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Acta Colombiana de Psicología

Print version ISSN 0123-9155

Act.Colom.Psicol. vol.15 no.2 Bogotá Jul./Dec. 2012

 

ARTÍCULO

O SIGNIFICADO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PARA ADOLESCENTES PRIVADOS DE LIBERDADE1

EL SIGNIFICADO DE LAS MEDIDAS EDUCATIVAS PARA LOS ADOLESCENTES PRIVADOS DE LIBERTAD

THE MEANING OF SOCIO-EDUCATIONAL MEASURES FOR YOUNG OFFENDERS DEPRIVED OF THEIR FREEDOM

LUANA ALVES DE SOUZA a, LIANA FORTUNATO COSTA b
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, BRASIL

a Mestre em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília. Assistente Social da Secretaria de Ação Social do Governo do Distrito Federal. Quadra 02, conjunto A 4, bloco 1, apartamento 107, Sobradinho-DF, Brasil - 73015-128. luana.alvessouza@gmail.com.
b Psicóloga, Terapeuta Familiar, Psicodramatista. Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Programa de Pósgraduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília. PSICC/IP/Universidade de Brasília - Campus Universitário Darcy Ribeiro - Brasília, DF, Brasil- 70910-900. lianaf@terra.com.br


Recibido, diciembre 8/2011
Concepto evaluación, noviembre 13/2012
Aceptado, noviembre 27/2012

Resumo

O presente estudo objetiva apresentar o significado que os adolescentes atribuem à medida socioeducativa de internação e às medidas socioeducativas cumpridas anteriormente à internação. A pesquisa qualitativa abordou três adolescentes, com idades entre 17 e 19 anos, que cumprem a internação no Centro de Integração de Adolescentes de Planaltina (CIAP), DF, Brasil. Os instrumentos utilizados foram: a observação participante, o diário de campo e entrevistas semiestruturadas. Para a interpretação dos dados, foi utilizada a análise de conteúdo na construção de núcleos de sentido. As medidas socioeducativas são significadas pelos adolescentes como sem importância para suas vidas, exceto a internação, por ser a única medida que consegue provocar "alguma coisa", seja raiva, revolta ou sentimento de injustiça. Em geral, a internação é concebida de modo paradoxal, ao mesmo tempo em que restringe a liberdade, um direito fundamental, ela garante aos adolescentes o mínimo de proteção que as demais medidas não conseguem.

Palavras-chave: adolescência, adolescente infrator, medidas socioeducativas


Resumen

El presente estudio tiene como objetivo presentar el significado que los adolescentes confieren a la medida socioeducativa de internación en una correccional de menores y a las medidas socioeducativas cumplidas anteriormente a dicha internación. La investigación cualitativa estuvo dirigida a tres adolescentes, de edades entre 17 y 19 años, que cumplen la medida de internación en el Centro de Integración de Adolescentes de Planaltina (CIAP), Distrito Federal, Brasil. Los instrumentos utilizados fueron: observación participante, diario de campo y entrevistas semi-estructuradas. En la interpretación de los datos, se utilizó el análisis de contenido para la construcción de núcleos de sentido. Los adolescentes perciben las medidas socioeducativas como poco importantes para sus vidas, a excepción de la medida de internación, por ser la única que puede causar "algo" en ellos, ya sea rabia, ira o sensación de injusticia. En general, la internación ha sido concebida de manera paradójica, pues además de restringir la libertad, un derecho fundamental, garantiza una protección mínima a los adolescentes, algo que las otras medidas no logran.

Palabras clave: adolescencia, adolescente infractor, medidas socioeducativas


Abstract

This study aims to present the meaning that adolescents give to the socio-educational measure of being sent to a juvenile correctional and to the measures taken before such placement. The qualitative research was carried out with three adolescents aged between 17 and 19, who serve the measure of placement in a youth correctional at the Centro de Integração de Adolescentes de Planaltina (CIAP, for its Portuguese acronym), DF, Brazil. The instruments used were: participant observation; field notes and semi structured interviews. Data were processed using content analysis for the construction of meaning nuclei. The socioeducational measures are perceived by the adolescents as unimportant to their lives, except the correctional service, which is regarded as the only one that can provoke "something" to them such as anger, annoyance or sense of injustice. In general, the correctional placement has been conceibed in a paradoxical manner since in addition to restricting freedom -a fundamental right- it guarantees a minimal protection to the adolescents, which other measures cannot achieve.

Key words: adolescence, youth offender, socio-educational measures


Introdução

O presente artigo tem como objetivo investigar qual o significado que os adolescentes, que estão em cumprimento de medida de restrição de liberdade, atribuem a essa medida socioeducativa de internação e às medidas socioeducativas que foram aplicadas e cumpridas anteriormente à internação. A pesquisa foi realizada em uma unidade de internação no Distrito Federal, Brasil, e todos os adolescentes respondentes estavam em internação nessa unidade. As medidas socioeducativas são aplicadas quando verificadas situações nas quais o comportamento do adolescente assume uma tipologia de crime ou contravenção penal, conforme previsto no artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (1990). É de se grafar que as medidas socioeducativas não têm natureza de pena, de punição. Este entendimento está pautado no 4º Princípio Fundamental das Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil, Diretrizes de Riad, que estabelece a necessidade de "medidas progressistas de prevenção da delinqüência, que evitem criminalizar e penalizar crianças e adolescentes por uma conduta, não causando grandes prejuízos ao seu desenvolvimento" (Milano & Milano, 2004, p. 125).

Em consonância com o artigo 112 do ECA, as medidas socioeducativas que poderão ser aplicadas aos adolescentes são: a) Advertência; b) Obrigação de Reparar o Dano; c) Prestação de Serviços à Comunidade; d) Liberdade Assistida; e) Semiliberdade; e f) Internação. A Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) são medidas apropriadas para os casos residuais, em que o adolescente tenha praticado ato infracional não tão grave e necessite de acompanhamento, auxílio e orientação. Tem como desígnios estimular o convívio familiar, estruturar a vida escolar e profissional, e propiciar elementos para inserção do adolescente na própria sociedade.

A Liberdade Assistida e a Prestação de Serviço à comunidade são executadas em meio aberto, e permitem que o adolescente em conflito com a lei seja atendido dentro de sua própria comunidade. Portanto, essas medidas socioeducativas são, para muitos especialistas, a alternativa mais humana e pedagógica de se educar os adolescentes, uma vez que este processo ocorre no próprio convívio social. Entretanto, a atual situação da execução das medidas socioeducativas em meio aberto tem colaborado com a idéia de que elas contribuem para a desresponsabilização e para a impunidade dos adolescentes autores de atos infracionais, ao passo que os serviços estão estruturados, em sua maioria, precária e desarticuladamente.

Em 2011 foi realizada uma pesquisa para traçar o Perfil do Adolescente Infrator no Distrito Federal (Relatório de Pesquisa, 2011). Essa pesquisa, na qual 500 adolescentes foram os respondentes, mostrou que 90% dos adolescentes é do sexo masculino; que a idade concentrada dos atos infracionais é aos 17 anos; que roubo (22%) e tráfico de drogas (15%) são os delitos cometidos em maior quantidade; e que 52% dos atos delituosos são considerados graves.

No que tange às medidas socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade) e meio fechado (internação, internação provisória e semiliberdade), o quadro abaixo mostra o quantitativo de adolescentes inseridos em cada modalidade de execução.

Por meio da tabela 1 é possível perceber que 66% dos adolescentes em questão estão em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto e 34% em meio fechado. Em relação ao Distrito Federal, 1.423 adolescentes estavam inseridos em medidas socioeducativas em 2004, o que corresponde a 3,6% do quantitativo total no Brasil. Destes 1.423 adolescentes, 37% estavam em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto e 63%em medida socioeducativa em meio fechado.

Outro levantamento da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente/SEDH de 2008 aponta informações quantitativas atualizadas sobre execução da internação provisória e das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade existentes no país. Segundo o levantamento, em 2008 o total de adolescentes inseridos em medidas socioeducativas em meio fechado era de 16.868 adolescentes, ou seja, cerca de 20% a mais que em 2004. O Distrito Federal aparece entre os dez estados com maior população de internos no Brasil.

Consideramos a adolescência em sua multiplicidade, uma vez que corresponde a uma fase repleta de diversas experimentações, nas quais o adolescente procura maneiras de apropriar-se de si e, consequentemente, de seu corpo. Tais maneiras estão estreitamente relacionadas aos contextos familiares, sociais e culturais aos quais os adolescentes estão inseridos (Carreteiro, 2010). Agregamos a essa conceituação o ponto de vista de Machado (2003), que considera crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em relação ao mundo adulto; são sujeitos de direitos em suas relações com a família, a sociedade e o Estado. Mesmo que a experiência de países de primeiro mundo se mostre muito distante de nossa realidade, as publicações (Calhoun, Glaser & Bartolomucci, 2001; Ward, Gannon & Birgden, 2007; Woolfenden, Williams & Peat, 2009) defendem a necessidade do reconhecimento dos direitos humanos especialmente para esses sujeitos adolescentes em conflito com a lei, e a necessidade de serem realizadas intervenções conjuntas reunindo os recursos do meio jurídico, do institucional, do familiar e do comunitário, na intenção de prevenir as reincidências do ato infrator. Volpi (2001) e Paiva (2007) alinham-se com essas preocupações.

Fundamentação Teórica

A fundamentação teórica deste trabalho está pautada na perspectiva sistêmica defendida por Esteves de Vasconcellos (2002), ou seja, a compreensão dos fatos analisados levará em consideração os três pilares do novo paradigma da ciência, quais sejam, o pressuposto da complexidade, pois o fenômeno estudado é compreendido dentro de um contexto; o pressuposto da instabilidade, já que o sistema sofre alterações no decorrer do tempo; e o pressuposto da intersubjetividade, uma vez que também consideramos a percepção dos adolescentes sujeitos da pesquisa, considerando assim outras descrições do fenômeno.

Com base nessas premissas, é que conceituamos a adolescência enquanto categoria fundamental deste estudo. Nos termos do ECA (1990), marco legal deste trabalho, adolescente é o sujeito com idade entre 12 e 18 anos incompletos. Assim, compreendemos a adolescência como uma fase caracterizada por grandes mudanças e transformações de diversas naturezas, que considera de extrema importância o contexto no qual ocorre.

Nessa lógica, Marcelli e Braconier (1989) esclarecem que não existe um modelo único capaz de explicar a adolescência. Logo, a compreensão mais fidedigna do que é a adolescência deve considerar quatro modelos principais que a descrevem, quais sejam: o modelo fisiológico (que trata das mudanças no corpo, com ênfase ao período da puberdade); o modelo sociológico e ambiental (que considera o contexto social, familiar e cultural do adolescente); o modelo psicanalítico (que abarca questões identificatórias e a relação da pulsão genital na personalidade) e, por fim, o modelo cognitivo (que considera as modificações na função cognitiva).

No campo jurídico, Machado (2003) pondera que o texto constitucional considera crianças e adolescentes pessoas humanas em peculiar condição de desenvolvimento, ou seja, que ainda não desenvolveram completamente sua personalidade, sendo essa uma característica intrínseca à sua condição de seres humanos ainda em processo de transformação, sob todos os aspectos; físico, psíquico, intelectual, moral, social etc.

Nosso objetivo é trabalhar apenas a significação das medidas para os adolescentes, contudo não podemos desconsiderar que estes compõem um sistema familiar. Assim, a existência de um adolescente em conflito com a lei significa um aviso de que existem problemas no sistema, pois o adolescente é intensamente afetado pelo contexto familiar e também afeta o contexto do qual faz parte (Fishman, 1989). Mas não somente no sistema familiar. Para além da discussão sobre adolescência e família, há de se considerar essa relação num contexto mais amplo, ao qual estão inseridas as instituições, as questões sociais, por exemplo. Compreender essa relação entre micro e macro nos permite realizar uma abordagem mais próxima da realidade e, com maior possibilidade de solução dos problemas. Em especial no Brasil, é necessário apontar que os "pedidos de socorro", clamados por esses adolescentes, dizem respeito às condições sociais extremamente desfavoráveis que cercam grande parte da população jovem (Conceição, 2010; Penso, Conceição, Costa & Carreteiro, 2012).

Ao compreender a influência dos sistemas sociais mais amplos é que Segond (1992) aponta que, por ser um subsistema dentro da sociedade, "(...) esta mesma exerce sobre a família, direta ou indiretamente, violências que não são simplesmente erros, mas que também podem ser quase institucionalizadas" (pp. 442-443). Todavia, é fundamental o olhar sobre a realidade social à qual os adolescentes em conflito com a lei e suas famílias vivem. Por se tratar de adolescentes em situação de internação, encontramos em Goffman (1996) algumas ponderações importantes a respeito do aspecto institucional, pois o autor coloca que a prisão é uma das instituições totais, e estas são um híbrido social, parcialmente comunidade residencial, parcialmente organização formal. Além disso, o autor considera que, em nossa sociedade, tais instituições "são as estufas para mudar pessoas; cada uma é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu" (p. 22). O autor também pondera sobre o mundo do internado, perspectiva relevante para este estudo, uma vez que os sujeitos são os adolescentes em situação de internação estrita. Conhecer o significado dado à medida de internação pelos adolescentes visa dar voz a esses sujeitos em uma perspectiva política, e poder oferecer recursos aos órgãos públicos que são responsáveis pela execução da medida.

Método

A pesquisa foi realizada no Centro de Integração de Adolescentes de Planaltina (CIAP), uma das unidades de execução da medida socioeducativa de internação estrita2, pertencente à Secretaria de Estado da Criança do Distrito Federal.A unidadetemcapacidade para atender 80 adolescentes, apenas do sexo masculino, residentes em áreas próximas. A Unidadecontacom a direção e duasGerências, uma de Segurança, ondeestão os atendentes de reintegração social (ATRS), e outra Socioeducativa. Dentro da Gerência Socioeducativa estão situados cinco núcleos de atendimento, quaissejam: Núcleo Sociopsicopedagógico (contacom 04 assistentessociais e 07 psicólogos), Núcleo de Ensino (possuiprofessores e técnicos administrativos), Núcleo de Saúde (possuiuma psicóloga, duas técnicas de enfermagem e os médicos comparecerem semanalmente para atendimentos), Núcleo de esporte e lazer (possuiuma pedagoga e dois educadores para desenvolvimento das atividades) e Núcleo de Profissionalização (contacom 01 assistente social, 01 pedagogo e 05 educadores que desenvolvem as oficinas).

Os participantes da pesquisa foram três adolescentes (os nomes são fictícios) que estão em cumprimento da medida socioeducativa de internação estrita e que já cumpriram anteriormente outras medidas socioeducativas.

Alan, Breno e Carlos foram os adolescentes que se dispuseram a participar da pesquisa. Os dois primeiros possuem 17 anos e Carlos, 19. Alan e Carlos residem em Planaltina, cidade a 5 km do Centro de Internação. Breno mora em Sobradinho, outra cidade satélite distante 15 Km do Centro de Internação. Os contextos de moradia desses adolescentes são considerados locais de violência, marcados pela disputa de território entre "gangues". No Distrito Federal, essas localidades constituem-se em um lugar físico e social em que estão cristalizados os problemas de exclusão, violência e sofrimentos sociais. Sobre a vida institucional desses adolescentes, na época da entrevista todos estavam na unidade de internação há mais de seis meses, após terem cumprido medida em meio aberto ou semiaberto. Apenas Carlos já estava há mais de um ano, foi para lá assim que a instituição foi inaugurada. As entrevistas foram direcionadas com base no art. 124 do ECA, que estabelece os direitos dos adolescentes privados de liberdade, com ênfase nos incisos que tratam do direito de receber escolarização e profissionalização, realizar atividades culturais, esportivas e de lazer e receber visitas, ao menos, semanalmente.

Tabela 2 3

Os instrumentos utilizados originalmente na pesquisa foram a observação participante, por permitir ao pesquisador o contato direto com o fenômeno pesquisado, propiciando informações sobre a realidade dos sujeitos em seus próprios contextos (Minayo, 1996); o diário de campo e entrevistas semi estruturadas individuais com os adolescentes, gravadas em áudio. Esses três instrumentos nos ofereceram um grande montante de informações. No entanto, cumprindo o propósito deste texto, vamos nos manter no âmbito do recorte das informações que foram retiradas das entrevistas. As informações oriundas do contexto da observação farão parte de outra discussão. Roteiro semi estruturado da entrevista: a) Identificação; b) Dados sobre a medida socioeducativa de internação (ato infracional praticado e data de ingresso na Unidade de Internação); c) Informações sobre a participação nas oficinas ( qual oficina participa, se gosta etc); d) Informações sobre o acesso a escola (frequenta a escola da Unidade de Internação? Em qual série está? Quantas vezes por semana frequenta a escola, (gosta da escola?); e) Informações sobre ao cesso à saúde (já utilizou ou utiliza algum serviço de saúde dentro da Instituição? Qual? Porque?); f) Informações sobre outras atividades ( participa de outras atividades ainda não mencionadas?); g) Informações sobre a família (com que frequência a família vêm à Unidade de Internação? Eles participam de grupos ou outras atividades desenvolvidas pela Unidade de internação?); h) Informações sobre a execução das medidas de internação (qual o significado a medida de internação tem para você? qual a importância que a medida de internação tem na sua vida? como você percebe o seu comportamento no cumprimento da medida de internação?); i) Informações sobre a execução da medida socioeducativa aplicada anteriormente (qual o ato infracional que gerou a medida socioeducativa aplicada anteriormente à internação? como era a execução da medida? qual o significado a medida socioeducativa aplicada anteriormente tem para você?).

Procedimentos - Após a entrada no contexto da unidade de internação, as pesquisadoras passaram dois meses observando a Oficina de Artes que proporcionou a possibilidade de entrar em contato com os adolescentes participantes da pesquisa. Os adolescentes entrevistados foram selecionados por meio da participação nas oficinas e de pesquisa às pastas da profissionalização, que continham informações sobre quais medidas socioeducativas eles haviam cumprido. Após esse período, as entrevistas foram realizadas na unidade e gravadas em áudio.

A pesquisa obteve autorização das instituições envolvidas: Vara da Infância e da Juventude do DF (VIJ/ DF) e Centro de Internação de Adolescentes de Planaltina (CIAP). Ademais, todos os participantes foram esclarecidos em relação ao objetivo da pesquisa e os respectivos responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todos os participantes foram instruídos de que sua participação seria voluntária, de que suas identidades seriam resguardadas, e que poderiam desistir sem prejuízo de sua condição de interno na unidade. A pesquisa também foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Humanas da Universidade de Brasília em 16 de dezembro de 2010.

Para análise e interpretação dos dados, foi utilizada a técnica da análise de conteúdo temática (Minayo, 1996). A proposta dessa autora para uma análise de conteúdo ressalta, no texto analisado, os temas emergentes das falas dos sujeitos, proporcionando oportunidade para serem apreendidos significados de ordem pessoal e contextual. Após a leitura das informações dadas pelos adolescentes, realizou-se uma organização processual que contemplou as seguintes etapas: a) ordenação dos dados; b) classificação dos dados e construção das categorias de análise e c) análise final. A interpretação dos resultados da pesquisa foi construída a partir da fundamentação teórica adotada e de uma vinculação estratégica com a realidade. Desse modo, foram construídos três núcleos temáticos das informações colhidas: a) Sobre a rotina, as oficinas e a escola e sua utilidade para os adolescentes; b) Sobre a significação dada à medida socioeducativa anteriormente aplicada e a medida de internação, e c) Sobre a expectativa de futuro e o que farão quando deixarem a internação. Nesse texto vamos privilegiar a discussão sobre os aspectos relativos ao principal objetivo, que é a significação dada à medida de internação.

Discussão dos resultados

Rotina, oficina e escola: "Venhopracá porque nãotenho nada prafazer".

Os adolescentes se referiram à oficina de artes como algo para ocupar o tempo ou, nas palavras de um deles, "venho pra cá porque não tenho nada pra fazer". Eles não percebem a aprendizagem obtida na oficina como uma possível forma de acesso ao trabalho. Pelo contrário, como podemos ver na fala: "Quem vai viver de fazer caixinha?". O registro da observação informa: "Eles pediram para produzir peças com miçanga, cisne e outros objetos feitos com dobradura de papel, porta-retrato, etc. Entretanto, a professora explicou que não possuía material para isso e que também não tinha habilidade para algumas atividades. Os adolescentes questionaram a professora sobre o contrato da instituição a respeito da comercialização dos produtos, pois a cada quatro caixas produzidas, uma ficava para eles e as outras três para a instituição. Eles se mostraram revoltados com esse contrato achando-o injusto, pois, para eles, deveria ser comercializado meio a meio". Temos aqui posto uma discussão sobre a objetividade da formação do adolescente em uma qualificação ocupacional que o leve, de fato, a ter condições de sobreviver por meio de uma atividade laboral, e que seja uma realização do propósito de reinserção social desse adolescente previsto no ECA (1990). Não basta a punição (Fancischini& Campos, 2005), é preciso prepará-lo para sua inserção diferenciada no meio social.

Esse contexto também nos leva a refletir sobre o que está posto na Seção VI, art. 124, inciso XI do ECA, o qual garante o acesso à escolarização e à profissionalização como direito dos adolescentes privados de liberdade. A oficina de arte tem sua importância educativa, mas os adolescentes devem ser preparados para ingressar no mercado de trabalho e não apenas terem seu tempo ocupado. Aprendendo a fazer caixinha de papel eles somente conseguirão ingressar em um mercado de trabalho informal. Por outro lado, Paiva (2007), reconhece a importância da profissionalização, mas chama atenção para o fato de que somente o investimento em programa de integração profissional não é o suficiente. Existem outros âmbitos de vida, para os quais o jovem também precisa de apoio. O jovem, principalmente, precisa de recursos práticos e concretos que o mobilize a sair das alternativas de atos infracionais. A autora defende uma bolsa de iniciação profissional, que garantiria uma quantia fixa e permanente até que ele se sentisse seguro e organizado para abrir mão do benefício.

Sobre a escola que há dentro da unidade de internação, esta foi criticada pelos adolescentes Alan e Breno. Alan disse que não gosta mesmo, alega não ter paciência e Breno acha a escola fraca perto das outras, que ficam fora do CIAP. Os dois apontaram críticas aos professores. Nas palavras de Alan: "O cara só atende a gente, o professor é uma mala, nem explica direito. Só isso mesmo" e Breno: "A escola mesmo tem professor que chega na sala, senta e fica lá, entrega o livro pra nós. Pronto. Bateu o sinal, ela pega o livro e sai fora". Já Carlos disse que a escola é boa, pois tem atividades interessantes, mas não soube dizer o que acha interessante.

A respeito da questão do trabalho e da escolarização, temos em Takeuti (2002) algumas problematizações pertinentes. A autora coloca que os jovens querem trabalhar, entretanto, o trabalho não ocupa na vida deles um valor central, ao passo que o trabalho como instrumento de poder se "inserir" de algum modo na sociedade do consumo, por exemplo, estaria acima do trabalho como valor, ou seja, como pólo de desenvolvimento e realização pessoal. De fato, o acesso ao mercado de trabalho formal está cada vez mais difícil e com a baixa escolarização fica mais restrito ainda. E, mesmo quando se consegue esse acesso, isto se dá por meio de profissões pouco valorizadas economicamente, o que não motiva esses adolescentes. Nesse sentido, vale uma crítica às oficinas ofertadas no âmbito da internação, que geralmente estão associadas a profissões pouco valorizadas.

Jacobina e Costa (2007) realizaram uma pesquisa com adolescentes em cumprimento de liberdade assistida, no qual se estudou o significado que o trabalho tinha para esses adolescentes. Foi visto que o trabalho não possuía um sentido organizacional ou social, pois a execução das tarefas não os promove a uma condição de autonomia nem oferece possibilidade de se identificarem como pertencentes a um grupo que lhes traga orgulho ou satisfação. Todavia, o estudo apontou que "existe um sentido individual inequívoco para o trabalho no qual (os adolescentes) estão engajados: a atividade ressignifica sua inserção social e familiar, além de promover outracolocação frente a sua inclusão no sistema judicial" (Jacobina & Costa, 2007, p. 109). Nesse texto, as autoras reproduzem uma fala de um adolescente que diz: aí eu não sou mais bandido. Apesar do trabalho não ter uma significação de satisfação pela execução de uma atividade, ele tem papel importante, pois leva o adolescente a outro patamar de valor, isto é, ser um trabalhador.

Questionados sobre seus comportamentos na execução da medida de internação e a relação que possuem com os profissionais, os adolescentes informaram ter bom comportamento na medida socioeducativa e, logo, boa relação com os profissionais. Entretanto, mencionaram que alguns socioeducadores querem "xerifar", ou seja, mandar demais, dar muitas ordens e reclamaram dessa relação, evidenciando a existência de uma relação conturbada.

A respeito da relação entre adolescentes e socioeducadores, Espíndula e Santos (2004) realizaram uma pesquisa cujo intuito foi identificar a representação que os socioeducadores possuem a respeito dos adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Para os socioeducadores, estes adolescentes são diferentes dos outros, pelo fato de terem cometido atos infracionais e a causa de tais práticas delituosas estaria no meio social, na família. Notou-se que os socioeducadores são descrentes quanto à recuperação dos adolescentes internos e tal descrença é justificada pela ideia de uma família desestruturada, família que não segue o modelo nuclear e termina também por ser a causa da infração do adolescente. Em suma, constatou-se que a representação social dos socioeducadores relativas aos adolescentes parece ancorar-se nas idéias de correção e de punição, base da Doutrina da Situação Regular. Mudou-se o paradigma, mas as condutas e práticas de muitos profissionais que lidam na área das medidas socioeducativas ainda perpetuam as antigas concepções.

Nessa mesma ótica, Castro e Guareschi (2007) apontam que as mais diversas falhas do Estado conduzem a um processo de subjetivação construído nas ausências e falhas e que impõem a figura do adolescente como infrator, drogado, agressivo, violento, com prognóstico reservado, irrecuperável como a única possibilidade de ser e estar no mundo. Essa situação pode ser verificada também, segundo os autores, na leitura dos processos judiciais, em que a responsabilidade da reiteração infracional recai unicamente sobre o adolescente e não na incompetência das políticas ortopédicas.

É válido mencionar que os adolescentes têm plena consciência de que o comportamento, a disciplina e o respeito às regras da instituição são elementos importantes para a decisão do Juiz sobre as saídas sistemáticas e sobre a liberação da medida socioeducativa. Isso ficou muito claro na fala de Carlos, por exemplo, "eu não dou trabalho, não. Só tranquilidade mesmo, que eu quero sair pra rua, ficar dando trabalho aqui, fica mais tempo... tem que ter o comportamento bom pra sair". Ou seja, podemos observar o que Goffman (1996) discorre a respeito do sistema de privilégios, que é composto por três elementos básicos, quais sejam: a) regras de casa: que dizem respeito à rotina do internado na instituição; b) prêmios ou privilégios que são obtidos pelo internado por meio de sua obediência às regras e à equipe dirigente; c) os castigos, que são consequências das desobediências às regras por parte dos internados.

Observamos que tudo em relação a esse sistema de privilégios gira em torno da liberdade futura. O bom ou mau comportamento e o cumprimento das regras estão associados ao tempo de permanência na instituição, por exemplo. No caso de um centro de internação, o bom comportamento dos adolescentes, a produtividade e participação deles nas oficinas profissionalizantes, a relação com a escola, por exemplo, representam indicações significativas para que eles alcancem as saídas quinzenais e, até mesmo, a liberação da medida socioeducativa, que perpassa por esse sistema de privilégios. Será que o cumprimento das regras, o bom comportamento e a participação nas atividades representam uma mudança de comportamento ou apenas são meios de se conseguir os prêmios do sistema de privilégios e, por fim, a liberdade tão almejada?

O processo de significação do adolescente sobre o período que passa em internação parece depender do que seja oferecido a ele não só como atividade, mas principalmente como oportunidade para a construção de uma experiência que possa se contrapor à vivência anterior. Nesse ponto parece que a instituição se preocupa em ocupar o adolescente mais que tudo. A questão da escolarização e da educação, como um todo, permanece contraditória como também criticam Paiva (2007) e Volpi (2001).

A significação das medidas socioeducativas para os adolescentes: "O que significa estar aqui? Nada, a não ser sair mais revoltado".

Veronese e Lima (2009) explicam que as medidas socioeducativas devem guiar-se pelo trinômio: liberdade, respeito e dignidade, sendo que a intervenção junto aos adolescentes deve ser, obrigatoriamente, pedagógica e não punitiva. Muito além de serem matriculados, inseridos em oficinas profissionalizantes ou em qualquer atividade na internação, é imprescindível trabalhar com esses adolescentes no sentido de que eles entendam o que está acontecendo com eles mesmos, porque estão cumprindo medida socioeducativa, quais são seus direitos e deveres, isto é, o aspecto pedagógico da experiência precisa ser competentemente trabalhado. Não pudemos observar nenhuma ação reflexiva no sentido de construir uma compreensão do adolescente sobre sua história ou uma tentativa de ressignificação das vivências dos atos infracionais. Essa necessidade surge de forma crítica em Paiva (2007) e Conceição, Tomasello e Pereira (2004), e de forma prática em Penso, Gusmão e Ramos (2004). Paiva (2007) confirma, em sua pesquisa, que os adolescentes não vêm utilidade na medida de internação. Conceição et al. (2004) e Penso et al. (2004) oferecem propostas metodológicas para o trabalho reflexivo com esses adolescentes.

Mas o que dizem eles sobre as medidas socioeducativas? No geral, avaliam a medida de internação como algo ruim e sempre pontuam como causa desse "algo ruim" a ausência da liberdade e a ociosidade. Para eles, a internação não serve para nada e não conseguem refletir sobre aquele momento de reclusão, pelo contrário, sentem raiva, indignação e repulsa. Os adolescentes reconhecem que estão na internação porque fizeram algo contrário à lei, mas não conseguem refletir ou dar alguma importância a essa medida em suas vidas. O adolescente Carlos que já está na internação há mais de um ano, diz que a internação serve para aprender coisas boas e sair melhor para o convívio social, entretanto, quando questionado sobre as coisas boas que a internação lhe fornece não soube dizer nenhuma, apenas soube enumerar os aspectos negativos, colocando novamente a questão da liberdade, a má qualidade da comida.

Carlos: É complicado. O significado é o seguinte: pra aprender as coisas boas, né? Tive minha liberdade, cometi um crime. Aí aqui já é pra tipo... Uns falam que saem bons, outros falam que saem piores. Mas eu estou pretendendo sair bom aí, pra voltar para a sociedade de novo, ficar tranquilo e agora. É só na tranquilidade mesmo. Importância assim não tem nenhuma, mas eu acho que deve ter as coisas boas também, né? Aqui é ruim demais. O negócio é a liberdade mesmo. Ficar com a sociedade, né? Ficar preso não é vida pra gente, não. O negócio é a liberdade mesmo.

Alan: O que significa estar aqui? Nada, a não ser sair mais revoltado. Os caras ficam presos aqui e saem mais revoltados ainda. Ficar preso é muito ruim. Aqui o cara só passa raiva. Pra que? Pra nada. Isso aqui só deixa o cara mais revoltado. Como reflete? É só passar raiva aqui.

Breno: Eu acho essa medida normal. Me prejudicoumuito. Porque era pra eu terminar o terceiro ano, que eu estava trabalhando na rua. Por causa de um porte de arma. Eles foram muito rígidos. Só isso mesmo. Não significa mais nada. Não tem nenhuma importância. Isso aqui o cara reflete que é pior. Fica é pior. Porque aqui é "cabuloso". O cara ficar preso, sem a liberdade. Está sendo o pior momento essa internação aí, que é da mal. Aqui não tem como o cara o refletir. Só preso, preso. Ele não faz nada. Porque aqui o cara não faz nada, fica preso. Fica vivendo essas humilhações desses agentes aí. O cara sai pior, revoltado.

Todos concordaram que a presença das famílias é importante para eles, serve de apoio nesse momento difícil. E, o mais importante é que foi possível perceber, por meio de suas falas, que muitos só estão cumprindo a medida por conta das famílias, para não causarem mais sofrimento às suas mães, como diz Carlos "minha mãe sempre fala: 'meu filho, quando você sair, pra você voltar. Pra você cumprir e pra você não ficar fugindo, quando ver um polícia, não ficar se escondendo'. Eu falo: 'mãe vou cumprir'. Aí eu estou cumprindo. Vou cumprir por causa dela mesmo. Só por causa dela".

Sobre as outras medidas socioeducativas que cumpriram antes da internação, as falas informam que os adolescentes não chegaram a realizar algum curso ou oficina profissionalizante no cumprimento da medida. Ao realizarem uma comparação entre a internação e a semiliberdade, osadolescentes afirmaram que a semiliberdade era melhor que a internação, mesmo não tendo os mesmos serviços ofertados, pois tinham mais liberdade e contato com o mundo exterior. O fato de poderem ficar com as famílias nos finais de semana também apareceu como algo positivo, como podemos observar na fala de Breno: "a semiliberdade é de boa. Assim, dava até pro cara refletir um pouco. E o cara ia pra ficar com a família todo final de semana. Não ficava preso, estudava na rua, aprendia mais. A semiliberdade dá pro cara refletir melhor. Porque o cara pensava. Nos finais de semana estava com a família. Era de boa".

Carlos, que cumpriu a medida de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC), pouco soube dizer sobre a PSC e, em relação à LA, disse que a medida não o ajudou em nada, pois ele só ia assinar um papel e conversar com a técnica. Para ele a medida não serviu para nada, e observou que na internação, pelo menos, ele participa das oficinas, em contraponto à LA, a qual não ofertava curso algum. Acrescenta-se que também estava fora da escola quando do cumprimento da LA. Sobre a participação da família, disse que sua mãe nunca precisou ir ao local onde a LA era executada e que nunca recebeu visita domiciliar. Segue a fala do jovem Carlos, sobre a medida de liberdade assistida: "Foi de boa. Era só assinar lá mesmo. Podia dar uma melhorada, né? Dado um curso lá mesmo. Eu não estava nem aqui, né? Também. Foi de boa. (...) importância assim, muita importância ela não teve, não... Só assinava. Não fazia muita coisa... Ninguém fazia nada, não. Só assinar lá, conversar um pouco com a mulher. Perguntava como eu estava, se eu tava andando armado. Essas coisas assim. Aí eu assinava e ia embora".

Duas coisas nos chamam atenção nesse item: parece que a internação consegue garantir um mínimo do que é preconizado como de responsabilidade das medidas socioeducativas (proteção e reeducação), pois só nesse ponto é que estudam, participam de oficinas, entre outras atividades; e é somente na internação que as famílias recebem atenção. Para garantir uma volta à liberdade os adolescentes precisam perder seu direito de ir e vir, caracterizando, mais uma vez, as contradições desse processo de penalizar para proteger (Paiva, 2007).

Sobre a expectativa de futuro: "Nós não sabemos o dia de amanhã, se eu estou vivo, se eu estou morto. Se eu ficar pensando, fazendo plano pro futuro é Boom!, dá tudo errado".

Questionados sobre o futuro, para os adolescentes, o trabalho sempre vem em primeiro lugar, os estudos vêm depois ou nem aparecem. Para todos eles, deixar a vida do crime associa-se a deixar de dar trabalho e/ou causar sofrimento às suas famílias. Alan disse: "nós não sabemos o dia de amanhã, se eu estou vivo, se eu estou morto (...) se eu ficar pensando, fazendo plano pro futuro é Boom!, dá tudo errado". Em um texto sobre a significação do trabalho para jovens de periferia e com envolvimento com droga, Carreteiro et al. (2011) discutem sobre o futuro na perspectiva desses jovens. Para eles o futuro está atrelado ao trabalho, e um bom trabalho depende de uma escolarização. Depreende-se, então, que as expectativas de futuro para esses jovens passam por uma interligação entre formação qualificada (de nível superior preferencialmente) e obtenção de um trabalho com aceitação social. Há que se questionar sobre essa associação, pois estão afastados do sistema educativo, apresentam muitas dificuldades de inserção em uma escolaridade formal, as escolas não apresentam projetos diferenciados para seu acolhimento, a profissionalização oferecida pelas instituições de internação ou são inexistentes ou oferecem cursos defasados do mercado profissional, como já vimos anteriormente (Jacobina& Costa, 2007).

O Relatório de Pesquisa (2011) aponta que essa questão de sonhar, ter uma expectativa de futuro é fundamental no trabalho de reeducação do jovem. Sobre o sonho: 4% querem casar; 9% querem ter casa própria; 52% têm outros sonhos e, o aspecto preocupante: 29% não possuem sonhos. Do mesmo modo, sobre os planos para o futuro: 10% querem ser advogados; 5% querem ser policias; 51% querem exercer outras atividades; e 26% não têm planos para o futuro. Muller et al. (2009), em uma pesquisa com jovens infratores sobre sua expectativa de futuro, encontraram que o que eles mais valorizam é o estudo, porém, logo em seguida, reformulam seu projeto de maior escolarização, reconhecendo as dificuldades que enfrentarão e a posição ambivalente que ocupam em relação às dúvidas sobre suas capacidades.

Os achados dessas pesquisas contem aspectos preocupantes, mas também esperançosos, pois mostram que há sim projeções para o futuro, que os adolescentes encontram- se ainda temerosos por sonhar, mas não abandonaram suas expectativas. Os dados nos fazem pensar sobre a necessidade de refletirmos a realidade das intervenções com eles a partir da concepção de resiliência tal como nos coloca Walsh (2005). Essa autora define o processo de resiliência como o apoio advindo das redes de relacionamento e de sociabilidade estabelecidas. No caso desses adolescentes podemos pensar em novas redes de relacionamentos a serem construídas, e o contexto das medidas socioeducativas como oportunidade para esse ganho. O trabalho de Souza e Oliveira (2011) mostra como a promoção dessa rede pode ser um fator de proteção que una os recursos familiares, sociais, comunitários para o enfrentamento das mudanças necessárias para esses jovens.

Considerações finais

Os adolescentes sujeitos dessa pesquisa consideram que as medidas socioeducativas anteriormente aplicadas à medida de internação não tiveram significação no sentido de oferecer mudanças e/ou reflexões para os atos infracionais cometidos até aquele momento. Porém, a medida socioeducativa de internação foi a única que conseguiu provocar nesses adolescentes alguma coisa, nem que seja raiva, revolta e/ou sentimento de injustiça.

Os limites desse texto referem-se às condições de internamento que impõe fronteiras, de modo geral, entre os jovens e os pesquisadores, pois o contato com esses adolescentes pode ser percebido por eles como invasivo. Torna-se difícil para eles se recusarem ao pedido de aproximação, a não ser que se recolham aos seus quartos. Ainda assim, uma proposta de observação dentro da unidade de recolhimento atua como um instrumento do qual eles não conseguem se esquivar.

Conhecer a realidade de rotina desses adolescentes, dentro da unidade de internação, tem uma função denunciadora do distanciamento da aplicação das políticas de ressocialização desses jovens com as demandas de devolução dos seus direitos violados. Demo (1995) aponta, de forma inequívoca, uma máxima que ainda impera nesse contexto de atendimento à juventude marginalizada: dáse ao pobre o que é pobre. Por outro lado, Souza e Costa (2011) mostram, por meio de comparação entre recurso financeiro alocado para ressocialização de jovens em conflito com a lei e a aplicação prática desses recursos, como há um desperdício e/ou não aplicação desses recursos. Por incrível que pareça, esses recursos, ao final do ano são devolvidos ao governo federal por sua não aplicação em programas e nem em pessoal destinado a oferecer esses programas. Conceição (2010) classifica de tragédia o que está ocorrendo com a juventude brasileira atual, "o país está matando sua juventude" (p. 90), e aponta a urgência de se oferecer uma escuta qualificada a esses jovens.

As contribuições desse texto estão afeitas a mostrar a continuidade das dificuldades de se pesquisar nesse contexto de internação de jovens, bem como apontar que, ainda no ano de 2012, estamos longe de alcançar as mudanças necessárias para a transformação do contexto de cumprimento de medidas socioeducativas desses adolescentes. Continuamos morosamente a repetir o oferecimento de ações que não têm efetividade, como outros textos da década de 2000 denunciaram (Castro &Guareschi, 2007; Francischini& Campos, 2005; Paiva, 2007; Volpi, 2001; por exemplo).

É possível encontrar na literatura exemplos de ações e experiências com bons resultados: Cavalcanti, Dantas e Carvalho (2011); Costa e Assis (2006); Perfeito (2005), dentre outros. Mesmo os autores citados por todo o texto assumem uma postura crítica e colaborativa no pensar sobre intervenções com essa população. Alguns aspectos chamam atenção: oferecimento de escuta terapêutica, adequação de um número de adolescentes atendidos nas unidades, construção de unidades menores, proporção adequada de pessoal especializado por número de adolescentes. No entanto, entendemos que esses aspectos são detalhamento de intervenções. O que, de fato, precisa ser cumprido são as orientações da proposta do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) que detalha e orienta as ações bem como reforça a questão da proteção do adolescente que é visto como sujeito em crescimento (Brasil, 2006). Até o momento, sabemos que as ações desenvolvidas enquanto o adolescente está sendo atendido em meio aberto não surtem efeito. Essas falhas apenas redirecionam os problemas para que as famílias e os próprios adolescentes sejam os responsáveis pelas mudanças (Jacobina & Costa, 2011). O grande investimento, ainda ausente, é no cumprimento de uma política de proteção ao adolescente.


1 Este texto é parte dos resultados da dissertação de mestrado "Da liberdade à privação: a significação de medidas socioeducativas para adolescentes e familiares", da primeira autora orientada pela segunda autora, perante o Programa de Pós graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília, Brasil. Volver

2 Medida estabelecida por tempo indeterminado e não excedente 3 anos. Volver

3 Medida estabelecida por tempo indeterminado e não excedente 3 anos. Volver


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