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Revista de Estudios Sociales

versão impressa ISSN 0123-885X

rev.estud.soc.  n.38 Bogotá jan./abr. 2011

 

Entre o fazer e o falar dos homens: representações e práticas sociais de saúde

Vítor Silva Mendonça*, Maria Cristina Smith Menandro**, Zeidi Araújo Trindade***

Este artículo es resultado de una investigación independiente y de las discusiones llevadas a cabo en uno de los cursos del Máster de Psicología Universidad Federal do Espírito Santo.

* Psicólogo y Máster en Psicologia de la Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Actualmente es profesor de la Facultad de Filosofia, Ciencias y Letras de Alegre, Brasil. Investigador de la Rede de Estudos e Pesquisa em Psicologia Social, Brasil. Correo electrónico: vitor.pospsico@bol.com.br

** Psicóloga, Mágister y doctorado en Psicología de la Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Profesora asistente del departamento de Psicología Social y desarrollo en la Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Profesora del Programa de Posgrado en Psicología de la Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Profesora colaboradora de la Rede de Estudos e Pesquisa em Psicología Social, Brasil. Tiene experiencia en el área de psicología en temas relacionados con representación social, adolescencia, familia y salud. Correo electrónico: cris_menandro@aol.com.br

*** Doctora en Psicología de la Universidade de São Paulo, Brasil. Profesora Titular de la Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Profesora del Programa de Posgrado en Psicología de la Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Profesora colaboradora da Rede de Estudos e Pesquisa em Psicologia Social, Brasil. Tiene experiencia en el área de psicología atuando en temas relacionados con representaciones, prácticas sociales y género. Correo electrónico: zeid@aol.com.br


RESUMO

Este trabalho verifcou a representação e as práticas sociais de saúde de homens universitários do município de Vitória/Brasil. Os dados foram coletados através de um questionário com 120 alunos de uma instituição pública de ensino superior e analisados pelos softwares EVOC e Sphinx Léxica que permitiram identificar as práticas de cuidado adotadas pelos homens, bem como a representação social que possuem a respeito de saúde. Os resultados principais demonstram uma contradição entre o que foi expresso por meio da representação e algumas práticas adotadas por esses homens. Concluiu-se, dentre outros aspectos, que o homem ainda pauta as suas ações a partir de um ideal de masculinidade que contribui para uma não-valorização da sua saúde.

PALAVRAS CHAVE

Prática social, saúde do homem, masculinidade.


Between Doing and Speaking of Men: Representations and Social Practices of Health

ABSTRACT

This study examined the representation and social practices of health of college men of the city Vitória/Brazil. The data were collected through a questionnaire with 120 students at a public institution of higher education and analyzed by software EVOC and Sphinx Léxica to identify the practices of care adopted by men as well as the social representation that are about health. The mains results show a major contradiction between what was expressed by means of representation and some practices adopted by these men. It was, among other things, that man still staff their actions from an ideal of masculinity that does not contribute to a recovery of his health.

KEY WORDS

Social Practice, Men's Health, Masculinity.


Entre hacer y hablar de los hombres: representaciones y prácticas sociales de la salud

RESUMEN

Este estudio examinó la representación y las prácticas sociales de la salud de los hombres de la ciudad universitaria de Vitória/Brasil. Los datos fueron recolectados a través de un cuestionario con 120 estudiantes de una institución pública de educación superior y analizados por los softwares EVOC y Sphinx Léxica y para identificar las prácticas de cuidado adoptadas por los hombres, así como la representación social que poseen acerca de la salud. Los resultados muestran una gran contradicción entre lo que se expresa por medio de la representación y prácticas adoptadas por estos hombres. Se concluye, entre otras cosas, que el hombre sigue siendo el personal de sus acciones a partir de un ideal de hombría que no contribuye a una recuperación de su salud.

PALABRAS CLAVE

Práctica social, salud de los hombres, masculinidad.


Análise de algumas práticas cotidianas do ser humano como fonte de produção científica tem servido de interesse para estudiosos e teóricos de diferentes áreas. E caminhando no mesmo rumo, este estudo procurou investigar as concepções significativas de saúde e as práticas sociais adotadas no cuidado com a saúde por universitários masculinos capixabas.1 A compreensão dos significados de saúde e dos contextos aos quais essas práticas sociais estão baseadas são os objetos sociais específicos da pesquisa, analisados à luz da Teoria das Representações Sociais.

Atualmente sabe-se que o gênero masculino tem sido estudado e focalizado em diversas pesquisas, devido às dificuldades que os homens têm em mostrar o que verdadeiramente sentem ou pensam em favor de um comportamento historicamente construído para expressar a masculinidade dominante, principalmente no campo da saúde (Gomes e Nascimento 2006).

De modo geral, a construção da masculinidade é inegavelmente influenciada pela sociedade, na qual devemos reconhecer que não existe um só estereótipo masculino, mas na verdade múltiplas masculinidades, segundo Robert Connell (2005). Uma dessas é chamada de Masculinidade Hegemônica, amplamente utilizada na comunidade científica da área, a qual se refere a uma dominação do patriarcado, termo que o autor utiliza para designar a "supremacia" masculina, e enfatiza o comportamento dos homens em detrimento das mulheres na configuração social. É a masculinidade mais valorizada e idealizada em diversos contextos sociais, e configura a prática dos homens na estrutura das relações de gênero.

Dentro dessa perspectiva, Sandra Garcia (1998) considera que a conduta masculina, por conta da masculinidade hegemônica, é de certo modo retratada pela ausência de responsabilidade dos homens na prática e cuidado com a saúde e, respectivamente, renuncia alguns aspectos de referência feminina e tudo aquilo que possa distanciá-lo do padrão hegemônico de masculinidade, pressupõem Zeidi Araujo Trindade e Adriano Roberto Afonso Nascimento (2004).

No entanto, é preciso ressaltar que a construção histórica do estereótipo de masculinidade não está relacionada apenas ao ideal alcançado, mas integra todo o funcionamento social de uma organização, como nas sociedades ocidentais estudadas por George Lachmann Mosse (1996). As masculinidades hoje permanecem marcadas por comportamentos e atitudes representacionais de práticas sociais orientadas, umas mais que outras em determinadas sociedades, por uma masculinidade pautada no modelo hegemônico, que geram consequências para a saúde das pessoas, visto que o homem deve manter o autocontrole emocional sob diversas situações, ser conquistador e viril, e mostrar força e agressividade (Mosse, 1996; Sabo, 2000).

As pesquisas no campo da masculinidade, nível mundial, começaram a ser desenvolvidas em meados dos anos de 1970 e já retratavam os aspectos de vida e experiências decorrentes da pressão sofrida pelos homens para mostrar comportamentos relacionados à masculinidade. Ao longo de todos esses anos, o modelo hegemônico esteve norteando todas as práticas sociais dos homens, o que denota um padrão fortemente tradicional (Garcia 1998).

Somente no final da década de 1980 os estudos sobre masculinidades ganharam força no Brasil e na América Latina, destacam Lilia Blima Schraiber, Romeu Gomes e Márcia Thereza Couto (2005). Os autores observam que, em muitos trabalhos, os processos saúde e doença são destaques, além da tentativa em incluir os homens como informantes nos estudos, fato que era restrito ao sexo feminino.

A partir de então, começa-se a conceber como fundamental a participação dos homens nas decisões tomadas em relação à saúde masculina e a inclusão da temática homens e saúde nas pesquisas, para estimular um novo "olhar" em relação às práticas sociais adotadas (Schraiber, Gomes e Couto 2005). Novo olhar esse que foi estimulado por trabalhos que apresentaram fatores de riscos para o adoecimento e comportamentos danosos à saúde gerados pelo cumprimento ao discurso hegemônico que configura ideais de masculinidade que favorecem o descuido com a saúde (Sabo 2000; Schraiber, Gomes e Couto 2005).

Saúde Masculina

A saúde masculina começa a ser abordada sob um enfoque diferencial por volta da década de 1990, período em que a singularidade masculina do ser saudável e do ser doente passa a ser focalizada, na medida em que se inicia uma busca pela saúde mais integral do homem, em que há um posicionamento favorável da Organização Mundial da Saúde (OMS) para implementar uma melhor especificidade da saúde do ser masculino (Gomes e Nascimento 2006).

Embora temas como reprodução e sexualidade perpassem toda a esfera contemporânea dos estudos realizados, a temática da morbidade e mortalidade masculina vem ganhando relevância no cenário científico, ocasionada pela incidência de acidentes de trânsito e agravos de neoplasias malignas, como cânceres de pulmão e próstata (Schraiber, Gomes e Couto 2005). Isso inclui também os estudos realizados no Brasil, que seguem o mesmo rumo da comunidade científica internacional, conforme apresentam Romeu Gomes e Elaine Ferreira Nascimento (2006).

Nesse sentido, situamos que, além da ideología hegemônica de gênero que pode dificultar a adoção de hábitos mais saudáveis, há aínda questões de caráter cultural e político que vão desde o espaço destinado ao cuidado com a saúde, que remete à identificação de fraqueza ligada ao feminino, até a falta de programas direcionados ás especificidades masculinas no país (Figueiredo 2005).

A falta de um serviço especializado para o homem já denota urna situação preocupante, pois o aumento da morbidade masculina e a dificuldade de expressarem o que sentem, fazem com que o homem busque alternativas para solucionar o problema de modo mais imediato, em farmácias ou prontos-socorros, visto que o atendimento em outras localidades pode demandar tempo, e assim o próprio homem é quem contribui para a gravidade da sua saúde sem práticas saudáveis (Figueiredo 2005).

Dessa forma, fica claro que a perspectiva de gênero contribui para a compreensão de que certos agravos são resultados do comportamento e exercício da masculinidade no ambiente social. Mediante a tal fato faz-se importante conhecer as representações sociais de saúde para os homens, na tentativa de compreender as práticas adotadas por esses no cuidado à saúde.

O Estudo das Representações e Prácticas Sociais

A denominação Representação Social foi proposta por Serge Moscovici, no ano de 1961, para designar "uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social" (Jodelet 2001, 22). De acordo com Celso Pereira Sá (1995), o estudo a partir das Representações Sociais permite a apreciação de vários assuntos com temáticas diferenciadas, desde que o objeto social a ser pesquisado faça parte das práticas sociais e tenha relevância para o grupo envolvido.

A teoria da representação social procura, então, priorizar o conhecimento e as experiências que o indivíduo tem com a realidade, de modo que essas experiências determinam a interpretação dessa interação social, além de permitir a articulação com as práticas sociais (Trindade, Nascimento e Gianordoli-Nascimento 2006).

As práticas sociais são os reflexos dos significantes sociais da representação, logo, devemos concordar com Michel Louis Rouquette (1998, 43) que "as representações sociais e as práticas se influenciam reciprocamente (...), convêm tomar as representações como uma condição das práticas, e as práticas como um agente de transformação das representações". Sendo assim, algumas modalidades do conhecimento são determinadas pela prática social, como no campo da saúde. Segundo Denise Jodelet (2006), os sistemas que organizam as práticas sociais de saúde além de remeterem à doença, também permitem a exposição de outras estruturas sociais, como educação, família e trabalho.

A estrutura das representações sociais é composta por dois sistemas de características distintas, denominados central e periférico, conforme Jean Claude Abric (1998). O primeiro agrega produtos resistentes às mudanças e elementos que asseguram a continuidade em contextos históricos, pouco afetados pelo cotidiano. O sistema periférico incorpora elementos mais flexíveis e facilmente acessíveis às alterações, além disso, regula o sistema central para evitar uma possível modificação.

Assim, pode-se supor que as práticas sociais que os homens apresentam em relação à saúde podem tanto servir de contribuição para reforçar significados existentes na sociedade atual como para apresentar novas significações da representação e prática social sobre a saúde masculina.Portanto, a utilização da teoria das representações sociais mostra-se de grande valia para a investigação das práticas de saúde do homem, uma vez que possibilita a compreensão dos significados que orientam tais práticas, dentro do contexto das relações cotidianas. Dessa forma, o objetivo do trabalho foi conhecer a representação e as práticas sociais de saúde adotadas por homens capixabas.

Método

Participantes

A pesquisa contou com a participação de 120 homens estudantes universitários do último ano de graduação de uma instituição de ensino superior do município de Vitória/ES, sendo 40 alunos de cada uma das três grandes áreas de conhecimento: humanas, exatas e biomédicas. Para a área de humanas, selecionamos os cursos de Direito e Geografia; para a área de exatas, selecionamos os cursos de Engenharia Mecânica, Engenharia Civil e Física; e para a área de biomédicas, os cursos de Medicina, Odontologia, Farmácia e Enfermagem. A escolha pelas três áreas justifica-se pela maior concentração de cursos de graduação oferecidos na instituição. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido autorizando a participação na pesquisa.

A faixa etária dos participantes variou de 20 a 44 anos, com a média de idade de 23,86 e concentração de 49,2% nessa média. Em relação ao estado civil, somente 6,7% afirmaram ser casados, sendo a grande maioria solteira. E 62,5% dos universitários disseram não possuir uma ocupação profissional. A identificação dos participantes ao longo do trabalho é realizada através da letra inicial de cada área de conhecimento "H" para humanas, "E" para exatas e "B" para biomédicas, a fim de garantir o anonimato dos participantes.

Instrumento e procedimento de coleta

Foi elaborado um questionário auto-aplicável, o que permitiu a coleta de modo coletivo e/ou individual. O instrumento contemplou seis questões no total, contendo três questões fechadas e três abertas, sendo uma referente à técnica de associação livre, além dos dados de caracterização do participante. As questões foram formuladas de modo que pudessem capturar as representações sociais e as práticas desenvolvidas pelos homens em se tratando da temática saúde.

Todos os questionários foram aplicados nas dependências da instituição, juntamente ao pesquisador responsável para esclarecimento de dúvida se assim surgisse. A coleta de forma coletiva foi realizada em sala de aula, com a autorização de professor responsável. Antes do preenchimento do questionário, os objetivos e procedimentos da pesquisa eram explicitados aos alunos.

Vale lembrar que o instrumento passou por um préteste, para verificar sua confiabilidade e validade; e o estudo seguiu todos os preceitos éticos exigidos em pesquisas com seres humanos.

Procedimentos de análise

Os dados coletados foram analisados e tratados com o auxílio de dois softwares. Um deles, o EVOC (Ensemble de Programmes Permettant L'Analyse dês Évocations), permite identificar os elementos figurativos da representação social, através de critérios de frequência e ordem prioritária de evocação na análise da questão de associação livre. E, optou-se também pela utilização do software SPHINX LEXICA, que realiza a categorização de respostas através de procedimentos de análise qualitativa e quantitativa.

A análise dos dados referente à questão de associação livre foi submetida separadamente por área de conhecimento ao software EVOC, de maneira que pudessem ser visualizados os elementos representacionais, bem como a organização da estrutura dos sistemas central e periférico (Trindade, Nascimento e Gianordoli-Nascimento 2006).

As informações concernentes às questões fechadas passaram pelo processamento estatístico do SPHINX LEXICA, sendo submetidas ao teste de Qui² para verificação de possíveis ocorrências significativas entre as áreas de conhecimento. E os dados das questões abertas foram tratados e analisados a partir da análise de conteúdo, permitindo a codificação e categorização dos textos, com utilização do software.

Resultados

Saúde e suas representações: um olhar a partir do sexo masculino

No que se refere à representação de saúde para os homens, as expressões que aparecem como elementos centrais não apresentaram grande divergência, quando comparado às áreas de conhecimento. De modo que as palavras "alimentação", "bem-estar" e "esporte" configuram o núcleo central da representação, como também as palavras "prevenção" e "vida", que estão presentes em pelo menos duas das três áreas (Caixa 1).

A constituição da periferia mais próxima aos elementos centrais é composta por referências bem específicas de cada área, apresentando registros como "médico", "qualidade de vida" e "saneamento", para os homens que compõem a área de humanas; "doença", "prevenção", "boa forma", "corpo" e "higiene", para os participantes da área exatas; e, finalmente, a "qualidade de vida" para a área biomédica (Caixa 2).

Os valores da tabela são os percentuais em coluna estabelecidos sobre 120 observações.

As práticas masculinas: o (des)cuidado com a saúde

De acordo com os homens participantes, as práticas sociais empregadas pelos outros homens, que não ele, para o cuidado com a saúde, revelam uma forte tendência à realização de atividade física e boas condições alimentares, com respectivamente 96,7% e 88,3% do total comparativo das áreas. A procura por uma religião apresentou a menor frequência com 14,2%, juntamente com outras categorias lembradas pelos participantes, 5,8% (Caixa 3).

Na categoria "outro", as práticas que se destacam são a atividade sexual, com frequência de 10,0% entre os alunos de humanas, e a busca por profissional dentista, representada como prática na área biomédica com 2,5%.

As respostas foram submetidas ao teste Qui², na tentativa de verificar a possível ocorrência de diferenças estatisticamente significativas entre as três áreas de conhecimento, o que não ocorreu, indicando que a dependência não é significativa no cruzamento das áreas (Qui² = 8,98; gl = 18,1; p = 3,97%).

É preciso destacar que o questionário previa respostas múltiplas dos entrevistados e que, por isso, a soma dos percentuais de respostas resulta em valor maior do que 100%.

Os valores da tabela são os percentuais em coluna estabelecidos sobre 120 observações.

A Caixa 4 ilustra as práticas que os próprios participantes adotam para o cuidado com a saúde. A categoria "ter momentos de lazer" aparece como uma prática de grande expressividade aos homens das três áreas, 73,3% do total dessa categoria. No entanto, não podemos deixar de evidenciar as frequências das categorias "se alimentar bem" e "não possuir vício" para a área biomédica, que apresentaram 77,5%, ambas. A categoria "frequentar uma religião" apareceu como uma prática pouco exercida pelos homens, 26,7% no total. Em relação à categoria "outro", o que os homens também consideram como prática para sua saúde está relacionada à atividade sexual, que mostra um total de 5,0%.

O cruzamento das respostas das três áreas de conhecimento permitiu-nos destacar que as diferenças não são estatisticamente significativas para as práticas de saúde masculina empregadas pelos participantes (Qui² = 7,95; gl = 18,1; p = 2,06%).

Os valores da tabela são os percentuais em coluna estabelecidos sobre 120 observações. A Caixa 5 apresenta os fatores que influenciam os homens na prática com o cuidado com a própria saúde. Conforme demonstra a tabela, a maior influência no cuidado com a saúde vem a partir do próprio homem, 81,7% do total das áreas, seguido das categorías "medo de doença" e "estética", com respectivamente 56,7% e 51,7%.

A categoría que obteve a menor proporção foi a influência da religião na prática de saúde masculina, com 14,2% no total. Em relação à categoría "outro", a resposta mais frequente foi a influência do(s) filho(s) para que os homens cuidem da sua própria saúde.

A comparação entre os dados gerais de fatores de influência para as três áreas aponta para uma dependência não significativa entre os percentuais apresentados (Qui2 = 17,38; gl = 18,1; p = 50,26%).

Procura pelos serviços de saúde: análise das situações

Com o propósito de compreender as situações ñas quais os homens procuram um serviço de saúde, podendo ser esse um hospital, posto de saúde ou consultório particular, foram construídas categorías em que respostas de sentidos semelhantes estáo agrupadas a partir do conteúdo relatado pelos participantes. As categorias elaboradas para as três áreas de conhecimento são: "circunstância de doença"; "realização de exame preventivo" e "alteração na rotina diária". Faz-se importante ressaltar a coesão presente nas respostas dos participantes, mesmo com a heterogeneidade das áreas.

Na categoría "circunstância de doença", podemos considerar que os participantes explicitaram de modo claro a procura por um serviço somente na ocorrência de uma doença, muitas vezes quando não conseguem mais suportá-la, conforme os relatos seguintes: "Somente em casos de emergência e doença instalada, evito ir ao médico e tomar medicação." (H-26); "Apenas quando estou doente ou para tratamento estético." (E-12); "Somente em casos extremos de alguma enfermidade já instalada." (B-04); "Após processo patológico instalado." (B-10). Essa categoria foi a que apresentou maior número de respostas agrupadas em todas as áreas.

A categoria "realização de exame preventivo" abrangeu respostas bem coerentes, como: "[...] para fazer exames de rotina [...]" (B-01, B-15, B-39, B-40, H-18, H-24, E-06, E-ll, E-13, E-29, E-36); "[...] desde a prevenção até a realização de exames para detecção precoce de alguma enfermidade." (B-19); "Vou regularmente me consultar como medida de prevenção e manter a minha qualidade de vida." (H-03); "Faço exame anual para verificar as condições da minha próstata." (H-37).

E finalmente, a categoria "alteração na rotina" revelouse também como uma das causas geradoras da procura pelo serviço, por parte do homem. Essa categoria apresentou um número de informações agrupadas inferior às demais. Algumas das respostas que expressam o conteúdo de alteração na jornada diária foram: "Quando sinto que de alguma forma atrapalha minhas atividades cotidianas [...]." (H-28); "Nos casos de impossibilidade de comparecer ao trabalho [...]." (H-33); "Em situações nas quais fico impossibilitado de passar o dia normalmente, de forma que interrompe minha rotina." (E-02).

Dificuldades para cuidar da saúde: obstáculos da vida?

Na tentativa de delinear as causas mais gerais que "atrapalham" o homem no cuidado com a sua saúde, formulou-se as seguintes categorias de análise, a partir do conteúdo das respostas: "ausência de tempo disponível"; "descuidado com a saúde"; "condição do serviço de saúde" e "cultura machista".

Em relação à "ausência de tempo", temos o discurso dos participantes pautados na dificuldade de conseguir um tempo livre na rotina, já que todo o seu tempo está destinado a outras atividades como trabalho, por exemplo. Sendo assim, essa categoria é composta das seguintes falas: "[...] falta de tempo [...]." (H-02, H-04, H05, H-16, H-21, H-33, H-38, B-07, B-19, B-21, B-25, E-14, E-16, E-22, E-30, E-34); "Pouco tempo ocioso [...]." (H-31); "Excesso de trabalho [...]." (B-07, H-18); "[...] pouco tempo para se alimentar bem [...]" (E-25); "[...] pouco tempo para a prática de exercício." (E-34). Esta representa a categoria de maior expressão.

A categoria "descuidado com a saúde" concentra, principalmente, características atribuídas pelo próprio homem para justificar a falta de um olhar mais atento para a sua saúde. Dessa forma, destacam-se as expressões seguintes: "Noitadas com mulheres e drogas." (E-37); "[...] a falta de motivação dos homens." (E-25); "Sedentarismo e má alimentação." (H-08); "A despreocupação consigo mesmo, falta de interesse e comodismo." (B-15); "Os vícios, a falta de higiene e não atentar para a prevenção de doenças." (E-01); "[...] excesso de bebida." (E-29).

A categoria "condição do serviço de saúde" corresponde ao discurso referente às dificuldades que os homens encontram no acesso ao serviço e à deficiência do setor público de saúde, conforme a seguir: "Saúde pública defasada e a falta de informação." (B-03); "A falta de um serviço especializado." (B-17); "[...] distância entre o atendimento de saúde e a própria população." (H-19); "A demora e difícil acesso à saúde pública, e negligência médica." (E-18); "[...] saúde pública de qualidade duvidosa." (E-24).

A "cultura machista" reúne conteúdos que contemplam características masculinas que parecem servir de pretexto para o afastamento do homem em relação à prática de saúde, como: "Medo de doença e resistência [...]." (H-34); "[...] vergonha do que os outros vão pensar [...]." (B-13); "[...] preconceito em relação a alguns exames, como o de próstata [...]." (E-20); "A teimosia e orgulho de nunca mostrar fraqueza, imposta pelo machismo [...]." (H-10).

Discussão

A partir dos resultados obtidos, urna primeira consideração que merece apreciação faz referência aos diferentes significados de algumas palavras expressas pelos homens na representação de saúde. É importante salientar que, por mais que diversos termos semelhantes tenham aparecido na evocação dos homens, não significa dizer que possuem um único e mesmo significado, de modo que cada expressão é constituída de elementos representacionais oriundos das relações sociais (Trindade, Nascimento e Gianordoli-Nascimento, 2006). Nesse sentido, a descrição de bem-estar para os homens da área biomédica está associada ao significado de uma ausência de doença, de um cuidar mais orgánico e biológico; já no caso das outras duas áreas, os homens associam o bem-estar a uma prática voltada à boa condição mental e social do indivíduo. Também a palavra "esporte", que deve ser observada de maneira particular, permite uma diversidade de significações como a musculação e o treinamento físico de alto rendimento, mais expressos pelos alunos de exatas, e o sentido mais preventivo de doenças dado pelos alunos de humanas e biomédicas.

De modo geral, o que se percebe na representação social de saúde é um discurso que se ancora em um conceito de saúde menos tradicional e mais científico, amplamente difundido nos ambientes académicos, que aborda o indivíduo em sua integralidade considerando múltiplos aspectos, como o individual, biológico, social e psicológico. O que revela urna adoçáo de um novo conceito de saúde apresentado pela Organizaçáo Mundial da Saúde (OMS), suscitando um discurso mais recente que vai além da ausência da enfermidade ou doença (OMS 1978).

De acordo com as informações da Caixa 3, na qual são apresentadas as práticas masculinas de saúde dos homens em geral, pode-se expor que as práticas de realizar atividade física e o cuidado para manter uma alimentação saudável reproduzem uma ancoragem de novos elementos ligados à representação social de saúde, conforme Jodelet (2006) expõe ao afirmar que as perspectivas das necessidades culturais estão particularmente inseridas nas representações e práticas sociais de saúde. Dessa forma, quando o estudo está pautado no campo da saúde, a comunidade científica deve aguardar implicações que tragam uma concepção mais ampla que inclui a cultura e suas mudanças no mundo contemporâneo, e não mais enfatizam apenas os aspectos que remetem à saúde ou doença, mas todo o universo social que o contempla, como a diversidade das experiências individuais e a participação nos cuidados.

Assim também sucede com os dados da Caixa 4, que apontam para práticas que estão além do "ambiente" relacionado diretamente à saúde, como a busca por um momento de lazer e até o cuidado com a mente e a manutenção de uma rede de amizades, que promovem um estado de bem-estar completo.

A atividade sexual, assinalada pelos homens como uma prática de saúde, ainda nos revela um posicionamento mais machista, que procura aproximar o homem à masculinidade hegemônica através da demonstração de uma sexualidade incontrolável, pois falar sobre sexo é admitido como fundamental para a constituição do homem de verdade, relatam Trindade e Nascimento (2004). Ao passo que a busca por uma religião, alternativa pouco praticada pelos homens, pode denotar uma ideia de homem "frágil", que por vezes pode estar vivenciando um conflito e não consegue se auto-afirmar, daí busca auxílio espiritual para sanar seus problemas e obter respostas para suas dúvidas. Características essas reprimidas na configuração do modelo hegemônico.

Todavia, em relação à influência de determinados fatores para o cuidado com a saúde revelou-se um indicativo da preocupação do próprio homem com a sua saúde e o cuidado para não enfrentar um processo de adoecimento e manter uma boa aparência. Essa prática social indica que o homem já manifesta preocupação com o seu estado de saúde e mais, tem intensificado a busca por assistência médica para prevenção e controle de doenças, segundo Wagner Figueiredo (2005).

As situações que exprimem a procura por serviços de saúde pelos homens são aquelas em que há uma extrema necessidade e quando não é mais possível aguentála, recorrendo ao especialista em último caso, o que pode inviabilizar a reversão de muitos diagnósticos realizados tardiamente ou até mesmo a cura de uma doença de maior gravidade, haja vista que a maioria das respostas está concentrada na categoria "circunstância de doença". De igual modo, Gomes, Nascimento e Fabio Carvalho Araújo (2007) salientam que há um indicativo de morbidade relevante para o sexo masculino, contudo, os homens têm receio e medo de descobrir que possuem algo muito mais preocupante e crítico, e não admitem a ideia de exporem o que sentem. Sendo assim, essas são algumas das explicações que atestam o fato de os homens procurarem com pouca frequência os serviços de saúde.

Dessa forma, o que muitos homens afirmam na representação do que é saúde parece incompatível com a prática de autocuidado, pois a prevenção, o bem-estar e a qualidade de vida, expressos pelos homens, têm como pilar uma rotina médica e de atenção ao estado de saúde do corpo, fato esse que parece não ser colocado em prática. Logo, a prática dos homens está pautada em concepções distintas das expressas na representação de saúde, que traz aquele discurso politicamente correto de cuidado integral à saúde, mas que é renegado ao ser praticado pelo próprio homem.

E essa prática de procurar o serviço somente quando é realmente necessário é justificada pelo próprio homem, que considera a ausência de tempo o principal fator de impedimento para o cuidado com a saúde. Os "obstáculos" que dificultam o cuidado com a saúde, além de serem justificativa, também servem para atentar o quanto as políticas de saúde não se propõem a investir na população masculina, com campanhas que incentivem e promovam o hábito do homem procurar um serviço, a ampliação dos horários dos serviços de saúde, criação de um serviço especializado na saúde do homem, tudo isso como forma de poder criar um vínculo entre o homem e o serviço, pontua Figueiredo (2005).

É claro que essa análise da incompatibilidade da prática com a representação não pode ser generalizada a todos os participantes, até porque existe uma categoria da análise de conteúdo que comprova que alguns homens buscam o serviço para a realização de exames preventivos, ou seja, a masculinidade hegemônica parece estar sendo ameaçada por outro viés, ou até mesmo por outra forma de masculinidade, visto que já pode ser perceptível a preocupação de alguns homens com o seu estado de saúde e a busca por assistência profissional no controle de doenças em geral (Figueiredo 2005).

Ainda em relação aos obstáculos apresentados, podemos perceber que existe uma representação de que o próprio homem consegue compreender como uma dificuldade o seu comportamento de desleixo para com a saúde, como também o preconceito e a vergonha em evidenciar que precisa de auxílio e ajuda. De acordó com Gomes, Nascimento e Araújo (2007), grande parte das atitudes que os homens desempenham para poupar o contato com a saúde, e como consequência evitarem a exposição de uma situação de fragilidade, estão relacionados aos papéis desempenhados para se comprovar a identidade do ser masculino. Vale destacar ainda, que a influência da área de conhecimento na representação e práticas sociais dos universitários não se mostrou fundamentada, visto que as diferenças entre as áreas não são significativas. Fato esse que reforça a incidência de outros fatores determinantes na concepção de saúde para os participantes, como por exemplo, o gênero.

Em síntese, fica evidente que os resultados apresentados expressam a representação social de uma saúde que engloba um discurso menos tradicional, na qual a concepção de indivíduo vai além do organismo biológico. Entretanto, algumas práticas sociais adotadas pelos homens ainda deixam a desejar, pois se concentram em uma fala que remete ao cumprimento da masculinidade hegemônica em que predomina a representação do homem de verdade e com uma ideologia que exige do mesmo a renúncia de todo e qualquer atributo que configure outro modelo que não o hegemônico.

Observa-se, por outro lado, a real necessidade de um programa de saúde que reconheça as necessidades do homem e estimule-o a buscar um novo caminho para o cuidado com a sua saúde, de maneira que consiga reunir a esse imaginário de um homem forte e invulnerável, um olhar de cuidado para a saúde, sem que isso implique uma desconfiança sobre a masculinidade socialmente instituída. Esperamos, também, que outros estudos consigam avançar nas discussões sobre a saúde masculina, de modo que o próprio homem possa dar voz para as questões que atravessam essa temática.


Comentarios

1São assim chamadas as pessoas que nascem no Estado do Espírito Santo, Brasil.


REFÊRENCIAS

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Fecha de recepción: 11 de junio de 2009 Fecha de aceptación: 11 de enero de 2010 Fecha de modificación 26 de enero de 2010

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