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Revista de Estudios Sociales

versión impresa ISSN 0123-885X

rev.estud.soc.  no.72 Bogotá abr./jun. 2020

https://doi.org/10.7440/res72.2020.05 

Temas varios

Marcas de vida na paisagem de São Paulo: a “pixação”(1) como epitáfio de uma cidade vandalizada*

Marcas de vida en el paisaje de São Paulo: la pixação como epitafio de una ciudad vandalizada

Signs of Life in the São Paulo Landscape: Pixação as an Epitaph of a Vandalized City

Alexandre Barbosa Pereira** 

** Doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo, Brasil. Professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo, Campus Guarulhos, Brasil. Últimas publicações: Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos: Editora da UFSCar, 2018; “Como ler Marx no carro-forte: dilemas do ensino superior brasileiro”. Cadernos de Pesquisa 48: 922-947, 2018. abpereira@unifesp.br.


RESUMO

A partir do enquadramento da “pixação” como crime ambiental, este artigo contrapõe essa prática ao processo histórico de urbanização excludente e de ataque ao ambiente empreendido na cidade de São Paulo, Brasil. Evidencia-se, por exemplo, que, apesar de a cidade ter retificado e violentado seus rios e, em seu trânsito, matar quase mil pessoas por ano, a pixação continua sendo considerada como o seu grande problema ambiental. Dessa forma, com base nas discussões sobre biopoder e necropolítica, apresenta-se a pixação como uma possibilidade de experiência de vida que se imprime na paisagem de uma cidade, cuja gestão consiste em segregar e decidir entre quem pode viver e quem deve morrer ou ser violentado.

PALAVRAS-CHAVE: Arte urbana; cidade; necropolítica; pichação

RESUMEN

Desde el encuadre de la pixação como crimen ambiental, el artículo hace una contraposición de esta práctica a los procesos históricos de urbanización excluyente y ataque al medio ambiente establecidos en la ciudad de São Paulo, Brasil. Se evidencia, por ejemplo, que a pesar de que la ciudad haya rectificado y violentado sus ríos y que, en su tránsito, hayan muerto casi mil personas al año, la pixação sigue siendo considerada como su gran problema ambiental. Así, con base en las discusiones sobre biopoder y necropolítica, se presenta la pixação como una posibilidad de experiencia de vida que se plasma en el paisaje de una ciudad cuya gestión consiste en segregar y decidir quiénes pueden vivir y quiénes deben morir o ser violentados.

PALABRAS CLAVE: Arte urbano; ciudad; necropolítica; pichação

ABSTRACT

From the perspective of classifying the pixação -a brazilian tag graffiti- as an environmental crime, the article contrasts this practice with the historical processes of exclusionary urbanization and attacks on the environment established in the city of São Paulo, Brazil. It is shown, for example, that in spite of the fact that the city has rectified and ravaged its rivers and that almost a thousand people a year die in their transit along them, the pixação continues to be considered the city's main environmental problem. Thus, based on the discussions on biopower and necropolitics, the pixação is presented as a possibility of life experience that is shaped within the landscape of a city whose operation consists of segregating and deciding who can live and who must die or be brutalized.

KEYWORDS: Urban art; city; necropolitics; pichação

Introdução

A prática da “pixação” ou o ato de rabiscar nomes escritos em letras estilizadas nas paredes externas de edificações urbanas é enquadrado no Brasil, desde 1998, como crime ambiental, conforme a Lei 9.605, que, em seu artigo 65, modificado em 2011, afirma que “Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano” (Congresso Nacional 1998) pode incorrer em pena de detenção de três meses a um ano e multa. Em sua primeira redação, de 1998, no entanto, o referido artigo da lei dizia que “Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano” (Congresso Nacional 1998, grifo meu) é que levaria à aplicação das penalidades descritas. Exprime-se, assim, como a legislação federal implementou uma distinção - que é muito forte no Brasil, principalmente em São Paulo, cidade em que se concentrou a pesquisa de campo,(2) que fundamentou as reflexões deste artigo - entre graffiti e “pixação”. À primeira expressão, atribui-se o status de arte urbana ou arte pública a embelezar e valorizar as cidades; já a segunda é classificada como sujeira, vandalismo ou poluição visual.

No Brasil, ocorreu uma forte distinção dentro do campo das intervenções urbanas a diferenciar pixação de graffiti, que não se percebe em outros países. A primeira é caracterizada por letras estilizadas e de formato retilíneo, enquanto a segunda seria mais pautada no desenho. Há ainda subdivisões entre os dois campos, como a que existe entre pixação, ou simplesmente “pixo”, referindo-se ao modo como os próprios protagonistas denominam sua forma de expressão, remetendo às escritas estilizadas, de difícil entendimento para quem não pertence à sua rede de relações sociais, que remetem a nomes de grupos de jovens formados geralmente em bairros da periferia de São Paulo, e pichação, com esta última grafada conforme a norma culta dicionarizada, representando qualquer mensagem escrita legivelmente nos muros e edificações da cidade. No campo do graffiti, por sua vez, como demonstra Gabriela (Leal 2018), há a distinção na nomeação entre “graffiti”, palavra preferida pelos artistas de rua, que remete à origem italiana do termo, e “grafite”, forma aportuguesada, cujo uso é feito principalmente por quem é de fora do contexto social dessa expressão, como os formuladores de políticas públicas para as cidades, por exemplo. No enquadramento da pixação ou do graffiti na legislação federal brasileira sobre crimes ambientais, constrói-se uma versão simplificada e dicotômica dessas intervenções urbanas a fim de defender certa ideia de ordenamento e patrimônio urbano. Nas duas versões da lei, a pena mínima é aumentada para seis meses se “realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico” (Congresso Nacional 1998). Contudo, apenas na última versão, afirma-se que:

Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional. (Congresso Nacional 1998)

A alteração da lei federal - criada, em 1998, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso - durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, em 2011, reflete, em alguma medida, o processo histórico, já descrito em outros trabalhos (Pereira 2018), em que as sucessivas gestões municipais da cidade de São Paulo alternam entre visões mais repressivas e as que lançam mão de uma abordagem que tenta ser mais simpática ao fenômeno das artes de rua. Esta última é a posição tomada principalmente pelos governos do Partido dos Trabalhadores, os quais tentaram, de alguma forma, construir um discurso a fim de capturar essas práticas, tentando domesticá-las ou docilizá-las - como por meio de oficinas de graffiti para tentar converter pixadores - em vez de reprimi-las abertamente. No entanto, com maior ou menor repressão, em todos os casos, há um reforço da divisão entre graffiti e pixação. Nas gestões do Partido dos Trabalhadores, houve a tendência em valorizar mais a primeira prática em detrimento da segunda, enquanto outras gestões oscilaram entre perseguir ambas indistintamente ou focar a perseguição na pixação, fazendo ressalvas ao graffiti autorizado como arte legítima.

O resgate dos termos da legislação é importante aqui, em primeiro lugar, não para apresentar a pixação em si, mas, fundamentalmente, para demonstrar como o Estado tem formulado seu entendimento a respeito dessa prática, muitas vezes simplificando-a e criando visões distorcidas e binárias de sua presença na vida cotidiana. Contudo, o segundo e principal motivo para se trazer a letra da lei para esta reflexão é o de tentar compreender as implicações de a pixação ser enquadrada como crime ambiental, num tópico que se refere aos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural. Ou seja, a pixação consta na mesma lei que pune crimes ambientais graves, como a poluição de rios, o desmatamento e a mortandade de animais. O que se quer abordar, portanto, são as causas e consequências desse enquadramento para a dinâmica cotidiana dessa intervenção visual urbana, para o cotidiano das cidades e para as questões ambientais que envolvam fundamentalmente a defesa da vida.

Por isso, antes de começar a falar da realidade do estado de São Paulo e, particularmente, da Região Metropolitana de São Paulo, gostaria de retomar alguns eventos ocorridos em outro estado brasileiro, Minas Gerais.(3) Em 2016, alguns dias após aparecerem pixações nas paredes da Igreja de São Francisco de Assis, patrimônio histórico do chamado “Conjunto da Pampulha”, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, na capital desse estado, Belo Horizonte, um rapaz, o Goma, que é um famoso pixador da cidade, foi preso. Ele, entretanto, declarou não ter relação alguma com o ocorrido. Geralmente, a prisão de pixadores por crime ambiental implica penas alternativas como a de prestação de serviços comunitários, mas, nesse caso, outros dispositivos jurídicos foram acionados para efetuar a prisão, com o enquadramento em apologia e incitação ao crime e associação criminosa. Assim, Goma, que em 2010 já havia ficado preso 117 dias pelos mesmos motivos, ficou, dessa última vez, quase oito meses detido. Dois dias depois dessa segunda prisão, um grupo fez um protesto, no centro da cidade de Belo Horizonte, contra o ocorrido e contra a guerra que o poder público declarara ao pixo. Nesse ato, gritava-se: “Prender pixador é fácil, quero ver prender é o dono da Samarco” (Buzatti 2016).

Esse protesto trouxe, portanto, a referência ao segundo evento que gostaria de relatar aqui, o do desastre de Mariana, considerado, ao menos em volume, como o maior acidente mundial com barragens em 100 anos e que gerou uma tragédia ambiental sem precedentes na história brasileira. Em novembro de 2015, uma barragem de rejeitos da mineração, da empresa Samarco,(4) rompe-se e despeja por volta de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos que percorreram cerca de 600 quilômetros de distância, por córregos e rios, devastando tudo o que estava no caminho e desaguando no mar (Oliveira 2016). No distrito de Bento Rodrigues, na cidade de Mariana, 19 pessoas morreram e outras 600 ficaram desabrigadas; o rio Doce, um dos mais importantes da região Sudeste do país, foi totalmente atingido e devastado, ocasionando a morte de milhares de peixes e outros animais. Ainda não se conseguiu estimar a extensão de todos os danos provocados por essa tragédia ambiental, pois áreas de corais e mesmo de manguezais podem também vir a sofrer consequências (Mota 2017).

Até a escrita deste artigo, ninguém havia sido punido criminalmente, nem a empresa responsável estava pagando as multas que lhe foram aplicadas (Câmara e Rocha Franco 2017). Poucos anos depois, no início de 2019, um acidente ainda mais devastador do ponto de vista humanitário ocorre em outra cidade do estado de Minas Gerais, Brumadinho. Dessa vez, além de uma enorme destruição ambiental - com parte dos rejeitos de mineração, de uma barragem da Vale, que chegou a alcançar o rio São Francisco, um dos mais importantes do país -, houve 242 pessoas mortas e outras 28 desaparecidas. Da mesma forma como ocorrera em Mariana, até agora, ninguém foi punido.(5) Ou seja, aqueles que protestavam contra a prisão de Goma por crime ambiental estavam legitimamente apontando o exagero da pena e a sua desproporcionalidade quando comparado com as grandes tragédias ambientais e humanitárias da história recente do Brasil. O próprio Goma, ao avaliar as arbitrariedades e injustiças de sua prisão, afirmou:

Preso ali, oito meses, eu vi ladrão indo e voltando; vi neguinho que rodou com mais de um quilo de droga saindo antes que eu; vi neguinho que matou outra pessoa indo embora antes que eu, que fui preso por crime ambiental. Aí, a gente tem esse caso da Samarco, o maior crime ambiental da história, e ninguém foi preso até hoje, não deu nada. Já eu vou preso por uma pixação que eu nem fiz, e que foi limpa depois de duas horas. (Buzatti 2017)

A reflexão de Goma sobre os eventos pelos quais passou na cidade de Belo Horizonte nos trazem inspiração para as questões que este artigo pretende discutir ao analisar o processo histórico de formação da cidade de São Paulo e de constituição das artes de rua.(6) A proposta é tomar a preocupação ambiental que se levanta contra a pixação e compará-la com as ações que as gestões públicas adotaram e que afetaram profundamente o meio ambiente urbano. Com isso, pretende-se questionar o que tem sido valorizado em São Paulo e nas cidades brasileiras de uma maneira geral: a vida ou a morte? Afinal, quem vandaliza mais a cidade ou o território brasileiro?(7) Nesse sentido, o olhar para a prática da pixação permite ampliar a compreensão sobre o processo de urbanização e gestão política das cidades brasileiras, com foco em São Paulo.

Este artigo embasa-se em pesquisa de campo realizada em espaços de encontro de jovens pixadores em São Paulo, acompanhamento de trajetórias, entrevistas com protagonistas da prática da pixação e levantamento de publicações a respeito no Brasil. Trata-se, portanto, de um olhar etnográfico que busca apreender aspectos próprios da atividade em interação com aspectos mais gerais das formas de gestão do urbano. A pesquisa etnográfica, como apontam Paul (Willis e Mats Trondman 2008), toma a teoria como parte fundamental da escrita etnográfica. Porém, a teoria não deve bastar-se em si mesma. Em outras palavras, a pesquisa etnográfica deve ser orientada teoricamente, mas também, por meio da pesquisa empírica, ser capaz de lançar luz sobre a própria teoria. Nesse processo, afirmam Willis e Trondman, buscam-se novas interpretações para os fenômenos pesquisados, a fim de desafiar expectativas prévias e transcender conclusões simplistas e dicotômicas.

O artigo divide-se em três partes. Na primeira, discute-se a formação da cidade de São Paulo a partir de seu processo de degradação ambiental e retificação dos seus rios. Na segunda, aborda-se a formação das periferias urbanas como consequência desse processo de degradação ambiental e social, situando o surgimento da atividade da pixação nesse contexto. Por fim, a partir da perseguição do Estado contra os jovens protagonistas da pixação, discute-se a lógica bionecropolítica que leva a um alto índice de homicídios de jovens nas periferias urbanas brasileiras. Com isso, trata-se de pensar, ao mesmo tempo, a gestão da vida e da morte do Estado e as biorresistências juvenis.

A formação de São Paulo: das sinuosidades dos rios às retas das pistas

Como se pode perceber na legislação brasileira, a pixação é apontada como um dos grandes males ambientais de suas cidades. É uma questão importante de ser confrontada com outros elementos que podem também ser concebidos como problemas ambientais nos processos de urbanização, se entendermos o ambiente, conforme o antropólogo Tim (Ingold 2015), como o mundo no qual vivemos e que nunca está completamente pronto, mas sempre em constante criação e recriação, pois “habitamos o nosso meio ambiente: somos parte dele; e através desta prática de habitação ele também se torna parte de nós” (153). Assim, há de se destacar dois aspectos que se mostram fundamentais para entender a cidade de São Paulo: o número de mortes no trânsito e as enchentes que, principalmente na época das fortes chuvas de verão, despontam nos noticiários como uma grande problemática. Criou-se até uma nova modalidade profissional no campo da comunicação social, o narrador de enchentes, quando certos programas de jornalismo policial, com enfoque extremamente sensacionalista, começam a relatar os lugares onde ocorrem as enchentes e suas consequências após as tempestades de verão, narrando a partir de imagens aéreas. A respeito do trânsito, nele, todos os anos, morrem milhares de pessoas. No país inteiro, em 2016, foram 33.547 mortes (Jakitas e Ribeiro 2017).(8) Nesse mesmo ano de 2016, apenas em São Paulo, morreram 950 pessoas, grande parte delas, 389, era de pedestres (Correia 2017). Desde os anos 1970, já se registrava um aumento vertiginoso das mortes por acidente de trânsito na cidade de São Paulo, como demonstra o estudo epidemiológico realizado no início daquela década (Laurenti et al. 1972). Curioso destacar que os dois fenômenos são um produto do processo de urbanização violento pelo qual a cidade passou e estão intimamente interligados. Argumento, portanto, que esse é o verdadeiro processo de vandalismo que a cidade sofreu, e ainda sofre, e que essas ações são o resultado de um urbanismo que se submete à racionalidade industrial e à lógica da mercadoria, como discute Henri (Lefebvre 1999).

Considerando então essa controvérsia da grande atenção dada à pixação como um crime ambiental contra as cidades, gerando até um pânico moral a respeito dessa prática,(9) enquanto efetivamente crimes ambientais mais graves são atenuados, cabe pensar sobre o processo de formação do urbano e da relação com o ambiente em São Paulo. Como demonstra Odete (Seabra 1987), a paisagem original de São Paulo era formada por rios de planície, sinuosos, a serpentear pelo território paulistano. Os seus dois principais rios, Tietê e Pinheiros, segundo a autora:

Circundavam a cidade de São Paulo em movimentos lentos, preguiçosos, por longos e sinuosos leitos repletos de meandros; essas formas traduziam o longo processo de natureza geofísica de formação das planícies aluviais, identificadas como várzeas ou vargem no senso comum. Como sendo bastante vastas, sobre elas estes rios faziam e refaziam seus leitos deixando, entre uma e outra cheia, meandros abandonados formando lagoas em semicírculos. (Seabra 1987, 1)

As várzeas desses rios sinuosos, relata Seabra, eram espaços habitados criativamente, que estabeleciam uma peculiar fusão entre rural e urbano. As cheias dos rios paulistanos faziam parte do ritmo da vida. Habitadas pelos caipiras,(10) as várzeas eram lugares utilizados para a subsistência com a pesca e suas roças, mas também para as atividades culturais, como as romarias e festas religiosas. Os rios, as águas e as suas várzeas constituíam, portanto, como afirma José Paulo (Gouvêa 2016), bens comuns que serviam a todo um conjunto da população. A noção de comum aqui é pensada de modo diferente da de público, que indicaria um controle do Estado, como aponta o próprio Gouvêa. O comum, segundo Michael (Hardt e Antonio Negri 2016), não se rende nem ao controle do privado, do domínio da propriedade e do mercado, nem ao do Estado, nomeado como público. Ao contrário, ele é o lugar da liberdade e da inovação. Para Pierre (Dardot e Christian Laval 2017), a questão do comum torna-se importante no mundo contemporâneo justamente por possibilitar um contraponto ao neoliberalismo, mas também às esperanças progressistas no Estado. Trata-se, afirmam os autores, de buscar a participação social e política da maioria. Conforme essa perspectiva, a própria natureza deve ser vista como um espaço do comum por excelência, o que leva à concepção de uma ecologia do comum, centrada na natureza e na sociedade, nos humanos e nos não humanos, “numa dinâmica de interdependência, cuidado e transformação mútua” (Hardt e Negri 2016, 196).

No entanto, a fim de garantir o fluxo de interesses econômicos para uma cidade em franco crescimento, primeiro tendo em vista a geração de energia elétrica e depois a garantia da ocupação das várzeas para a especulação imobiliária e para a construção de vias para automóveis, os dois principais rios paulistanos, Tietê e Pinheiros, foram retificados. O mesmo ocorreu com outros rios e córregos, que, além da retificação, foram também canalizados.(11) Esse trabalho de retificação, conta-nos Seabra, iniciou-se em 1930 e prosseguiu até 1960, para a construção das duas vias de circulação rápida de automóveis, as chamadas “marginais”. Assim, os espaços de vida e de uma convivência em comum, que a várzea garantia às pessoas que próximas dela habitavam, transformaram-se num espaço estéril pelo privilégio à circulação de automóveis, devido a uma sobrevalorização dos terrenos dessa região. Perde-se, portanto, a relação sensível com o rio, afirma a autora, pois não mais se pode atravessá-lo, nele não mais se pode pescar e, muitas vezes, nem mais o ver é possível. A importância do rio passa a ser a geração de energia, que não se percebe diretamente, e a geração de riqueza que advém da circulação de mercadorias pelas vias expressas para automóveis construídas às suas margens, que ligam a cidade a todo o país. Com isso, ele não apenas deixa de ser um bem comum como também perde sua vida, passa a ser descartável. E essa morte dos rios paulistas torna-se ainda mais efetiva com a sua intensa poluição ocasionada pelo despejo de dejetos e detritos domiciliar e industrial num espaço que não é mais visto como um rio, mas como uma vala fétida e incômoda. Ou seja, São Paulo perdeu, assim, seus rios, como nos demonstra Janes (Jorge 2017), em trabalho de pesquisa sobre a história do rio Tietê. Entretanto, quando chegam as tempestades de verão, os rios paulistanos costumam extravasar suas águas para lembrar que ali ainda vivem, moribundos e escondidos, mas rios.

A apropriação privada dos rios para fins de geração de energia e para a circulação de automóveis em suas margens retificadas representou, portanto, um vandalismo dos espaços comuns, que deteriorou ou mesmo eliminou pontos essenciais da cidade. Talvez pudéssemos dizer, com Mike (Davis 2007), que se trata, na verdade, de um processo de construção de uma cidade morta. Afirma o autor que a grande cidade capitalista concentra grandes perigos em sua tentativa de dominar a natureza em vez de tentar cooperar com ela. No caso de São Paulo, a morte de certa concepção de cidade deu-se pela vitória de um projeto de urbanismo que privilegiou o capital e os carros em detrimento da vida, dos rios e dos seres vivos à sua volta, inclusive da própria vida humana. Como mostra Janes (Jorge 2011), um outro projeto derrotado de urbanização da cidade, de autoria de Francisco Saturnino Brito, não considerava as cheias dos rios, ou os próprios rios, como problema, mas como solução, pois elas fertilizavam as terras. As cheias dos rios somente se tornaram um problema quando os homens começaram a violentar suas várzeas, ocupando-as indevidamente para a exploração comercial, como ocorrera com o projeto de urbanização vencedor, o chamado “Plano de Avenidas de Prestes Maia”. Esse modo de pensar a cidade, os seus rios e a construção de vias para automóveis teve como base, em grande medida, um pensamento colonizado que desconsiderou as especificidades climáticas, históricas e sociais de São Paulo para implementar um modelo de urbanização das cidades do Norte, como expõem Vanderli (Custódio 2002) e Nicolau (Sevcenko 1992).

Em 2017, esse desrespeito à vida ficou bastante evidente quando venceu as eleições um candidato a prefeito - com perfil que unia ao mesmo tempo uma pauta conservadora, em termos de costumes, e ultraliberal na economia - com o lema “acelera”. A proposta dele foi a de aumentar a velocidade nas vias expressas marginais aos rios Pinheiros e Tietê, a fim de aplacar a sanha por potência e velocidade que os paulistanos desenvolveram a partir desse agudo incentivo ao uso dos carros como equipamento privilegiado para habitar a cidade, devido ao modelo de urbanismo adotado. O prefeito anterior havia reduzido as velocidades máximas nessas e em outras vias, a fim de diminuir justamente o número de mortes em acidentes de carro e atropelamentos. Ao mesmo tempo, o novo prefeito, logo ao assumir, além de aumentar novamente a velocidade máxima permitida das vias, mesmo sob o risco de ocasionar mais mortes, iniciou uma cruzada contra as pixações em São Paulo. Aproveitando-se da grande rejeição dessa atividade perante grande parte da população paulistana, que a considera sujeira e vandalismo, ele lançou um projeto populista de ataque à pixação e todas as artes de rua não autorizadas previamente. A medida gerou muita polêmica na época, pois, no ímpeto de eliminar as pixações e perseguir seus autores, começou-se a perseguir também o graffiti.

A formação da periferia e o surgimento da pixação: controle, segregação e espoliação

Quem pode habitar e circular por São Paulo? Essa é uma das questões que já há um tempo é abordada em reflexões sobre diferentes práticas culturais juvenis periféricas (Pereira 2017). No tópico anterior, mostrou-se que mesmo os rios tiveram fluxos alterados, foram retificados e violentados para garantir o fluxo de energia elétrica, carros e capital. No entanto, o processo de formação dessa cidade baseado num tipo de vandalismo ambiental também se voltou para determinada parcela de sua população. A partir da década de 1940, como demonstram Lúcio (Kowarick e Nabil Bonduki 1994), houve a consolidação do que eles denominaram como “padrão periférico de crescimento urbano”, que consistia num tipo particular de intervenção estatal no planejamento urbano, na habitação e no transporte. Com isso, as camadas populares da população foram expulsas da região central para áreas ainda rurais da cidade, sem a mínima oferta de serviços urbanos. Incentivou-se o loteamento de terrenos em regiões periféricas e a autoconstrução da casa própria pela classe trabalhadora. Colocavam-se, assim, os mais pobres a morar distantes de seu local de trabalho, em bairros com pouca ou nenhuma infraestrutura, sem pavimentação, rede de energia elétrica, saneamento básico, serviços de saúde e educação. Providenciou-se também um transporte urbano precário: os ônibus, que passaram a substituir os bondes justamente para que a população conseguisse chegar a esses destinos mais longínquos sem a necessidade de grandes investimentos públicos. Os autores mostram ainda que não se trata de pensar que esse crescimento urbano, desordenado e sem estrutura para as periferias ainda rurais da cidade, indicava uma ausência de planejamento urbano, pois, na verdade, era uma política deliberada da época.

Na realidade, fechar os olhos ao surgimento destes loteamentos e depois esquecer sua existência fazia parte de uma estratégia dos órgãos públicos para arrefecer a crise habitacional que, no período do pós-guerra, assumia aspectos explosivos, além de beneficiar os interesses dos proprietários de terras e loteadores. (Kowarick e Bonduki 1994, 151)

A implantação desse padrão periférico de crescimento urbano serviu, portanto, a diferentes propósitos, como o de tentar atenuar os problemas da habitação, beneficiar interesses particulares de proprietários de terra, expulsar determinada população das áreas centrais e mais ricas da cidade e consolidar a indústria automobilística ao implantar um espaço urbano voltado fundamentalmente aos carros. Assim, aos mais pobres, não apenas se restringia a circulação pelas regiões mais enobrecidas, às quais se teriam acesso apenas por meio de um ônibus precário, superlotado e que levava um considerável tempo de percurso, como também se aumentava a sua exploração. Essa população passava a ter de utilizar seu escasso tempo livre e os parcos recursos que recebia para construir sua própria casa, tendo extorquido o direito a uma moradia digna, ao tempo livre e a serviços públicos decentes. Isso tudo após uma semana extenuante de trabalho e de horas dentro de um ônibus lotado no trajeto de casa para o trabalho e vice-versa. (Kowarick 1993) denomina esse processo como uma “espoliação urbana”, que intensifica a exploração e se caracteriza como “uma forma de extorquir as camadas populares do acesso aos serviços de consumo coletivo” (71).

Como demonstra James (Holston 2013), o processo de industrialização atraiu as classes populares para as grandes cidades brasileiras, mas, a partir da constituição dos seus centros, que lhes dariam uma fachada de capitais modernizadas, “as elites nacionalizantes expeliram os trabalhadores pobres e os forçaram a morar em regiões distantes e subdesenvolvidas” (29). Como consequência, despontaram as lutas nos bairros da periferia por melhorias de condições de vida, ou por uma minimização dos efeitos dessa espoliação urbana, em processo que o autor chamou de “cidadania insurgente”, caracterizada por perpetuar aspectos hegemônicos, mas também por gerar pequenas rupturas. Ou seja, trata-se, ao mesmo tempo, de uma continuidade das estruturas de poder, mas também de uma construção de alternativas que garantam a sobrevivência e certa dignidade. Constitui-se, assim, segundo Holston, concomitantemente, um espaço segregado e uma cidadania diferenciada, noção que se alinha com o que Aihwa (Ong 1999) define como “cidadania precária, incompleta ou flexível”, regida fundamentalmente pelas lógicas do mercado.

Dessa periferia segregada e espoliada, nos anos 1980, alguns jovens começaram a desafiar as fronteiras que separavam ricos e pobres para marcar a paisagem com a assinatura de seu apelido ou do nome de seu grupo. A pixação surge na paisagem urbana de São Paulo de um modo bastante particular, pois nela, ao contrário de outras cidades do mundo, cria-se um estilo próprio. Diferente das tags arredondadas que assinam os graffitis de matriz nova-iorquina, o pixo paulistano é retilíneo e anguloso, inspirado principalmente na estética das letras que davam nome a bandas de punk e heavy metal. Ou seja, da mesma forma como a gestão de São Paulo instituiu a retificação dos seus rios, esses jovens instituíram a retificação das letras de seu peculiar graffiti. Demonstra-se, portanto, que a juventude, como afirma Félix (Guattari 1990), apesar de espoliada e massacrada por apelos midiáticos de normalização, insiste em construir seus territórios existenciais, muitas vezes marcados por dinâmicas de hibridação, como destaca Néstor (García Canclini 2011). Assim como se tentou domesticar e violentar os rios por sua retificação e canalização, mas suas águas insistem em voltar a mostrar sua existência por meio dos transbordamentos que geram as enchentes a levar tudo o que está pela frente, os jovens pixadores das periferias de São Paulo, por meio das marcas que deixam na paisagem de uma cidade vandalizada, também buscam visibilidade e reafirmação de sua existência ao modificarem a paisagem urbana, apesar dos esforços históricos para invisibilizá-los.

Da mesma maneira como as enchentes dos rios revelam algo que a cidade tenta esconder, criando angústia e certo pânico moral que não permitem entender os reais motivos desse transbordamento, a visibilidade das marcas da pixação também tem historicamente provocado reações de intensa aversão a uma juventude que se queria segregada. Por isso, a mais recente perseguição à pixação por parte da Prefeitura Municipal de São Paulo não é uma grande novidade. Desde o conservador e excêntrico prefeito Jânio Quadros, em meados dos anos 1980, quando despontaram as primeiras pixações em São Paulo, muitas ações de repressão ou captura foram tentadas pela prefeitura. A perseguição aos autores das assinaturas nos muros da cidade foi a forma encontrada por Jânio para efetivar a sua propaganda populista e conservadora. Ele chegou até a publicar no Diário Oficial da Cidade de São Paulo que prenderia os pixadores da época. Posteriormente, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, no fim dos anos 1980 e no início dos 1990, entretanto, houve certa mudança de orientação, pois se tentou um diálogo com os jovens pixadores, no qual se buscou aproximá-los das oficinas de arte promovidas pelo governo municipal. Anos depois, na gestão do prefeito Celso Pitta, no final dos anos 1990 e no início dos anos 2000, houve a medida mais controversa até então: a de tentar cobrar multa daqueles que tivessem os muros de sua propriedade pixados e não os pintassem num prazo máximo estipulado. Logo em seguida, na primeira metade de 2000, na gestão da prefeita Marta Suplicy, as oficinas de graffiti ganharam força novamente; surgiu, então, o Projeto Belezura, com o principal objetivo de promover a pintura constante de determinados espaços para que não voltassem a receber novas inscrições. Nenhum dos referidos projetos, no entanto, conseguiu obter êxito e conter a pixação na cidade.

Em 2005, a gestão de José Serra lançou o Plano Antipichação, que buscava, por meio da pintura constante de muros e de punições mais rigorosas, acabar com a pixação. O objetivo era prender quem fosse flagrado pixando e cobrar a aplicação de penas mais duras. Para isso, decidiu-se usar como “isca” uma rua do bairro de Pinheiros, situado em região de classe média alta. Pintou-se, então, um trecho da rua e esperou-se anoitecer para prender quem tentasse agir deixando sua marca nos muros. Pouco se falou na criação de opções para que esses jovens encontrassem outras formas de manifestação criativa que pudessem substituir a pixação. Ao que parece, no entanto, a intenção principal dessa outra ação da prefeitura era simplesmente afastar novamente os pixadores dos bairros mais nobres e centrais da cidade. O projeto, na época, sofreu resistências dentro da própria gestão municipal da capital, com integrantes da Coordenadoria da Juventude, órgão da prefeitura responsável por pensar as políticas públicas para a juventude na cidade, posicionando-se contra a medida e mesmo organizando debates a respeito com especialistas, políticos, ativistas e pixadores. Com o tempo, tornou-se mais um projeto esquecido e que não conseguiu deter a ação de jovens das periferias da cidade em busca de visibilidade. A pixação persiste, então, a lembrar a todos, por meio da presença fantasmática da autoria de seus rabiscos, como descreveu Massimo (Canevacci 1993), a realidade de jovens pobres e negros da periferia da cidade.

Gestão dos percursos da vida e da morte

As duas questões levantadas aqui sobre o controle dos rios e de sua população pobre apontam para o modo como se estabeleceu a gestão da cidade de São Paulo, por meio de um controle ou limitação da vida e dos bens comuns, que tem violentado os rios, o ambiente e sua população mais pobre, utilizando-os apenas como elementos de exploração com a finalidade de gerar lucro ou benefícios utilitários imediatos para uma minoria privilegiada. (Foucault 2008) define como “biopoder” o processo pelo qual as sociedades ocidentais voltaram a levar a questão biológica para o controle das populações como uma questão fundamental. Conforme o autor, no século XVIII, a população surge como uma questão para a economia e a política, em termos de gestão da riqueza, da mão de obra e do trabalho. Essa é a diferença da aplicação do chamado “poder soberano”, que tinha o direito de causar a morte, pois, agora, o poder tem o direito “de causar a vida ou devolver à morte” (Foucault 1988, 150); trata-se de uma gestão minuciosamente calculada sobre os corpos e a vida. Na gestão das cidades, afirma Foucault (2008), está em questão o controle das intensidades das circulações, de coisas, ideias, desejos etc. Ou seja, trata-se de organizar as circulações, tentando eliminar o que pode ser considerado perigoso, pela implementação de uma técnica política que se dirige ao meio onde as populações habitam.

Achille (Mbembe 2016) avança na discussão foucaultiana sobre a biopolítica para pensar uma necropolítica. Assim, na verdade, seria pensado “no poder e na capacidade de determinar quem pode viver e quem deve morrer” (2016, 123). A noção de biopoder, segundo o autor, não daria conta de modalidades políticas da atualidade, em que a eliminação do outro torna-se o objetivo principal. Retomando Frantz Fanon, Mbembe (2016) também discute os usos do espaço a partir da ideia de que a ocupação colonial atua compartimentando-o, definindo fronteiras e quem seriam os excluídos. A compartimentação colonial dos dispositivos da necropolítica constrói espaços estigmatizados da cidade, para onde são jogadas as vidas matáveis, a vida nua, totalmente desprotegida e exposta a um estado de exceção permanente, como afirma Giorgio (Agamben 2004).

No caso da juventude brasileira, como demonstra o “Atlas da Violência no Brasil” (Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2017), a chance de um jovem negro e pobre morrer assassinado é altíssima, mais de três vezes que a de um jovem branco. Em 2016, em todo o país, 62.517 pessoas foram assassinadas. Nesse mesmo ano, no estado de São Paulo, 4.870 pessoas foram vítimas de homicídio e, na cidade de São Paulo, 1.221. Apesar dos números expressivos, nestes últimos anos, essa tem sido a menor taxa de homicídios do país, com 10,88 para cada 100 mil habitantes, enquanto a taxa nacional é 30,33 homicídios para cada 100 mil habitantes.(12)

Esses dados inserem-se em um contexto maior de violência contra a juventude latino-americana, que autores como José (Valenzuela Arce 2019) denominam como “juvenicídio”, como resultado dessa ordem necropolítica, que é gerida fundamentalmente por governos neoliberais na América Latina. No caso específico dos jovens, esse processo se dá por meio de uma bionecropolítica, a qual Rossana (Reguillo 2000) caracteriza como uma associação automática entre condições de pobreza e disposição para a violência que toma corpos juvenis pobres como ingovernáveis e perigosos.

América Latina tiene la más alta tasa de asesinatos por habitante con más de un tercio del total de asesinatos que se cometen, cuando sólo tiene 12% o 14% de la población mundial. Infortunadamente, la violencia que ocurre en la región latinoamericana con 30 muertes violentas por 100.000 habitantes, es tres veces mayor al límite que define la condición epidémica (Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal 2017). Jóvenes y adolescentes de 15 a 29 años son el grupo de edad más vulnerable a la violencia registrada en América Latina, condición que incluye a hombres y a mujeres. Los jóvenes de América son los más expuestos al asesinato con 1 de cada 7 personas asesinadas en el mundo, algo similar ocurre con los más de 25.000 menores de 20 años asesinados. (Valenzuela Arce 2019, 51)

Como jovens da periferia que praticam uma forma de intervenção urbana transgressora, os pixadores, em sua maioria, vivenciam esse cenário de violência e morte precoce muito de perto. Nos muros da cidade de São Paulo, inúmeras são as homenagens aos colegas já mortos. Em grande parte dos casos, a morte nem se refere à prática de risco de se dependurar no alto de um prédio para deixar sua marca, mas ao fato de serem jovens pobres negros e moradores de um bairro periférico. Contudo, durante a realização de sua atividade, há grande risco de se serem assassinados por policiais ou agentes particulares de segurança. No dia 31 de julho de 2014, dois pixadores de codinomes Jets e Anormal, respectivamente com 32 e 33 anos de idade, resolveram adentrar um prédio no bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo, para tentar pixar no topo do edifício. No entanto, percebendo uma movimentação estranha, o porteiro do prédio acionou a polícia, que, ao entrar no apartamento em que os rapazes se esconderam, executou os dois. Segundo evidências apontadas por alguns canais de mídia, eles já estavam rendidos (Caramante 2015; Palazzo 2015). Nesse caso, da mesma forma como ocorrera com as mortes do rio Doce e de centenas de pessoas atingidas pelo rompimento de barragens em Minas Gerais, ninguém foi punido. Os policiais foram absoltos pela justiça. Segundo a agência de notícias Ponte, o juiz responsável pelo caso afirmou que os policiais não tinham como saber que se tratava de pixadores e que o que se tinha ali, de qualquer modo, eram marginais que se orgulhavam dessa condição (Stabile 2018). Em outras palavras, esses jovens representariam, segundo os padrões de gestão da necropolítica brasileira, vidas cuja morte era plenamente justificável e até desejável.

A absolvição dos policiais acusados de assassinar os dois jovens motivou, por sua vez, uma tomada da cena pública por pixadores que exigiam justiça para os colegas mortos. Conforme Daniel (Cefaï 2017), a arena pública é aquela que permite o encontro e as potencialidades do agir, que podem levar a “novas oportunidades de viver melhor, individual e coletivamente” (140), por meio da associação entre as pessoas. A revolta com o crime levou os pixadores a intensificarem sua articulação política e a organizarem um ato no centro da cidade, que partiu de seu ponto de encontro semanal e seguiu para outras ruas, pela punição dos policiais envolvidos no assassinato dos dois rapazes (Salvadori 2014). Esse ato demonstra uma das novas formas de ação política de jovens marginalizados que não aceitaram mais se calar, recusando o rótulo de criminosos e reivindicando um espaço na cena pública e, mesmo, no campo das artes.

Como afirma Peter Pál (Pelbart 2003), esse seria um processo de reação dentro do capitalismo cultural em que os marginalizados servem-se de seu único e maior bem, a sua própria vida, como um elemento de valorização de si, apesar das precariedades, ou mesmo as reavaliam e revalorizam para a produção de novas singularidades. Afinal, seguindo a perspectiva do autor, a vida seria seu principal capital, acionado nesse contexto da pixação, ao mesmo tempo, como sobrevivência e resistência. José (Valenzuela Arce 2019) nomeia esse processo, por sua vez, como “biocultura”, no qual haveria uma centralidade do corpo nos processos de controle, submissão e resistência ao poder. Desse modo, conforme esse autor, o corpo seria um campo de muitas disputas, marcado ao mesmo tempo pela vida e pela morte. Dessa maneira, ações dissidentes como as dos pixadores de São Paulo confrontam a vida e a morte. Por um lado, como bem demonstra (Reguillo 2000), há as classificações e gestão dos corpos pelos dispositivos bionecropolíticos, que controlam a vida e a morte; por outro, há os jovens e suas práticas de construção de corpos coletivos, que, pela irreverência e pelo risco, criam brechas nesse controle e reivindicam para si uma vida na cidade ou no lugar onde vivem, processo que Valenzuela Arce (2019) define como “biorresistência”: “El objetivo de la biopolítica es el homo sacer, el de la biorresistencia es la disposición de decidir sobre el propio cuerpo, a definirlo como geografía de resistencia y a hacer visible su participación en la disputa por posiciones y significados sociales contrahegemónicos” (102).

Nesse sentido, em 2013, Cripta Djan, um dos nomes do pixo paulistano que se destacou em ações públicas por meio da presença em atos políticos e do tensionamento do campo oficial das artes,(13) descreveu sua participação num evento internacional de artes em que lhe foi perguntado sobre quanto cobraria para pixar numa tela de pintura convencional, a resposta dele foi um milhão de dólares, para espanto daqueles que fizeram a solicitação, aos quais Djan retrucou indagando se arriscariam a vida para realizar a arte deles, e, logo em seguida, afirmando que eles, os pixadores, arriscavam a própria vida para realizar a sua arte.(14) Ele evidencia, assim, o processo de construir uma radicalidade de afirmação de sua vida, mesmo com suas precariedades, contra a necropolítica que se abate sobre a juventude pobre, negra e periférica do Brasil. Ao definir o biopoder, (Foucault 1988) afirma que o poder está em toda parte, pois se origina em todos os lugares. Dessa maneira, onde há poder haverá também resistências, sem que estas assumam uma posição de exterioridade, mas geralmente assumindo a forma de “pontos de resistência móveis e transitórios, que introduzem na sociedade clivagens que se deslocam, rompem unidades e suscitam reagrupamentos” (107).

No caso da pixação, os jovens colocam em tensão justamente os limites entre a vida e a morte, conforme (Mbembe 2016) sobre a necropolítica, pois afirmam sua potência de vida (Pelbart 2003) numa prática de risco, por meio da qual, de alguma forma, tentam tomar a agência e autoria de suas próprias vidas, já arriscadas de serem ceifadas a qualquer momento pela sua condição etária, racial, territorial, de classe social e de gênero. Por meio dos riscos a que se expõem na pixação, eles demonstram que não aceitam submeter-se ao papel de um mero fantoche da gestão contemporânea da vida e da morte, que os classifica apenas como jovens vulneráveis, em situação de risco ou mesmo matáveis. Ao abordar o graffiti urbano em Lisboa, Ricardo (Campos 2013) discute a relação com o risco justamente como uma forma de fugir das certezas preestabelecidas e deixar-se levar pelo imponderável. “Esses gestos podem ser muitas vezes vistos como uma conquista da soberania do indivíduo que se desliga das amarras opressivas da norma e reivindica um estatuto diferente, à margem do ordinário” (212). Os pixadores paulistanos, por sua vez, ao flertarem com a possibilidade de cair do alto de um prédio e morrer ou de ser assassinado por um policial militar, colocam em evidência sua vida precária e a utilizam para chamar a atenção para si, buscando, assim, visibilidade e reconhecimento social. Denunciam também a violência a que são submetidos cotidianamente em bairros periféricos onde habitam os pobres, recusando justamente a segregação que lhes é imposta.

Considerações finais

(Hardt e Negri 2016), em discussão sobre o comum, definem a metrópole como o lugar por excelência da produção biopolítica, porque se aproveita justamente dela como “espaço do comum, das pessoas vivendo juntas, compartilhando recursos, comunicando-se, trocando bens e ideias” (278). Eles pensam, portanto, a metrópole, a partir da ideia da polis grega, como espaço de encontro das singularidades, do encontro com a alteridade. Em outras palavras, o processo de gestão da vida e da morte numa metrópole como São Paulo aproveita-se justamente dessa sua potencialidade de produzir encontros para colocar a lógica de controle dos corpos e fluxos em ação. Os pixadores, quando se utilizam do espaço urbano como cenário para a sua prática, rompendo com as fronteiras da segregação, estão justamente a servir-se dessa possibilidade de encontro para constituir suas redes de sociabilidade que se expandem por todo o território metropolitano; com isso, instituem outros fluxos que seguem na contramão das lógicas de compartimentação do urbanismo estratégico. Dessa maneira, eles estabelecem o que (Lefebvre 1999) define como o “espaço concreto do habitar”, marcado pelos percursos, gestualidades, corporeidades, memórias e sentidos.

A pixação é sempre acusada de enfear e mesmo vandalizar a cidade. No entanto, pretendeu-se demonstrar aqui que, em São Paulo, os pixadores já atuam numa cidade vandalizada pelas grandes estratégias de um urbanismo industrializado, financeirizado e colonizado, a priorizar as coisas e o capital em detrimento da vida. Cabe, inclusive, indagar qual o sentido de a pixação, apesar das penas menores, ser enquadrada como crime ambiental da mesma forma que aqueles que causam poluição e danos à natureza que resultem em graves malefícios à saúde humana ou em mortandade de animais e destruição da flora, como consta no artigo 54, da referida Lei 9.605; isso sem contar a perda de vidas humanas. Como vimos no caso de outra cidade brasileira, Belo Horizonte, na prática, a lei do país mostra-se mais dura contra meninos que rabiscam paredes do que contra aqueles que, por negligência e anseio de lucro, destroem completamente um rio ou uma vila e matam pessoas. Com isso, evidencia-se que a legislação ambiental brasileira, quando aplicada ao espaço urbano, está muito mais preocupada com as coisas do que com as pessoas efetivamente, tendo em vista que a pixação aparece na seção de crimes contra o ordenamento urbano.

Nesse sentido, o que se propôs aqui é justamente pensar as cidades brasileiras dentro de uma perspectiva da necropolítica de (Mbembe 2016). No entanto, cabe ampliar a noção de necropolítica para pensar, no contexto da cidade de São Paulo, a gestão de quem pode viver e de quem deve morrer não apenas aplicada a humanos, mas também a não humanos. O objetivo é tentar compreender como São Paulo foi historicamente gestada num processo de controle da vida e de condenação à morte, de pessoas, mas também dos rios e suas águas, da vegetação natural e de outros seres vivos, além da eliminação dos bens comuns da população. Ao mesmo tempo, abre-se caminho para a reflexão acerca da noção de necropolítica, da perspectiva de uma antropologia da vida ou “das condições e potenciais da vida humana” (Ingold 2015, 25) - não entendida como separada do mundo da natureza, mas como constituinte de um todo orgânico, conforme as reflexões desenvolvidas por Ingold - e a do bem comum, como apresentada por (Hardt e Negri 2016).

Dessa maneira, se estiver correto o argumento de que São Paulo - ou qualquer grande cidade brasileira - não propriamente seria uma cidade morta, mas sim uma cidade que se fundamenta na morte, não deveria causar estranhamento o sucesso do político que propõe aumentar a velocidade das vias mesmo que isso possa ocasionar mais mortes no trânsito. O argumento certamente poderia ser estendido para se pensar o próprio país, como historicamente fundado sobre uma necropolítica, baseado na morte, na tortura e na marcação dos corpos a serem controlados ou supliciados.(15)

Portanto, em contraposição à política de violência e morte ou mesmo como efeito colateral dela, a pixação surge como uma prática de vida, que se coloca numa relação muito próxima com a morte, pelo risco que proporciona. A pixação permite a muitos jovens pobres e negros da periferia de São Paulo conquistar um espaço de visibilidade e reconhecimento social para si, mesmo que instável e contraditório. Em grande medida, a pixação tenta instituir uma perspectiva, ainda que limitada a um grupo específico, de um uso comum da cidade. O urbano, para seus praticantes, torna-se espaço de encontro e circulação, que desafia as fronteiras da gestão que historicamente tem segregado os mais pobres nos bairros periféricos, distantes das regiões centrais e mais enobrecidas. Assim, a pixação lembra que há vida em São Paulo, apesar da necropolítica que se impõe sobre a cidade. Essa intervenção visual urbana poderia ser definida, portanto, muito mais como o epitáfio da eliminação dos espaços comuns numa cidade vandalizada e trucidada do que efetivamente como um vandalismo.

Da mesma maneira como os rios da cidade, violentados e quase mortos, ressurgem durante as tempestades a mostrar sua força e sua presença, provocando danos que são, na verdade, consequências do desrespeito a eles, e não forças destrutivas a serem domadas, a pixação também faz ressurgir nos mais diferentes espaços da cidade a presença de uma juventude que foi segregada e que é constantemente violentada, a reivindicar, por meio de suas linhas retas grafadas nos muros, visibilidade e reconhecimento social. Com isso, o que esses jovens demonstram é o desejo de sentir-se vivos, ainda que pela experiência de sentir o medo da morte e da adrenalina,(16) quando escalam o alto de prédios e pontes para deixar uma marca de si. De certa maneira, encenam, por meio dessa experimentação, suas condições de risco e a precariedade de suas vidas. No limite, como nos ensina o pixador Cripta Djan, o que está em jogo na pixação é sempre o desvelamento da relação entre vida e morte, em sua potência e precariedade.

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* Este artigo é o resultado de pesquisa de longo prazo sobre a atividade da “pixação” em São Paulo, iniciada como mestrado em 2003, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo, cuja dissertação foi defendida em 2005. A pesquisa prosseguiu inserida em um projeto mais recente, realizado entre 2014 e 2018, com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo: 447869/2014-0), sobre práticas culturais juvenis e espaço urbano, intitulado: “Entre zoeiras e rolês: práticas culturais juvenis e espaços de lazer nas cidades de São Paulo e Santos”

1Assim mesmo, com “x”, conforme a denominação dada pelos próprios “pixadores”.

2Realizada no âmbito de uma pesquisa sobre práticas culturais juvenis entre 2002 e 2018.

3A cidade de São Paulo é o principal centro econômico do Brasil, sua população já ultrapassou os 12 milhões de habitantes. A Região Metropolitana de São Paulo, também conhecida como a “Grande São Paulo”, compreende 39 municípios, e sua população é estimada em mais de 21 milhões de habitantes (IBGE 2017b). Já a cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, possui uma população de pouco mais de 2,5 milhões de habitantes. A Região Metropolitana de Belo Horizonte conta com 34 municípios e uma população de quase 6 milhões de habitantes (IBGE 2017a).

4A Vale, maior empresa de mineração brasileira e uma das maiores do mundo, é uma das acionistas da Samarco.

5O estado de Minas Gerais é o que mais possui barragens no Brasil. Especificamente, sobre as barragens de contenção de rejeitos de minérios, o Brasil possui 204 desse tipo, destas, 134 estão em Minas Gerais (Adorno 2019).

6Para um panorama da cena da pixação em Belo Horizonte, ver Rodrigo Carvalho (2013).

7Não me prendo aqui à etimologia ou a um sentido muito preciso do termo “vandalismo”, mas destaco o significado estabelecido pelo senso comum, como destruição ou dano, tal qual aplicado à pixação, como forma de estabelecer um princípio de simetria que evidencie a assimetria das abordagens sobre a pixação e a gestão desordenada do espaço urbano.

8Esse número subiu para 41.151 em 2017.

9O pânico moral consiste numa reação exagerada a respeito de uma certa prática, sendo disseminado amplamente, sobretudo por meio das mídias. Ele toma certas práticas, eventos ou atores sociais como “bodes expiatórios”, conforme a discussão de Stanley Cohen (2002).

10Termo utilizado para denominar os moradores de áreas rurais.

11Sobre os rios que foram canalizados e escondidos sob a cidade, ver os filmes: São Paulo, a cidade dos rios invisíveis, disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2014/03/21/cidade-dos-rios-invisiveis/; Entre Rios — A urbanização de São Paulo, disponível em: https://vimeo.com/14770270

12Em 2016, foram vítimas de homicídio 13.354 homens brancos e 42.354 homens negros no Brasil. Para mais dados sobre a violência no Brasil, ver: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/

13Djan, com outros colegas, protagonizou ações de grande evidência e provocação das artes no Brasil e até no mundo, com participações em eventos como a Bienal de Artes de São Paulo e de Berlim (Pereira 2018). Para mais informações sobre a obra e a vida de Djan: http://www.criptadjan.com/

14Comunicação oral feita no encontro sobre a pixação no Brasil, realizado em Salvador, em 2013, e denominado: Derivas e memórias contemporâneas da pixação.

15Marcar os corpos daqueles que se insurgiam contra o poder foi, por exemplo, a estratégia da repressão à Revolta da Vacina, que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, no início do século XX, e mobilizou a população mais pobre e negra, afetada por medidas de urbanização excludente e de higienização social. Uma campanha de vacinação obrigatória serviu de estopim para a revolta. Conforme relata Nicolau Sevcenko (2010), a violência física impingida aos revoltosos funcionava, ao mesmo tempo, como dispositivo intimidador pelo medo e pela forma de controle permanente sob os insurgentes, por meio das cicatrizes impressas em seus corpos pela tortura policial. “Era como uma ficha criminal gravada no próprio corpo dos detidos, que poderia ser consultada para identificá-los a qualquer momento, bastando, para isso, desnudá-los” (Sevcenko 2010, 57-58).

16Glória Diógenes (2013) destaca a importância da relação com a adrenalina e com certa ideia de aventura no pixo da cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil.

Citando: Pereira, Alexandre Barbosa. 2020. “Marcas de vida na paisagem de São Paulo: a “pixação” como epitáfio de uma cidade vandalizada”. Revista de Estudios Sociales 72: 58-69. https://doi.org/10.7440/res72.2020.05

Recebido: 06 de Junho de 2019; Aceito: 16 de Outubro de 2019

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