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Discusiones Filosóficas

versión impresa ISSN 0124-6127

discus.filos vol.15 no.24 Manizales ene./jun. 2014

 

Zubiri e sua crítica ao conceito aristotélico de natureza

Zubiri and his critique of aristotle's concept of nature

Everaldo Cescon
Universidade de Caxias do Sul, Brasil, E-mail: everaldocescon@hotmail.com

Recibido el 10 de febrero de 2014 y aprobado el 9 de junio de 2014



Resumo

Num primeiro momento pretende-se expor as ideias zubirianas acerca da história da filosofia e aplicar este esquema à análise do conceito de natureza. Num segundo momento, analisa-se o que Zubiri entende por natureza à luz da sua ideia de realidade, pois o filósofo madrilenho não aborda o tema direta e tematicamente. Partindo de sua ideia de realidade e de inteligência, as antigas distinções entre entes naturais e entes artificiais são insustentáveis, inclusive porque já dispomos de tecnologia para produzir artificialmente entes naturais. Zubiri considera que a distinção ente natural-ente artificial é precedida primária e radicalmente por uma outra: a distinção coisa real-coisa sentido. Portanto, analisa-se o que Zubiri entende por realidade e como, a partir desta perspectiva, são definidas as noções de natureza e de técnica.

Palavras-chave

Aristóteles, fenomenologia, metafísica, natureza, Zubiri.

Abstract

Firstly it is intended to expose the Zubirian's ideas about the history of philosophy and apply this scheme to the analysis of the concept of nature. Secondly it analyzes what Zubiri meant by nature to light their idea of reality, as the Madrid's philosopher does not address the topic directly and thematically. Starting from your idea of reality and intelligence, the old distinctions between natural and artificial beings are unsustainable, including because we already have technology to produce artifically natural beings. Zubiri considers that the distinction between natural-artificial entity is preceded by another radically elementary: the distinction real thing/sense thing. Therefore, it analyzes what Zubiri meant by reality and how, from this perspective, are defined the concepts of nature and technique.

Key words

Aristotle, phenomenology, metaphysics, nature, Zubiri.



Introdução

Nosso principal objetivo é analisar o que Xavier Zubiri entende por natureza à luz da sua ideia de realidade, procurando evidenciar a relevância da sua concepção na superação da dicotomia entes naturais/entes artificiais, não mais sustentável após a revolução biotecnológica ocorrida no século XX. O filósofo basco não aborda o tema da natureza tematicamente, mas contamos com o seu artigo "La idea de Naturaleza: la nueva física", publicado em 1934, e do qual, em 1980, no prólogo à edição inglesa de Naturaleza, Historia y Dios dirá: "ciertamente mantengo la idea de naturaleza entonces expuesta". Portanto, este será um texto de referência para a nossa investigação.

Tradicionalmente, o tema da natureza tem sido enquadrado como sendo ontologia regional. Isto é, o ente natural é tomado como um ente junto a outros, na especulação metafísica por excelência. Assim se expressa Zubiri:

¿qué se entiende por natural? ¿Qué es naturaleza? Una proposición que respondiera a estas preguntas sería una afirmación que acotaría, dentro del mundo de lo que hay, aquellos entes que caen dentro de la región de lo natural. Por lo tanto, tendría una doble dimensión. De un lado, miraría al mundo entero de lo que hay, de otro, al interior de una región de él. En el primer aspecto, semejante afirmación sería una negación metódica de todo lo que no es esa nueva región por lo tanto, dentro de su negatividad, constituiría para la ontología, el problema de discernir las regiones del ser. Pero, mirado desde el segundo aspecto, sería una afirmación que daría sentido primario a cuanto hay en esa nueva región. Sería pues, lo que permitiría establecer o poner cosas en ella sería el principio de su positum, de la positividad, un principio positivo, esto es, permitiría dar sentido unívoco al verbo existir dentro de esta región habría dado lugar a una ciencia positiva. (Naturaleza, Historia 336)

Devemos analisar a natureza ou realidade natural a partir do que seja a realidade. Assim, devemos considerar que, para Zubiri, a realidade não é um conteúdo de consciência, mas algo que se atualiza na apreensão humana. "Realidad es —para Zubiri— todo y sólo aquello que actúa sobre las demás cosas o sobre sí mismo en virtud, formalmente de las notas que posee" (Sobre la 104). Quando algo não atua em virtude de suas próprias notas, mas fundando possibilidades para a vida humana, Zubiri o denomina coisa-sentido. A sua condição de coisas-sentido faz delas possibilidades para a vida do homem. Consequentemente, as possibilidades são sempre possibilidades do real.

A diferença em relação às posições fenomenológicas reside no fato de a coisa-real ser anterior à possibilidade nas próprias coisas, mas também para a apreensão impressiva. O sentido é sempre algo ulterior e com caráter adventício.

I
A diferenciação physis/tékhnè

O termo physis significa, em grego, nascer, surgir, etc. Em Platão, o uso mais frequente do termo é como "maneira de ser", como "características próprias" e como "natureza universal". Em Aristóteles, é empregado no sentido de "princípio interno de movimento". Refere-se a uma região do ente e designa o ser desta região do ente. É um modo de ser; aquilo que tem em si mesmo o princípio de seu próprio movimento, de seu próprio "vir-a-ser".

A especulação acerca da physis é, portanto, uma especulação acerca do princípio ou arké dos entes cujo modo de ser caracteriza. Logo, physis se identifica com a realidade fundamental. Ao mesmo tempo, designa o próprio processo do emergir, sempre que o processo surja do próprio ser que emerge. Physis é um princípio de movimento.

O interesse de Aristóteles é examinar internamente a própria physis. Para tal, estabelece, a serviço de tal análise, a contraposição physis/tékhnè. Tékhnè é um termo de ampla significação no grego antigo. Significou arte, indústria, ofício.1 Designava, em última instância, um modo de fazer algo e, como tal, um método ou conjunto de regras. Para ele, tékhnè se distingue de outras formas de saber por ser um "estado de capacidade para fazer algo", sempre que implique um método. O saber da tékhnè é muito superior ao da empeíria, já que, aquele que possui tékhnè, o tékhnites, sabe o porquê. O conhecimento por causas é próprio da tékhnè.2 Assim, está estreitamente ligado à epistéme, já que o saber técnico é um saber por causas.

Para Aristóteles, a função própria da tékhnè é a imitação da physis, porém a imitação não é concebida como uma relação descendente do modelo à cópia, como seria no platonismo. A imitação aristotélica é uma relação ascendente. A tékhnè é um esforço por realizar, com os meios disponíveis, a perfeição do mundo supralunar. Imitar a natureza não é duplicá-la, mas completá-la, utilizar a contingência do mundo sublunar para aproximar-se da ordem que reina no céu.

Que relação há, então, entre o que é por tékhnè e o que é por physis? Comenta Zubiri:
para Aristóteles los entes artificiales (tékhnè onta) no son en rigor entes ni tienen, propiamente hablando, esencia. Una cama de castaño no es, en rigor, un ente. La prueba está en que si yo la plantara en tierra y pudiera germinar, no brotarían camas sino castaños. El ente es el castaño, no la cama. Para los griegos la tékhnè, eso que mal expresado llamamos nosotros técnica, es algo inferior a la naturaleza. En todo caso la técnica de los griegos no hace lo que la naturaleza hace, sino lo que ésta no hace; a lo sumo ayuda a la naturaleza en su hacer. Lo verdaderamente entitativo es la naturaleza. Por tanto, sólo de los entes naturales hay esencia. (Sobre la 77)

A tékhnè é um fazer no qual o artífice tira as ideias de si mesmo. Na physis a ideia não é algo externo mas um princípio interno. Uma vez produzida, a physis de cada coisa consiste naquele princípio interno a si mesmo do qual emergem as suas operações.

II
Críticas zubirianas ao conceito aristotélico de physis como ousía

Em sua reflexão, Zubiri efetua uma série de críticas, que passaremos a expor a seguir, à concepção aristotélica da natureza, como método de análise e contextualização de seu pensamento em relação à noção de natureza.

Aristóteles entende a physis como ousía, como um modo de presenciação. A ousía é aquilo de que depende o restante, a causa do ser para todas as coisas. Em geral é traduzida com o termo substância e, com ele, se expressa o caráter subsistente do sujeito ontológico.

A estrutura radical da realidade é concebida, em Aristóteles, a partir da substância entendida como substrato. Só a substância tem essência em sentido estrito. É o sujeito último de toda predicação. Somente dela há, a rigor, definição, pois só as substâncias têm essência (Cf. Zubiri, Sobre la 75-97) e definir algo é explicitar a essência de uma substância.

Aristóteles se aproxima do real pela via da definição que leva a reduzir o essencial ao específico, pois a pergunta pela essência de algo é a pergunta pelo quê e a resposta vem dada pela sua definição. A essência não se identifica com a substância mas é algo da substância. Tudo o que, na substância, não é essência são caracteres inespecíficos: os acidentes ou momentos individuais. A essência como momento real da substância é um momento físico de especificidade. Daí o duplo sentido de essência como correlato real da definição e como momento real da substância.

Diante do exposto, Zubiri conclui que, em Aristóteles, se impõe a via do logos, isto é, a via predicativa, sobre a via da physis:

en nuestro problema, hay en el fondo, un claro predominio del logos sobre la physis, de la predicación sobre la naturaleza. Más aún, la misma apelación a la physis se lleva a cabo para polemizar con Platón que fue justamente el gran teórico del "logos del ón", el que planteó el problema del eidos, y lo planteó justamente en términos de logos. Por eso Aristóteles no dice tímidamente que va a comenzar "según el logos" (Logikos). Porque si bien es verdad que quiere determinar lo que es la esencia de algo por vía de la physis, sin embargo, en cuanto intenta aprehender positivamente lo que es la esencia de una cosa natural lo que hace es, sencillamente, volcar sobre la cosa natural, en cuanto "natural" aquellos caracteres que sólo le convienen en cuanto legómenon, esto es, como término de predicación, como objeto de logos. Lo cual enturbia el concepto de esencia. (Ibid. 82)
Visto a questão em Aristóteles estar assim organizada:
1) O âmbito do essenciável é a natureza;
2) O ente essenciado é a substância natural;
3) A própria essência radica em sua especificidade.
Zubiri desenvolve a sua investigação sobre a essência em três planos sucessivos:
1) Determinação do âmbito do essenciável;
2) A realidade essenciada;
3) A própria essência do real.

a) O âmbito do essenciável

Para Aristóteles, o essenciável é a physis e o delimita contrapondo-o à tékhnè.

Para Zubiri, no entanto, o âmbito do essenciável coincide com o âmbito da realidade. Por isso é cuidadoso na hora de delimitar o domínio da realidade de outros domínios, introduzindo a distinção entre coisa-realidade e coisa-sentido. Segundo ele, as coisas-sentido carecem de essência. O que acontece é que estas coisas-sentido, como possibilidades para a vida humana, se fundam tanto nos interesses humanos como nas coisas reais que as sustentam. Logo, a busca da essência remete a uma prévia tarefa desconstrutiva dos sentidos.

b) A realidade essenciada

Para Aristóteles, só as substâncias têm, em sentido estrito, essência, já que a substância é o verdadeiro ente. A substância tem um caráter subjetal, é o sujeito último de predicação e os acidentes são unicamente afecções dela.

Zubiri, no entanto, considera esta concepção não justificada, nem por via da physis, nem por via do logos.

1) Ser sujeito enquanto termo do logos não é ser fisicamente uma realidade-sujeito.
No es lo mismo —afirma Zubiri— ser sujeto de atribución que poseer lo atribuido como propiedad física de un sujeto. [...] La identidad de la vía no envuelve la identidad de la estructura real de aquello a lo que esta vía conduce, es decir, no todas las realidades que son sujeto de predicación son, por eso, sub-jectum en cuanto realidad. (Zubiri, Sobre la 82-3)

2) Tampouco a via da physis soluciona o problema da subjetualidade da realidade substancial. Zubiri chama a estrutura radical de toda a realidade de substantividade. A substantividade expressa a plenitude da autonomia entitativa. Para ele, o âmbito do essenciável é a realidade; dentro dele só as individualidades substantivas têm essência. O conceito de individualidade zubiriana difere da concepção clássica pelo menos em três elementos: a função da individualidade não é diferenciar o indivíduo, mas constitui-lo em indivíduo; o indivíduo é irredutível e positivo e a espécie surge do indivíduo como consequência de sua capacidade de especiação; a individualidade é uma unidade de sistema intrinsecamente dimensionada, caracterizada pela concatenação interna de notas interdependentes e com fechamento circular ou cíclico.

c) A essência do real

O fato de que somente o específico possa ser definido não significa que o inespecífico não seja essencial. A essência não consiste no que pode ser definido:

un individuo puede poseer muchos caracteres esenciales para él y que no sean específicos. [...] Una cosa es averiguar qué es lo esencial de algo, otra que lo averiguado sea formalmente una definición. (Ibid. 90)
A função que os caracteres essenciais desempenham num indivíduo é estruturante e não especificante.
La esencia se hallará en el sistema de caracteres o notas que forman físicamente esta sustantividad, como principio fundante de ella, es decir, de aquello por lo que una cosa es real y actúa como real, y es, por tanto, realidad 'natural', en el concepto de naturaleza que expuse al comienzo, a saber, las cosas en cuanto actúan sobre las demás por propiedades que poseen en y por sí mismas, sea cualquiera su origen. (Ibid. 176)

Aristóteles não distingue essência abstrata de essência física, justamente porque o sujeito de atribuição dos predicados é o sujeito das notas reais. Para Zubiri, a essência física é aquela que faz de cada coisa algo determinado e circunscrito. Aquilo que constitui o perfil de suficiência formal de uma coisa como realidade própria. A essência real, por outro lado, se determina na análise das estruturas reais, "de sus notas y de la función que éstas desempeñan en el sistema constitucional de la sustantividad individual tanto estricta como singular. Es la esencia como momento 'físico' de la cosa real" (Zubiri, Sobre la 77).

Zubiri busca a essência física e não metafísica. À essência entendida na linha aristotélica Zubiri chama essência conceptiva. A essência "física" é um momento físico da coisa. A essência em Zubiri é algo físico e não meramente conceitual; é um momento entitativo; é um conjunto de notas com função própria individual de ordem constitucional e que concerne à substantividade. É suficiência constitucional.

Se, para Aristóteles, a realidade, em sentido pleno, é a substância e a sua essência é uma forma substancial que atualiza uma matéria-prima, para Zubiri, esta concepção é insuficiente por dois motivos: 1) Entre momentos essenciais não há relação hilemórfica; numa estrutura como a substantividade, todos os momentos se codeterminam mutuamente; e 2) A substância não é o real por excelência. O real não é, primeiro e por si mesmo, subjetal mas substantivo.

Un organismo —pensa Zubiri— no es una sustancia; tiene muchas sustancias, y sustancias renovables; mientras que no tiene sino una sola sustantividad, siempre la misma. La esencia de un ser vivo es una estructura. Por eso es por lo que la estructura no es una forma sustancial informante: porque sus notas se codeterminan mutuamente, y porque la estructura no es sustancia sino sustantividad. (Ibid. 513)

Toda substantividade é um sistema com estrutura interna, íntima concatenação e interdependência de suas notas. É o que confere unidade ao sistema: a interdependência indica que, em caso de dissociação, o sistema desaparece; a concatenação de notas interdependentes indica a função que cada nota desempenha em relação às demais. Tanto a posição, quanto a conexão sistemática das notas são caracteres físicos e não conceituais. Toda substantividade possui unidade constitucional que é "una unidad primaria cuyas distintas notas no son sino momentos concatenados, posicionalmente interdependentes en forma clausurada" (Zubiri, Sobre la 146).

III
Críticas de Zubiri ao conceito aristotélico de physis como morphé/hylé

Para Aristóteles, a matéria e a forma são dois modos de ser physis, ainda que reconheça certa superioridade da morphé sobre a hylé. Assim se expressa Aristóteles num texto da Física:

enquanto ao que está composto de matéria e forma, por exemplo um homem, isto não é natureza, mas 'por natureza'. A forma é mais natureza do que a matéria, porque dizemos que uma coisa é o que é quando existe atualmente mais do que quando existe em potência. (193b 6-9)
A matéria é considerada como algo que perde a forma, é a privação da forma. Portanto, o princípio de vir-a-ser revela uma triplicidade:
1) A forma que é o que surge no processo do vir-a-ser e que se manifesta como atributo.
2) A matéria como sujeito do vir-a-ser.
3) A privação que é o sujeito como ausência de forma.

Para Aristóteles, a matéria é algo indeterminado em relação à realidade em ato. Aquilo que configura a matéria é a forma. Toda substância material tem um momento de matéria-prima e um momento de forma substancial. A essência da materialidade é, pois, a matéria-prima. A matéria-prima não é designável, nem como substância, nem como quantidade, nem como nenhuma outra categoria do ser. É indeterminação absoluta. É a base de todas as coisas materiais, mas não subsiste enquanto tal separada da forma.

Para Zubiri, no entanto, a concepção aristotélica da materialidade é insustentável porque a realidade não é substância subjetal mas substantividade estrutural e porque as realidades substantivas são sistemas de propriedades ou notas. Isto significa que a substantividade é um sistema de propriedades. Toda nota numa coisa é uma nota-de, isto é, um momento do sistema total.

El momento 'de' es un momento no conceptivo sino real; diré que es un momento físico en el sentido de real a diferencia de conceptivo [...] El 'de' pertenece a la cosa 'de suyo', es por tanto un momento de su realidad. (Zubiri, Inteligencia y 19-20)

A substantividade material, para Zubiri, é algo indeterminado, mas em relação ao que chama "dar de sí". "Dar de sí" é uma capacidade determinada de compor outras realidades. Assim, a materialidade é algo positivamente qualificado. Zubiri qualifica estas capacidades de potencialidades.

Potencialidade não é potência passiva, isto é, aquilo cujo ato é uma determinação recebida. Tampouco é potência ativa com capacidade para atuar. É, antes, uma capacidade estrutural de "dar de sí". Também se diferencia de possibilidade. As possibilidades pertencem sempre à ordem operativa, enquanto as potencialidades concernem à ordem constitutiva. Portanto, a matéria, para Zubiri, é princípio de ato, sendo as suas potencialidades modos de ser deste princípio.

Em suma, a materialidade não é pura indeterminação, com pensava Aristóteles, mas é polivalência da substantividade material, em relação ao seu "dar de sí" (Ibid. 450).

IV
Críticas ao conceito aristotélico de physis como dynamis/energeia-entelequía

Aristóteles centra o problema do conhecimento da physis na análise das causas. A pergunta pela physis se converte na pergunta pelas causas. Dentre todas as causas, a mais importante, pelo fato de se referir à physis, é a causa final. A physis é uma das causas finais.

A finalidade tem em Aristóteles um caráter imanente, já que a physis é um princípio interno de movimento. Porém, não um movimento de direção arbitrária mas um movimento dirigido pela causa final. Assim, a natureza seria caracterizada como uma teleologia imanente. A physis é um fim imanente em si mesmo considerado, ou seja, atua sempre em vista de um objetivo. Tal fim é, sinteticamente, a própria natureza, a qual se volta sobre si mesma em todas e em cada uma das suas operações: a imanência implica um processo que se fecha intrinsecamente sobre si mesmo. Neste âmbito, a teleologia é um princípio de racionalidade para entender a dinâmica da natureza e a própria estrutura do ente natural.

Em Aristóteles nada passa da potência ao ato se não estiver sob a ação de um ser já em ato, de um ser que possui a forma que constitui o fim do movimento. Portanto, estabelece-se a primazia do ato sobre a potência, assim como se reconheceu a primazia da forma sobre a matéria. Para ele, o fato de estar composto de ato e potência é condição indispensável para que se dê o movimento. Consequentemente, pode-se definir a physis como arké kineseos visto ser causa da mutabilidade dos entes naturais. Physis é a causa que atualiza o ser potencial. Physis é o autêntico ser das coisas.

Aristóteles subordina o conceito de vir-a-ser ao de movimento, entendido como mudança. Só há movimento porque há um sujeito que permanece como sujeito de variações. Na concepção aristotélica pode-se distinguir as seguintes classes de movimento: um movimento quantitativo que consiste num aumento ou diminuição, um crescer ou decrescer da substância em questão; um movimento qualitativo que consiste numa alteração; e um movimento local que consiste numa mudança de lugar.

Para Zubiri esta divisão tripartida é imprecisa por vários motivos:
1) Para Aristóteles o movimento local é um movimento mecânico, o que é falso. Há movimentos locais que não são de caráter mecânico, como por exemplo as variações de lugar de um campo eletromagnético. Para Zubiri a variação local é a estrutura dinâmica básica do que acontece na realidade. O espaço no qual se dá toda variação não é um espaço absoluto, como o pensavam Aristóteles e Newton. "El espacio es la respectividad de las cosas reales por razón del lugar ocupado por ellas" (Zubiri, Estructura dinámica 114). O lugar de uma coisa é sempre respectivo aos lugares das demais coisas. Uma das formas de variação é o movimento, que não consiste, como pensava Aristóteles, numa capacidade do móvil, mas na respectividade de um corpo com relação aos outros.
2) Aristóteles concebe o movimento como se emergisse ativa ou passivamente das substâncias que compõem o universo. Para Zubiri, isto não faz sentido, partindo da sua concepção de substantividade e da consideração da estrutura do espaço como respectividade.
Se trata, por consiguiente, de partir de una estructura básica y primaria de la respectividad del universo, una respectividad en la cual, evidentemente las sustantividades están en respectividad y son activas por sí mismas. Y manteniendo juntos este carácter de respectivo y de activo por sí mismo, que queda actualizado precisamente en la totalidad de la respectividad, es cuanto tenemos justamente la estructura misma del dinamismo variacional. (Zubiri, Estructura dinámica 111)
Quanto ao movimento substancial, o que permanece é o substrato ou matéria última ao qual Aristóteles denomina matéria-prima, que é em si indeterminada por ser potencialmente qualquer tipo de substância natural. A este respeito, Zubiri reflete da seguinte forma:
hay otro tipo de transformaciones sustanciales, por ejemplo, en el caso de la generación, la cual consiste en que una forma sustancial distinta, por lo menos numéricamente de la primera, aparezca en la realidad. Pero, ¿en qué realidad? En el sujeto subyacente a ella. Ahora bien, como se trata de una sustancia, no hay un sujeto sustancial entero. Y Aristóteles tiene que forjar esa sutil y maravillosa idea, que ha pasado al lenguaje corriente, de la materia prima. La materia prima que no es una materia, una cosa determinada, sino que es el principio potencial, indeterminado, en virtud del cual esa materia que pierde esa forma sustancial, adquiere por influencia de la primera una nueva formalidad sustancial. De esta manera la transformación sería para Aristóteles, rigurosamente hablando una transmutación. (Ibid. 134-35)

Em que consiste propriamente esta transformação? Trata-se da transformação de uma forma substancial em outra. E o sujeito último desta transformação é a matéria-prima. O que se transforma em última instância é o composto substancial no qual ocorre uma substituição de formas.

Para Zubiri, esta concepção aristotélica é insuficiente e errônea por duas razões:

1) Na ordem da natureza, o termo de transformação não é o sujeito substancial mas uma substantividade.

Y una sustantividad —escreve Zubiri— que está constituida formalmente por um carácter estructural, no por un carácter subjetual, de unos accidentes. Ni tan siquiera de unas formas sustanciales. Sino que formalmente hablando es una estructura, y por consiguiente para que la transformación sea verdaderamente transformación, lo que tiene que hacer es transformar la estructura. No simplemente sustituir estructuras sobre una materia prima. (Zubiri, Estructura dinámica 136)
2) Em virtude do caráter substantivo da realidade, o que chamamos transformação não é o resultado da substituição de umas formas por outras. A verdadeira transformação é a transformação de umas estruturas em outras. Não há necessidade de postular um sujeito de mudança. Assim ocorre nas transformações de matéria em energia ou numa transformação de fótons que, pelo choque com elétrons, produzem, por materialização, um elétron. Qual é o sujeito e a matéria-prima? E de fato houve uma transformação estrutural. A nova estrutura está caracterizada por novas propriedades sistemáticas.
La transformación no consiste —declara Zubiri— en que una sustancia, una materia prima, esté dotada sucesivamente de formas sustanciales diferentes. Consiste en que una estructura, ella, desde sí misma, en tanto que estructura, dé lugar desde sí a una estructura completamente distinta. [...] La transformación es el dinamismo de una estructura que da de sí otras estructuras. (Ibid. 139-140)
Conclusão

A nosso ver, Zubiri analisa o vir-a-ser da realidade de um modo muito mais radical e profundo do que o fizera Aristóteles: partindo de seus conceitos de substantividade e respectividade. As realidades, para Zubiri, são estruturas que "de-suyo-dan-de-sí".

Assim, numa filosofia não conceitualista e não substancialista como a filosofia zubiriana, a clássica contraposição physis/tékhnè já não é válida. Não só pelo novo conceito de realidade que determina invariavelmente o conceito de natureza, mas pela nova concepção da técnica dado o nível de desenvolvimento qualitativo alcançado por esta, sobretudo no século XX. Zubiri substitui esta contraposição pela distinção coisa-real/coisa-sentido estabelecendo, neste ponto, o diálogo, já não com a tradição clássica, mas com a fenomenologia de Husserl e Heidegger, que são os seus autênticos interlocutores.

O conceito de realidade zubiriano, apesar dos paralelismos e diferenças assinalados, não surge do conceito aristotélico de natureza mas do conceito fenomenológico de coisa-sentido. Coisa-real significa "de suyo", entendido como meramente real, distinguindo-se de coisa-sentido. O "de suyo" está dado na apreensão primordial. Porém, o importante é ver que este "de suyo" está dado "em fazer", como transcendental que se concretiza com conteúdos mundanos. Esta concepção rompe definitivamente com a unidade physis/logos que constituía uma visão naturalista necessitarista da natureza e do homem.

A concepção zubiriana da realidade é marcadamente dinâmica e aberta, o que permite que realidade e sentido se distingam, porém, não se oponham. Uma essência aberta, isto é, a essência humana, o é pelas suas notas físicas, porém, ao ser dinâmica a realização desta abertura, que consiste numa apropriação de possibilidades, acrescenta à coisa-real um âmbito do sentido que, como tal, não é nenhuma nota física e que permite elevar-se acima de suas próprias notas físicas.

A questão se concretizará, então, numa realidade dinâmica que dá de si por suas próprias notas físicas coisas que formalmente não se definem por suas notas físicas; coisas-sentido.



Notas de Ropadé

1 Segundo Jaeger (2001), a palavra tekhnè, em grego, faz referência a toda profissão prática baseada em determinados conhecimentos especiais. Portanto, não só à pintura e à escultura, à arquitetura e à música, mas também à medicina, à estratégia da guerra ou à arte da navegação. Muitas vezes, corresponde a teoria, na terminologia de Platão e Aristóteles, especialmente quando contraposta à mera experiência.
2 A este respeito, Cf. Zubiri (Sobre el 333-36).



Referências bibliográficas

Aristóteles. Física. Buenos Aires: Editorial Biblos, 1995. Impreso.         [ Links ]

Jaeger, Werner. Paidéia. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Impresso.         [ Links ]

Zubiri, Xavier. Inteligencia y Razón. Madrid: Alianza Editorial/SEP, 1983. Impreso.         [ Links ]

---. Sobre el hombre. Madrid: Alianza Editorial, 1986. Impreso.         [ Links ]

---. Estructura dinámica de la realidad. Madrid: Alianza Editorial, 1989. Impreso.         [ Links ]

---. Sobre la esencia. Madrid: Alianza Editorial, 1998. Impreso.         [ Links ]

---. Naturaleza, Historia, Dios. Madrid: Alianza, 1999. Impreso.         [ Links ]


Como citar:
Cescon, Everaldo. "Zubiri e sua crítica ao conceito aristotélico de natureza". Discusiones Filosóficas. ene.-jun. 2014: 115-128.