. O princípio de ingerência direta do proletariado nas decisões políticas ia de encontro ao poder do Estado e à disciplinarização do trabalhador. A corrente anarco-sindicalista lutava não só por aumentos salariais e melhores condições de trabalho. Defendia o fim da divisão em classes sociais e do sistema capitalista de exploração.

"Somos socialistas e anarquistas", dizia a apresentação do jornal A Terra Livre, publicado pela primeira vez em 1905 no Estado de São Paulo. "Como socialistas não acatamos o instituto da propriedade privada e a moral que o tem por base. No monopólio da riqueza produzida por todos, sem que a parte de cada um possa rigorosamente ser determinada, na apropriação individual da terra, dos meios de produção e de comunicação, bem como dos produtos, vemos nós a origem principal da miséria e do aviltamento da grande maioria, da insegurança e inquietação de todos. [...] Tomamos o nome de anarquistas e libertários, porque somos inimigos do Estado, isto é, do conjunto de instituições políticas que têm por fim impor a todos os seus interesses e a sua vontade, mascarada ou não com a vontade popular (Rodrigues 1966, 106-07).

O desenho das ações do operariado permite identificar diversos matizes de orientação e organização. Isso posto, tem-se uma moldura institucional vigente como expressão das necessidades do trabalhador e limitadora de seu raio de ação. Além disso, esse recurso revela o grau de reação ou mesmo de conformidade em face desses limites, dentro dos quais os trabalhadores se moviam. A luta política dos trabalhadores esteve fincada em contradições de interesses legítimos e legitimados em alianças sem as quais não haveria conquista de direitos e o fortalecimento da consciência de classe. Desse modo, o processo de desenvolvimento industrial deve ser abarcado também em suas conseqüências sociais e não somente no seu aspecto econômico, quase idílico.14

No Estado Novo (1937-1945) a institucionalização das leis trabalhistas foi sendo acentuada. O governo inspirado na Carta del Lavoro do regime fascista italiano reestrutura a movimento operário buscando transfigurar as organizações sindicais –empregado e patronato– em ferramentas colaborativas de classe e sustentáculo de seu poder político. Por exemplo, data de 1939, a lei que criou o sindicato único por categoria profissional. De acordo com ela, cada sindicato reunia trabalhadores de uma mesma categoria sendo expressamente vetadas associações maiores que aglutinassem trabalhadores de um mesmo setor econômico, além de serem proibidas greves e quaisquer manifestações de protesto.

O estabelecimento de outras medidas afetou diretamente a organização política do trabalhador tais como: A Justiça do Trabalho, o imposto sindical e o salário mínimo. A Justiça do Trabalho foi a instituição responsável por regular e acompanhar as negociações entre empregado e empregador. Era composta de três instâncias: as Juntas de Conciliação e Julgamentos, que tratavam das reivindicações individuais; os Tribunais Regionais do Trabalho, que julgavam as propostas de melhorias nas condições de trabalho e de aumentos salariais; e o Tribunal Superior do Trabalho, a maior instância de apelação. O imposto sindical correspondia ao valor de um dia de trabalho que deveria ser pago anualmente por todo trabalhador. E, Getúlio Vargas, em 1940, estabeleceu o salário mínimo que era calculado a partir de um levantamento de preços em todo o território nacional e deveria refletir o valor dos gastos mínimos necessários á subsistência do trabalhador e não a elevação da produtividade de seu trabalho —moradia, vestuário, transporte, alimentação—não incluindo itens como saúde e educação. Com todas essas considerações iniciáis a institucionalização das leis trabalhistas cumpria dois importantes propósitos; primeiro, atendia as antigas reivindicações do movimento operário; e, em segundo, regulava seu raio de ação subordinado os sindicatos ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

As transformações do procesos produtivo

A distinção radical entre capitalista e trabalhador reporta-se à condição dessas duas classes: a primeira, dispõe do controle lícito e/ou econômico da totalidade dos meios de produção e, por conseguinte, do processo de acumulação; a segunda, é privada da posse da propriedade e do fruto do trabalho socialmente construído. Ademáis, dentro do modo de produção a propriedade ou não-propriedade dos meios de produção configurase como um fator básico, embora não suficiente para estabelecer as reais contradições que naquele modo existem. Sendo que as contradições de classe tornamse melhor expressas a partir do comando do processo de trabalho que comporta dois aspectos complementares: produz mercadorias que dispõem de utilidade social -valor de uso— e, produz valor excedente —processo de valorização—. "Isso significa que o capitalismo é um sistema em que uma certa quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário — valor — é capaz de ativar e socializar ainda mais tempo de trabalho e, assim, criar um valor adicional, excedente" (Brighton Labour Pro-cess Group 1976).15

A submissão ao modo de produção capitalista aliada a sua ordem estruturante caracterizada pelo aumento do "poder social, isto é, a força de produção multiplicada que surge pela cooperação dos diferentes indivíduos condicionada na divisão do trabalho" (Marx y Engels 1982, 26) faz com que o ser humano não se reconheça a si mesmo além da dimensão cada vez mais estrita da sua produção. Sob essa perspectiva, a consciência de classe, históricamente construída como um eixo sólido, foi parcialmente diluída por uma série de fatores mais ou menos articulados: as derrotas das revoluções operárias no Ocidente, a exclusão de milhões de pessoas do mundo do trabalho causado pelo desemprego estrutural, os partidos e sindicatos políticos que ao lado de parcelas significativas do proletariado se integraram à lógica capitalística. Ainda assim, urge pensar arranjos teóricos e práticos de um sujeito social que, à revelia do engessamento dos aspectos criativos da vida coletiva realizado pela lógica do capital, pode encontrar no desenvolvimento das forças produtivas e nas suas contradições imanentes formas de existência e consciência qualitativas. Para Bourdieu (1968, 40-41): "[...] a condição de captação da verdade objetivada dos sujeitos é a condição da compreensão completa da relação vivida que os sujeitos mantêm com sua verdade objetivada em um sistema de relações objetivas".16

O homem não vive determinado por uma circunstância, porém atua sobre sua realidade e como esta não é unilateral conserva diversas possibilidades de ação ensejando a atuação das classes e grupos sociais. Portanto, se o homem, enquanto ator social encontra-se imerso num momento histórico em que vive, assim também, contribui para significar esta sociedade. Nesse sentido afirma Mills:

Chegamos a saber que todo indivíduo vive, de uma geração atéa seguinte, numa determinada sociedade; que vive uma biografia e que vive dentro de uma seqüência histórica. E pelo fato de viver, contribui, por menos que seja, para o condicionamento dessa sociedade e para o curso de sua história, ao mesmo tempo em que é condicionado pela sociedade e pelo seu processo histórico (Mills 1982, 12).

A década de 1920 no Brasil presenciou um arranjo científico no processo de trabalho motivado pelo empresariado industrial brasileiro. A introdução, primeiramente no setor de oficinas de medidas científicas e de inovações tecnológicas objetivou o disciplinamento do trabalhador inaugurando modos impessoais de classificar, admitir, promover e punir dentro de regimes disciplinares preestabelecidos. Todo um aparato técnico e burocrático se fez necessário. Foram implantados os seguintes princípios organizacionais na grande indústria: i) centralização das decisões numa única instância; ii) implantação de novos regulamentos; iii) divisão e especialização das tarefas através de mestres e contra-mestres com funções específicas definidas. Essas mudanças se nortearam segundo a observação de Rago (1985, 19): "na busca de um projeto racional de produção do novo trabalhador, dissolvido enquanto ator e sujeito e redefinido enquanto objeto de investimento de poder" (grifo nosso). O empresariado procurou moldar um trabalhador disciplinado através de princípios racionais e científicos para o trabalho produtivo (Antonacci 1985; Castoriadis 1985; Silva 1987). Os autores analisam as relações de produção capitalista marcadas pela introdução no sistema de fábrica de formas de organização racional do trabalho baseadas no fordismo, taylorismo e na racionalização, ou seja, em novos métodos e técnicas administrativas (normas, ordens, instruções de serviço etc.).

A introdução de normas disciplinares no processo produtivo contemplou atéo uso do material de trabalho. A fim de evitar roubos e depredações, a indústria fornecia a ferramenta e responsabilizava o próprio trabalhador pela sua manutenção. Em caso de danos, o valor do conserto era retirado do ordenado do operário que a utilizava. Toda uma estrutura de poder é criada visando um maior controle desse novo trabalhador. O regulamento ditava um conjunto sistematizado de regras a serem seguidas mecanizando o corpo e o espírito para que o trabalhador passasse a adquirir comportamentos físicos, psíquicos e simbólicos e maximizasse sua produtividade. Ao analisar os regulamentos das fábricas francesas ao longo do século XIX Perrot (1992, 68) afirma: "O regulamento sugere uma imagem reflexa do trabalhador e sua turbulência, ao mesmo tempo em que revela a sua dupla finalidade: econômica decerto, mas profundamente política-disciplinar o corpo do operário, seus gestos e comportamento".

Não obstante, essas transformações apresentaram resistências por parte do trabalhador, por exemplo, quando se observa o número de greves realizadas. Segundo Fausto (1977), entre 1918 e 1920 ocorreram, somente nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, 204 paralisações. Também ocorria com certa freqüência: roubos, furtos, embriaguez, atraso na entrada do trabalho, saída antes do final do turno, desperdício de material, descuido no uso de máquinas e ferramentas, atritos com superiores, brincadeiras em serviço etc. Momentos de insubordinação explícita face às idéias disciplinadoras e moralizadoras revelaram problemas internos ao processo de trabalho como fica evidente em uma, das diversas greves desencadeadas pelos ferroviários do Estado de São Paulo:

Em muitos pontos a sabotagem tem sido aplicada em grande escala, arrancando-se trilhos e cortando os fios telegráficos. A direção da Estrada que sujeita os trabalhadores a um regime de verdadeira escravidão tem procurado utilizarse de alguns desgraçados 'criminosos' que são encontrados aqui e ali [...] (A Plebe 1919, 4).

Tais práticas coletivas de insubordinaçáo do trabalhador diante do processo de organização científica do trabalho17 permitem compreender como as formas racionais de controle foram incorporadas, reproduzidas e negadas pelo trabalhador no contexto de suas experiências vivenciadas e redimensionadas no cotidiano. Ainda que se pese a força desse modelo de organização produtiva, ocorreram fricções entre a definicão das transformações e sua efetiva aplicação na realidade das fábricas e indústrias. Houve, portanto, um processo de mediações que figuraram modos de aceitação e resistências decorrentes da correlação de forças entre trabalhador e patronato e sua relação com projetos societários distintos. Nos logros da política trabalhista se compaginaram o pensamento dos sujeitos sociais e as lutas conseqüentes que foram frutos desse ser social —o trabalhador—e das tramas históricas e culturáis de poder que se alocam na base material da sociedade.

Considerações Finais

O desmantelamento do movimento operário visado pelo Estado e pelas entidades patronais buscou cindir toda tentativa de participação e decisão do trabalhador. Foilhe usurpado o direito de ser produtor de seu próprio discurso. Corroborou para isso o fato de que na sociedade brasileira as idéias, os fatos, os acontecimentos são periodizados, narrados e analisados segundo o recorte e a ótica da classe dominante. Porquanto éforçosa a acolhida de novos temas e enfoques motivados não por modismos acadêmicos —que tanto nos assola—mas porque correspondem as necessidades concretas que carecem de outras compreensões. Retomando o ponto de partida é preciso um esforço analítico-conceitual do pesquisador para que identifique na experiência política do trabalhador a subjetividade, a objetividade, a teoría, a prática e o sentido gregário enquanto vigas mestras de um pensamento que se encontrou em constante processo de construção, voltado fundamentalmente para o problema da dominação do homem sobre o homem numa sociedade de classes fracionada desde as relações de produção até os eleitos para exercerem o poder. O perigo consiste em substituir e distorcer posições definidas que firmam as categorías das ações humanas pelos espectros circunstanciais de ideologias voluntaristas mais ou menos ambiciosas. Tais espectros corrompem a atividade do pesquisador.

Os possíveis caminhos da transformação social fazemse em inúmeras direções assumindo expressões e estratégias de luta variadas. Ao nos debruçarmos para os rumos criados no interior do movimento político dos trabalhadores somos desafiados a pensá-los primeiramente a partir de uma experiência rica, disforme e complexa que reuniu lideranças, militantes políticos, sindicalistas, trabalhadores comuns, ou seja, trajetórias de luta e de vida. Considerando a história humana enquanto solo fértil de possibilidades no qual atuam forças em conjunturas específicas torna-se imprescindível recuperar as estratégias de enfrentamento dos trabalhadores contra a dominação imposta pelo capital e redimensionar a realidade societária mais ampla.

Enfeixando algumas reflexões finais partimos de uma discussão que, na verdade, atravessa todo o trabalho, a saber: érazoável falarmos em consciência de classe por parte do movimento operário no período enfocado? Quais suas implicações? Tomando como base explicativa Thompson (1987) a resposta é sim. Pois concebe uma classe enquanto "um fenômeno histórico", tendo como substância basilar à experiência humana em seus múltiplos aspectos: cultural, político e intelectual (re) criados no dia-a-dia. No desenlace desse processo se elabora uma consciência de classe em torno de interesses, propósitos e das associações representativas.

Evidentemente que, como ressaltado, isso não se deu sem fortes resistências seja por parte da burguesia, seja por parte do Estado. Quanto ao segundo, a imposição de um poder centralizador significou para a classe trabalhadora, sobremaneira, que o reconhecimento da participação política e social como direito adquirido ficou circunscrito a uma dimensão tão somente legal e administrativa do ponto de vista do Estado. Isso conduziu gradativamente a cooptação de parte das lideranças operárias e ao solapamento de uma concreta formulação autônoma. O aparelho estatal, através principalmente de seus dispositivos burocrático-legais –a Lei dos Dois Terços e a Lei de Sindicalização– operou um esvaziamento paulatino das lutas, reivindicações e entidades combativas do movimento operário. A burguesia, por seu turno, também dispôs de um arcabouço estratégico nas suas relações com a classe operária e com o Estado. Como ressaltam (De Decca 1981; Munakata 1981), a burguesia brasileira gestou seu projeto político-autoritário calcado basicamente na racionalização científica e no desenvolvimento industrial de modo a responder as investidas da classe trabalhadora na criação de urna "nova ordem social".

O Estado não se mostrou enquanto único sujeito na cena política. Entre 1930 e 1935, a burguesia participou da formulaçáo e aplicação da legislação trabalhista e sindical. Por exemplo, quando em 1932, o então ministro do Trabalho, Salgado Filho chamou à mesa os empresários para rediscutirem o anteprojeto da Lei de Férias18 e da Lei de Sindicalizaçáo nos seus artigos 8o e 13° já abordados. Os trabalhadores não participaram da reformulação das leis. O mesmo ocorre em 1931, quando o ministro Lindolpho Collor encaminhou ao Presidente os anteprojetos acerca do trabalho da mulher e do menor, da definição da jornada de trabalho, entre outros. O ministro, diferentemente dos decretos anteriores enviou-os aos representantes indicados pela burguesia que acabou interferindo na produção das leis. Para as representações dos trabalhadores estipulou-se um prazo de dois meses para levar a termo as propostas de reformas. As reivindicações do movimento operário não foram contempladas na redação do texto final, no caso do trabalho da mulher e do menor que a lei prescrevia sua proibição em períodos noturnos. Porém, o horário noturno é redefinido começando não mais a partir das 19 horas mais sim das 22 às 5 horas. O direito a férias também ficou restrito ao trabalhador sindicalizado —reconhecido pelo governo—que tivesse empregado numa mesma fábrica a mais de um ano, além de serem retirados 15 dias de férias dos 30 anteriormente assegurados.

Com as análises empreendidas pouco se sustenta a idéia de que o Estado nas suas relações com a classe trabalhadora "cria" e "doa" a legislação trabalhista conseguindo através de urna troca de benefícios legais e institucionais sua adesão passiva e imediata. Até porque, a burguesia dispondo de estratagemas introduziu outros elementos como sua capacidade de ingerência. Portanto, a cena política brasileira no limiar dos anos 30 admitiu enquanto atores fulcrais o trabalhador, o Estado e a burguesia em seus múltiplos jogos de interesse.


Comentarios

1 Essa perspectiva adquiriu consistência no círculo acadêmico a partir da segunda metade dos anos sessenta, com estudos acerca do movimento operário e do sindicato, devido, segundo Rodrigues (1979) a uma "certa nostalgia, senão uma mauvaise conscience, dos intelectuais e acadêmicos que sofreram com os militantes e as lideranças sindicais as agruras do pós-64". O efeito desse processo se fez sentir em estudos que investigaram as relações entre o aparelho estatal e o sindicato (Rodrigues 1968; Simão 1966), ou então, os vínculos dos trabalhadores com os sindicatos (Cardoso 1962; Lopes 1965; Pereira 1965). De acordo com Pereira (1979,17): "Os métodos e teorias que norteiam os trabalhos realizados em torno desses temas variam muito entre diferentes autores e em momentos distintos da trajetória histórica de constituição da questão operária como problemática universitária no Brasil. A leitura dessa bibliografa permite-nos observar uma nítida predominância dos estudos sobre a organização coletiva oficial dos trabalhadores –o sindicato–, quer tomem a forma de generalizações sobre tendências históricas e orientações ideológicas do sindicalismo em abstrato, quer se trate de estudos de casos sobre sindicatos concretos, ou de trabalhos sobre as condições político-econômicas que configuram a natureza da legislação trabalhista e estrutura corporativa sindical brasileira, em suas origens e em seus desenvolvimentos posteriores.

2 Acerca das organizações e ligas operárias de São Paulo consultar Fausto (1977). Igualmente relevantes são os movimentos grevistas intensificados a partir dos anos 10, destacando-se as greves de 1917 (Khouri 1981) e 1919 e a paralisação em 1922, na Capital (Pinheiro 1977). No estudo do movimento operário, tem-se a criação, em 1950, da Revista de História vinculada à Faculdade de Filosofa, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, que produziu os primeiros estudos saídos da universidade acerca do trabalho no Brasil. Destacamos sobretudo, o surgimento na Universidade de Campinas, do Arquivo Edgard Leuenroth. Esse Centro de Documentação Social surgiu em 1974, em pleno regime militar e constitui um rico acervo com documentos da história operária e dos movimentos de esquerda brasileiros. O acervo conta com 30 mil livros, quase 10 mil títulos de periódicos, cerca de mil fitas de vídeo, 300 películas cinematográfcas, além de uma infinidade de cartazes, discos, mapas, opúsculos, imagens fotográficas e milhares de documentos manuscritos em língua portuguesa, francesa, inglesa, italiana, espanhola e alemã. Desde 1992, o Arquivo Edgard Leuenroth publica os Cadernos AEL, priorizando trabalhos relacionados aos documentos deste acervo. A publicação que é semestral está disponível em: http://www.ael.ifch.unicamp.br. Em vida, Edgard Leuenroth (1881-1968) teve a preocupação de coletar, organizar e divulgar materiais sobre o movimento social, não só no Brasil, mas no mundo.

3 No que se refere especificamente ao trabalho infantil, o Código de Menores proibia o trabalho de crianças com idade inferior a 12 anos, dos menores de 14 anos que ainda não tivessem a instrução primária concluída, e o trabalho noturno ou então em ambientes perigosos. Não obstante, o artigo 102 do Código não proibia o emprego dos maiores de 12 e 14 anos desde que seu trabalho fosse considerado indispensável para sua própria subsistência e/ou de sua família, o que decerto ocorria com certa freqüência entre a população carente. A abolição da escravidão, a vinda de estrangeiros e o acelerado processo de urbanização, notadamente em São Paulo, endossaram o número de crianças e adolescentes pobres que passaram a fazer da rua local que lhes garantisse o sustento próprio e mesmo de suas famílias. Em meio a esse quadro social assistiu-se uma preocupação das elites republicanas brasileiras em relação ao tratamento a ser dado pelo Estado para tais segmentos da população (Braga 1993). O Código de Menores de 1927 consagrou os esforços em prol da infância e da adolescência implicando numa 'solução' para os três principais problemas envolvidos na questão: o abandono, o trabalho e a delinqüência. Sobretudo, foi uma ação preventiva e regeneradora.

4 Decreto n. 1.313, promulgado em 17 de janeiro de 1891 que regulamentava o emprego de menores fixando em seis horas diárias a duração de seu trabalho nas fábricas da Capital Federal.

5 Simão (1966) identifca que, desde o limiar do século XX, alguns parlamentares apresentaram projetos de leis dispondo sobre as condições de trabalho nas indústrias, jornadas de trabalho, remuneração, emprego de menores e mulheres, acidentes de trabalho. Entre eles, citamos Nicanor Nascimento, Rogério Miranda e Figueiredo Rocha.

6 Como aponta Moraes Filho (1978), já no Império existiam as organizações operárias como a Liga Operária e a União Operária, fundadas respectivamente, em 1870 e 1880. Também houve em 1892 uma associação de operários reivindicando do Estado leis trabalhistas (Moraes Filho 1978). No Estado de São Paulo, em Santos, no ano de 1895, o Centro Socialista que principiou a luta pela formação do partido operário, editava o jornal "O Socialista" que adotou o lema do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels: "Proletários de todos os países, uni-vos! Um por todos e todos por um". O Centro possuía uma estrutura razoável com uma biblioteca incluindo textos sobre socialismo e comunismo. Além disso, organizava reuniões, debates e conferências desempenhando assim, importante papel na disseminação de idéias revolucionárias (Koval 1982). Em São Paulo também foi criada em 1905, a Federação Operária que reuniu organizações anarco-sindicalistas. A entidade buscou a unidade da classe trabalhadora e a socialização dos meios de produção.

7 As resoluções do Primeiro Congresso Operário se encontram em Pinheiro y Hall (1979). Nessa época, cabe frisar que o pensamento de matriz anarco-sindicalista era a principal orientação do movimento operário e da maioria dos sindicatos, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo (Fausto 1977; Gomes 1988).

8 Em 1927, o programa de imigração européia subsidiado pelo governo encerrou.

9 Cf. os estudos de Carone (1975), Dias (1977) y Pinheiro (1977).

10 Baratta (1999, 206-207) auxilia a iluminar essa questão quando afirma: "Quanto mais uma sociedade é desigual, tanto mais ela tem necessidade de um sistema de controle social do desvio de tipo repressivo, como é realizado através do aparato penal do direito burguês".

11 Apesar das discordâncias iniciais algumas entidades se conformaram à estrutura da nova lei como é o caso da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro –FIERJ– e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP–.

12 A agricultura fcou isenta dessa exigência.

13 "A Plebe " que se reestruturou em 1932, constituiu importante veículo no questionamento do governo Vargas, denunciando através de seus artigos, as práticas totalitárias e analisando a política de modo amplo e seus efeitos na vida do proletariado brasileiro. Pareceu ocorrer nesse momento uma polarização da lutas políticas no seio do operariado. Se por um lado havia os que lutavam para se fazer cumprir as leis trabalhistas e desse modo legitimá-las, havia na contraparte, os que continuavam a exemplo dos sindicatos anarquistas denunciando veementemente a ingerência cada vez maior do Estado nas organizações dos trabalhadores.

14 O que difere das palavras do industrial Roberto Simonsen apud Munakata (1981, 63): "A grande indústria, por toda a parte do mundo em que se instala, traz como corolário a melhoria dos salários, o barateamento relativo do produto, o enriquecimento relativo do produto, o enriquecimento social e o aumento da capacidade de consumo. Traz ainda mais, como conseqüência, intensifcação das relações comerciais, dos meios de transporte e a marcha vitoriosa da civilização".

15 Tradução nossa.

16 Traduíjao nossa.

17 Hoje, a produção, ao contrário do que ocorria no modelo fordista –de grandes linhas de montagem que concentravam todas as etapas de produção– se dá através da fragmentação de todas suas fases: da aquisição da matéria prima à distribuição do produto tudo isso realizado em pequenas unidades altamente complexas e terceirizadas espalhadas pelo mundo.

18 A referida lei éde 30 de outubro de 1926, Decreto n. 17.496. Para o seu aprofundamento consultar Vianna (1976, 77-81).


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Fecha de recepción: 29 de noviembre de 2007 Fecha de aceptación: 2 de febrero de 2009 Fecha de modificación: 9 de abril de 2009

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