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Revista de Estudios Sociales

versão impressa ISSN 0123-885X

rev.estud.soc.  no.83 Bogotá jan./mar. 2023  Epub 07-Dez-2022

https://doi.org/10.7440/res83.2023.03 

Dossier

Narrativa cuir, experiência estética e política na luta pela paz: notas sobre o curta-metragem Negrum3*

Narrativa cuir, experiencia estética y política en la lucha por la paz: apuntes sobre el cortometraje Negrum3

Queer Narrative, Aesthetic, and Political Experience in the Struggle for Peace: Notes on the Short Film Negrum3

Laan Mendes de Barros** 

Luiz Fernando Wlian*** 

**Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (Brasil), com pós-doutorado pela Université Stendhal Grenoble 3 (França). Professor da Universidade Estadual Paulista (Brasil) e coordenador da Pós-Graduação em Comunicação da mesma universidade. Coordenador do grupo de pesquisa MIDIAisthesis - Cultura midiatizada e experiência estética. Últimas publicações: “La educación en Paulo Freire como reparto de lo sensible: educomunicación y estesia” (em coautoria), em Recrear, Reinventar. Paulo Freire, 100 años, compilado por Nora Llaver e Bettina Martino Mendoza, 132-151 (Córdoba: Universidad Nacional de Cuyo, 2022); Produção de sentido na cultura midiatizada, organizado por Laan Mendes de Barros, José Carlos Marques e Ana Silvia Medola (Belo Horizonte: Selo PPGCOM/UFMG, 2020). laan.m.barros@unesp.br

***Estudante de doutorado em Comunicação da Universidade Estadual Paulista (Brasil). Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil). Pesquisador do grupo de pesquisa MIDIAisthesis - Cultura midiatizada e experiência estética. Últimas publicações: “O Chão de Estrelas e a regência da alegria: música, dança e heterotopias dissidentes” (em coautoria), Logos 28 (2): 294-311, 2021; “Canções desviantes: momento musical e utopia no cinema queer contemporâneo”, Revista Brasileira de Música 33 (1): 207-234, 2020. luizwlian@gmail.com


Resumo:

Podemos perceber, no cenário brasileiro contemporâneo, uma crescente produção artística e cultural engendrada por sujeitos LGBTQIA+, que disputa narrativas e sensibilidades, e sugere novas formas de ser no mundo social. Buscamos observar como essa crescente produção artístico-cultural pode trazer críticas e contribuições sobre a construção da paz. Desse modo, neste artigo, questionamos como pensar a construção da paz a partir de perspectivas cuir. Confrontamos a construção da paz com críticas dissidentes para pensar uma possível ideia de paz cuir. Assim, propomos uma paz cuir pela via da experiência estética, em articulações entre afeto e política que mobilizam relações de reconhecimento e de alteridade com base em uma percepção sensível de discursos de resistência e afirmação de existência. Nosso objetivo é fazer uma análise que valorize a cultura - e seu caráter estético e sensível - como campo relevante para a pesquisa em ciências sociais e políticas. Dessa forma, debruçamo-nos no curta-metragem Negrum3, do cineasta Diego Paulino. Por meio de uma breve incursão histórica, que apresenta um quadro das políticas públicas LGBTQIA+ no Brasil e suas possíveis pontes com uma ideia de construção da paz, e uma reflexão teórica que coloca em cotejo teorias decoloniais com nomes da academia europeia, mobilizamos a análise do objeto audiovisual e pensamos como uma paz cuir pode se erigir na dimensão da experiência estética, que é também política, e pode nos permitir imaginar e viabilizar novas formas de vida. Chegamos à conclusão de que uma paz cuir é uma concepção desafiadora que guarda suas problemáticas e se fundamenta em crítica a apreensões hegemônicas e institucionalizadas de paz. Nesse sentido, a produção artístico-cultural, com suas propostas estéticas, aparece como caminho inventivo. Por fim, a originalidade deste artigo consiste em sua articulação de teorias cuir e, sobretudo, de práticas estéticas e políticas para pensar a construção da paz na realidade social brasileira.

Palavras-chave: alteridade; Brasil; construção da paz; experiência estética; paz cuir

Resumen:

Podemos percibir, en el contexto brasileño contemporáneo, una creciente producción artística y cultural generada por sujetos LGBTQIA+, que disputa narrativas y sensibilidades, y sugiere nuevas formas de ser en el mundo social. Buscamos observar cómo esta creciente producción artístico-cultural puede traer críticas y aportes sobre la construcción de la paz. De este modo, en el artículo, cuestionamos cómo pensar la construcción de la paz desde perspectivas cuir. Confrontamos la construcción de la paz con críticas disidentes para pensar una posible idea de paz cuir. Así, planteamos una paz cuir por la vía de la experiencia estética, en articulaciones entre afecto y política que movilizan relaciones de reconocimiento y alteridad con base en una percepción sensible de discursos de resistencia y afirmación de existencia. Nuestro propósito es hacer un análisis que valore la cultura -y su carácter estético y sensible- como campo relevante para la investigación en ciencias sociales y políticas. De esta forma, enfatizamos el cortometraje Negrum3, del cineasta Diego Paulino. Por medio de una breve incursión histórica, que presenta un cuadro de las políticas públicas LGBTQIA+ en Brasil y sus posibles puentes con una idea de construcción de la paz, y una reflexión teórica que contrasta teorías decoloniales con nombres de la academia europea, movilizamos el análisis del objeto audiovisual y pensamos cómo una paz cuir puede erigirse en la dimensión de la experiencia estética, que es también política, y puede permitirnos imaginar y viabilizar nuevas formas de vida. Concluimos que una paz cuir es una concepción desafiante que guarda sus problemáticas y se fundamenta en crítica a aprehensiones hegemónicas e institucionalizadas de paz. En tal sentido, la producción artístico-cultural, con sus planteamientos estéticos, aparece como camino inventivo. Por último, la originalidad del artículo consiste en su articulación de teorías cuir y, sobre todo, de prácticas estéticas y políticas para pensar la construcción de la paz en la realidad social brasileña.

Palabras clave: alteridad; Brasil; construcción de paz; experiencia estética; paz cuir

Abstract:

The contemporary Brazilian context offers a growing artistic and cultural production, generated by LGBTQIA+ subjects, which disputes narratives and sensitivity, and suggests new ways of being in the social world. This article looks at how such artistic-cultural production can bring critiques and contributions on peacebuilding. The article questions how to think peacebuilding from queer perspectives: it confronts peacebuilding with dissident critiques, in order to think a possible idea of queer peace. This is proposed through the aesthetic experience, in articulations between affection and politics that mobilize relations of recognition and otherness, from a sensitive perception of the discourses of resistance and affirmation of existence. To conduct an analysis that values culture -and its aesthetic and sensitive character- as a relevant field for research in the social and political sciences, we discuss the short film Negrum3 by filmmaker Diego Paulino. This audiovisual object is analyzed through a brief historical incursion, which presents a picture of LGBTQIA+ public policies in Brazil and their possible bridges with an idea of peacebuilding, and a theoretical reflection that contrasts decolonial theories with figures from the European academia. Thus, we reflect on how a queer peace can be built in the dimension of aesthetic experience, which is also political, and allows us to imagine and enable new forms of life. Our conclusion is that queer peace is a challenging conception, which retains its challenges and is based on a critique of hegemonic and institutionalized apprehensions of peace. In this sense, the artistic-cultural production, with its aesthetic approaches, appears as an inventive path. The originality of the article consists in its articulation of queer theories and, above all, of aesthetic and political practices, to think about peacebuilding in Brazil's social reality.

Keywords: aesthetic experience; Brazil; otherness; peacebuilding; queer peace

Introdução

A construção da paz carrega potencialidades e desafios nos dias de hoje. Ao propormos uma perspectiva dissidente sobre ela, tais desafios ganham especificidades que tornam mais evidentes as problemáticas para as quais se devem forjar - tanto de ponto de vista teórico quanto político - soluções praticáveis na vida social. Questionamos, neste texto, sobre essas problemáticas, tomando uma crítica cuir em cotejo com uma ideia de construção da paz empreendida institucionalmente para pensar de que maneiras seria possível uma paz cuir e que questões precisam ser observadas para que tal ponto de vista sobre a paz se faça no mundo contemporâneo.

Optamos pelo uso do termo “cuir” em vez da versão anglófona “queer”. Com essa escolha terminológica, compreendemos a importância de deslocar epistemes ocidentais do Norte global de seu suposto conhecimento legitimador para reivindicar formas de saber e fazer políticos que deem conta da experiência de sujeitos sociais do Sul global, da América Latina e, em nosso caso, do Brasil. Apesar da preferência pelo termo “cuir”, também valorizamos tentativas teóricas especificamente brasileiras para traduzir “queer”, como os estudos transviados de Berenice Bento (2014) e a teoria cu de Larissa Pelúcio (2016).

Nossa proposta não visa a expressar em termos o que seria uma paz cuir - como ela seria implementada, organizada - mas sim, justamente, a problematizar o próprio estatuto dessa ideia de paz. Além disso, colocamo-nos a pensar em pistas que sinalizam uma possível paz cuir no domínio da estética, erigida pelo fazer artístico de atores sociais e ativismos. Para tanto, tomamos o curta-metragem brasileiro Negrum3, filme de 2018, de Diego Paulino, que trata de forma performática questões sociais de sujeitos negros e LGBTQIA+. Buscamos observar que sensibilidades advindas desse fazer artístico podem criticar o mundo contemporâneo e nos provocar para novas maneiras de imaginar um futuro em que determinados sujeitos podem existir com reconhecimento, direito de vida e expressão de si.

Observamos no Brasil atual narrativas que complexificam relações sociais e percepções sobre opressão e violência. Em contexto de recrudescimento do conservadorismo, em que sujeitos dissidentes ainda são sistemicamente oprimidos, percebe-se em contraste uma crescente produção artístico-cultural engendrada por esses sujeitos como afirmação política. O segmento LGBTQIA+, com recorrentes recortes de raça e classe, apropria-se dos dispositivos tecnológicos e se vale da arte e da comunicação para trazer visibilidade a sujeitos marginalizados. Pensamos: de que formas esse movimento artístico-cultural sinaliza uma possível paz cuir pela via da experiência estética, uma paz que incorpore perspectivas dissidentes? Partimos, assim, de uma reflexão sobre dados históricos e políticas públicas LGBTQIA+ no Brasil, para então tecer comentários sobre a produção artístico-cultural - materializada pelo curta Negrum3.

Recorremos a duas correntes teóricas que se complementam e, ao mesmo tempo, estabelecem tensões epistemológicas entre si. De um lado, de tradições europeias, apropriamo-nos de conceitos como partilha do sensível, de Jacques Rancière (2005), o si-mesmo como um outro de Paul Ricoeur (1991) e o sensus commun(al)is, de Herman Parret (1997). De outro, trazemos leituras de autores latino-americanos, decoloniais e cuir. Nessa direção, destacamos Milton Santos (1994, 1996), com sua discussão sobre “territórios luminosos e opacos”; Muniz Sodré, que articula afetos, mídia e política no âmbito das estratégias sensíveis presentes nas narrativas (2006); Achille Mbembe (2018), Frantz Fanon (1968) e Lélia Gonzalez (1988), com seus relevantes questionamentos sobre racismo e alteridade, além de formulações de Catherine Walsh (2013, 2017) , Judith Butler (2019), Richard Miskolci (2011), Larissa Pelúcio (2016), Beatriz Preciado (2011), entre outros.

Assim, o presente artigo, de caráter reflexivo e teórico, tem por método elencar teorias e conceitos para debater uma possível construção da paz por perspectivas dissidentes, ao comentar potencialidades e limitações de políticas públicas LGBTQIA+ no Brasil e então observar respostas artísticas a limites impostos pela realidade contemporânea. E tal reflexão, dada a escolha do curta trazido como exercício de análise e ilustração, incorpora a questão racial, que traz mais complexidade ao debate.

Desafios críticos para uma paz cuir

Antes de discutirmos sobre uma paz cuir, é necessário que nos debrucemos em uma ideia mais ampla de construção da paz. Há, pelo menos, uma noção de construção da paz à qual podemos recorrer; uma que foi notoriamente elaborada por Johan Galtung (1976) e, posteriormente, reformulada por instituições de caráter global. O autor postula três abordagens da paz: a primeira, uma abordagem dissociativa, denominada “manutenção da paz” (peacekeeping [Galtung 1976, 283-284]); a segunda, a “resolução de conflitos” (peacemaking [Galtung 1976, 290]); a terceira, de caráter associativo, a “construção da paz” (peacebuilding [Galtung 1976, 298]). Ao se basear em uma ideia estrutural de paz, Galtung propõe essa última com vias a identificar estruturas capazes de oferecer alternativas à violência e à guerra e, por fim, forjar uma paz autossustentável.

Percebemos uma reformulação da construção da paz na Organização das Nações Unidas (ONU) durante a década de 1990, conforme ela assume um papel mais ativo na gestão da segurança internacional pós-Guerra Fria (Nações Unidas 1999). É nesse cenário que identificamos a concepção de uma construção da paz que não apenas divulga valores democráticos liberais consonantes com o capitalismo global, como também delimita o escopo do que é considerado paz e o tipo de sujeito que pode nela se incluir. Segundo artigo do sociólogo José Manuel Pureza (2018, 83), sobre o desafio crítico dos estudos para a paz, vemos que políticas oficiais de dominação do centro sobre a periferia constituem uma concepção da condição periférica como lugar de caos e ingovernabilidade, ao qual apenas uma institucional construção da paz poderia oferecer resoluções, por meio de regulações que delineiam a representação das periferias como vítimas patológicas carentes de governança externa.

De quem se trataria essas periferias? Poderíamos trazer o termo “periférico” para analisar esferas micropolíticas? Não seria absurdo dizer que sujeitos dissidentes e cuir carregam em suas realidades materiais o fato de serem vistos como “vítimas de incapacidades patológicas” (Pureza 2018, 83), para as quais são oferecidas determinadas formas de governança.

Decerto que existem muitos matizes entre uma teórica construção da paz promovida pela ONU e seus braços - como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) - e o que de fato acontece em cenários nacional e regional. Nesse sentido, observamos brevemente o que significa uma possível construção da paz no Brasil e em que medida ela contempla realidades dissidentes.

O Brasil acompanha tendências de órgãos internacionais, tendo aumentado sua participação em operações de paz no cenário internacional a partir dos anos 1990. No contexto doméstico, o país tem longa história de contradições e tentativas ora mais, ora menos bem-sucedidas em prol dos direitos humanos - parâmetro fulcral à construção da paz. Como muitos países latino-americanos, o Brasil guarda profundos problemas estruturais e marcas coloniais encarnados no racismo e na profunda desigualdade social, que resulta em uma escandalosa concentração de renda nas mãos de uma diminuta minoria e na falta de acesso da população a determinados bens de subsistência. Como já denunciava Lélia Gonzalez (1988, 136), “o racismo latino-americano é suficientemente sofisticado para manter negros e indígenas na condição de segmentos subordinados no interior das classes mais exploradas”. Assim, a questão da pacificação - que perpassa a resolução de conflitos; a diminuição da pobreza, da desigualdade, das violências etc. - depende de uma democracia bem-estruturada, com instituições fortes e políticas públicas que dialoguem com demandas sociais.

A contextualização da construção da paz no Brasil requer observação sobre o caráter histórico-cultural que ele herda não apenas como país latino-americano, mas também em suas especificidades. A constante e sistêmica agressão e aniquilamento dos povos indígenas e os séculos de tráfico de escravos da África constituíram um racismo estrutural e uma cultura de segregação e negação do “diferente” segundo a ótica do colonizador. Esse não reconhecimento do outro como ser humano subverte a ideia de alteridade, no que Achille Mbembe (2018, 27) chama de “alterocídio”, que implica a constituição do “outro não como semelhante a si mesmo, mas como objeto propriamente ameaçador, do qual é preciso se proteger, desfazer, ou ao qual caberia simplesmente destruir, na impossibilidade de assegurar seu controle total”. E, nesse contexto, marcado por um discurso desenvolvimentista de matriz liberal e capitalista, a ideia de paz fica travada na lógica da submissão perpétua de uns a outros, de muitos a poucos. Implica a negação do outro e a distorção da ideia de alteridade - constituinte da construção da paz - que se transforma em alterocídio, mesmo quando disfarçado em uma aparente tolerância, sustentada na submissão das classes populares e justificada, muitas vezes, no mito do “brasileiro cordial”, uma interpretação distorcida do que Sérgio Buarque de Holanda (1995) fala no clássico livro Raízes do Brasil.

Nesse contexto histórico e político, a construção da paz envolve ações de resistência e de afirmação de identidade, de reconhecimento e de alteridade. Na reivindicação de direitos e na ocupação de espaços, na sensibilização da política e da sociedade. Produções como Negrum3 podem fazer parte dessa luta.

Vale observar que, após o período da Ditadura Militar, com a promulgação da Constituição federal de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”, avanços sociais são obtidos. Um novo modelo de gestão pública mais aberto à participação social e ao debate com setores da sociedade civil passa a ser praticado. Apesar de seus não raros desencontros, a relação entre Estado e sociedade ganha novos contornos. Em consonância com políticas internacionais, o termo “paz” começa a integrar a agenda de forma mais efetiva no país. A construção da paz se torna parte integrante de uma “cultura da paz”, conceito amplamente promovido por instituições, como a Unesco, e apropriado em determinadas medidas, como a Lei de Diretrizes e Bases na Educação, de 1996, que buscava, entre outras coisas, promover ações para uma cultura de paz nas escolas (Mota 2021). A cultura da paz perpassa a educação e tem por um de seus objetivos, justamente, a construção da paz. Ela se faz como um conjunto de valores e atitudes baseados na promoção do respeito e das liberdades fundamentais, à tolerância e à diversidade cultural (Nações Unidas 1999). Como um país multicultural, o Brasil abriga uma rica diversidade para a qual a cultura de paz poderia se endereçar como mecanismo político-social para impulsionar uma convivência pacífica entre sujeitos. Contudo, não apenas por esbarrar em possíveis limites da concepção institucional de uma cultura de paz ou por entraves de se pôr em prática políticas públicas, o Brasil encontra dificuldade em promover a paz para sujeitos LGBTQIA+, também por conta de seu histórico conservador e violento para com essa população.

Sujeitos LGBTQIA+ têm uma longa relação com o Estado brasileiro, a qual guarda suas contradições, negociações, lutas e conquistas. É uma população que, mesmo diante de instituições democráticas devidamente instaladas, sentem o impacto político e social de governanças conservadoras, algo que se reatualiza no país de 2022 e que relembra os impasses autoritários da Ditadura Militar, contexto no qual se erige, de forma mais concreta, o Movimento Homossexual Brasileiro. Em 1978, é lançado no Rio de Janeiro o Lampião da Esquina, importante publicação ativista. No mesmo ano, surge em São Paulo o Somos: Grupo de Afirmação Homossexual, amplamente considerado o primeiro grupo organizado do país. Trata-se de uma militância contextualizada na violência da Ditadura e, à época, encontra pouco ou nenhum reconhecimento, tanto por parte do Estado quanto por parte da sociedade. A violência institucional contra essa população é frequente e bastante materializada em ações policiais, prisões arbitrárias e torturas. Violências veementemente denunciadas nas supracitadas publicações ativistas (Trevisan 2018; Green 2022; Green et al. 2018).

Ou seja, nas origens de sua organização, o movimento LGBTQIA+ brasileiro - então nomeado “Movimento Homossexual Brasileiro” -, se defronta com cenários em que há pouca possibilidade de diálogo e, justamente por isso, demonstra um caráter mais combativo e revolucionário. É um movimento que, mesmo com suas contradições internas, foi fundamental, para estabelecer em cenário brasileiro, a existência social e política de sujeitos dissidentes de sexualidade e gênero.

Uma dura realidade se instauraria na década de 1980: a crise do HIV/aids. A epidemia, por um lado, pulveriza a organização dos grupos; por outro, confere uma grande visibilidade ao tema da sexualidade, o que permite uma institucionalização do movimento, algo vital para que convênios com secretarias de saúde e o Ministério da Saúde sejam possíveis. O Movimento Homossexual tem efetivo trabalho na construção de parcerias com o Estado para garantir melhores condições de assistência às vítimas da aids. Uma conquista relevante pode ser vista em meados da década seguinte, com o início da distribuição gratuita de medicamentos, o chamado “coquetel”, em 1996 (Pelúcio e Miskolci 2009).

A possibilidade de diálogo com o Estado em prol de políticas públicas abre caminhos importantes. O ideário social sobre a relação direta entre aids e homossexualidade, por sua vez, faz-se forte e gera impactos para a população LGBTQIA+. A “homossexualidade”, despatologizada e retirada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais em 1973, aparece em cena pública nos anos 1980 “repatologizada”, estigmatizada nas mais diversas formas de discurso sobre sexualidade. Não apenas na opinião geral, mas também em certo discurso científico que prega por uma higienização da sexualidade. Como conta Miskolci (2011, 49), a epidemia de HIV/aids “teve o efeito de repatologizar a homossexualidade em seus novos termos contribuindo para que certas identidades, vistas como perigo para a saúde pública, passassem por um processo de politização controlada”. A figura do “aidético”, uma “bioidentidade” forjada no período e facilmente associada ao homossexual, aglutina “pessoas vivendo com AIDS” em um mesmo grande grupo de sujeitos regidos por uma série de procedimentos de regulação e culpabilização de seus comportamentos sexuais (Pelúcio e Miskolci 2009). A forma como a saúde pública lida com a epidemia ajuda a alimentar essa figura, que passa a ser, em certo sentido, a “responsável” por sua própria saúde ou doença, conforme sua conduta de vida e de uso do corpo.

As políticas públicas para a população LGBTQIA+ no Brasil, que se iniciam de forma mais efetiva por volta desse período histórico (Cazeiro e Aragusuku 2020), acabam por herdar parte desse processo histórico, especialmente no que tange a selecionar e regular identidades sexuais e de gênero. Os ganhos da população LGBTQIA+ ao ser reconhecida pelo Estado, em maior ou menor grau, acabam por passar por certa “higienização” de realidades tidas como “abjetas” para realidades mais palatáveis e moduladas por um padrão heterossexual. A própria tentativa de parte dos sujeitos LGBTQIA+ da época - sobretudo homens homossexuais - de se desvincular da figura do “aidético” e emular padrões de comportamento “respeitáveis” que imprimissem em seus corpos uma aparência “saudável” acaba por reiterar uma forma de exclusão de determinados tipos de experiência dissidente. Essa “estratégia” de emulação de padrões heterossexuais, por um lado, negocia com sociedade e Estado algumas demandas do movimento LGBTQIA+, mas, por outro, exclui, necessariamente, sujeitos incapazes de se ajustar.

Segundo Mario Pecheny e Rafael de la Dehesa (2011, 22-23), há ao menos dois paradoxos centrais nos esforços do ativismo de direitos sexuais em sua relação com o Estado na América Latina dos anos 1980. Um primeiro seria o contraditório momento histórico de transição de regimes autoritários para a redemocratização, que coincide com um momento de adoção de políticas neoliberais que ampliam a polarização econômica e a exclusão social. Um segundo seria a intrínseca dificuldade de traduzir o campo da sexualidade e do erotismo, que possui sua fluidez de desejos e formas de ser, para o vocabulário das legislações e das políticas públicas, algo que implicaria enrijecimento de categorias sociais e reificação de identidades. É nos passos desse segundo paradoxo que alimentamos nossa crítica.

Existe um passado histórico no qual seria fácil equiparar o termo “cuir” - ou mesmo sua versão em inglês, “queer” - com identidades LGBTQIA+. Um passado pré-Stonewall, um passado anterior aos grandes levantes políticos nas Américas e no mundo. Um passado no qual todas as identidades não conformes à heterossexualidade compulsória (Rich 2010) eram necessariamente tidas como abjetas. Entretanto, quando os saberes médicos e jurídicos se debruçam sobre esses sujeitos e reconfiguram determinadas premissas sobre eles, isso propicia a construção de novas perspectivas, científicas e morais para essa população. Nesse processo histórico, identificamos certa cisão entre políticas identitárias LGBTQIA+ e políticas cuir. Uma política cuir reivindica a radicalidade dos sujeitos que não puderam - ou não optaram por - assimilar-se a padrões de vida heterossexuais dominantes da sociedade. É uma política que, inclusive, não parece caber bem em categorização feita pelo Estado, como comenta Pecheny e Dehesa (2011, 22-23). Assim, parece-nos possível afirmar que, por mais bem-sucedidas que algumas políticas públicas sejam para demandas LGBTQIA+, elas não convergem para a construção de uma paz cuir, dado o caráter avesso a assimilações que o cuir carrega.

As políticas públicas LGBTQIA+ ganham mais institucionalidade nos anos 1990 e 2000. O período converge com o vocabulário para a paz empreendido pela ONU e Unesco, e parece haver, pelo menos de um ponto de vista teórico, uma preocupação em inclusão e em assegurar direitos - convergentes com direitos humanos - nas agendas governamentais. Decerto que o fortalecimento da agenda da ONU e de organismos internacionais corrobora com esse processo. Em 1996, o governo federal, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), estabelece os primeiros marcos para a formalização de políticas públicas LGBTQIA+. O I Programa Nacional de Direitos Humanos (Presidência da República 1996) considera que homossexuais vivem “em situação vulnerável”, e o II Programa Nacional de Direitos Humanos (Ministério da Justiça 2002) inclui ações específicas voltadas à então “comunidade GLTTB”1. Em paralelo, surgem ações locais, como o Disque Defesa Homossexual (DDH) e um Centro de Referência especializado, no Rio de Janeiro, em 1999 (Cazeiro e Aragusuku 2020).

O governo Lula (2003-2010) é responsável por uma maior institucionalização de políticas públicas LGBTQIA+. Destacam-se o Programa Brasil sem Homofobia (2004), a Coordenação Geral de Promoção de Direitos de LGBT (2009), o Conselho Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT (2010), entre outros (Cazeiro e Aragusuku 2020, 192). Esse período, apesar da ausência de mudanças estruturais de fundo, deixa um legado de ações e programas relativamente robustos que, todavia, começam a entrar em declínio a partir do governo seguinte. O governo Dilma Rousseff (2011-2016) é o período em que se inicia a forja dos retrocessos democráticos que se instala no Brasil contemporâneo. Embora haja certa continuidade de ações e programas, em contrapartida o governo recua diante da movimentação de grupos conservadores. O episódio mais proeminente é o congelamento do Programa Escola sem Homofobia, em 2011, programa que viria a ser chamado de “Kit Gay” por detratores. Após o golpe parlamentar que retira Dilma Rousseff da presidência, em 2016, o cenário fica livre para a direita brasileira, com o fortalecimento de frentes conservadoras francamente opostas a políticas públicas para LGBTQIA+. Os desmontes do governo Temer (2016-2018) criam território para a ascensão de uma extrema direita de discurso autoritário e notadamente LGBTfóbico.

O movimento LGBTQIA+ no Brasil, como já dito, sempre encarou tensões a depender dos governos que assumem o controle do Estado. No caso de Jair Bolsonaro (2019-atual), assiste-se a um retrocesso que sublinha não apenas a fragilização de políticas públicas, mas também à ausência de reconhecimento de LGBTQIA+ como sujeitos de políticas de direitos humanos (Cazeiro e Aragusuku 2020). Se entendemos a institucionalização de políticas públicas LGBTQIA+ como uma transformação de valores e demandas desses sujeitos integradas a agendas de Estado e ao sistema político, podemos ver agora um intenso e deliberado processo de desinstitucionalização (Feitosa 2021). Como exemplo, o fim da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (Secadi-MEC), órgão responsável por políticas educacionais relativas a gênero e sexualidade, e a extinção do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD-LGBT).

O Brasil é amplamente conhecido por ser um país com altas taxas de homicídio contra a população LGBTQIA+ (Mendes e Silva 2020). Apenas no último ano - meados do governo Bolsonaro e período de pandemia da covid-19 -, houve aumento de 33% de mortes de LGBTQIA+, segundo o Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil: Dossiê de 2021 (Acontece Arte e Política LGBTI+, ANTRA e ABGLT 2022, 16). A despeito de conquistas significativas nas últimas décadas, sendo a última mais expressiva a criminalização da LGBTfobia em 2019 (à revelia de Bolsonaro), fica patente que os direitos LGBTQIA+ são bastante instáveis. O contexto contemporâneo parece afastado de uma “paz cuir” ou mesmo de uma “paz LGBTQIA+” mediada por políticas públicas. Mas talvez seja justamente nas brechas desse período de instabilidade - que relembra o autoritarismo do período ditatorial no qual o movimento LGBTQIA+ brasileiro surge - que possamos identificar, na radicalidade de uma política cuir, uma espécie de respiro inventivo ante o conservadorismo. Percebemos, em experiências cuir contemporâneas, uma resposta contestatória animada em produções artístico-culturais que nos relembram que talvez uma existência cuir não possa ser economizada em categorias de Estado.

É nesse sentido que afirmamos existir certo ruído na compreensão de uma paz cuir pela via institucional e de políticas de Estado. Não apenas pela instabilidade na relação entre movimento LGBTQIA+ e Estado, mas também pela própria assimilação de identidades LGBTQIA+ por padrões de vida heteronormativos, que inclusive apartam parte do próprio movimento LGBTQIA+ de uma política cuir, como comentamos acima. A aproximação com o Estado acaba por trazer esse outro lado da moeda, em que parte dos sujeitos LGBTQIA+ conquistam alguma respeitabilidade conforme se afastam de figuras “abjetas” - como o “aidético” - e emulam uma conduta de vida “saudável” e parecida com a heterossexual. As negociações com Estado e sociedade geram conquistas louváveis, mas, em consequência, abrem espaço para formas de poder congruentes com o capital contemporâneo e com lógicas neoliberais que, ademais, condizem com a “ONGização” de movimentos sociais (Pecheny e Dehesa 2011).

A construção da paz, empreendida em maior e menor grau em políticas públicas no Brasil - sobretudo dos anos 1990 em diante -, acaba por atender pautas indicadas por órgãos internacionais como a ONU e a Unesco, o que permite afirmar certa convergência de agendas para a paz com determinadas políticas públicas para LGBTQIA+, especialmente a partir do momento em que esses sujeitos são considerados, institucionalmente, sujeitos de direitos humanos. Contudo, mesmo em cenário brasileiro, nota-se a presença de valores democráticos liberais, consonantes com a economia de mercado, com formas de saber e poder (Foucault 2013) que produzem tecnologias de controle de sujeitos e vidas. Se, no campo de uma paz promovida pela democracia liberal, o discurso constitui técnicas de controle, no campo das políticas públicas LGBTQIA+, esse discurso trabalharia para modular os tipos de corpo e de sujeito dissidente com os quais o Estado se propusesse a lidar. São políticas que, mesmo de grande importância, acabam por agir na normatização de identidades sexuais e de gênero, de modo a produzir e regular sujeitos mais adequados aos padrões do Estado, operando como um dispositivo de controle da sexualidade (Sampaio e Germano 2014).

O cuir, por sua vez, trata de uma política que emerge, justamente, como crítica ao controle da sexualidade. É uma apreensão de mundo notoriamente antiassimilacionista e desconstrutiva, que compreende sua própria existência como a “parte maldita” da ordem simbólica, como o outro da sociedade heteronormativa. Nesses termos, pensar uma paz cuir se torna um grande desafio epistemológico, uma tarefa bastante complexa para a qual o presente texto não seria capaz de apresentar soluções definitivas. De nossa parte, menos pretensiosa, propomos vislumbrar uma possibilidade de paz cuir pela via da experiência estética.

Políticas do sensível: pistas estéticas no audiovisual

“Manifesto pelo espaço preto!” - evoca o jovem, com pintura no rosto, no curta-metragem Negrum3. Obra de 2018, exibida em cerca de 50 festivais nacionais e internacionais, vencedora de 35 prêmios. Um filme estilizado, irreverente, barulhento como devem ser as manifestações políticas. Suas narrativas são como que “desobediências poéticas”, expressão emprestada da artista e escritora portuguesa Grada Kilomba, que assim chamou sua exposição de obras híbridas na Pinacoteca de São Paulo (2019). Dirigido pelo cineasta Diego Paulino, Negrum3 explora uma série de gêneros cinematográficos como compor seu manifesto estético e político, que congrega uma gama de sujeitos negros e LGBTQIA+, artistas que se reúnem, cantam, dançam, celebram sua negritude dissidente, encarnada em corpos que se orgulham de seu caráter ruidoso, que se valem do fato de serem o outro de uma pretensa heteronormatividade e tiram prazer disso, algo encenado em uma profusão de performances que tomam o quadro cinematográfico e buscam provocar o espectador. Algo de esperançoso reside nessa evocação do “Manifesto pelo espaço preto”, algo que parece imaginar um outro lugar e tempo. Das escolhas afrofuturistas à reinterpretação estilizada dos espaços públicos de grandes cidades, Negrum3 é um manifesto pela liberdade, pelo direito de ser - ruidoso, estranho, cuir - e, por que não, um manifesto pela paz. Paz para se gozar da vida sendo exatamente como se é. Uma paz combativa, fincada na crítica à realidade; apresenta-se como forma de partilha e convite ao reconhecimento e à alteridade.

Negrum3 traz à luz a questão da homotransfobia somada ao racismo estrutural, tão enraizados e atualmente intensificados na sociedade brasileira. Questões que ficam muitas vezes restritas à margem da sociedade. Nas palavras de Milton Santos (1994, 1996), ao confrontar desigualdades econômicas e sociais das grandes cidades, trata-se de revelar as contradições entre os “territórios opacos” e “territórios luminosos” das “cidades milionárias”. Ou seja, o filme adota uma estratégia sensível (Sodré 2006) para politizar o debate e promover uma insurgência estético-política que ilumina as lutas da população negra e LGBTQIA+, que não devem ficar segregadas às zonas opacas das cidades.

Aliás, esse confronto também está presente na comparação que Frantz Fanon (1968) faz entre as zonas habitadas pelo colonizador e pelo colonizado, que parecem obedecer a uma lógica aristotélica de “exclusão recíproca”, de conciliação impossível. Como diz o pensador, nascido em Martinica, no Caribe, enquanto “a cidade do colono é uma cidade sólida, toda de pedra e ferro”, uma “cidade iluminada, asfaltada, onde os caixotes do lixo regurgitam de sobras”, onde habitam brancos e estrangeiros, a cidade do colonizado, onde moram indígenas, negros e árabes, “é um lugar mal afamado, povoado de homens mal afamados” (Fanon 1968, 28-29). E, nesse lugar maldito, a vida não tem importância, argumenta o autor, pois “aí se nasce não importa onde, não importa como. Morre-se não importa onde, não importa de que”. Trata-se de um lugar de espaços restritos e apertados, “onde os homens estão uns sobre os outros, as casas umas sobre as outras. A cidade do colonizado é uma cidade faminta, faminta de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz” (Fanon 1968, 29).

Trata-se, portanto, de um jogo de territórios, de localização. E, como define Muniz Sodré (1999, 261) em Claros e escuros, “a semelhança sugere proximidade de territórios e de corpos”, o que implica relacionar o racismo a uma desterritorialização, “do Mesmo ou do Outro”, afirma ele. “Abandonando o seu lugar predeterminado, o Outro (o migrante, o diferente, o negro) é conotado como o intruso que ameaça dividir o lugar do Mesmo hegemônico”. E Sodré avança nessa ideia ao afirmar que “o afeto capaz de levar à abolição do racismo é o sentimento (visão e ação) que abole a distância ontológica (psíquica e territorial) entre o Mesmo e o Outro” (Sodré 1999, 262).

E, nesse contexto de segregação e morte, a resistência é vital para a manutenção e afirmação de existência. Nas palavras de Catherine Walsh (2017, 40), é necessário semear “insurgencias resistencias y re-existencias”, que deve ser fomentada “desde y con lxs de abajo”, de forma que “la violencia, el desmembramiento, el despojo, la desterritorialización y la destrucción relacionadas con la acumulación del capital global y su lógica y sistema de guerra-muerte, desarrollista” possam ser confrontados. Portanto, o ato de resistir e (re)existir, como estratégia sensível de luta, é mais que uma expressão de identidade e reconhecimento. Ele se insere como insurgência às lógicas e normatizações colonizadoras, de subversão e superação da lógica-sistema dominante. Como nos adverte a coordenadora do doutorado em Estudos Culturais Latino-americanos e da Cátedra de Estudos Afro-Andinos, da Universidad Andina Simón Bolívar, do Equador:

[...] el acto de sembrar -la siembra- es un acto insurgente. Insurgente por su insurgir e incidir; por hacer-nacer, renacer, resurgir, crear y construir posibilidades, esperanzas y pericias de vida y vivir que no solo afrontan la lógica-sistema dominante, sino que también contribuyen a su agrietamiento, debilitamiento, desmantelamiento y destrucción eventual, y al crecimiento de algo radicalmente distinto. (Walsh 2017, 40)

A realidade da população LGBTQIA+ no Brasil, como já comentamos, ainda é alarmante. Diante dela, o cenário artístico-cultural entrega provocações prolíficas que merecem atenção. Defronte a limitações na segurança, nos campos jurídicos, entre outros, é na arte que muitas narrativas têm se desenvolvido de forma mais produtiva e ousada. A arte e, sobretudo, o audiovisual, tem sido não apenas janela, mas também arma de militância instrumentalizada por ativistas em prol da transformação social. Essa crescente produção artístico-cultural, ao reconhecer e valorizar o caráter estético de nossos tempos (Sodré 2006), disputa formas outras de sensibilidade no mundo contemporâneo. São artistas e obras engajados no combate a violências estruturais e na promoção de justiça a esses sujeitos. A justiça social é algo urgente na sociedade, mas aqui ganha uma forma, uma tessitura de urgência, quando mobilizada por corpos que editam em imagem e som as premências de suas subjetividades, marcam em tela suas dores, mas também seus desejos. Desejos esses que não fazem questão de serem límpidos, higiênicos, padronizados. Pelo contrário, afrontam o considerado “correto” e, dessa forma, impingem disputa. Uma disputa que se dá no território do sensível e que, por essa via, busca se fincar no campo social. Como nos conta Dieison Marconi (2021), trata-se de uma arte e um cinema realizados por sujeitos de raça, gênero e sexualidade dissidentes que entregam performances autorais - ou autorias queer, nos termos do autor - moduladas em políticas da imagem que promovem mudanças no visível, no que é tido como comum e consensual. Imagens que, desde sua concepção formal, possuem caráter inerentemente estético e político, esse que provoca danos em uma macropolítica branca, cisgênera, heterossexual e de classe média (Marconi 2020). Ao se valerem das possibilidades tecnológicas contemporâneas, são sujeitos que fissuram o tecido social com perspectivas micropolíticas.

Em Negrum3, temos uma modulação do espaço que é dada pelo corpo - individual e coletivo - que gera tensão e confere nova atmosfera às esferas privada e, sobretudo, pública. O filme de Diego Paulino se inicia enquadrando Eric Oliveira, artista e performer, uma pessoa que podemos ler como um corpo estranho (Louro 2004). Um corpo não conforme, em cima de um palco repleto de objetos cênicos, que se exibe desnudo diante de um espelho quebrado conforme se cobre com roupas e maquiagens estilizadas. Um corpo oprimido por diversas vozes que falam alto, balbuciam, gritam, sobrepõem-se em off, compondo um ruído julgador e ensurdecedor que afeta o ambiente e o corpo em quadro. Ao se olhar no espelho, o corpo parece ter dificuldade de se ver diante das rachaduras no vidro (imagem 1). Performa, executa uma coreografia que parece reagir aos sons que o oprimem. Porém, esse mesmo corpo se coloca em outro devir conforme sai daquele proscênio e adentra outros cenários, abre caminho para outras sequências no filme e, por conseguinte, para a possibilidade de novos regimes afetivos e aberturas para universos sensíveis.

Imagem 1. Eric diante do espelho quebrado

Fonte: Negrum3, 2018. 

Quando Eric Oliveira revela seu corpo negro, gordo, afeminado, maquiado, em trajes bufantes pelas ruas de São Paulo, não temos apenas uma sensibilidade dissidente encenada, mas uma realidade material que se defronta com os espaços públicos da cidade, que é olhada pelas pessoas, chama a atenção da população, gera ruído por onde passa (imagem 2). Disputa não apenas o sensível, mas convida à disputa pelo espaço. Seu corpo estranho não está mais sozinho: ele sobe a escada rolante de uma estação de metrô, anda de trem junto a outras pessoas. Sua aparência, adornada com peruca, maquiagem, roupa extravagante, atrai olhares por onde passa. Não apenas chama a nossa atenção espectatorial, mas também a atenção dos outros corpos em cena - usuários de transporte público, habitantes da cidade, pessoas “normais” que também são enquadradas pelo filme, que não deixa de explorar a tensão presente. O corpo de Eric não passa isento nos espaços onde se localiza. Mobiliza um sutil conflito que faz dele vetor de mudança nos espaços em que se insere. Tais ruído e tensão não são arbitrários, carregam em si uma história social de opressão e violência, que aqui se fazem sutis, são temporariamente suprimidos pela própria presença da câmera e do aparato cinematográfico. Contudo, apesar de suprimidos, não são silenciosos, manifestam-se na distribuição dos corpos, nos olhares de estranhamento que parecem revezar entre espanto, curiosidade e desdém. Eric, por sua vez, sempre em posição frontal, não tira os olhos do quadro e de nós. Encara-nos como quem partilha com o espectador o desafio e as sensações de ser um corpo estranho presente no espaço público (imagem 3).

Imagem 2. Eric olhada em espaços públicos

Fonte: Negrum3,2018. 

Imagem 3. Eric olhada em espaços públicos

Fonte: Negrum3,2018. 

Eis uma característica marcante nesse filme: como o corpo estranho - tanto individual da personagem descrita quanto coletivo das personagens que se apresentarão em sequência -, ao produzir tensão com sua presença, é vetor de uma espacialidade outra que se imagina e se constrói. Logo em seguida à sequência de caminhada de Eric, temos uma virada: seu encontro com outras pessoas e corpos dissidentes, aqui encenado em um grande festejo no centro da cidade, à luz do dia (imagem 4). O andarilho corpo estranho se reúne, enfim, com outros corpos nos quais finalmente pode se ver e reconhecer: corpos pretos e LGBTQIA+ que, coletivamente, ocupam um espaço público. E, desse espaço público, materializado por uma praça do centro da cidade de São Paulo, outros espaços ocupados por esses corpos começam a surgir no filme. Espaços que se desidentificam, reconfiguram-se em “espaços pretos”, como manifesta o filme. Ou PretEspaços, tomando de empréstimo termo de Kênia Freitas (2020).

Imagem 4. Multidão cuir no espaço da cidade

Fonte: Negrum3,2018. 

No momento em que surge o título Negrum3 - que apresenta um jogo linguístico com a palavra “negrume”, que significa escuridão ou agrupamento de nuvens negras -, o filme segue para a conclamação, animada pela voz do performer Félix Pimenta, do “Manifesto pelo espaço preto” (imagem 5). Os espaços opressivos gradativamente passam a se converter em espaços coletivos vibrantes e cada vez mais estilizados, coloridos, intangíveis e à parte dos do “mundo real”. Espaços que, consequentemente, tendem a diluir a tensão entre corpos que vimos ao início do filme - nas cenas em que o corpo de Eric perpassa sozinho o transporte público - e a construir espaços imaginados em que essas “nuvens negras” se aglomeram e podem existir de forma ampliada, regida por outras normas. Ou por “normas outras”, normas do outro, do sujeito da alteridade. Normas que, possivelmente, ainda não instituímos, denominamos ou conhecemos, mas podemos vislumbrar e sentir.

Imagem 5. Corpos pretos e dissidentes interpelam o espectador

Fonte: Negrum3,2018. 

Os rostos que encaram são os mesmos rostos que abrem a boca para verbalizar seu protesto. A boca que fala, mas que também sorri quando os corpos se encontram e festejam, em sua materialidade ajuda a contar uma história de silenciamento histórico. Relembra-nos da preta Anastácia, forçada a usar um tapador na boca que a emudecia (Hupe 2016). A territorialização da boca como lugar interdito de fala - e, por conseguinte, de escuta - é a marca do colonizador por sobre o corpo negro, que garante a fala colonial do sujeito branco e a consolidação de seu discurso como verdade, uma vez que discursos contrários estariam calados (Mombaça 2015). Ao reler a questão do silêncio subalterno (Spivak 2010), Jota Mombaça nos diz que determinados corpos, cuja voz foi historicamente reprimida, agora criam remodelados mecanismos de fala para forjar outra resposta à pergunta de Spivak: pode o subalterno falar? Ou seja, desenvolver formas de descolonizar a escuta para fazer com que as vozes de sujeitos subalternizados possam ser ouvidas. O regime colonial territorializa a boca como lugar de tortura e silenciamento, enquanto a heterossexualidade compulsória territorializa o ânus como lugar de excreção e não prazer (Mombaça 2015). Territorializações arbitrárias do corpo para as quais esse cinema busca entregar novas experimentações que, cheias de prazer, desenquadram esse corpo, demonstram usos desobedientes e inventivos dele, e desestruturam a narrativa colonizadora.

Negrum3 encena, ao mesmo tempo, a crítica política e a festa. Uma imanente à outra, não estão em oposição. É através da alegria (Sodré 2006) que se concebe a política da imagem (Marconi 2020), a estética inerentemente política. Por meio da dança e da festa, que em seu ritmo reelaboram o espaço e modificam, mesmo que momentaneamente, as hierarquias sociais. Estimulam o poder expressivo do corpo ao ponto de produzir imagens próprias de liberação e autorrealização (Sodré 2021). É um filme que, embora com registros documentais, deliberadamente ultrapassa o realismo e a política de representação e finca-se na potência do regime estético e da estilização afrofuturista.

Apesar de ser um gênero que flerta com a ficção científica e especulativa, o afrofuturismo nos informa sobre o passado e o presente de corpos negros na realidade do mundo social (Freitas e Messias 2018; Womack 2015). Conta-nos sobre a violência, o encarceramento em massa e as mazelas cotidianas da população negra diaspórica, essa que, mesmo com o silenciamento de suas vozes e o apagamento de suas histórias, é capaz de reconstruir passados, forjar genealogias, vislumbrar futuros possíveis por meio das narrativas e das imagens. Como nos diz Ytasha Womack (2015), autora essencial do afrofuturismo, a ausência de imagens do passado é ponto importante para a livre criação. Negrum3 se vale disso e encena um presente que, performado com roupagens futuristas, vislumbra um tempo e lugar no qual os corpos dançantes em cena existirão, estarão vivos, superarão as violências de nosso mundo. Pois, se é possível vislumbrar um futuro negro, é porque o sujeito negro - e cuir - estará aqui para viver o futuro e dançará nele. Ou é isso, ou não haverá futuro (Freitas e Messias 2018).

É numa equilibrada síntese de narrativa de denúncia e tessitura estética que Negrum3 se apresenta como exemplar de uma produção artístico-cultural que, sendo veementemente política, não se iguala ao “canônico” cinema político brasileiro realista e naturalista, realizado por cineastas majoritariamente brancos e de classe média alta (Marconi 2020). Seu caráter é político também pelo fato de imprimir na forma o estilizado, o artificial, o que é geralmente tido como frívolo ou menor e que, justamente por isso, remexe esteticamente e promove mudanças no olhar e no sensório, reenquadrando o que é político ao promover a captura de “‘desmedidos momentos’ em que bichas, negros e travestis estão apenas existindo e sendo lindas” (Marconi 2020, 151).

A partilha afetiva evocada em cena pode ser lida como uma experiência de reconhecimento. O espectador projeta no objeto que frui as suas expectativas, numa relação de identificação e reconhecimento. A interpretação envolve, portanto, um jogo entre ipseidade e alteridade, de ir ao encontro do outro em uma relação de interação sensível entre autor e espectador. E isso se dá na perspectiva de que a percepção sensível do espectador - pensado como “espectador emancipado”, conforme define Rancière (2012) seja também transformadora. Compreendemos que o reconhecimento do eu passa, necessariamente, por reconhecer o outro. Quando trazida para o plano das relações sociais, das interações entre pessoas que vivem numa sociedade plural tomada por diferenças, essas dimensões do reconhecimento demonstram que o outro carrega em si também uma identidade de um eu. O outro traz consigo a condição de ser um indivíduo, e, nessa condição, ele se faz idêntico ao eu e deve, portanto, ser pensado numa relação especular, numa relação de speculum, de espelhamento. É como se eu olhasse para mim mesmo, embora esteja olhando para esse outro, diferente de mim.

Como nos propõe Paul Ricoeur em O si-mesmo como um outro (1991), pensar o outro como um eu implica reconhecer que o eu carrega em si tantos outros, tanto quanto reconhecer o eu existente no outro e, assim, reconhecer-se a si mesmo. Aqui, temos uma chave de compreensão que se trata de mais do que entender o outro. Trata-se de compreender que ele também tem a mesma condição humana de se afirmar como um eu. Os outros que o eu traz consigo podem ser aqueles que o antecederam, seus ancestrais, suas raízes étnico-culturais. Podem ser aqueles com os quais esse eu convive no tempo presente, com quem aprende e se reconhece. Mas podem ser também aqueles que virão, mas que se carrega nas expectativas, nas esperanças em relação ao futuro. Algo que, no caso de Negrum3, aponta uma perspectiva afrofuturista. Assim se dá o “percurso do reconhecimento”, como nos sugere Ricoeur (2006), ao articular identidade, ipseidade e alteridade.

Podemos pensar a experiência estética, dada na interação entre o objeto estético e a percepção estética como uma experiência não só especular, mas também espetacular. O espelhamento em referência à relação entre o espectador e a obra, num processo de projeção de expectativas que ele traz consigo e que também são refletidos e compartilhados com suas comunidades de apropriação. E essa relação especular pode ser espetacular uma vez que o reconhecimento pode se transformar em performances recriadas pelos espectadores. A experiência estética, assim, extrapola sentidos contidos na narrativa, é percebida sensivelmente e transformada em manifestação. As apropriações que o eu faz ao se deparar com narrativas, que geram produção de sentidos, não são apenas um exercício técnico de traduzir palavras, imagens, sonoridades, mas também são processos nos quais a experiência do reconhecimento se dá. A produção de sentidos da obra está presente na poiesis, no movimento enunciado pelo autor, mas só se faz completa na aisthesis, na experiência do espectador, esta que vai além da decodificação do que foi materializado no objeto estético e se aprofunda na percepção sensível, que envolve o espectador em seu lugar social. E isso se dá como sensibilidade compartilhada com comunidades de apropriação e reconhecimento. Como nos ensina Eliseo Verón (2004), a produção de sentidos implica duas gramáticas, a da produção e a do reconhecimento, que se dá no confronto entre o objeto estético e a percepção estética, nos tensionamentos entre a obra e seus espectadores. Acreditamos, portanto, que um desdobramento entre produção e reconhecimento possa abrir “universos sensíveis” nos quais seja possível forjar uma ideia de paz cuir por meio da estesia. Graças a uma “comunicação sem anestesia” (Barros 2017), podemos ser mexidos enquanto espectadores. Podemos ser retirados de zonas de conforto e estabilidade e ser desafiados a entrever, por meio do outro e do reconhecimento do eu nesse outro, novas formas de vida possíveis.

No caso de Negrum3, a experiência estética daqueles que partilham desse eu que é visto como o outro da sociedade - sujeitos negros, LGBTQIA+ -, ao ter contato com o filme, têm também uma experiência de reconhecimento. Porém, assistir ao filme partindo de outras perspectivas, como a perspectiva de um eu espectador que não carrega em si essas marcas de identidade, este poderia se reconhecer, compreender sua ipseidade; compreender a condição de diferença não como uma negação do outro, mas como o reconhecimento do direito à existência dessas identidades diferentes. Assim, o movimento de produção de sentidos incorpora, necessariamente, o que é a relação de alteridade: do reconhecimento do eu no outro. Tal movimento permite com que esse eu, mesmo que não faça parte daquela identidade, também se reconheça num jogo de empatia de se colocar no lugar do outro e perceber que aquilo tudo é legítimo, que aquelas manifestações são legítimas e que devem tirar esse eu de uma posição passiva e anestesiada (Barros 2017). Por isso reiteramos a importância de se pensar uma comunicação sem anestesia, que perturbe as distribuições do sensível, retire os sujeitos de um lugar de estabilidade e produza um sensus communis que se faça um sensus commun(al)is, “um sentimento de estar-com-os-outros”, como nos sugere Herman Parret (1997, 178).

A estética, pensada no âmbito das relações sociais, não se faz monolítica. Pelo contrário, são justamente as diferenças, os dissensos e as disputas estéticas que podem remexer na realidade social; que podem enunciar novos modos de fazer política. É por esse caminho que Negrum3 - bem como outras narrativas dessa crescente produção artístico-cultural cuir - nos desafia, e é também por esse caminho que vale a pena explorar a experiência estética além de uma experiência de “construção da paz” ou de luta pela paz: “tais narrativas se apresentam como experiências estéticas, no sentido fino de estesias partilhadas, e podem nos ajudar a perceber que carregamos outros em cada um de nós e que existe um eu em cada outro com o qual compartilhamos nossa caminhada no tempo” (Barros e Freitas 2018, 118).

Tomando o ensejo das disputas estéticas, entendemos também o caráter produtivo de partilha presente em Rancière (2005). Partilha enquanto compartilhamento - comunhão e celebração - e enquanto cisão, enquanto fissura entre partes. Quando enuncia a partilha do sensível, o autor fala de partilha enquanto compartilhamento e divisão, concomitantemente. O sensível compartilhado, mas também cindido, em uma comunidade distribuída de forma conturbada. A ideia de alteridade não deve ser confundida com uniformidade e, nem ao menos, com a de isonomia. Quando Paul Ricoeur propõe que pensemos o si-mesmo como o “ser em comum”, não se trataria, portanto, do entendimento em comunidade, mas do dissenso como algo produtivo. É no dissenso que podemos encontrar formas de resistência que perturbam o mundo comum, que podem alterar e redefinir o que é o comum em uma comunidade. E esse “comum” passa menos por formas de ser - que tenderiam a suprimir singularidades, homogeneizar e assimilar diferenças - e mais por formas de fazer, ou formas de “aparecer em comum”, bem como o que vemos na atitude dos sujeitos em Negrum3.

Uma apreensão cuir da sociedade deve insistir no caráter fragmentário desta, evidenciando-o, torcendo-o. Negrum3 e sua multidão dissidente (Preciado 2011) não temem expor os rasgos que fundamentam as subjetividades e a materialidade das vidas em cena, que servem de base à relação daqueles corpos com os espaços sociais que ocupam. É um filme que torna a tensão em performance. Os sujeitos em cena são os mesmos tipos de sujeito que preenchem os dados de violência e morte no Brasil. São sujeitos que, inclusive, provocam-nos sobre esse fato em suas performances. Mas, em vez de se disporem ao acolhimento social e se moldarem a uma forma de “ser em comum”, eles optam pelo “aparecer em comum”, por carregar consigo suas singularidades incômodas, seus corpos que resistem a qualquer controle ou domesticação. Ao fazerem isso, reivindicam um espaço seu, espaço que é encenado, coreografado, mas que aponta para o espectador, para o lado de fora da tela uma existência que dê conta de sua materialidade exatamente como ela é, em toda sua complexidade e diversidade.

Uma política cuir não age para alcançar entendimento ou consenso, mas sim para evidenciar as fraturas na partilha do mundo comum, o desacordo dado entre a distribuição das vozes e dos espaços. Uma possível “paz cuir”, portanto, deveria ser ensaiada por esses termos. Negrum3 se manifesta por um espaço de liberdade, mas, ao imaginá-lo, ele briga por esse espaço. A paz de um ponto de vista cuir - em toda sua radicalidade - é uma paz que não é esperada, mas disputada. É uma paz pouco afeita a negociações castradoras e condizentes com formas de saber e poder dominantes. No domínio da experiência estética, percebemos em Negrum3 uma provocação e convite à imaginação de como sujeitos dissidentes podem constituir narrativas de si, podem desenhar suas próprias experiências no mundo sem se deixar podar.

Nessa perspectiva, a experiência estética proposta no filme tende a provocar um abalo no espectador, que sai de sua zona de conforto e é obrigado a pensar o seu eu em relação com o outro. E, como argumenta Judith Butler (2019, 92) em suas leituras de Lévinas, “o ‘eu’ descobre que, na presença de um outro, ele entra em colapso. Não conhece a si próprio; talvez jamais conhecerá”. Mais adiante, na mesma obra, ela fala da importância de se “relatar a si mesmo”. Butler (2019, 106-107) nos lembra que “contar a história de si mesmo já é agir, pois, contar é um tipo de ação”. Como afirma a autora, trata-se de “uma ação voltada para o outro, bem como uma ação que exige um outro, na qual um outro se pressupõe. O outro, portanto, está dentro da minha ação de contar”. Essa busca do ser pelo outro pode ser vista como uma estratégia sensível de construção da paz.

Se a experiência estética pode oferecer uma paz cuir, esta certamente não seria uma paz que entrega de prontidão soluções prontas para o uso aos problemas materiais de nosso presente; todavia, seria uma paz que, paradoxalmente, denunciaria as incongruências de uma paz consensual e regida institucionalmente. Uma construção da paz cuir deve dar conta de apontar e decompor técnicas de controle; demonstrar a faceta intrinsecamente excludente da paz liberal que atende aos interesses do mercado globalizado e das metrópoles do capitalismo; repensar a partilha do mundo comum sem a domesticação dos corpos e dos desejos. Uma construção da paz que, novamente se valendo de um paradoxo, deve lançar mão da disputa, do enfrentamento não pacífico. Enfim, uma construção da paz cuir teria de se erigir das margens da micropolítica e criar estratégias para galgar a macropolítica. A sensibilização de sujeitos e a experiência estética poderiam ser uma dessas estratégias (Sodré 2006).

Exploremos o que esses pontos de vista desviantes podem nos ensinar a construir em termos de paz.

Considerações finais

A construção de uma paz cuir, de uma paz vinda de perspectivas especificamente dissidentes, é matéria instigante que nos desafia. Por isso, justamente, a tentativa de problematizar o estatuto dessa paz é algo relevante; observar seus limites, seus entraves epistemológicos e sociais. O cuir, enquanto teoria e política críticas e desconstrutivas à sociedade e à cultura, dificilmente pode ser comportado por uma paz implementada e divulgada por agendas políticas de Estado, e salientar isso se faz fundamental para criticar apreensões institucionalizadas a respeito da paz.

Mais que uma paz passiva, devemos buscar a práxis de uma paz que se conquista com sensibilidade partilhada e força política, como expressão de insurgência e com a emergência de pessoas que são negadas pelos binarismos dicotômicos dos grupos que se mantêm no poder graças a uma afirmação colonizadora que sustenta raça e gênero como “instrumentos de classificação hierárquica e como padrões de poder”, como denuncia Walsh (2013, 26).

Às vidas LGBTQIA+ na contemporaneidade cabe a negociação, que mesmo produtiva, possui muitos entraves e limites, como comentamos. Mais que isso, cabe a resistência, como expressão de (re)existência, como propõe Walsh (2013). Cabe investir na alteridade contra o “alterocídio”, de forma que se possa conquistar o direito de viver sem a ameaça constante da morte. Em paz. E essa luta se faz sem anestesia, articulando estética e política. Como nos desafia Herman Parret (1997, 197), é preciso “socializar o sensível e sensibilizar o social”.

Essa articulação entre estética e política nos permite compreender as produções artístico-culturais como instância habilitada de atravessamento, extrapolação e inventividade. Antes que a justiça social e o fim da violência sociopolítica sejam realidade, ela antecipa afetos mobilizados pela imaginação de um lugar e tempo melhores, e possivelmente um futuro melhor. Os atores sociais e ativistas que se apropriam do fazer artístico para lutar por suas demandas demonstram consciência do poder que o sensível tem na sociedade contemporânea, e que mobilizá-lo com fins emancipatórios é algo premente e possível. A experiência estética aqui discutida propõe uma pedagogia para sujeitos dissidentes: educa-os ao que podem viver e fazer na realidade social, de forma emancipada e sensível. Nessa perspectiva, damos ênfase à produção analisada neste artigo por acreditarmos que o campo da cultura - e, por conseguinte, do sensível - é chave de análise fundamental para se compreender a sociedade, seja no plano da infraestrutura, seja no da superestrutura social. Nessa articulação entre o sensível e o político, podemos compreender caminhos a serem tomados, embora muitas vezes essa articulação seja deixada de lado pelas ciências sociais e políticas. Abarcar a análise cultural e estética não apenas pode enriquecer debates nessas áreas, como também pode ajudar a compreender o que os sujeitos sociais, por si próprios, têm a dizer e mostrar sobre o mundo que desejam e a paz que esperam nele encontrar. Esse exercício é encontrado em Negrum3.

O curta-metragem de Diego Paulino não apenas intenta, dentro do recorte racial que propõe, abarcar a maior quantidade de grupos e identidades possíveis na sigla LGBTQIA+ - com pessoas não binárias, trans, travestis, lésbicas, entre outros -, como também reivindica uma forma própria de paz, contribuindo para os debates e políticas que levem à construção da paz e, mais especificamente, de uma paz cuir. E faz isso na medida em que imprime em sua cena demandas específicas, demandas notadamente silenciadas na sociedade e relegadas a espaços estreitos na macropolítica do Estado. Negrum3 verbaliza e estetiza tais demandas, que dançam e performam um modo próprio de enfrentamento, o qual, ao valer-se da denúncia das inadequações sociais e das “falsas promessas” de uma paz consensual, acolhe o dissenso como prática política e estética para promover formas de vida melhores aos corpos e sujeitos retratados. Por mais que, como qualquer produto cultural, Negrum3 não consiga representar toda a complexidade de sujeitos e identidades LGBTQIA+ - esses que podem, devem e são representados em outras produções culturais no Brasil, de maneira crescente -, trata-se de um filme que se impõe como bom exemplo de experiência estética que também é, necessariamente, política. Experiências como essa podem erigir, no campo da cultura e, através dela, da política, possíveis “ensinamentos” para a vida em sociedade.

Talvez, desses “ensinamentos”, que identificamos em Negrum3 - e pretendemos identificar em outras produções culturais em trabalhos futuros -, nasçam formas de agir que eventualmente concretizem ações ante a construção de uma paz cuir.

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*O artigo submetido tem como procedência parte das pesquisas empreendidas pelo Grupo de Pesquisa MIDIAisthesis, em diálogo com resultados parciais da pesquisa de doutorado do pesquisador Luiz Fernando Wlian, que atualmente executa, junto à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp, Brasil), projeto de pesquisa intitulado “Estratégias sensíveis no audiovisual dissidente contemporâneo” e orientado pelo professor doutor Laan Mendes de Barros.

1 Sigla para “Gays, Lésbicas, Transexuais, Travestis e Bissexuais”, atualmente substituída pela sigla LGBTQIA+.

Citando: Barros, Laan Mendes de e Luiz Fernando Wlian. 2023. “Narrativa cuir, experiência estética e política na luta pela paz: notas sobre o curta-metragem Negrum3”. Revista de Estudios Sociales 83: 41-60. https://doi.org/10.7440/res83.2023.03

Recebido: 15 de Março de 2022; Aceito: 20 de Agosto de 2022

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