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Discusiones Filosóficas

Print version ISSN 0124-6127

discus.filos vol.14 no.22 Manizales Jan./June 2013

 

A fórmula do valor de troca: a demonstração
formal da sociabilidade do trabalho
em o capital de Karl Marx

The formula of exchange value: the formal demonstration
of sociability work in the capital of Karl Marx

Francisco Luciano Teixeira Filho*
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. emaildolu@hotmail.com

* Mestre em Filosofia – Universidade Federal do Ceará – Brasil; Doutorando em Filosofia – Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil; Professor de Filosofia na Faculdade Terra Nordeste.

Recibido el 14 de abril de 2013 y aprobado el 30 de mayo de 2013


Resumo

O presente artigo dedica-se a demonstrar a sociabilidade do trabalho na primeira seção de O capital, por meio do estabelecimento da fórmula do valor de troca, na forma mercadoria do capital. Através de deduções, a partir das conclusões de Marx, elaborou-se uma fórmula capaz de expressar o valor de troca. Concluiu-se, pela análise da fórmula proposta, que a sociabilidade do trabalho se expressa na singularização do trabalho social, no produto do trabalho individual. Ou seja, o trabalho social determina a equiparação entre mercadorias, muito embora o trabalho que produz mercadorias seja o trabalho singular. Dessa forma, chegou-se a conclusão que o indivíduo produtor é um medium social, cujo produto do seu trabalho é um produto mediado pelo trabalho social.

Palavras chave

Marx, O capital, sociabilidade do trabalho, valor de troca.

Abstract

This article is dedicated to demonstrate the sociability of the work in the first section of: The capital, by means of establishing the formula of the exchange value in the commodity form of capital. Through deductions, from the conclusions of Marx, we developed a formula capable of expressing the exchange value. We concluded, by means of analyzing the proposed formula, that the sociability of the work is expressed in the singularization of the social work, in the product of individual work. That is, social work determines the equivalence between commodities, although the work that produces commodities is a singular work. Thus, we obtained the conclusion that the individual producer is a social means, whose work product is a product mediated by social work.

Key words

Marx, The capital, sociability of work, exchanges value.


Introdução

O capital é uma obra sistematicamente articulada com o objetivo de demonstrar as muitas determinações do capital. Nesse sentido, o que Marx pretende, em sua obra máxima, é reconstruir as determinações do real no nível do conceito, através da demonstração do seu encadeamento lógico-necessário. Assim, a obra articula, em graus ascendentes de enriquecimento conceitual, os diversos momentos do modo de produção capitalista. Nesse encadeamento, a forma mercadoria, apresentada na primeira seção da obra, é a forma mais elementar da riqueza capitalista, cuja mercadoria é a célula. A mercadoria é o começo, todavia, é um começo que precisa ser explicado, pois já é mediado por duas outras determinações que a fazem ser o que é: a mercadoria é a justaposição do valor de uso e do valor de troca. É nessa constelação teórica delimitada que pretendemos trabalhar a questão da sociabilidade do trabalho.

Para ser preciso, no presente trabalho, procuramos demonstrar a sociabilidade do trabalho sem extrapolar a análise do valor de uso e do valor de troca. Ou seja, desejamos demonstrar, aqui, o modo em que a sociabilidade se apresenta na forma mercadoria, deduzindo, a partir da análise de Marx, as condições formais que explicitam o valor de troca. Aqui, segundo acreditamos, já é possível vislumbrar elementos formais para pensar a sociabilidade do trabalho em O capital, já na forma mercadoria.

Qualquer leitor que tenha algum conhecimento dessa tradição que estudamos aqui, sabe que questão da sociabilidade dá cabimento a inúmeras discussões no âmbito do marxismo, contudo, elegemos, como nosso trabalho, os ecos formais da discussão. Para melhor delimitar o presente trabalho: buscamos encontrar os aspectos formais do valor de troca, com fins na expressão da sociabilidade do trabalho humano, na forma mercadoria. Mais especificamente, buscamos, aqui, analisar a forma aparente do valor, ou seja, o valor de troca das mercadorias, com o objetivo de deduzir uma fórmula geral do valor de troca, no qual, segundo acreditamos, teremos a comprovação formal da primeira aparição da sociabilidade do trabalho, ainda na forma mercadoria.

Para tanto, o presente artigo se divide em duas partes: I) uma breve exposição para posição da ralação entre valor de uso e trabalho concreto; II) a exposição do valor de troca e do trabalho abstrato, onde se buscará estabelecer a fórmula geral do valor de troca e posição da sociabilidade do trabalho.

I

O valor de uso e o trabalho concreto

Imediatamente observada, a mercadoria é coisa que se constitui como uma utilidade para os homens, individualmente compelidos à preservação de si. É "um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenientes do estômago ou da fantasia" (Marx, O capital 57). As mercadorias podem ser usadas de diversas formas, mas o que interessa é que "a utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso" (Ibid. 58), ou seja, não importa como os produtos são usados, mas, por serem usados, tornam-se coisas úteis, tornam-se valores de uso. Assim sendo, mercadoria a é útil para o indivíduo x: isso é suficiente para determinar o valor de uso da mercadoria a. Dessa forma, entendemos que a forma prosaica da mercadoria é, precisamente, o fato de ser coisa útil para um indivíduo ou muitos; o seu uso é o que a torna um valor para o homem e, portanto, "o valor de uso só se realiza com a utilização ou o consumo" (Ibid. 58), posto que esse é seu fim.

O indivíduo tem necessidades que são respondidas por coisas externas, com propriedades químicas e físicas que as tornam úteis, ou melhor, que as tornam valores de uso. Nesse sentido, imediatamente considerada, a forma mercadoria (só considerada como valor de uso, até aqui), na estrutura de O capital, é uma coisa singular para um homem singular que a consome, seja imediatamente ou para produzir outros produtos, ou melhor, utilizando-a como meios de produção. Assim sendo, em sua aparência, a mercadoria analisada na primeira seção de O capital, em suas determinações prévias, até aqui demonstradas, não se diferencia dos produtos do trabalho humano que não são mercadorias.1 Devemos perceber que, como utilidade para o homem, ela se aparenta a todo produto do trabalho humano com o fim na supressão de necessidades humanas. É nesse sentido que Marx afirma que,

seja qual for a forma social da riqueza, o seu conteúdo é sempre constituído por valores de uso, conteúdos estes indiferentes à forma social. […] Ainda que objeto de necessidades sociais, e, portanto, ligado ao todo social, o valor de uso não exprime nenhuma relação social de produção. (Marx, Contribuição à 12)

Por exemplo, a utilidade de um quilograma de arroz é a mesma para um faminto, seja ele produto do trabalho escravo ou uma mercadoria, produto do trabalho assalariado. A sociabilidade do trabalho, que demonstraremos posteriormente, não se apresenta na relação consumo-produção, imediatamente considerada, mas, tão-somente, a necessidade de um homem singular frente a um objeto qualquer, fruto do trabalho de um homem singular. Aqui, burguês ou proletário servo ou senhor, escravo ou nobre, enfim, são considerados apenas como indivíduos que têm necessidades que precisam ser supridas pela composição material de um produto qualquer e, claro, como produtores dotados de força que transforma o substrato da natureza em coisas úteis. Assim, nesse momento de pura imediatez, não se apresenta relações sociais, luta de classe, nem mesmo a sociedade especifica em que esse consumo-produção se apresenta. Por isso, afirma Marx, "a produção de valores de uso não muda sua natureza geral por ser levada a cabo em benefício do capitalista ou estar sob seu controle" (Marx, O capital 211).

Esse valor de uso, marcado por uma utilidade, liga-se a existência concreta de dada mercadoria e, portanto, é coisa útil para o metabolismo do homem com a natureza. Aqui, como afirma Mészáros,

os indivíduos humanos devem sempre atender às inevitáveis exigências materiais e culturais de sua sobrevivência por meio das indispensáveis funções primárias de mediação2 entre si e com a natureza de modo geral. (212)

Ou seja, em determinados estágios de complexidade da produção, os indivíduos devem sempre manter um intercâmbio com a natureza, a fim de se reproduzirem como seres vivos. Todavia, na espécie humana, esse intercâmbio só se dá de forma mediatizada, nunca imediatamente. Essa mediação se dá por meio do trabalho concreto, que, para o autor de O capital,

é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas próprias forças. Põem em movimento as forças naturais do seu corpo – braços e pernas, cabeça e mãos –, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. (O capital 211)

Para Marx (Ibid. 211), o trabalho é exclusivamente humano, pois, embora outros animais possam produzir grandiosas coisas, como, por exemplo, a abelha produz sua colmeia, a aranha produz sua teia, o castor produz o seu dique, enfim, só com o homem, no,

fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira. (Ibid. 211)

O trabalho é, portanto, uma atividade no qual o homem transforma o mundo exterior a partir da sua interioridade, da sua subjetividade: trata-se, nas palavras de Lukács ((Marx, ontologia) (Prolegômenos para), passim), de um pôr teleológico, no qual o fim é a concretização do início, do previamente ideado.

Temos, portanto, que o trabalho é o processo objetivo no qual o indivíduo e o conjunto dos indivíduos subjetivam a natureza, dando-lhe aspecto próprio, familiar. O trabalho é uma marca indelével do indivíduo no mundo, posto que, no fim do processo de trabalho, todo o talento, vontade e características da individualidade estarão materializados no produto, modificando a natureza externa do homem e a sua natureza interna.

II

Valor de troca e o trabalho abstrato

Vimos que o processo de trabalho concreto não espelha relações sociais, embora ele seja, sim, determinado pelo estágio do desenvolvimento produtivo do homem. No entanto, o consumo e a produção, por mais expandidas e intensificadas que estejam não representam mais que a relação entre a necessidade e seu objeto, num processo de mediação de primeira ordem. Vimos, além disso, que o processo produtivo, responsável pela mediação do intercâmbio do homem com a natureza, é um processo teleológico, já que a ideia prévia que o homem tem do seu produto é o que determina o final do processo de trabalho, onde o substrato natural assume uma forma subjetiva. Todavia, no estudo da mercadoria, Marx descobre que ele não é apenas valor de uso. Ela é uma síntese de duas determinações: valor de uso (resultado do trabalho concreto) e valor de troca: na realidade, "na forma de sociedade que vamos estudar [o capitalismo], os valores de uso são, ao mesmo tempo, os veículos materiais do valor de troca" (Marx, O capital 58). Ou seja, valores de uso continuam a ser o conteúdo material da riqueza da sociedade, mas, ao mesmo tempo, são corporificações de outra característica essencial do ser-mercadoria: valor de troca.

Segundo Marx,

as mercadorias vêm ao mundo sob a forma de valores de uso, de objetos materiais, como ferro, linho, trigo etc. É a sua forma natural, prosaica. Todavia, só são mercadorias por sua duplicidade, por serem ao mesmo tempo objetos úteis e veículos de valor. Por isso, patenteiam-se como mercadorias, assumem a feição de mercadorias, apenas na medida em que possuam dupla forma, aquela natural e a de valor. (Ibid. 69)

Mercadorias são produtos do trabalho humano que não se destinam ao consumo individual do seu produtor, mas à troca: "o produto, para se tornar mercadoria, tem de ser transferido a quem vai servir como valor de uso por meio da troca" (Ibid. 63). Ou seja, embora toda mercadoria que passe a existir tenha que ter determinações físicas e químicas que as torne coisa útil para o um indivíduo, essa utilidade não pode ser levada a cabo por quem a produz, pois aí não seria mercadoria: "quem, com seu produto, satisfaz a própria necessidade gera valor de uso, mas não mercadoria" (Ibid. 63). Temos, assim, que, para ser mercadoria, um determinado produto do trabalho humano tem que se realizar no consumo de um indivíduo diferente daquele que produziu, cujo intermédio se deu pela troca de mercadorias, gerando uma teia social de relações entre os diversos trabalhos individuais. Nessa teia, "os produtores se defrontam como possuidores autônomos de mercadorias e como representantes de ramos de trabalho particulares" e, além disso, "o produtor ou possuidor da mercadoria singular se apodera de sua parte alíquota da produção social, isto é, dos produtos de todos os outros ramos de trabalho somente pela troca" (Marx, Para a 300). Trata-se de um processo natural pelo qual a expansão crescente do metabolismo do homem com a natureza deve passar para seguir se ampliando. Portanto, a expansão do processo de mediações de primeira ordem, onde o homem regula, em graus crescentes, os seu metabolismo com a natureza, passa, necessariamente, pela divisão social do trabalho.

Divisão social do trabalho

Supomos, portanto, certo grau de "divisão social do trabalho, que constitui o fundamento geral de toda produção de mercadorias" (Marx, O capital 406). Aqui, um indivíduo singular, com seu trabalho, produz determinado tipo de produto, mas não satisfaz todas as suas carências somente com o produto específico do seu trabalho. Assim, ele produz para si e para outros indivíduos, onde, através da troca, ele suprirá todas as suas necessidades e auxiliará a outros indivíduos a suprirem as suas carências, com o produto que ele produz para a troca, ou seja, com suas mercadorias. Na realidade, com a divisão social do trabalho, o que temos é um alargamento do raio de possibilidades do consumo dos indivíduos, em seu metabolismo com a natureza. Ou seja, agora, cada indivíduo pode se apropriar do trabalho social como um todo, mediante sua cota de participação, em geral, dada por aquilo que ele produziu no ciclo recente de reprodução, ou o que ele tenha acumulado, em produções passadas. O importante é que, pela troca da mercadoria específica produzida, cada indivíduo pode se colocar frente aos objetos do trabalho social, em sua multiplicidade de mercadorias, como potenciais objetos do seu consumo individual, apropriando-se dele, dando em troca o produto do seu trabalho específico. Por isso, "troca e divisão do trabalho condicionam-se reciprocamente" (Marx, Grundrisse 106).

Para a economia clássica, fundada por Adam Smith,3 e também para Marx, a divisão do trabalho permite um acréscimo na produção, dando condição para o homem ampliar a riqueza da sociedade, já que ele realizaria a satisfação das suas necessidades, não só por meio do seu trabalho individual, mas por meio do trabalho social, ou melhor, por meio do trabalho de todos os indivíduos da sociedade, produzindo mercadorias diversas no interior desta mesma sociedade. Isso permite a especialização do trabalho e, portanto, o desenvolvimento da produtividade, posto que um indivíduo possa produzir somente chapéus, mas, pela troca, ele poderá se apoderar da parte do trabalho social necessária para o seu sustento (alimentos, vestimentas etc.). Nesse sentido, cada indivíduo continuaria a produzir no seu trabalho em particular, mas não utilizaria todos os seus produtos, recorrendo ao mercado para trocar as sobras da sua produção por outros produtos que lhe supririam aquilo que ele precisa de diferente daquilo que produz. Esse intercâmbio de produtos do trabalho humano permitiu um aumento significativo do metabolismo do homem com a natureza, ao longo da história, incrementando e alavancando a produtividade do trabalho. Nas palavras de Marx (O capital 133): "a divisão social do trabalho tanto especializa seu trabalho quanto pluraliza suas necessidades".

O que torna possível a participação dos indivíduos no trabalho social é, portanto, a troca de suas mercadorias pelas mercadorias produzidas pelo restante dos indivíduos da sociedade. Seu trabalho, portanto, passa a integrar o trabalho social, assim como ele passa a participar do trabalho social, como consumidor, por meio do seu trabalho. Destaca-se, aqui, portanto, a sociabilidade do trabalho humano. Aquele trabalho concreto, que do ponto de vista singular, é apenas a produção de uma dada mercadoria específica, do ponto de vista da sociedade, é parte de um trabalho social, determinado pela forma geral de produção naquela sociedade. Evidencia-se, assim, uma distinção fundamental entre trabalho individual e trabalho social, ou produção social. A reprodução do trabalho social se dá pela constante reposição do trabalho singular, concreto, posto que a forma geral do trabalho, ou seja, o trabalho concreto, só se realiza em dado contexto histórico, sendo determinado pelo modo de produção vigente em dada sociedade e em dada época. Esse processo, segundo Marx (O capital 133) "é um organismo de produção que se formou e continua a evolver, natural e espontaneamente, à margem da consciência dos produtores de mercadoria".4 Enfim, voltemos ao valor de troca, para entender essa participação individual no trabalho social, exercida por meio da troca.

A fórmula de composição do valor de troca: a demonstração formal da sociabilidade do trabalho na forma mercadoria

Como valor de uso, ou seja, como coisa útil, a mercadoria é um objeto material, tangível, repleto de características que constituem a sua utilidade. Entretanto, se retirarmos, um a um, todas as características matérias da mercadoria, todas as coisas que a fazem útil, sobrarão apenas uma única característica: o seu valor, ou melhor, aquilo que torna possível a sua equiparação com as outras mercadorias, o que viabiliza a apropriação de cada indivíduo de sua parcela do trabalho social, no universo da produção de mercadorias. Recuemos um pouco sobre o fenômeno do valor e descubramos a sua aparição imediata, nosso objeto nesse trabalho: o valor de troca.

Para Marx (O capital 58), "o valor de troca revela-se, de início, na relação quantitativa entre valor de uso de espécies diferentes, na proporção em que se trocam relação que muda constantemente no tempo e no espaço", ou seja, o valor de troca se apresenta, inicialmente, como equiparação de mercadorias singulares, trocadas por indivíduos singulares, variando, em proporção, a depender de cada particularidade histórica, geográfica etc. Em outras palavras, trata-se, imediatamente, de uma relação simples de igualdade entre mercadorias diversas, em sua forma física, que se apresentam em uma determinada proporção, a depender de inúmeros fatores, por exemplo: clima, cultura, política etc.

Ora, sabemos que o trabalho concreto de um indivíduo determina o valor de uso de uma mercadoria singular. O chapeleiro produz chapéus; o alfaiate produz ternos etc. Mas o que determina o valor de troca de uma mercadoria singular? Marx é bem específico com relação isso: o que determina o valor de troca de uma mercadoria é o trabalho humano abstrato, espécie diferente de trabalho humano, que se mede não pela utilidade criada, mas pelo tempo gasto na produção de dado valor de uso.

Para o autor de O capital, "pondo-se de lado o desígnio da atividade produtiva e, em consequência, o caráter útil do trabalho, resta-lhe apenas ser um dispêndio de força humana de trabalho" (O capital 66). Nesse sentido, toda mercadoria tem seu valor de troca determinado pela quantidade média de trabalho necessário para produzir o seu valor de uso. Por exemplo: um chapéu, para ser produzido como coisa útil para um indivíduo qualquer se proteger do sol, precisa de uma quantidade de trabalho (t). Essa quantidade de trabalho contido na mercadoria tem o tempo como seu cálculo; ou seja, horas, dias, meses, anos, enfim, são as unidades de cálculo da quantidade de trabalho contida na mercadoria. No nosso exemplo, o chapéu precisa de t horas para ser produzido: essa é a quantidade de trabalho que determina seu valor de troca, ou melhor, o tempo necessário para compor o seu valor de uso, é aquilo que determina o seu valor de troca.

Para tornar isso mais claro, tomemos como exemplo uma determinada sociedade (y) que, para se reproduzir, gasta um número determinado de trabalho humano, dividido entre todos os indivíduos produtivos que a compõem. Chamaremos esse tempo de reprodução da sociedade y de T. Ou seja, T é a soma do tempo de produção médio de cada mercadoria singular necessária para a reprodução da sociedade y. Temos, assim, a equação T = ∑ tn, onde t é o tempo de produção de cada mercadoria singular e T é a soma de todos os t. Ora, se um chapeleiro qualquer produz, em um mês, 300 chapéus, gastando, para isso, 240h de trabalho, no final do mês ele poderá pegar suas 300 mercadorias, equivalentes a 240h de trabalho social, e trocar por outras mercadorias quaisquer, que representem, também, 240h do trabalho social. Nesse exemplo, cada chapéu significará, portanto, a fração de 1,25 horas do trabalho social, ou seja, t = 1,25 horas.

Vimos, portanto, como cada indivíduo pode se apropriar de sua parcela do trabalho social, mediante a troca de mercadorias. Mas nesse cálculo, aparentemente simples, podem surgir algumas distorções, como, por exemplo: se o indivíduo a – hábil chapeleiro – e o indivíduo b – produtor de café que nunca se propôs a fazer chapéus antes – se puserem a fazer o mesmo modelo de chapéu, certamente teremos tempos de trabalho diferentes para o chapeleiro e para o cafeicultor. Nesse exemplo, o indivíduo a, habilidoso em sua arte, produziria o chapéu em pouco tempo, enquanto o indivíduo b, que desconhece a arte de produzir chapéus, demoraria dias para concluir o mesmo trabalho. Então, se o tempo de trabalho necessário para produzir uma dada mercadoria é o que determina o seu valor de troca, seria, então, o chapéu produzido pelo cafeicultor mais valioso do que o do chapeleiro, já que aquele demorou mais tempo para ser produzido? Marx (Cf. O capital 60) afirma que não. Na realidade, essa magnitude do valor que se apresenta na mercadoria como valor de troca se dá pelo tempo de trabalho nivelado socialmente. Ou melhor, o valor de troca da mercadoria é calculado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Nas palavras de Marx: "o verdadeiro valor de uma mercadoria, porém, não é o valor individual, e sim o social; não se mede pelo tempo de trabalho que custa realmente ao produtor em cada caso, mas pelo tempo de trabalho socialmente exigido para sua produção" (Ibid. 368), ou em outras palavras, quanto do trabalho social foi gasto para produzir dada mercadoria. E mais: "cada mercadoria individual é considerada aqui exemplar médio da sua espécie" (Ibid. 61). Não importa, aqui, se um indivíduo produz mais ou menos rápido: importa, sim, quanto de trabalho social, nivelado, igualado, descaracterizado, é necessário para produzir a mercadoria em questão.

Em suma, podemos dizer, então, que toda mercadoria vem ao mundo na sua forma singular, como expressão direta da individualidade de um trabalhador qualquer. Entretanto, como já vimos, para ser mercadoria, esse produto do trabalho deve expressar outra determinação, que é a forma social de sua existência, ou seja, deve ser valor. O valor de troca, expressão singular do valor em cada mercadoria, é o resultado da média dos tempos de trabalhos necessários, em dada sociedade, para produzir dados valores de uso: "o que determina a grandeza do valor, portanto, é a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de um valor de uso" (Marx, O capital 61). Por exemplo, tomemos o dispêndio necessário de força de trabalho para a produção de chapéus, pelo número de chapeleiros que uma dada sociedade possui. No lugar de estarem colhendo trigo ou produzindo agulhas, esses indivíduos estão produzindo chapéus e, portanto, representam o deslocamento do trabalho social para um ramo particular de trabalho. Se em dada sociedade, em dado tempo específico, existem y indivíduos produzindo chapéus5, então o valor de troca da unidade da mercadoria-chapéu será expresso na seguinte fórmula:

Temos, portanto, que o valor de troca (vt) – o tempo de trabalho necessário para produzir o valor de uso – é igual a soma dos tempos em que cada indivíduo gasta para produzir um chapéu (t), dividido pela quantidade de indivíduos engajados na produção de mercadorias-chapéus naquela sociedade especifica (y)6.

Fica claro, pelo que foi dito, que a mercadoria singular expressará esse o seu valor de troca como uma média social dos trabalhos humanos singulares. Por isso, afirma Marx (O capital 375s): "o trabalho que se objetiva em valor é trabalho de qualidade social média, exteriorização de força de trabalho média. Mas uma magnitude média é apenas a média de muitas magnitudes distintas da mesma espécie".

Portanto,

cada uma dessas forças individuais de trabalho se equipara às demais, na medida em que possua o caráter de uma força média de trabalho social e atue como essa força média, precisamente, portanto, apenas do tempo de trabalho em média necessário ou socialmente necessário para a produção de uma mercadoria. Tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo de trabalho requerido para produzir-se um valor de uso qualquer, nas condições de produção socialmente normais existentes e com o grau social médio de destreza e intensidade do trabalho. (O capital 61)

Nesse processo, as distorções decorrentes dos trabalhos singulares são subsumidas na média final que resultará nos valores de troca. Se, por exemplo, o indivíduo x, chapeleiro, se encontrar com problemas de saúde e reduzir sua produção pela metade, enquanto o restante dos produtores de chapéus permanecerem em sua produção normal, o tempo necessário socialmente para a produção de chapéus não sofrerá pela redução da produtividade do indivíduo x e, além disso, mesmo com sua produtividade baixa, o indivíduo x receberá o mesmo por cada unidade de chapéu que ele conseguir produzir naquele período de tempo. Ou seja, no geral, ele terá uma redução drástica de ganhos e, portanto, sua cota no trabalho social será reduzida pela metade, no entanto, cada mercadoria singular do seu trabalho continuará equivalendo à mesma quantidade de trabalho social dispendido. Isso acontece, pois "o que determina a grandeza do valor, portanto, é a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de um valor de uso" (Ibid. 61). A trocabilidade, portanto, se apresenta nesses termos: "mercadorias que contêm iguais quantidades de trabalho, ou que podem ser produzidas no mesmo tempo de trabalho, possuem, consequentemente, valor da mesma magnitude" (Ibid. 61), sendo trocáveis entre si. Mas o tempo de trabalho que equipara as mercadorias não é medido individualmente, mas em uma média social.

Diante disso, prosseguindo no nosso estudo, vimos que o trabalho é o reflexo de uma individualidade qualquer. Ao produzir, o indivíduo põe para fora a sua subjetividade, as suas forças próprias, os seus talentos, as suas habilidades, e corporifica, no produto do seu trabalho, aquilo que anteriormente já tinha em mente. Isso acontece com o trabalho concreto, posto que é uma atividade teleológica em que o objetivo do início está no fim do processo, corporificado. Mas o que acontece, então, como o trabalho abstrato, onde o resultado, no fim da atividade, não está contido no início? Mesmo demorando mais para produzir um chapéu, o chapeleiro tem como finalidade o chapéu, entendido como valor de uso, como coisa útil. Entretanto, quando falamos do valor de troca, ele não tem controle sobre o resultado final de seu produto; não tem como determinar, sozinho, qual o valor de troca de sua mercadoria. Essa é uma determinação social do seu trabalho.

O que podemos concluir é que o indivíduo que produz mercadorias, além da sua singularidade, apresenta-se como medium social; como lugar em que uma substância social se singulariza e se apresenta, objetivamente, como mercadoria, na forma de valor, expresso na mercadoria como valor de troca. Por isso, "toda a força de trabalho da sociedade – que se revela nos valores do mundo das mercadorias – vale, aqui, por força de trabalho único, embora se constitua de inúmeras forças de trabalho individuais" (O capital 61), ou seja, cada indivíduo continua a ser um produtor singular, mas ele também se torna meio de expressão média de uma substância social como uma força de trabalho universal da sociedade (valor, que se apresenta sempre na troca, ou seja, como valor de troca). A individualidade, portanto, expressa a si e a todos, no produto do seu trabalho; ele se constitui como esse ponto médio entre o todo e ela mesma, entre o universal e o singular; ele é, no produto do seu trabalho, o ser que sai de si, vai à infinidade dos outros seres e volta para si, corporificando, na mercadoria, esse seu caráter universal. Essa forma única do indivíduo trabalhador apresenta a sociabilidade do trabalho, dentro da divisão social do trabalho, de acordo com a fórmula do valor de troca, apresentada acima.

Conclusões

Vimos, assim, que o trabalho concreto reflete, tão-somente, o trabalho singular em um dado nível de desenvolvimento da produção humana. Com a introdução do valor de troca, onde uma mercadoria se equipara a outra, temos a primeira aparição da sociabilidade do trabalho humano, expresso e demonstrado formalmente através da fórmula do valor de troca, descrita acima. O valor de troca, como mostramos, é uma instância social do trabalho singular, onde a substância de caráter puramente social (valor, trabalho abstrato) se singulariza na mercadoria.

Claro que toda essa análise precisa ser extrapolada para ser bem entendida. Nenhum dos elementos trazidos aqui tem o caráter conclusivo, pois toda nossa análise requer complementação, para o bom entendimento do capitalismo, tal como é analisado em O capital. Todavia, nosso objeto, aqui, é só explicitar um momento da obra máxima de Marx que geralmente provoca confusão. Ou seja, esse artigo tem a modesta (ou ousada) pretensão de explicitar a primeira e mais imediata forma de sociabilidade do trabalho, tal como aparece já na forma mercadoria. O que se conclui, com a fórmula do valor de troca, é que a determinação singular do valor, na mercadoria tal como ela aparece7, é a própria explicitação imediata da sociabilidade do trabalho. A divisão social do trabalho, pressuposto necessário do valor de troca, relaciona a imensa acumulação de trabalhos singulares com o trabalho singular propriamente dito, onde cada indivíduo pode ser ao mesmo tempo, produtor singular e consumidor universal. O valor de troca, ainda não enriquecido pela forma do valor (equivalente ou relativa), só pode ser tomado unilateralmente, como uma determinação social do trabalho singular. Nessa medida, o trabalho produtor de mercadoria é, ao mesmo tempo, um trabalho singular, individual, concreto, e um trabalho social, total, abstrato. A fórmula que torna possível pensar, analiticamente, esse caráter social do trabalho singular só pode ser a fórmula do valor de troca, trazida acima.


Notas de Rodapé

1 Mercadoria é aquele produto que é trocado no mercado, para que outro indivíduo, diferente do produtor, consuma-o.
2 São mediações de primeira ordem, para Mészáros: "1) os seres humanos são parte da natureza que deve satisfazer sua necessidades elementares por meio de um constante intercâmbio com a natureza – e… 2) eles são constituídos de tal maneira que não podem sobreviver como indivíduos da espécie a que pertencem (a única espécie 'intervencionista' do mundo natural) num intercâmbio não-mediado com a natureza – como fazem os animais – regulando pelo comportamento instintivo diretamente determinado pela natureza, por mais complexo que seja esse comportamento instintivo dos animais". (212)
3 "O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido resultados da divisão do trabalho" (Smith 65). Sobre as causas do aumento da produção, Smith acrescenta: "Esse grande aumento da quantidade de trabalho que, em consequência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de realizar, é devido a três circunstâncias distintas: em primeiro lugar, devido à maior destreza existente em cada trabalhador; em segundo, à poupança daquele tempo que, geralmente, seria costume perder ao passar de um tipo de trabalho para outro; finalmente, à invenção de um grande número de máquinas que facilitam e abreviam o trabalho, possibilitando a uma única pessoa fazer o trabalho que, de outra forma, teria que ser feito por muitas" (68). E mais: Sobre o intercâmbio que ocorre entre os diversos trabalhos, afirma Smith: "No caso de quase todas as outras raças de animais, cada indivíduo, ao atingir a maturidade, é totalmente independente e, em seu estado natural, não tem necessidade da ajuda de nenhuma outra criatura vivente. O homem, entretanto, tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a autoestima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa. É isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra. Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer — esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos. Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse". (74)
4 Esse processo é, fundamentalmente, o processo de alienação social, ou seja, de fetichismo. Destacamos que divisão social do trabalho não é causa suficiente do fetichismo, pois a divisão pode ocorrer de forma clara, sem mistérios; ou seja, o metabolismo social pode ser realizado de forma racional e consciente. Todavia, na sociedade capitalista, onde a divisão social do trabalho é mediada pela troca, o fetichismo é uma realidade que encobre a sociabilidade do trabalho.
5 Como alertamos na nota 4, a divisão social do trabalho é alienada, na sociedade que estudamos. Nesse sentido, esse deslocamento de forças produtivas não é conscientemente articulado, mas, como se observará com a introdução da mediação do capital no processo produtivo, esse processo está determinado, em nossa sociedade, pela valorização do valor.
6 Observamos que o deslocamento do trabalho social na direção da produção de chapéus cria um setor particular de produção que determina a média de trabalho necessário para produzir dado valor de uso. Esse cálculo proposto explicita a ideia de Marx de que o que determina o valor nominal de uma mercadoria, ou seja, o seu valor de troca, é a quantidade de trabalho social médio contido nela. Além disso, precisamos salientar que o que está pressuposto, aqui, é uma divisão social do trabalho bem rudimentar. Se pensarmos em um estágio mais avançado de divisão do trabalho, teremos indivíduos engajados na produção da palha, outros engajados na produção de agulhas, outros, por sua vez, na confecção do chapéu propriamente dito.
7 Ainda não realizamos troca, aqui, no sentido estrito da palavra. Para tanto, teríamos que avançar para a forma valor e as suas formas relativa e equivalente, o que escaparia a delimitação do nosso objeto.


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