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Revista de Estudios Sociales

versão impressa ISSN 0123-885X

rev.estud.soc.  no.65 Bogotá jul./set. 2018

https://doi.org/10.7440/res65.2018.06 

Dossier

Para uma perspetiva aplicada do tempo na política*

Hacia una perspectiva aplicada del tiempo en la política

Towards an Applied Perspective of Time in Politics

Emília Rodrigues Araújo** 

** Doutoramento em Sociologia, com coorientação na Cardiff University (Reino Unido). Professora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho (Portugal). Coautora de “Unfolding Various Academic Mobility Experiences of Southeast Asian Women” Gender, Place & Culture 24 (12): 1768-1786, 2017 e de “La pertinencia heurística del concepto de ‘tiempo en abundancia’ para el análisis del tiempo de desempleo desde una perspectiva de género” Arbor 193 (784): 1-17, 2017. emiliararaujo@gmaill.com


RESUMO:

Este texto tem como objetivo principal discutir algumas das formas de concretizar e revelar o tempo na política. Discutimos, nomeadamente, a ideia de que, nas sociedades contemporâneas, os tempos cultural e social são frequentemente esquecidos pela política, o que tem efeitos negativos sobre a vida das populações. Procuramos mostrar quais são os principais dilemas de tempo que a política enfrenta e por que meios esta se pode qualificar, no sentido de responder aos destinos dos cidadãos. Nesse sentido, propomos um esquema de análise à política do tempo cuidado, apresentando alguns dos principais eixos para a sua operacionalização.

PALAVRAS-CHAVE: tempo; política; história; ritmo; aspiração

RESUMEN:

El objetivo principal de este texto es debatir algunas de las formas de concretar y revelar el tiempo en la política. Discutimos, entre otras cosas, la idea de que en las sociedades contemporáneas, los tiempos culturales y sociales son a menudo olvidados por la política, lo que tiene efectos negativos en la vida de las poblaciones. Tratamos de mostrar cuáles son los principales dilemas del tiempo que enfrenta la política y por cuáles medios esta se puede calificar para responder a los destinos de los ciudadanos. En este sentido, planteamos un esquema de análisis a la política del tiempo, presentando algunos de los ejes principales para su funcionamiento.

PALABRAS CLAVE: tiempo; política; historia; ritmo; aspiración

ABSTRACT:

The main purpose of this study is to examine some of the ways of manifesting and revealing time in politics. We discuss, inter alia, the idea that in contemporary societies, cultural and social times are often forgotten by politics, which has negative effects on the lives of populations. We seek to show what the main dilemmas of time which politics confronts are and by what means the idea of time can be modified in order to respond to the needs of citizens. In that regard, we propose a scheme for analyzing a politic of time, presenting some of the main axes for its realization.

KEYWORDS: time; politics; history; rhythm; aspiration

Introdução

O tempo social é marcado pela aceleração (na aceção de Rosa 2015 ), que combina ritmos diversos expressos de modos cada vez mais instantâneos, fruto dos avanços tecnológicos e num contexto em que a informação, falsa ou verdadeira, circula como uma “bomba atómica” (Virilio 1999) Neste seguimento, argumenta-se, neste texto, que a política -do nível micro e quotidiano ao nível macro e supranacional- tem cada vez mais necessidade de se qualificar na análise e na administração do tempo -seja o tempo cronológico refletido em planos, seja o tempo histórico e sociológico. Entende-se que esta qualificação relativamente ao melhor conhecimento do tempo e das temporalidades sociais e à definição de uma política de tempos é fundamental para gerar formas de atuação prática conscientes das mudanças sociais e dos graus de (des)articulação e interdependência que comportam.

Por política, definimos toda e qualquer ação que se efetiva pelo poder de provocar ou retardar mudança e que é exercida pelos atores com poder de decisão sobre destinos coletivos. Com efeito, o tempo tem interessado à política, designadamente, enquanto um meio e um instrumento de calendarização de atividades ou como um plano de orçamentos e de avaliação da concretização de metas. Trata-se do tempo-calendário, o tempo como sistema métrico e cronológico. Neste texto, propomos argumentar que a política (que tanto se refere à ação dos representantes políticos, como a ação do indivíduo humano, no contexto da sua vida) se “esquece” frequentemente do tempo histórico e social.

Os debates iniciados por Koselleck, nos finais dos anos cinquenta do século XX (1988; 2004), a propósito do tempo histórico e do tempo como metaconceito, são fundamentais para nos ajudar a perceber o “esquecimento” contemporâneo do tempo que coexiste com a vertigem da aceleração e da velocidade (Rosa 2015). Koselleck assinala que a história está dependente dos conceitos de tempo.

Segundo o autor, é a transformação destes conceitos, nomeadamente a respeito da aceleração, que desencadeia o desvanecimento da consciência do tempo histórico -passado e futuro (Dahlstrom 2012). Para Koselleck, são várias as razões que podem, assim, explicar o “esquecimento” da política em face do tempo histórico, definido enquanto expectativa e experiência. Elas derivam, nomeadamente, dos mecanismos estruturais de funcionamento das sociedades em rede, hiperdependentes entre si que dificultam a legibilidade dos vários estratos de tempo, suas sobreposições e cisões. Mas podemos propor que esse “esquecimento” também se deve, no âmbito local e comunitário, a razões de ordem cultural, que incluem a fragilidade do conhecimento-experiência que os próprios atores políticos detêm sobre as realidades históricas e sociais.

Por esta ordem de ideias, importa ligar a concetualização do tempo na política ao tempo cultural e ao tempo do direito. Com efeito, a política temporalizada definir-se-ia por ter alguma capacidade de transcendência temporal. Isto é, capacidade de resposta, por um lado, às transformações do tempo social (embora, ao longo do tempo histórico, se mantenham as formas de regulação e de instituição do tempo social, as suas dinâmicas internas alteram-se) e, por outro, à situação da ação num tempo atemporal que atravessa, em simultâneo, o antes e o depois da própria ação. Ademais, na linha de pensamento de Ost (1999), a necessidade de ligar o passado ao futuro impor-se-ia à política, prevendo estratégias para tornar o passado objetivamente performativo no presente e zelar pelo condicionamento do futuro por parte do passado, através de promessa institucionalizada.

Não seria possível pensar numa política que não envolvesse o tempo, pelas mesmas razões que a própria definição da ação se dá na passagem do tempo. Intrinsecamente, a ação prática e/ou discursiva é temporalizada e remete para uma certa duração.

Acontece, porém, que a política está associada, nas sociedades ocidentais mais do que noutras, ao contrato, ao direito e ao planeamento. Deste modo, a política seria definível, intrinsecamente, a partir da sua qualidade de conhecer o tempo longo e atuar atendendo às condições e às realizações daquele.

Em ambientes simples e não sujeitos à pressão da rapidez tecnológica, este tipo de planeamento -que atende a alguma extensão e profundidade da ação a desenvolver- mais facilmente reflete o tempo longo das próprias políticas, lançando mão de análises de aprofundamento sobre os seus impactos e eventuais falhas. Mas, em ambientes hipercomplexos, conflituantes e paradoxais, a política resvala para a concentração de esforços na ação de resposta imediata. Ainda que esteja de acordo com a legalidade instituída, esta ação desafia os “contratos” existentes, impondo-lhe questões e soluções mais novas e sofisticadas. Desafia, de modo especial, o conhecimento que os atores envolvidos têm sobre o passado e o modo como o podem usar no presente em emergência e no futuro.

Portanto, são várias as linhas de análise possíveis sobre o tempo e a política na contemporaneidade, porque aquele atravessa todos os fenómenos sociais, os quais estão dependentes de enquadramento político e legal. Neste texto, e em sequência do que dissemos acima, interessa-nos apresentar um primeiro quadro exploratório sobre o tipo de problemas de tempo que a política contemporânea enfrenta e identificar as principais formas de intervir, de modo a qualificá-la no que respeita aos conceitos e às metodologias de análise e de intervenção sobre o tempo.

O artigo está, assim, dividido em três pontos principais. Num primeiro momento, apresentamos os principais dilemas que se diagnosticam nas sociedades contemporâneas no que respeita ao modo como a política lida com o tempo. Num segundo momento, procuramos discutir quais são as principais formas de superar tais dilemas, tornando a ação política mais qualificada para interpretar os fenómenos sociais como fenómenos temporais. Num terceiro ponto, daremos atenção ao modo como estes meios de consciencialização sobre o tempo implicam revisão de alguns pressupostos sobre os quais a política contemporânea assenta.

Os Dilemas

O dilema da duração e a comercialização do (horizonte) do tempo

Os atores políticos têm consciência da importância do inesperado e do desconhecido no desenvolvimento da tomada de decisão e de políticas. Todavia, a sua visão de tempo na política é fundamentalmente de carácter sequencial, linear e delimitada pela prevalência de datas e de prazos. Uns, à escala anual, como planos de atividade, programas ou orçamentos, e outros a uma escala mais longa. Na base, pode afirmar-se que predomina o conceito de tempo-recurso.

O tempo é perspetivado como algo a ser preenchido e marcado, a partir de estimativas e previsões. Estas só são possíveis metodologicamente na base da análise do passado, do presente e também do futuro. Do futuro, porque a inovação é uma das figuras mais constantes e proeminentes do modo de fazer política, seja no âmbito internacional e nacional, seja em termos regionais e locais.

Esta visão sobre o tempo como recurso implica três sérias consequências para as sociedades e instituições contemporâneas: i) ficarem constrangidas pelos limites temporais dos ciclos temporais da política; ii) assentarem o planeamento do tempo exclusivamente numa orientação de tipo cronológico, que entra em conflito e contradição com uma panóplia alargada de outros tempos que coexistem no mesmo tempo cronologicamente datável: o tempo da cultura e das instituições; o tempo natural; o tempo de vida e da experiência, em geral; iii) transformarem o tempo num poderoso bem transacionável no mercado, particularmente, sob a forma de futuro antecipado ou de um passado reversível.

Apresentamos na tabela 1, de forma resumida, as principais características do tempo, tal como a experiência contemporânea.

Tabela 1 Caraterísticas do tempo, tal como experienciado 

Tempo tecnocientífico.
Tempo manipulável.
Tempo em contínua compressão e expansão.
Tempo planificado (pela ciência e ideologia tecnocientífica no design do futuro).

Fonte: elaboração própria.

Nesta perspetiva, um primeiro nível de consciencialização sobre o tempo e a sua importância prende-se com as condições e competências da política para acautelar o modo como ela própria, pelo interesse que estabelece com a economia, provoca disjunções temporais, com fortes efeitos sociais e culturais, tal como se encontra mencionado na tabela 2.

Tabela 2 Formas usuais de comercialização do tempo horizonte e fontes de disjunções temporais entre passado e futuro 

Passado Futuro
Produção artística. Produção tecnológica. Afirmação de campanhas publicitárias que acentuam o gosto pelo futuro robótico e tecnológico.
Produção recreativa (feiras, recriações). Produção artística.
Indústria do turismo. Produção recreativa, indústria de videojogos.
Reconversão de territórios (culturas e formas de habitar). Produção de expectativas otimistas.
Reduzida atenção sobre o efeito performativo do presente-futuro sobre o passado. Produção de riscos e perigos e fomento dos seguros.
Reduzida atenção sobre efeitos e consequências. Esquecimento do tempo longo (passado). Reduzida ênfase sobre efeitos e consequências. Esquecimento do tempo longo.

Fonte: elaboração própria.

O uso do tempo passado e do tempo futuro implica, assim, diversas considerações acerca dos modos de continuidade e de ligação temporal que a política consegue manter entre ambos. Tal como menciona Pickering (2004) a abordagem à história proposta por Koselleck (2000) toca justamente a possibilidade de a política contribuir para acentuar a disjunção temporal, com efeitos no dia a dia das populações. Segundo Pickering (2004, 273),

Isto acontece porque o nosso investimento no futuro aumenta na proporção do declínio da nossa ligação ao passado. Tendo os olhos postos apenas no amplo e aberto futuro à frente, e não para quem está atrás de nós, perdemos continuamente o rumo do caminho da história pelo qual viajámos. Todos os dias a modernidade distancia-se do passado, na tentativa de escapar do presente com o “tempo como recurso insuficiente para vigiar os problemas que o futuro causa no presente”. (Habermas 2001, 132)

As mídias contribuem de diversas formas para reforçar esta disjuntura porque permitem, com o uso de tecnologias cada vez mais sofisticadas, manipular o tempo através da encenação da experiência do tempo passado e futuro: estão constituídos em sequências temporais completamente novas e disjuntivas, também possibilitadas pelas mídias. É cada vez mais possível armazenar o tempo passado e/ou vindouro tornando o tempo que passa um permanente objeto de consumo.

Hoje circulam imagens mediatizadas através do robô batizado de “Sofia” que, sendo apresentado como um dos ícones do desenvolvimento científico na área da inteligência artificial, é dado como um robô capaz de desenvolver cada vez mais capacidades “emocionais”. Em si mesma, tais imagens configuram o que temos vindo a argumentar acerca do modo como o tempo presente experiencia, do ponto de vista da política, um estado de confusão permanente de temporalidades que emergem continuamente.1.

O dilema do “esquecimento” do tempo (longo)

Na sequência do que dissemos acima, um dos riscos da política contemporânea é a excessiva preocupação com o tempo cronológico e o relativo esquecimento do tempo sócio-histórico e cultural. Este oblívio traduz-se na pouca ou em nenhuma importância atribuída a assuntos que se relacionam com o tempo de tipo estrutural, a qual se manifesta no modo de assumir ou revelar preocupação e/ou antecipação e da qual se desenvolvem medidas de prevenção, alerta e/ou simulação. Assier-Andrieu, Bessin e Perrin, a partir de Ost (2000, 672), declaram que “[...] mudámos de paradigma de relação com o tempo, a lógica do projeto (inscrito na duração longa, e não do projeto venerado na articulação managerial que é sobre presentista), dá o lugar ao tempo curto e ao visível”.

Existem várias explicações possíveis para o esquecimento do tempo longo ou para a sua invisibilidade na definição da ação dos sistemas políticos. A confiança na ciência e na tecnologia é, sem dúvida, uma das principais.

O conhecimento científico abrange um amplo leque de disciplinas e atravessa toda a extensão da vida. Nos últimos anos, a expansão da ciência e a sua crescente imposição como principal método de explicação do mundo têm permitido que a política decorra de modo mais informado, nos vários campos de atuação. Esta sedimentação da ciência é de tal modo penetrante que o próprio direito se vê na condição de mudar e de atualizar-se a respeito das formas e da intensidade de regulação em vários campos, uns novos e emergentes, outros mais antigos.

Na tabela 3, resumem-se os principais eixos de esquecimento do tempo cultural e social.

Tabela 3 Eixos de esquecimento do tempo cultural e social 

Tempo caricatura (feiras medievas e romanas… o toque sobre o passado e a demasiada futurização da ciência moderna).
Tempo de des-cuidado.
Tempo des-passado.
O tempo e o futuro como escolha cultural.

Fonte: elaboração própria

Hoje, as sociedades contemporâneas são atravessadas por ritmos de aceleração técnica muito intensos, altamente movidos pela indústria da inovação e pela dinamização do consumo. Este marca o tempo quotidiano como ato contínuo de participação social direta e indireta.2 Neste quadro, a política (e não só a populista) carateriza-se pelo deslumbre técnico que se instala a partir da valorização do paradigma da inovação tecnocientífica total.3

Neste clima de deslumbre e de esquecimento dos tempos cultural e social, a ciência e a técnica, materializadas por um sem-número de processos, mecanismos, tecnologias, entre outros, instalam-se na política como as principais âncoras da ação. Valoriza-se, principalmente, a sua capacidade de serem rápidos e permitirem o diagnóstico das situações de crise potencial, a distância. Acontece que os riscos natural, cultural e social fazem parte dos sistemas sociais e revelam-se de forma potencialmente abrupta, como, por exemplo, acontece no caso de catástrofes (incêndios, desabamento de terras ou inundações). A nossa hipótese fundamental é a de que este caráter imprevisível e, ao mesmo tempo, de consequências ciclópicas, evidencia o descuido da política em relação à análise do tempo-risco.

Hoje um dos debates centrais em Portugal refere-se ao apuramento de “responsabilidades” sobre a catástrofe dos incêndios que, em 2017, matou mais de uma centena de pessoas, em circunstâncias que todos admitem serem “impensáveis”, por acontecerem sobretudo ou nas próprias habitações, ou nas estradas por onde tentavam fugir.4

O tempo-risco

Na prática, uma das assunções mais gerais sobre o que define a ação dos decisores de política diria respeito à preocupação e à antecipação. Decorre das competências esperadas dos políticos a construção de cenários, particularmente em matérias que estão mais expostas ao risco. Risco definido, não apenas em termos de uma probabilidade estatística, mas decorrente da análise baseada na experiência do tempo cultural e do tempo social. Acontece, na prática, que o tempo cultural e o social, pelas suas caraterísticas, de aparente imutabilidade e controlabilidade, bem como por sua complexidade, são pouco diagnosticados na perspetiva do risco. As previsões estatísticas e econométricas falham a este respeito, porque os mundos social e cultural são marcados pela inconstância devido à iminência de conflito ou rutura. A falta de análise de risco realizada com recurso a métodos que privilegiem a análise das interações e das experiências predispõe os vários sistemas a vulnerabilidades e à ausência de meios para enfrentar as possíveis ruturas.

Dessa forma, o tempo revela-se um instrumento de design do desenvolvimento durável, que responde ao imediato com os olhos postos no tempo longo, o tempo das estruturas, integrando a influência das grandes forças que hoje modelam os tempos históricos e que são a ciência e a tecnologia.

Lembremos as abordagens de Ost (1999), interpretadas por Louis Assier-Andrieu, Marc Bessin e Jean-François Perrin (2000, 672):

A indeterminação está hoje no coração do direito. A crise do Estado protetor que deixa o lugar à sociedade do risco induz a precariedade dos laços sociais, mas também das regras que funcionam cada vez mais sob a forma do efémero, do provisório e da urgência. Ora, as reformas encetadas em período de urgência são as que se tornam mais suscetíveis de revisão e acabamos por viver numa engrenagem em que os factos acabam por prevalecer sobre o direito.

Na tabela 4, indicam-se os principais vetores de esquecimento do tempo, tal como expostos ao longo do texto.

Tabela 4 Principais vetores de esquecimento do tempo 

Ausência do tempo/cuidado.
Falha na antecipação - cuidado.
Falha na análise de cenários e consequências.
Vazios na regulação - do tempo e no tempo.

Fonte: elaboração própria

Por outras palavras, importa demonstrar por que razão a política precisa de ser qualificada em termos de conhecimentos da sociologia do tempo, de modo a melhorar-se em todos os planos. É desta qualificação, no sentido do reforço de uma política de cuidado, que trataremos nos pontos seguintes.

A qualificação da política sobre o conceito de tempo e seus usos

Elencamos, para apresentação neste pequeno texto, duas principais vias de qualificação da política, no que respeita ao tempo e à temporalidade, em particular a que se refere aos tempos cultural e social.

Primeira forma de qualificação temporal da ação política: a devolução do tempo

Fica explícito, da exposição anterior, que os sistemas políticos e sociais necessitam de estar cada vez mais preparados para a crítica da ciência e da técnica e para a observação real do tempo social e cultural. Por isso, os sistemas políticos precisam de estabelecer uma relação mais qualificada com o conhecimento, a informação e a comunicação. O tempo concreto da experiência e do conhecimento real dos ritmos sociais e culturais e das formas de articulação precisam de estar cruzados com o conhecimento e a experiência dos ritmos científicos e tecnológicos.

Mais especificamente, não chega à política estar informada sobre os meios técnicos teoricamente mais eficazes em situações de possível cenário de catástrofe. É necessário que considere, nesse uso, os ritmos das comunidades e dos atores potencialmente envolvidos, a natureza dos seus conhecimentos e da informação que possuem. É indispensável que considere, também, a devolução do tempo-experiência aos próprios atores, através da ação formativa e pedagógica acerca de comportamentos preventivos que se perderam no tempo, devido à crescente imposição dos tempos tecnocientíficos.

A ação política torna-se mais capaz de antecipação quando recolhe os ensinamentos que provêm via cultura e o estudo dos costumes e dos modos de vida das populações. O conhecimento da cultura é, de igual modo, conhecimento sobre a continuidade do tempo, isto é, sobre o passado. Adicionalmente, à cultura, junta-se a informação que provém via conhecimento espontâneo ou conhecimento leigo - aquele tipo de conhecimento válido para decifrar e descodificar o mundo e atuar sobre ele, transmitido e mobilizado nas práticas quotidianas, mas não formalizado, tal como se mostra na tabela 5.

Tabela 5 Três vetores principais para o design do tempo político, social e cultural  

Tempo como eixo de desenvolvimento.
Tempo como opção política de desenvolvimento.
Tempo e emancipação-participação.

Fonte: elaboração própria

O acesso da política a este conhecimento dá-se de diversos modos, além do que respeita ao envolvimento do próprio sujeito político, mas o método mais ajustado é através da participação pública dos cidadãos não cientistas nem políticos. A proximidade à ciência é cada vez mais elevada, por força, inclusivamente, da credibilidade e da certeza que esta institui à política. Todavia, é fundamental o conhecimento leigo que resulta das histórias de vida dos sujeitos e do conhecimento que estes transportam e atualizam da história do passado, parte da qual ligada ao modo como conviviam com o peso do tempo religioso e da sua estreita ligação ao tempo social e ao tempo religioso.

Neste plano, a história e a cultura são alicerces fundamentais da política de cuidado, em articulação com a capacidade de prospeção e de antecipação do tempo que há de vir, em parte desconhecido, em parte passível de cenarização e de visualização, atendendo às circunstâncias do passado e do presente.

Hoje a questão da seca e da escassez de água em Portugal é central e sobre ela será necessário mobilizar esforços no sentido de antecipar efeitos e educar para a transição climática.5

Segundo Appadurai, a “cultura é um diálogo entre aspirações e tradições sedimentadas por causa do nosso zelo incomensurável pela primeira [economia] e a consideração da segunda como um custo permitimos que emergisse uma opção artificial, desnecessária e prejudicial entre cultura e desenvolvimento” (Appadurai 2013, 195). Assim, quando pensamos o tempo nesta perspetiva da transformação cultural e num tempo em que: “o indivíduo se encontra só e desamparado num mundo que o exorta a seguir por si próprio, enquanto os padrões que poderiam ajudar a renovar os laços sociais se desvanecem” (Ost 1999, 257), tende-se a entender o processo de mudança-não mudança como algo interior ao próprio processo cultural em curso como algo naturalizado e, por vezes, idealizado numa perspetiva isomórfica (é preciso fazer algo para mudar, desenvolver). Ora, Appadurai pensa a necessidade de articular o desenvolvimento com a cultura, na perspetiva em que o tempo natural possa ser considerado na sua especificidade, e não apenas como manipulável ou controlável.

No âmago do pensamento de Appadurai, está o conceito de aspiração que se cruza com o de expetativa em Koselleck. O autor está preocupado com as populações mais desfavorecidas e com aquelas que ficam cada vez mais à margem das escolhas mercadológicas e desenvolvimentistas. Afirma, então, que o futuro consistente, ao invés de corresponder a um ideário técnico imaginado, mas perfomativo, herdaria, necessariamente, do papel e da possibilidade de emancipar estas populações oprimidas pelos padrões das sociedades contemporâneas, dando-lhes espaço para aspirar, para justamente desenhar os seus futuros de uma forma que fossem justas para consigo mesmas.

Por isso, o autor fala-nos do interesse em que a política se desenvolva dentro da ética da possibilidade e não da probabilidade, a dominante nas sociedades de risco e incerteza e onde um certo tipo de conhecimento científico e legal -apenas aqueles capazes de gerar impactos imediatos de resposta às urgências- se impõe. A aspiração corresponde, assim, aos horizontes de esperança a possibilitar às populações que vão estando em situação e na condição de opressão e insegurança.

Segunda forma de qualificação temporal da ação política: acertar os tempos do direito e os tempos social e cultural

Como dissemos antes, a política está nas sociedades contemporâneas em grande desajuste no que tange aos ritmos sociais e culturais. Falámos até agora sobre os horizontes temporais e a forma como a política se pode qualificar nestas esferas. Importa agora lembrar que uma das áreas em que se exige a qualificação da política se prende com os modos de articulação das respostas legais e com a dinâmica dos ritmos culturais e sociais. Dada a tendência para a aceleração social e técnica, as sociedades contemporâneas são atravessadas por múltiplos problemas que, sendo tratados como “problemas sociais” e entendidos como “inevitabilidades”, podem ser evitados e/ou minorados através de diagnóstico e intervenção precoces.

A política não só necessita, a este respeito, de interiorizar e qualificar-se no que respeita ao tratamento dos tempos longos dos ritmos sociais e culturais, mas também de qualificar-se no que concerne ao acerto entre os acontecimentos do tempo presente e emergente e a regulação sobre essa possibilidade de intervenção antecipada. Vários fenómenos sociais e culturais evidenciam ritmos de desenvolvimento extremamente céleres e imprevistos, sendo importante entender que, na grande parte das vezes, o desfecho destes fenómenos é trágico, implicando a morte de pessoas. A política precisa de se qualificar no que respeita à leitura destes ritmos que são obedecem a nenhuma sequência preestabelecida. Em grande parte, esta consciencialização implica a observação dos tempos e das temporalidades do direito e a forma como estas afetam os ritmos sociais e os individuais, quanto ao estabelecimento de prazos e de tempos de espera em relação ao encaminhamento dos processos.

Nesse sentido, conforme os dados da Comissão Europeia para a Eficácia na Justiça (2017, 7), Portugal é ainda um dos países em que os tribunais demoram muito tempo a resolver processos, dentre os países considerados. A Comissão Europeia comporta, aliás, o projeto Saturn especializado na implementação de medidas de gestão do tempo nos tribunais e no cuidado pela conjugação de vários códigos de tempo.

Com efeito, fenómenos social e psicologicamente penalizadores, como a violência doméstica contra mulheres, homens ou crianças, acusam cada vez mais discrepâncias entre a celeridade com que se desenvolvem e a lentidão na aplicação do tempo legal. Mas a lista de exemplos seria infindável. Como dissemos, ela revela o desajuste do tempo legal e o social e cultural em vários patamares: o da aplicação da lei, depois de revelado o fenómeno, e o da sua antecipação em termos sociais e culturais, evitando a intervenção do direito.

De facto, observa-se cada vez mais discrepâncias temporais, com efeitos sobre a vida dos sujeitos sociais que, podendo ser resolvidas depois que acontecem, são altamente antecipáveis se e quando a ação política estiver qualificada nesse sentido. Dois exemplos recentes debatidos em Portugal e na Europa que mostram a necessidade urgente de se pensar em termos de tempo (como quantidade, recurso e experiência) dizem respeito ao crescente número de casos de reações a medicamentos lançados no mercado; ou à análise dos efeitos da crescente socialização dos jovens através do YouTube; ou ainda o elevado tempo de espera por consultas e operações nos hospitais públicos. Mas os exemplos seriam muitos, se consideradas outras esferas da vida social, como a do tempo de trabalho ou da educação.

Terceira forma de qualificação temporal da ação política: conhecimento e pedagogia centrados na sobreposição e transição contínuas entre tempos

Neste texto, enfatizamos a importância do conhecimento do tempo por parte dos responsáveis políticos, os que detêm como missão o cuidado pelo bem coletivo e comum. Todavia, para que tal se compreenda, é importante assumir que as dimensões temporais e as escalas de tempo devem ser conhecidas e ser objeto de análise por parte dos cidadãos em geral.

Por esta razão, assumimos que uma das formas de qualificação da política para o tempo e a temporalidade se dá através da formação e da educação. Estas, embora impliquem a dimensão do tempo recurso, clarificando formas de prever e de gerir o tempo cronológico, necessitam ser trabalhadas do ponto de vista da antecipação e da tomada em consideração do tempo longo e do desenvolvimento sustentável, com consequências reais sobre as populações reais do presente. Na tabela 6, expomos os principais eixos de operacionalização da política certificada em tempo.

Tabela 6 Eixos de operacionalização de uma política certificada em tempo 

Fonte: elaboração própria.

Como revelamos, os tempos sociais e os tempos culturais manifestam diversas discrepâncias entre si e em relação aos tempos técnicos e tecnológicos, tendo ainda que reagir aos tempos e aos ritmos globais, também estes desconhecidos e imprevisíveis. Os sinais desta discrepância são múltiplos e participam da própria “emergência” que carateriza as sociedades contemporâneas, revelando-se socialmente de várias formas, tanto em fenómenos de amplo espetro, como protestos, terrorismo ou catástrofe, como em fenómenos de natureza microssociológica, relativos à experiência individual, como a doença física e/ou mental.

Na tabela 7, resumimos as principais perguntas que ajudam a política a revelar a preocupação pela administração do tempo. As perguntas são definidas a partir da elaboração de Ramon Ramos (2009), que define a existência de quatro metáforas de tempo: o tempo-recurso, o tempo-ambiente, o tempo-horizonte e o tempo-corpo.

O tempo-recurso é essencial à definição da ação e remete para a qualidade do tempo enquanto objeto de apropriação de sujeitos, de instituições e dos governos. O tempo-ambiente define a qualidade do tempo como algo imposto, que se torna efetivo, embora seja invisível. É o tempo-contexto que impõe limitações à ação e que pode estar relacionado com o estado das situações em que se define ação. O tempo-horizonte define o sentido de orientação em relação ao passado, presente e futuro e é essencial na definição da ação e dos seus efeitos. O tempo-corpo define a qualidade do tempo como duração vivida e interiorizada, sentida. Inclui a dimensão subjetiva da vida e o modo como os sujeitos sociais expressam a sua situação no tempo.

Quando se define uma ação política temporalizada, isso significa que ela precisa de contar com estas quatro qualidades do tempo e o modo como se refletem entre si, definindo o que é o tempo social, como se afirma na tabela 7.

Tabela 7 Perguntas orientadoras na operacionalização da preocupação com o tempo 

Tempo-recurso Tempo-ambiente Tempo-horizonte Tempo-corpo
Onde se despende o tempo? Quanto tempo demora a realizar cada ação? Que quantidades de tempo existem? Quanto tempo cabe a cada ator/sistema ou ação? Quais são os constrangimentos à ação? Que pressões se identificam no desenvolvimento da ação? Qual é o horizonte da ação? Que ruturas se podem identificar? Que planos de simulação e antecipação se ajustam? O que se pode fazer em termos de intervenção? Que horizonte é dominante e por quê? Que efeitos produz a ação nos sujeitos? Como os sujeitos vivem a mudança e a inércia? Que discrepâncias temporais se verificam entre os ritmos biológicos e sociais?

Fonte: elaboração própria.

Se os sujeitos individuais não dominam a história e apenas têm acesso a esta por via formal, ou do conhecimento transmitido de forma oral, aos protagonistas da política exigir-se-lhes-iam esse domínio e a capacidade de fazer os sujeitos participarem do passado e da antecipação do futuro, cuidando das suas opções no tempo longo. Mas isso não acontece sempre, como se observa sempre que estão em causa calamidades que matam pessoas.

Não é menos dramático quando em causa estão mortes simbólicas ou mortes que hão de registar-se; embora, quando acontecem, não seja possível relacioná-las com a ação política do presente e responsabilizar por esta. De forma sucinta, todos atos de descuido do tempo estão intrinsecamente relacionados com a ausência de antecipação e/ou excessiva projeção do passado sobre o futuro. Na tabela 8, apresentamos o que define uma política de cuidado do tempo multinível e que necessita, para a sua concretização, de detalhe específico através de guias ou códigos que respeitem cada área ou organização, de forma autónoma.

Tabela 8 Níveis de cuidado do tempo na política 

Territorial Por sistema Escalas de tempo Por qualidade
Supranacional/global Política Tempo longo Tempo-recurso
Nacional Cultura Tempo curto Tempo-horizonte
Regional Economia Tempo estrutural Tempo-ambiente
Local Direito Tempo conjuntural Tempo-corpo
Familiar e individual Ciência e tecnologia Saúde Educação Tempo emergente

Fonte: elaboração própria.

Apresentamos, adicionalmente, na tabela 9, um leque muito sintético e selecionado de desafios que se apresentam hoje na dianteira da política de cuidado do tempo.

Tabela 9 Desafios ao tempo-cuidado que exigem códigos de planeamento e gestão do tempo 

Ambientais Sociais Culturais
Catástrofes naturais (sismos, inundações, degelo, incêndios). Seca extrema (mudança climática, recursos hídricos e água). Sustentabilidade dos sistemas de saúde, educação e cultura. Catástrofes humanas (ataques terroristas, acidentes aéreos, comboio e viação). Medicação e mercado. Trabalho e desregulação. Mudanças culturais e no consumo. Conflitos de valores e modelos de vida. (Novas) doenças mentais.

Fonte: elaboração própria.

Nota conclusiva

Os fundamentos políticos do contrato, já salientámos, passam pelo compromisso entre a política e os cidadãos sobre a envolvência dos primeiros numa duração que comporta dois prazos: um prazo limitado pelo ciclo político em curso e pelo ritmo das eleições, e um prazo ilimitado que radica nas consequências de toda e qualquer ação política do presente, sobre o futuro que permanece e se revela para muito depois da política do presente.

Por outras palavras, a política só se completa através de uma configuração temporal que reflete os modos de entender e de gerir os tempos, muito concretamente, o tempo passado e o tempo futuro que não é uma consequência pura e simples daquele, dado que o presente pode fazer muita coisa para mudar, desviar e produzir efeitos diferentes. Nessa configuração temporal, entram, por isso, a ciência e o conhecimento científico do mundo, o conhecimento cultural e o conhecimento leigo, porque nenhum deles é igual e capaz de produzir resultados coincidentes em todas as áreas; a ação política merece dar-lhe espaço de revelação através das metodologias participativas. Estas envolvem convocar os sujeitos, atores indispensáveis na concretização da política e dos programas e medidas, e envolvê-los diretamente no levantamento dos problemas, na sua priorização e na definição das medidas de intervenção.

Percebemos, a partir desta exposição, que a política se torna descuidada e irresponsável, quando e sempre que não combina e cruza os diversos conhecimentos de que falámos e que precisam de ser recolhidos, ponderados e confrontados ao longo do tempo, de forma continuada. Nesta perspetiva, a ideia de projeto, plano e/ou planeamento, tal como aplicada à política daria lugar à instituição da configuração temporal, ou do design temporal, assim nomeando a capacidade (e o dever) de a política, a qualquer escala, confrontar-se com o tempo, primeiro de forma policrona e não linear ou causal; depois de forma artística, lidando com a capacidade de estilizar e inovar na antecipação e na preocupação e prevenção.

Com efeito, a “irresponsabilidade” da política que cobre a ação de todos que têm poder de decisão em relação a um determinado domínio é especialmente evidenciada perante acidentes e catástrofes e, sobretudo, perante aquelas ações que acontecem num tempo futuro, que haviam deixado o rasto sobre a sua possibilidade de ocorrência num tempo passado, anterior. Para fins meramente ilustrativos, lembremo-nos de muitas catástrofes e/ou acidentes, incluindo os menos tecnicamente previsíveis, mas altamente antecipáveis, como os sismos, em que sujeitos individuais assumem “estarem a prever”; “já terem pensado que isso podia acontecer” e que “já tinham avisado”, sem que politicamente, por conta de quem tem o poder de intervir (que não coincide diretamente com o dever legal de o fazer), alguém tenha concertado um plano de simulação de efeitos e/ou de prevenção.

Maior reflexividade e compreensão do tempo são necessárias a fim de criar estratégias de definição de políticas que atuem sobre os modos de vida, as identidades e os valores das comunidades, assumindo-se, nessa perspetiva, como políticas mais justas, que tomam, como afirma Appadurai (2013), contornos mais adequados às expectativas das populações.

Contudo, a participação na antecipação do tempo e na definição de medidas adequadas não se faz apenas a partir da população que está em situação de maior vulnerabilidade. Os cidadãos, em geral, podem ser envolvidos numa política afirmativa dos tempos, incluindo nas várias perspetivas relacionadas com o tempo histórico e o sociológico, conforme os temas ou as esferas da vida a considerar. Há também lugar para os especialistas e os cientistas na formulação de cenários e na discussão das soluções a futuros antecipados e que decorrem, não necessariamente de um tempo distante do presente, mas estão intimamente ligados a este. Isto é, o futuro não é meramente concebível nem como completamente distinto, novo ou melhor, nem como um produto do presente, mas tão só desenhado e antecipado com informação do presente e do passado.

Por isso, os atores do tempo presente são sempre tão importantes no protagonismo da história, nomeadamente pela capacidade de antecipar as implicações do presente num tempo que já não é presente, mas futuro. Por vezes, o futuro adquire meramente a figura de uma construção baseada nas promessas do presente, como ocorre com a ciência e a técnica em alguns domínios da vida, por exemplo, na área de transportes e da organização do espaço. Mas o futuro, o tempo que há-de vir, não é vazio de conteúdo. Em muitos aspetos, é antecipável.

Se é frequente os decisores políticos elogiarem a técnica e a ciência, propondo inovações alicerçadas na premissa sobre a inevitabilidade de produzirem um tempo diferente e melhor do que o do presente, ou seja, o progresso, importa desconstruir esta linearidade, trabalhando sobre a antecipação dos efeitos sociais e culturais dessas mudanças tecnológicas.

Referências

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* Este texto insere-se nos trabalhos desenvolvidos pela autora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, da Universidade do Minho (Portugal), financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder), através do Programa Compete e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

2Referimo-nos a esse respeito ao ato de consumo de ideias e produtos, mas também ao de modos de vida e ideologias que transitam de forma célere e por meios implícitos, entre os mundos físico, do dia a dia, e os mundos virtuais, de várias espécies e formas.

3Em Portugal, assistimos hoje a demonstrações de formação para jovens em que a criação da empresa deixa de estar centrada sobre um produto ou ideia e passa a estar centrada no indivíduo, isoladamente. O slogan é elucidativo: “O negócio és tu”.

Recebido: 23 de Agosto de 2017; Aceito: 15 de Dezembro de 2017

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