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Revista de Salud Pública

versão impressa ISSN 0124-0064

Rev. salud pública v.12 n.1 Bogotá jan./fev. 2010

 

Percepção de mães sobre a síndrome da erupção dentária e suas manifestações clínicas na infância

Mothers perception of dental eruption syndrome and its clinical manifestation during childhood

Rossana Mota-Costa, Antonio Medeiros-Júnior, Horácio Aciolly-Júnior, Georgia Costa de Araújo-Souza e Iris do Céu Clara-Costa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte–UFRN. Brasil. rossana_mota@hotmail.com, amjunior@ufrnet.br,iris_odontoufrn@yahoo.com.br,horaccioly@uol.com.br, georgia_odonto@yahoo.com.br

Recebido em 1 Junho 2009/Enviado para Modificação 3 Janeiro 2010/Aprovado 18 Janeiro 2010


RESUMO

Objetivo Este estudo objetivou identificar a percepção de mães primíparas e multíparas sobre a erupção dentária e suas manifestações, ao mesmo tempo em que relacionou e discutiu a ocorrência destas manifestações a luz da literatura pertinente.
Método Trata-se de um estudo qualitativo descritivo, onde os sujeitos foram 61 mães, com bebês na faixa etária entre 3 e 12 meses de idade, usuários do Hospital de Pediatria da UFRN, na cidade de Natal, RN, Brasil. Utilizou-se uma entrevista semi-estruturada para coleta das informações. A análise dos dados foi feita pelo Software ALCESTE 4.5, utilizando-se as variáveis primíparas, para designar mães com apenas um filho e multíparas para mães com dois filhos ou mais.
Resultados A presença de sintomatologia foi relatada por 75 % das mães entrevistadas. A percepção das mães de ambas as classes, provavelmente reflete desconhecimento do processo de desenvolvimento infantil e convergem para a presença de sintomas clínicos atribuídos ao processo eruptivo, porém, o grande diferencial está na forma de apreensão desta realidade. As primíparas manifestam claramente que o conhecimento foi adquirido através do senso comum, enquanto que as multíparas reproduzem este mesmo conhecimento baseado na experiência com os filhos anteriores.
Discussão Concluiu-se que durante essa fase de erupção dentária os profissionais tenham uma posição firme e definida, baseada em evidências fartamente colocadas pela literatura, da relação direta entre erupção dentária e sintomatologia geral, dando a devida atenção a cada paciente e suas queixas, para desmistificar e melhor compreender esse processo na sua totalidade.

Palavras-Chave: Percepção, erupção dentária, sinais e sintomas, lactente (fonte: DeCS, BIREME).


ABSTRACT

Objective This study was aimed at identifying primiparous and multiparous mothers perceptions about tooth eruption and related symptoms as well as discussing such events occurrence in the light of the relevant literature.
Methods The research adopted a qualitative, descriptive design; 61 mothers who had already given birth to babies aged 3 to 12 months old were studied. Their children were outpatients at Rio Grande do Norte Federal Universitys Paediatric Hospital in Natal, RN, Brazil. A semi-structured interview was used for collecting data. ALCESTE 4.5 software was used for analysing data based on primiparous and multiparous mothers as variables; the former term referred to mothers bearing a child for the first time and multiparous to those who had born more than one child.
Results Symptomatology was related by 75 % of the mothers interviewed here. The perception of the mothers from both groups probably pointed to a lack of knowledge regarding child development and the process leading to the presence of clinical symptoms due to tooth eruption. However, the great difference lay in how this reality was perceived; mothers having a single child clearly affirmed that knowledge was acquired by common sense, whilst mothers of more than one child reproduced such knowledge according to their experience with previous children.
Discussion It was concluded that during this phase of tooth eruption, professionals must adopt a firm and defined position based on the literature providing evidence of the real relationship between tooth eruption and general symptoms, paying attention to every patient and their complaints to demystify and better understand this whole process.

Key Words: Perception, tooth eruption, signs and symptoms, infant (source: MeSH, NLM).


RESUMEN
Percepción de las madres acerca del síndrome de erupción dental y manifestaciones clínicas de la infancia

Objetivo Este estudio tuvo como objetivo identificar la percepción de las madres primíparas y multíparas en la erupción de los dientes y sus manifestaciones, así como examinar la ocurrencia de estos hechos a la luz de la documentación pertinente.
Método La investigación tuvo un diseño cualitativo descriptivo y 61 madres cuyos bebés habían entre 3 y 12 meses de edad fueron estudiadas. Sus hijos eran pacientes del Hospital de Pediatría de la Universidad Federal de Rio Grande do Norte, en la ciudad de Natal, RN, Brasil. Para recoger los datos, se utilizó una entrevista semi-estructurada. El ALCESTE 4.5 fue utilizado para analizar los datos basados en las primíparas y multíparas madres como variables. El primero se utilizó para las madres que lleven a un niño por primera vez y multíparas que los cuales habían nacido más de un niño.
Resultados La sintomatología fue referida por 75 % de las madres entrevistadas. La percepción de las madres de ambos grupos probablemente señala desconocimiento del desarrollo del niño y el proceso converge a la presencia de síntomas clínicos debido a la erupción del diente. Sin embargo, la gran diferencia está en la forma de recoger esta realidad. Madres de un niño afirmaron claramente que el conocimiento fue adquirido por el sentido común, mientras que las madres de más de un niño se reproducen en este mismo conocimiento de acuerdo con la experiencia basada en los niños mayores.
Discusión Se concluyó que durante esta fase de la erupción de los dientes, los profesionales deben tener una postura firme definida, basados por la literatura, la relación directa entre la erupción de los dientes y los síntomas generales, prestando atención a cada paciente y sus quejas, para así desmitificar y comprender mejor este proceso en su totalidad.

Palabras Clave: Percepción, erupción dental, signos y síntomas, lactante (fuente: DeCS, BIREME).


A relação entre erupção dentária e o aparecimento de manifestações locais ou sistêmicas em crianças, tem sido polêmico, na percepção de pais, profissionais de saúde e literatura. Dentre os vários fenômenos clínicos que acompanham esse processo os principais são: irritabilidade, salivação aumentada, febre, diarréia, gengivite, redução do apetite, erupções cutâneas, tosse e vômitos, segundo inúmeros relatos encontrados na literatura.

Simeão e Galganny-Almeida investigou quais sintomas e sinais estão relacionados à erupção e com que freqüência e intensidade surgem (1). Foram realizados 100 interrogatórios com pais de crianças de 6 meses a 5 anos de idade e com 100 médicos pediatras, em Fortaleza-CE-Brasil. Dos pediatras, 93,9 % e 75,7 % das mães descreveram alterações na saúde das crianças durante o processo. As mais citadas foram irritabilidade, levar a mão à boca, sialorréia, anorexia, febre, sono inquieto e diarréia.

No trabalho de Peretz et al., a diarréia foi a manifestação mais comum durante a erupção dental, atingindo 51 % das crianças do grupo em estudo, que mães e pediatras referiram ter observado (2). Noronha cita que alguns pediatras relacionam a diarréia à sucção digital em precárias condições higiênicas, o que estaria diretamente associado a infecções (3). Para Wake et al., a diarréia foi o único distúrbio que teve significância estatística (4). Bengtson et al. também encontraram associação da diarréia a 87,5 % das erupções observadas no seu estudo (5).

Sobre a febre, Macknin et al. (6) e Fogel (7) relacionam a mesma a reações inflamatórias que ocorrem na cavidade oral com participação de mastócitos e liberação de imunoglobulinas (IgE). Essa reação de hipersensibilidade poderia resultar em alterações toxêmicas como febre, que poderia ser causada por uma infecção herpética primária não diagnosticada. A maioria dos pediatras acreditam que os sinais e sintomas observados têm relação direta com a fase eruptiva da dentição decídua (8).

Na pesquisa de Aragão et al. com médicos e dentistas em João Pessoa-PBBrasil, 92,7 % dos profissionais afirmaram que o processo de erupção dentária pode gerar desconforto (9). O aumento da salivação é explicada pela maturação das glândulas salivares. A manifestação mais citada por 92 % é a irritabilidade, que demonstrou uma relação estatisticamente significativa com a inflamação gengival, além da inapetência e dificuldade para ingerir alimentos sólidos. A febre tanto pode ser pelo processo agressivo de dilaceração da gengiva gerando um quadro inflamatório, quanto pelo estresse causado pela erupção múltipla dos dentes com queda na resistência orgânica, deixando a criança propensa à infecções (9-12).

Fogel descreve associação clara entre a erupção dentária e sinais e sintomas apresentados por bebês, sendo a diarréia e febre as de maior incidência, tendo relatos de complicações para doenças mais graves, algumas levando até a óbito em menores de um ano, com alimentação deficiente ou mal nutridas (7). Há inúmeros relatos de Fogel sobre óbitos, cujo agravamento dos sinais e sintomas ligados ao processo eruptivo dentário não foram levados a sério. Lesões inflamatórias associadas ao prurido gengival, pericoronarite exsudativa ou supurada, foliculite expulsiva, gengivite eritematosa e estomatite ulcero-membranosa poderão estar associadas a erupção dentária e até acontecerem simultaneamente a uma gengivite herpética primária, devido a baixa imunidade da criança (7).

Existem diferentes correntes que tentam esclarecer os transtornos neste período. A 1ª considera a erupção dentária um processo fisiológico e os sintomas apresentados puramente coincidentes (12-16). A 2ª diz que, apesar de ser fisiológica, pode sofrer alterações e fazer-se acompanhar de desordens gerais ou locais (17-19). Fogel fundamentou baseado em revisão da literatura, associada a pesquisa de campo, que a erupção da dentição decídua não é tão inócua, quanto alguns médicos e odontopediatras acreditam (7). Por último autores afirmam existir uma evidente relação entre manifestações clínicas e erupção dentária (5,8,12).

Martins et al. (18) entrevistaram 121 mães de crianças com idades de 6 a 12 meses, em periodo eruptivo. A diarréia teve a maior incidência, seguida de febre, estado gripal e vômitos. Irritabilidade e dermatites também foram lembradas. O resultado do método estatístico de prova de contraste de hipóteses foi altamente significativo, o que demonstra, uma forte relação entre manifestações sistêmicas e erupção dentária, que chega acompanhada de dor, febre e mal estar, lembrando que apesar de fisiológica, existe uma forte pressão sobre os tecidos fibrosos da gengiva provocando lesões com consequente dor e processo inflamatório, que pode justificar o estado febril.

Para Martins et al., está claramente confirmado na literatura que a erupção dentária provoca transtornos locais e sistêmicos. é aconselhável que mães de bebês com síndrome de erupção, procurem o médico e realizem exames complementares, para descartar a ocorrência de outras doenças, que podem ser negligenciadas nesse período quanto ao diagnóstico e tratamento (18).

MÉTODOS

A presente investigação objetivou identificar a percepção de mães primíparas e multíparas que estavam vivenciando o processo de erupção dentária e suas manifestações entre crianças de 3 a 12 meses de idade a partir de entrevistas semi-estruturadas.

A pesquisa caracterizada como qualitativa descritiva que investiga opiniões, atitudes e crenças de uma população (20) foi realizada no Hospital de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, na cidade de Natal, RN, Brasil, que atende essencialmente aos usuários do Sistema único de Saúde (SUS).

Foram realizadas 61 entrevistas na sala de espera do referido hospital, considerando-se os pressupostos éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (21) que trata sobre pesquisas envolvendo seres humanos, que inclui dentre outros pontos a participação voluntária dos sujeitos. As mães foram esclarecidas sobre os objetivos da pesquisa, a partir dos quais se obteve o consentimento livre e esclarecido para realização da entrevista composta das seguintes questões:

1. Seu filho apresentou algum problema de saúde durante o aparecimento dos primeiros dentes de leite?
2. Em caso afirmativo, quais foram estes problemas?
3. Como você solucionou os problemas de saúde apresentados por seu filho?
4. Você acha que existiu alguma relação entre o aparecimento dos dentes e os problemas de saúde apresentados por seu filho no mesmo período?

A análise das entrevistas foi feita através do Software ALCESTE 4.5 (22), considerando-se a variável sintomas clínicos, e caso estivessem presentes, quais os mais freqüentes. O ALCESTE (Análise Lexical por Contexto em um Conjunto de Segmentos de Texto) é um programa de computação usado para analisar dados textuais que realiza a distribuição dos vocábulos, relaciona os contextos desses vocábulos entre si, além de criar um dicionário das palavras mais importantes. Paralelamente faz o agrupamento de palavras por radicais, quantificando sua freqüência e gerando o qui-quadrado (X²) das palavras mais importantes (22). Os dados analisados pelo ALCESTE permitiram identificar 8 contextos ou classes semânticas, que se assemelham a categorias no processo de categorização. Por categorização entenda-se o agrupamento de palavras ou expressões com similaridade semântica. As classes selecionadas e agrupadas na Figura 2 permitiram identificar as várias percepções maternas, interpretadas e compreendidas através da Análise de Conteúdo de Bardin (23).

RESULTADOS

Observou-se que o percentual de mães que relataram presença de alguma sintomatologia no período eruptivo dos filhos representou 75% das respostas e a Figura 1 apresenta uma classificação decrescente dessa sintomatologia referida em termos da freqüência de aparição.

No que se refere ao conteúdo discursivo das classes analisadas, este não apresentou uma grande dispersão, reconhecendo-se a similaridade das categorias analíticas encontradas. Todas as classes convergem para um ponto em comum que é a presença de sintomas clínicos atribuídos ao processo de erupção dentária, porém, com particularidades próprias de cada classe. A Figura 2 representa os conteúdos das classes 2, 3, 4 e 7 que mostram essa convergência de percepção das mães entrevistadas.

Através do conteúdo discursivo da Classe 2, percebe-se que as mães não têm certeza da relação entre os problemas de saúde de seus filhos e a erupção, porém acreditam no que foi passado pelas pessoas do seu convívio e/ou através de algum meio de comunicação, reproduzindo o conhecimento do senso comum, e relatando que se a erupção dentária não for a responsável pelos sintomas, só pode ser muita coincidência.

[...] "dizem né. Eu não sei se é verdade".
[...] "tem gente que diz quando tá pra aparecer o dentinho aparece isso".
[...] "eu acho, o povo diz que sai muita coisa, a pele fica agitada, tem menino que dá diarréia".
[...] "dizem os mais velhos que é, que ele não tinha, ele não babava não, agora que tá nascendo outro dente ele tá babando de novo".

A Classe 3 evidencia primeiro a sintomatologia e, por conseguinte a erupção dentária como justificativa para os sintomas. Deixa claro que procura orientação médica e com a medicação que é prescrita a criança fica curada.

[...] "deu uma coceira muito grande nela, diarréia, febre sem vê de que, quando eu olhei o dente vinha saindo".
[...] "problemas de pele, bolhinhas, diarréia. Agente até pensou que ela tava desidratada, mas era dos dentes. O médico passou remédio e com este remédio ela ficou boa".
[...] "quando ele tá na fase de nascer mesmo os dentes, ele vomita muito, tem um fastio horrível, fica muito enjoadinho. Fui ao médico, eu não sabia direito como era e fui pro hospital".
[...] "sempre que aparece diarréia, ele tá enjoadinho, eu vou na médica e ela me mostra que tá saindo um dentinho".

A Classe 4 atribui os problemas de saúde de seus filhos à erupção dentária, quando diz que eles eram saudáveis, até que começaram a nascer os dentes e todos os problemas apareceram de forma simultânea.

[...] "eu acredito muito nessas coisas".
[...] "eu acho, porque antes do dente dela, ela não tinha isto, estes sintomas vieram aparecer depois do dente".
[...] "eu acho porque ele não tinha nada, até que a gengiva ficou muito inchada e foi quando apareceram estes problemas".
[...] "Sim, eu acho que é por causa dos dentes sim, porque ela sempre teve o corpo limpinho".

A Classe 4 atribui os problemas de saúde de seus filhos à erupção dentária, quando diz que eles eram saudáveis, até que começaram a nascer os dentes e todos os problemas apareceram de forma simultânea.

[...] "eu acredito muito nessas coisas".
[...] "eu acho, porque antes do dente dela, ela não tinha isto, estes sintomas vieram aparecer depois do dente".
[...] "eu acho porque ele não tinha nada, até que a gengiva ficou muito inchada e foi quando apareceram estes problemas".
[...] "Sim, eu acho que é por causa dos dentes sim, porque ela sempre teve o corpo limpinho".

A Classe 7 é mais enfática quando atribui à erupção dentária a causa dos problemas de saúde dos filhos, porém transmite bastante tranqüilidade quando afirma que, depois que os dentes nascem os sintomas desaparecem. Esta percepção apresentouse bastante coerente nas respostas emitidas pelas mães multíparas, corroborada pelo ALCESTE, que identificou estas como predominantemente constitutivas desta classe.

[...] "quando o dente nasceu os sintomas passaram".
[...] "quando o dentinho nasceu, eu notei que diminuiu, a insônia diminuiu. Cada nascimento dos dentes ele tem gripe".
[...] "eu acho que é, porque sempre que vai nascer os dentes ela fica com o corpinho cheio de carocinho, depois que o dente nasce, o caroço desaparece".
[...] "agora ela não tem nadinha, quando sai o dente, já vai limpando".

DISCUSSÃO

De todas as manifestações sintomáticas, a diarréia aparece como o sintoma mais freqüente, seguido de problemas de pele e falta de apetite. Observa-se no conteúdo discursivo que os sintomas sempre aparecem associados entre si. Alguns autores admitem que há uma série de fatores que permeiam o processo eruptivo, sendo necessário salientar que sintomas mais acentuados deverão alertar uma associação com alguma doença sistêmica que possa estar acontecendo concomitantemente (1,17).

Segundo Saviero, nesta fase ocorre o que os especialistas chamam de simultaneidade de eventos (12). A partir do 6º mês de vida, a criança começa a engatinhar, levando o que encontra pelo chão à boca, e através desses objetos tenha contato com microrganismos estranhos ao seu sistema imunológico que está em processo de formação. Ocorrem mudanças na alimentação, assim como o desmame, e coincide com a época de maturação das glândulas salivares e mudança de passivo recebedor para ativo participante. Isso significa a introdução de outros alimentos, além de ser o período que começa a ser ensinada a usar a colher e o copo, e a levar ela mesma o alimento à boca, ou seja, ela começa a participar mais ativamente do momento das refeições, diferentemente de quando apenas era amamentada, o que de certa forma expõe a criança a alimentos diferentes em teores e texturas quando comparados ao leite materno (3,10,17).

Neste sentido, embora todos os sintomas atribuídos à erupção dentária pareçam estar intimamente relacionados às mudanças decorrentes do processo de desenvolvimento infantil, Martins et al., (18) e Fogel (7) lembram com muita ênfase que, toda sintomatologia nessa fase deve ser levada a sério, para evitar dissabores da instalação de doenças graves, por negligência de cuidados profissionais. Desta forma, em função da complexidade assumida pelo fenômeno, cabe aos profissionais de saúde, buscar sempre como desafio, um conhecimento multidisciplinar, no sentido de resgatar o desenvolvimento da criança em sua totalidade, frente aos processos de investigação e intervenção.

As análises discursivas possibilitaram verificar que o percentual de mães que relataram sintomatologia durante este período foi bastante significativo, representando 75 % das respostas, em contraposição a Saviero (12) quando afirma que apesar da alta prevalência de relatos de sintomas, não se deve associá-los imediatamente e somente ao fato dos dentes estarem em processo de erupção. Para esse autor a partir do 6º mês de vida, ocorre na criança uma simultaneidade de eventos, decorrentes do desenvolvimento e maturação, inclusive das glândulas salivares, o que viria justificar o aumento do excesso de salivação nessa fase da vida da criança (12).

Na verdade, a literatura não tem uma definição clara e efetiva a respeito do assunto e se divide em duas correntes, uma favorável e outra que desacredita numa influência direta. Alguns autores (6,10,11,13,19) se posicionam favoravelmente e dizem haver forte associação dos sinais e sintomas da erupção dentária, com distúrbios locais e sistêmicos. Outros como Savieiro (12), Crispim et al (16) e Wake et al., (4) discordam dessa relação direta e creditam essa sintomatologia que permeia a síndrome eruptiva dentária com modificações fisiológicas, relacionadas ao próprio desenvolvimento da criança. Apesar dessas correntes divergentes, os estudos que buscam e confirmam essa relação causa-efeito apareceram em maior número na literatura, numa busca retrospectiva acima de dez anos nas bases de dados existentes.

Na presente investigação, as mães primíparas e multíparas tiveram basicamente a mesma compreensão do processo eruptivo, ou seja, deixam claro que existe uma relação direta entre erupção dentária e sintomas clínicos, corroborando com Toledo (17), dentre outros, quando este admite que o processo de erupção, pode sofrer alterações e fazer-se acompanhar de desordens gerais e locais.

O que se percebe nas descrições das mães entrevistadas na sua maioria é que a sintomatologia está presente. O grande diferencial na percepção entre primíparas e multíparas, está na forma como esta compreensão foi apreendida. As primíparas reproduzem o conhecimento adquirido pelo senso comum, enquanto que as multíparas reproduzem este mesmo conhecimento, baseado na experiência adquirida com os filhos anteriores.

Embora o exato mecanismo da erupção dentária, com todas as alterações tissulares e imunológicas que o acompanham, ainda não esteja totalmente elucidado pela ciência, as evidências clínicas e as experiências vivenciadas pela maioria das mães ouvidas praticamente em todas as pesquisas relatadas no escopo desse estudo, apontam para a aceitação dessa relação causal direta.

Apesar de este ser um estudo qualitativo, que não possui perspectivas inferenciais, poderá ser ampliado para um número maior de sujeitos. Mais importante que isso é que os profissionais tenham uma posição firme, baseada em evidências fartamente colocadas pela literatura, da relação direta entre erupção dentária e sintomatologia geral, dando a devida atenção a cada paciente e as suas queixas. Orientações mais esclarecedoras deverão ser dadas por eles às mães e cuidadores, sobre o processo do desenvolvimento infantil, para que a criança atravesse esse período sem prejuízos à sua saúde, muitas vezes negligenciada em detrimento ao estigma que a erupção dentária carrega, de ser responsável pela grande maioria das doenças da primeira infância, o que nem sempre é verdade. Se esse período for bem compreendido e estudado pelo profissional haverá mais firmeza nos procedimentos prescritos, mais tranquilidade da mãe, menos sofrimento para a criança, proporcionando uma atenção à sua saúde de forma adequada, esclarecedora e baseada em evidências científicas.

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