SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 issue25Peirce's philosophical project from chance to evolutionary loveRealism and the challenge of inter-theoretical incompatibility author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Discusiones Filosóficas

Print version ISSN 0124-6127

discus.filos vol.15 no.25 Manizales July/Dec. 2014

 

O caráter dualista da filosofia da mente de John Searle*

The dualistic character of john searle's philosophy of mind

Tárik De Athayde Prata**
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Brasil. tarikbilden@yahoo.de

* O presente trabalho faz parte do projeto de pesquisa "O naturalismo biológico de John Searle e o fisicalismo não-redutivo", registrado no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
** Doutor em Filosofia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha). Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da UFPE, Recife-Brasil.

Recibido el 8 de noviembre de 2014, aprobado el 15 de diciembre de 2014



Resumo

O artigo defende a tese de que o naturalismo biológico de Searle é uma forma de dualismo de propriedades. Após um exame do problema mente corpo e do dualismo de propriedades (seção 2), e de uma exposição do naturalismo biológico (seção 3), é discutida criticamente a concepção de subjetividade ontológica (seção 4), concepção que leva o naturalismo biológico a ser um dualismo entre propriedades objetivas e subjetivas (seção 5).

Palavras chave

Dualismo de propriedades, naturalismo biológico, problema mente-corpo.

Abstract

This paper holds that Searle's biological naturalism is a variant of property dualism. After an exam of the mind-body problem and of property dualism (section 2), and after an exposition of biological naturalism (section 3), I engage in a critical discussion of Searle's view about ontological subjectivity (section 4), a view that leads biological naturalism to a dualism between objective and subjective properties (section 5).

Key words

Property dualism, biological naturalism, mind-body problem.



I
Introdução

O norte-americano John Rogers Searle é um dos mais influentes filósofos da atualidade. Formado na Universidade de Oxford, na Inglaterra, sob a orientação de importantes filósofos da linguagem como Grice, Strawson e Austin, ele publicou no final da década de 1960 o livro Speech Acts (1969) que o coloca entre os grandes expoentes da filosofia da linguagem desde o século passado. No fim da década de 1970, Searle voltou seus esforços para a filosofia da mente, por entender que esse campo de reflexão é de fundamental importância para se explicar adequadamente o significado linguístico. Em 1980 ele publicou o artigo "Minds, Brains, and Programs", onde propôs pela primeira vez o famoso "Argumento do quarto chinês", a mais influente objeção ao modelo computacional da mente e, até hoje, a mais conhecida contribuição de Searle à filosofia. Em meados da década de 1990, Searle aprofundou seus estudos sobre a ontologia da sociedade, articulando ideias que tem recebido grande atenção nas ciências sociais, na economia e na própria filosofia (Cf. Tsohatzidis).

Porém, é importante perceber que, enquanto suas reflexões sobre a linguagem e a sociedade, bem como sua crítica ao modelo computacional, exercem grande influência no pensamento contemporâneo, o mesmo não pode ser dito de sua teoria positiva sobre a mente, em especial sua concepção sobre a ontologia dos fenômenos mentais: isto é, sobre o seu modo de existência e sua relação com os fenômenos físicos. O "naturalismo biológico", que Searle oferece como a solução para o problema mente-corpo, é alvo de intensas críticas por parte dos interpretes.

O próprio autor costuma apresentar essa teoria como uma sequência de teses básicas (Cf. Searle, Mind, Language 53 [56-7]1, Mind: A Brief 113-4, "Dualism Revisited" 170-1), procedimento que é seguido por diversos comentadores de sua obra. Levando em consideração algumas possibilidades de formulação das teses fundamentais da teoria de Searle (Cf. Corcoran 309, Nida-Rümelin 205, Prata, "Irredutibilidade ontológica" 115, 121, Prata, "Características e dificuldades" 146-7, Prata, "É incoerente" 561), proponho aqui a seguinte reconstituição do naturalismo biológico (onde as teses marcadas com "a" e "b" são consequências das teses com o número correspondente):

(1) A consciência é causada por processos cerebrais.
(1a) As características da consciência são causalmente explicáveis através dos processos cerebrais.
(1b) As capacidades causais da consciência são as mesmas que as dos processos cerebrais.
(2) A consciência é uma propriedade sistêmica do cérebro.
(3) A consciência é um fenômeno biológico.
(4) As características subjetivas e objetivas são diferentes. (4a) As características da consciência não podem ser expressas em termos objetivos. (4b) A consciência é ontologicamente irredutível a fenômenos objetivos.
(5) A consciência é causalmente eficaz.

A dificuldade quanto à compatibilização dessas teses é reconhecida por diversos intérpretes da obra de Searle. Corcoran (317) afirma que a ideia de que a consciência é causada (e, portanto, é explicável) por fenômenos biológicos no micronível (tese 1) é incompatível com a sua eficácia causal (tese 5). Na mesma linha, Crane (319) coloca que, partindo-se do princípio de que os estados de consciência e os estados neuronais não são idênticos (tese 4), a completa explanabilidade das capacidades causais da consciência em termos dos estados neuronais (tese 1a) conduz à conclusão de que estes é que são causalmente eficazes, deixando a primeira como um epifenômeno (negação da tese 5). Martine Nida-Rümelin (217) insiste nesse mesmo ponto e2, além disso, defende que a "ontologia subjetiva" que Searle atribui à consciência —isto é um modo de existência diferente daquele das entidades objetivas (tese 4)— é incompatível com a possibilidade de se explicar as ocorrências de propriedades conscientes em termos dos processos cerebrais no micronível (tese 1a). Numa avaliação que me parece identificar a dificuldade mais geral do naturalismo biológico, Paul Churchland ("Betty Crocker's" 14) coloca que a tentativa de conciliar a natureza biológica da consciência (tese 3) com a sua irredutibilidade a fenômenos objetivos (tese 4b) não é bem sucedida.

É fácil perceber que a tese 4 está na raiz de quase todas essas dificuldades, pois ela, justamente, parece ser incompatível com as outras teses básicas da teoria de Searle. Ao afirmar a diferença entre propriedades subjetivas e objetivas, a tese 4 constitui um dualismo ontológico de propriedades (a tese 4 tem como consequência a tese 4b, que afirma a irredutibilidade ontológica da consciência), que não se coaduna com a causação por processos cerebrais (tese 1), com a natureza biológica da consciência (tese 3) nem com sua eficácia causal (tese 5).

No presente trabalho, será fundamentada a interpretação de que Searle, apesar de suas tentativas de recusar o dualismo (seção 3), aceita argumentos que concluem pela a possibilidade lógica de um mundo físico idêntico ao nosso sem consciência (seção 4), e não consegue evitar que tais argumentos fundamentem o dualismo (seção 5).

II
O domínio dos fenômenos mentais e o problema mente-corpo

O domínio de fenômenos mentais, com suas características distintivas, motivou um antigo e importante debate filosófico, a respeito de sua relação com o domínio dos fenômenos físicos. Nós humanos possuímos, inquestionavelmente, características físicas: nossos corpos tem certa altura, certa largura, certo peso, possuem uma determinada composição química, realizam uma série de processos biológicos como a respiração, a circulação sanguínea, ou a secreção de hormônios, entre incontáveis outros. Por outro lado, nós possuímos características como as que foram discutidas acima, que parecem se diferenciar radicalmente das características físicas: nós temos sensações corporais, percebemos o mundo ao nosso redor, pensamos sobre as coisas desse mundo, desejamos ter ou realizar coisas, agimos de acordo com o que acreditamos e desejamos.

Por uma série de motivos (inclusive a crença em uma vida após a morte, oriunda de tradições religiosas) diversos pensadores ao longo da história consideraram que esses fenômenos mentais são algo essencialmente diverso dos fenômenos físicos (como altura, peso ou circulação sanguínea). Porém, embora fossem minoria até meados do século XIX, muitos outros pensadores consideraram que a ideia de uma diferença essencial entre esses dois tipos de fenômenos nos leva a problemas insolúveis, de modo que seríamos forçados a concluir que fenômenos mentais e físicos pertencem, no fundo, ao mesmo tipo de entidades.

Trata-se da controvérsia entre dualismo e fisicalismo, que é, simplesmente, uma controvérsia a respeito da ontologia dos fenômenos mentais, ou seja, a respeito do seu modo de existência e suas características essenciais (Cf. Churchland, Matéria e consciência 17), que tem sido um dos principais focos da discussão filosófica sobre a mente, em especial a partir da obra de René Descartes (1596-1650) no século XVII.

Na atual filosofia da mente, praticada na tradição da filosofia analítica, o monismo ontológico fisicalista (doravante simplesmente fisicalismo)3 goza de uma aceitação majoritária. Não é difícil entender porque o fisicalismo ocupa essa posição preponderante, pois qualquer um que hoje queira defender alguma forma de dualismo ontológico entre a mente e o corpo tem de enfrentar os resultados das modernas ciências da natureza, resultados que são, em princípio, falíveis, mas que hoje fazem de qualquer dualismo ontológico uma teoria empiricamente insustentável (Cf. Searle, Mind: A Brief 42).4

Porém, como a discussão a seguir deverá evidenciar, o dualismo, mais moderado, entre propriedades físicas e mentais ainda tem sua plausibilidade. Mesmo que o dualismo de substâncias cartesiano tenha hoje raros defensores, não se pode dizer que a influência de Descartes não se faça sentir no debate em filosofia da mente. Ainda que sejam poucos os que hoje, no campo da filosofia e das ciências, defendam a existência de uma alma imaterial, isto é, de uma entidade particular de natureza não-física, muitos são os que professam um dualismo a respeito das propriedades mentais, por um lado, e físicas, por outro. Em outras palavras, em lugar do dualismo de substâncias tradicional, ainda floresce no pensamento contemporâneo um dualismo de propriedades. Essa forma de dualismo ganhou grande impulso a partir do debate a respeito da consciência fenomenológica, iniciado nos anos de 1970. A consciência fenomenológica diz respeito ao modo como sentimos diversos de nossos estados e processos mentais, como sensações, percepções e mesmo emoções, na medida em que tais estados e processos possuem um caráter qualitativo. Algumas reflexões a respeito da consciência pareciam levantar grandes problemas para as teorias reducionistas em filosofia da mente, na medida em que tais reflexões negavam certo tipo de conexão epistêmica entre os fatos físicos e fatos relativos à consciência fenomenológica (Cf. Chalmers, "Consciousness and its" 107).

Mas por que o dualismo de propriedades assumiu a posição predominante? A antiga controvérsia sobre o famoso problema mente-corpo é um embate travado no âmbito da ontologia, e do ponto de vista ontológico, dado o atual estado de nosso conhecimento científico (empírico), não é plausível pensar em termos de particulares não-físicos, isto é, entidades situadas em porções determinadas do espaço e períodos determinados do tempo mas que, supostamente, não possuem quaisquer propriedades físicas.

Em outras palavras, dado o atual estado dos conhecimentos fornecidos pelas ciências da natureza, não há espaço para se supor a existência de "almas" ou "espíritos", que seriam os portadores de nossas propriedades e capacidades mentais. Mesmo um expoente do dualismo como David Chalmers não tem reservas em afirmar que a argumentação contra o fisicalismo:

Não nos leva a um dualismo como o de Descartes, com um reino separado da substância mental que exerce sua própria influência sobre os processos físicos. A melhor evidência da ciência contemporânea nos diz que o mundo físico é mais ou menos fechado do ponto de vista causal: para todo evento físico, há uma causa física suficiente. Se é assim, não há espaço para um 'fantasma na máquina' realizar nenhum trabalho causal extra. (Ibid. 124-5)

É justamente em virtude de sua recusa do dualismo de substâncias (ou seja, dualismo de entidades particulares), que Chalmers defende o dualismo de propriedades. Uma vez que se admita que todos os particulares (concretamente existentes em porções do espaço-tempo) são físicos (são o tipo de coisa que pode ser conhecida pelas ciências naturais) a controvérsia entre dualismo e fisicalismo só pode ser travada em torno da pergunta a respeito das propriedades dos sistemas físicos. Os dualistas atuais, como Chalmers, acreditam que, embora não exista nenhuma alma misteriosamente imiscuída em nosso corpo, nós possuímos certas propriedades mentais, que não podem ser identificadas com simples propriedades físicas. Já os fisicalistas (pelo menos os mais radicais) negam a existência de tais propriedades anômalas, defendendo que todas as propriedades de um sistema físico têm de ser propriedades físicas.

Mas por que os dualistas contemporâneos recusam a identidade entre o físico e o mental? Uma das razões mais importantes está baseada no argumento da possibilidade de um "mundo zumbi", que é dirigido contra o fisicalismo. Chalmers, provavelmente o mais importante defensor desse argumento na atualidade, o formula da seguinte maneira (The Conscious Mind 123):

(1) No nosso mundo, existem experiências conscientes.
(2) Existe um mundo logicamente possível que é fisicamente idêntico ao nosso, no qual os fatos positivos sobre a consciência em nosso mundo não tem lugar.
(3) Portanto, fatos sobre a consciência são fatos adicionais acerca do nosso mundo, acima e além dos fatos físicos.
(4) Logo, o materialismo é falso.

Como esclarece Searle, os dualistas pretendem com esse argumento indicar uma diferença entre o mental e o físico, na medida em que, por um lado, seria logicamente possível que o universo fosse exatamente como ele é, átomo por átomo, sem consciência, ao passo que, por outro lado, não é logicamente possível que o universo fosse exatamente como ele é, átomo por átomo, sem que suas propriedades físicas fossem exatamente como elas são (Cf. Searle, Mind: A Brief 128). Isso indicaria que a consciência é essencialmente diferente das propriedades físicas.

Como será discutido a seguir, Searle pretende se distanciar do reducionismo sem recair no dualismo (seção 3), entretanto, ao aderir a argumentos anti-reducionistas que fundamentam a possibilidade lógica de um mundo físico idêntico ao nosso sem consciência — os argumentos de Kripke, Nagel e Jackson (seção 4), ele termina recaindo no dualismo que pensa rejeitar (seção 5).

III
A filosofia da mente de Searle

Em sua proposta de solução para o problema mente-corpo, que ele chama de "naturalismo biológico" (Cf. Searle, Intentionality 264 [366], The Rediscovery 1 [7]), Searle defende que os fenômenos mentais conscientes são causados por processos cerebrais no micronível do sistema cerebral (tese 1) e, ao mesmo tempo, são propriedade sistêmicas realizadas no macronível desse sistema (tese 2). Ele afirma que essa concepção não recai nos erros das duas posições tradicionais no debate mente-corpo, o dualismo e o fisicalismo, mas essa pretensa superação do debate tradicional não se sustenta.

Ele acredita que tanto o dualismo quanto o materialismo são manifestações de um conjunto oculto de falsos pressupostos (Ibid. 2-3 [9]), sendo o mais importante deles o "dualismo conceitual" (Cf. Searle, Mind, Language 50 [54]), que ele abertamente recusa (Cf. Searle, The Rediscovery 14 [25]). O problema é que o modo como Searle concebe a subjetividade ontológica (Cf. Searle, Mind: A Brief 120) opera uma cisão radical entre o subjetivo e o objetivo (Cf. Hodgson 265), de maneira que sua teoria recai em um dualismo entre conceitos subjetivos e objetivos (Cf. Prata, "Irredutibilidade ontológica" 117). Ou seja, no final das contas ele não consegue superar o dualismo e o materialismo, de maneira que não resta opção senão avaliar a sua teoria da mente em termos dessas concepções.

Seguindo a sua suposta "superação" do dualismo e do materialismo, Searle não opõe o mental ao físico, pois os fenômenos mentais são, na visão dele, um tipo de fenômenos físicos (Cf. Searle, The Rediscovery 14 [25-6]), mas ele acredita que o que distingue os fenômenos mentais do restante da realidade física é o seu modo subjetivo de existência (Cf. Searle, Consciousness and 41 [59]). Portanto, no que diz respeito ao problema mente-corpo, a proposta de solução apresentada pelo filósofo envolve certa dependência dos fenômenos mentais ontologicamente subjetivos em relação aos processos cerebrais ontologicamente objetivos, dependência que ele expressa através dos conceitos de causação (tese 1) e realização (tese 2).

O propósito de Searle ao defender a subjetividade ontológica (que tornaria os fenômenos mentais conscientes ontologicamente irredutíveis), é afastar-se do reducionismo, que é uma determinada forma como se pode entender a relação entre os diversos domínios da realidade: todos eles seriam redutíveis a um domínio básico de entidades (o principal candidato a ser o domínio básico tem sido o domínio dos fenômenos estudados pela física). Mas mesmo negando o reducionismo, Searle pretende permanecer fisicalista5, de modo que o naturalismo biológico pode ser interpretado como uma tentativa de articular um fisicalismo não-redutivo: a concepção de que o domínio físico tem um caráter fundamental (indispensável para a existência dos outros domínios), ainda que os outros domínios não sejam redutíveis a ele.6

Antecipando um ponto de vista que será defendido a seguir, devo dizer que, apesar de pretender permanecer fisicalista sem ser reducionista, na medida em que afirma haver certa dependência do mental em relação ao físico, Searle concebe essa dependência de uma maneira muito fraca (meramente nomológica), aceitando que os dois domínios (físico e mental) são conceitualmente independentes (Cf. Prata, "É o naturalismo" 262) o que o aproxima do dualismo de propriedades e o afasta de um fisicalismo digno deste nome.

É importante perceber que a recusa do reducionismo em filosofia da mente, isto é, a recusa da identificação dos fenômenos mentais com algum fenômeno físico, pode ser radical, no sentido de considerá-los como algo distinto e independente em relação ao físico, ou mais moderada, reconhecendo uma diferença ontológica, mas admitindo uma relação de dependência que torna o domínio físico mais fundamental. Temos aqui a opção entre o dualismo de propriedades, que argumento ser a posição de Searle, e o fisicalismo não-redutivo, que me parece uma opção muito mais viável, e é a relativa proximidade do naturalismo biológico com essa última posição que, no meu entendimento, torna a teoria de Searle ainda promissora (ainda que o modo como Searle efetivamente articula a teoria seja problemático).

Justamente a busca por algum tipo de unidade é o que anima o trabalho de Searle. Mas, neste ponto, é importante ressaltar que tal unidade é concebida por ele de um modo bem diverso do modo do positivismo. Respondendo a algumas críticas de Brian Garrett ao seu livro A redescoberta da mente, Searle escreve:

Ele considera erradamente que eu estou tentando reconciliar a irredutibilidade da consciência com 'a unidade da ciência.' Mas eu não uso a expressão 'a unidade da ciência' nem acredito que qualquer coisa possa ser razoavelmente chamada por esse nome. Eu creio que nós vivemos em um mundo (não dois, três ou dezessete), mas que o que nós chamamos 'ciências' abordam esse mundo com diferentes interesses e de diferentes direções. (Searle, "Consciousness... a Reply" 229)
Teríamos, assim, uma unidade do mundo acompanhada por uma diversidade das ciências, o que é algo bem distante do positivismo. Além disso, a própria unidade do mundo é concebida de uma forma muito mais flexível, pois apesar de (em consonância com a tradição filosófica majoritária no debate a respeito da relação mente-corpo), defender um monismo ontológico fisicalista (no sentido de que tudo que existe é, em certo sentido, físico), Searle afirma que isso é perfeitamente compatível com diferentes modos de existência, isto é, com diferentes domínios de entidades.7 Após a passagem citada acima, ele prossegue:
Tanto a física matemática quanto economia matemática são sobre o mesmo mundo, mas elas não são parte de uma "ciência unificada". No mundo único, existem muitas características (features) diferentes: biológicas, elétricas, econômicas, geográficas, mentais, morais, estéticas, etc. Em algum sentido, todas elas são "físicas", porque o mundo consiste inteiramente em entidades físicas. (Ibid. 229)
Do que foi exposto é possível extrair uma visão geral da concepção ontológica defendida por Searle: vivemos em um único mundo, formado por sistemas físicos que, por outro lado, possuem diversos tipos de propriedades (features). O aspecto decisivo é essa diversidade de propriedades, pois se todas elas pertencessem ao mesmo tipo, teríamos um fisicalismo mais forte (e, portanto, problemático).8 A questão que se coloca, então, diz respeito à relação que há entre tais propriedades, já que não se trata de uma identidade entre elas. Em uma passagem onde ele se refere ao problema mente-corpo, Searle se expressa de maneira muito esclarecedora:
Aquilo em que quero insistir sem cessar é que podemos aceitar fatos óbvios da física —por exemplo, que o mundo é constituído inteiramente de partículas físicas em campos de força— sem, ao mesmo tempo, negar os fatos óbvios de nossas próprias experiências — por exemplo, que somos todos conscientes e que nossos estados de consciência têm propriedades fenomenológicas irredutíveis bastante específicas. (Searle, The Rediscovery 28 [44-5])9

Ou seja, temos um mundo formado por sistemas físicos, que instanciam propriedades, em certo sentido, diferentes, e, portanto, mutuamente irredutíveis. A questão a respeito da relação entre essas propriedades é importante porque, se a irredutibilidade for concebida em sentido muito forte, corre-se o risco de recair em uma forma de dualismo ontológico, vulnerável aos problemas da visão cartesiana. Apenas se a irredutibilidade for concebida de modo compatível com a prioridade ontológica do físico10, pode surgir uma teoria capaz de (a) estar harmonizada com o atual estado de nosso conhecimento científico da natureza; (b) evitar as dificuldades aparentemente insuperáveis do dualismo ontológico radical e (c) fazer justiça às especificidades de certos tipos de fenômenos fundamentais da vida humana (p. ex. psicológicos, sociais, artísticos, inter alia).

Penso que a teoria de Searle não tem dificuldades para atender essa condição (c), já que ele atribui aos fenômenos tipicamente humanos um modo de existência diferenciado (o que, obviamente, o aproxima do dualismo). Por outro lado, penso que é exatamente isso que faz a sua concepção incapaz de atender às condições (a) e (b), pois a forma radical como ele diferencia o modo de existência subjetivo do modo de existência objetivo lança sua teoria no abismo de dificuldades do dualismo, o que parece colocá-la em desacordo com o conhecimento fornecido pelas ciências naturais. Não nego que possa existir uma teoria ontológica da mente que seja capaz de satisfazer as três condições, mas essa teoria não seria um dualismo de propriedades, como é o naturalismo biológico de Searle. Para compreender o modo com essa teoria resulta em um dualismo, é necessário examinar a concepção do filósofo a respeito das propriedades subjetivas e objetivas.

IV
O dualismo entre propriedades subjetivas e objetivas

Em sua discussão do conceito de subjetividade, Searle ressalta que ele tem em vista não somente o âmbito da epistemologia mas, especialmente, o da ontologia, pois a própria existência dos fenômenos mentais (e não só o conhecimento a respeito deles) envolve um tipo de relação muito especial para com o sujeito no qual esses fenômenos ocorrem (Cf. Searle, The Rediscovery 95 [140]), uma vez que os fenômenos mentais estariam ligados a um ponto de vista particular (Cf. Searle, Consciousness and 8 [2]).

Para ele, a intensa rejeição dos fisicalistas à subjetividade ontológica dos fenômenos mentais seria decorrente do paradigma que busca refutar o ceticismo e alcançar um conhecimento seguro, e, em virtude dessa busca, se apega ao ideal de objetividade do conhecimento (tema da epistemologia). O papel central desempenhado pela epistemologia no pensamento contemporâneo11 teria favorecido o pressuposto de que tudo o que existe tem de ser objetivo (em sua existência) (Cf. Searle, The Rediscovery 16-7 [28]).

Mas Searle considera esse pressuposto incompatível com aquilo que nós sabemos a respeito do mundo: "Que o mundo seja completamente objetivo é uma concepção que possui uma poderosa influência sobre nós, embora ela seja incompatível com os fatos mais óbvios de nossas experiências" (Searle, The Rediscovery 65 [97]). Apesar de considerar a epistemologia um campo legítimo da reflexão filosófica, Searle acredita que a ontologia é um programa de pesquisa mais fundamental do que ela. De acordo com ele:

A questão da ontologia, quais coisas existem e qual tipo de modo de existência elas têm, é uma questão filosófica muito mais fundamental que a questão de epistemologia, como sabemos sobre essas coisas, quais existem, quais são os mecanismos pelos quais adquirimos esse conhecimento e quais são os fundamentos nos quais o conhecimento é baseado. (Stoecker & Searle 20)
Na visão de Searle, não possuímos nenhum conceito mental que seja independente da consciência12, de modo que ela constitui a característica mais importante dos fenômenos mentais. E uma vez que a consciência está essencialmente conectada à subjetividade, o âmbito dos fenômenos mentais tem de ser considerado como essencialmente subjetivo:
Fenômenos mentais são essencialmente conectados com a consciência, e a consciência é essencialmente subjetiva; disso se segue que a ontologia do mental é essencialmente uma ontologia da primeira pessoa. Estados mentais são sempre estados mentais de alguém. Existe sempre uma "primeira pessoa" que tem esses estados mentais. Para a presente discussão resulta que o ponto de vista da primeira pessoa é primeiro. (Searle, The Rediscovery 20 [34])
Mas é indispensável atentar para o exato significado de "subjetividade" que está em jogo aqui, pois Searle denuncia uma sistemática ambiguidade que ocorre na aplicação dos predicados "subjetivo" e "objetivo", que é uma ambiguidade relativa, justamente, aos domínios da ontologia e da epistemologia. Nas palavras de Searle:
Epistemicamente, a distinção [entre subjetivo e objetivo] discrimina diferentes graus de independência de asserções em relação aos caprichos de valores especiais, preconceitos pessoais, pontos de vista e emoções. Ontologicamente, a distinção determina categorias diferentes de realidade empírica. (Ibid. 19 [32])
Por um lado, os predicados "subjetivo" e "objetivo" podem ser aplicados a asserções, que exprimem (supostos) conhecimentos, mas, por outro lado, eles podem ser aplicados a realidades (entidades, propriedades, estados de coisas). Em sua primeira grande obra a respeito da ontologia da realidade social, Searle explicou os dois sentidos (ontológico e epistêmico) da distinção entre subjetividade e objetividade de modo bastante claro:
Epistemologicamente falando, 'objetivo' e 'subjetivo' são primariamente predicados de juízos. Nós frequentemente falamos de juízos como sendo 'subjetivos' quando queremos dizer que sua verdade ou falsidade não podem ser resolvidos 'objetivamente', porque a verdade ou falsidade não é um simples fato mas depende de certas atitudes, sentimentos e pontos de vista dos que criam e dos que ouvem o juízo.(...) No sentido ontológico, 'objetivo' e 'subjetivo' são predicados de entidades e tipos de entidades, e eles atribuem modos de existência. (Searle, The Construction 8)

A diferença entre "subjetivo" e "objetivo" em sentido epistêmico fica clara se considerarmos a diferença entre uma asserção como "Van Gogh é um artista melhor do que Matisse", cuja verdade é dependente das preferências pessoais de cada um e, por outro lado, uma asserção como "Matisse viveu em Nice durante o ano de 1917", cuja verdade pode ser constatada ou recusada com base nos fatos, de modo independente das atitudes e sentimentos de qualquer pessoa em relação a esses fatos (Cf. Searle, The Rediscovery 94 [139]).

Já o sentido ontológico da distinção entre "subjetivo" e "objetivo" se evidencia se considerarmos a diferença entre um fenômeno como um relâmpago13, que existe independentemente de qualquer sujeito humano ou animal, e um fenômeno como uma sensação que, para existir tem de ser vivenciada por um sujeito (Cf. Searle, Consciousness and 41 [59]). Desse modo as duas distinções entre subjetividade e objetividade podem ser representadas pela figura abaixo:

É bem verdade que Searle concebe uma relação entre objetividade epistêmica e subjetividade ontológica, o que parece a ele uma razão para considerar os fenômenos mentais subjetivos um tema possível da investigação científica.14 Entretanto, mesmo assim, o modo como o filósofo entende a subjetividade ontológica representa um obstáculo para a possibilidade desse tipo de investigação. Mas, pior do que isso, a concepção de Searle a respeito da subjetividade ontológica (como já foi aludido na introdução) desencadeia uma série de problemas, concernentes a coerência de sua teoria filosófica sobre a relação mente-cérebro.

A expressão "naturalismo biológico", usada por ele para nomear essa teoria, parece sugerir uma postura reducionista, uma vez que as concepções reducionistas são intimamente relacionadas ao projeto de "naturalizar" a consciência, e uma vez que a biologia é uma das possíveis bases para essa redução. Quando Searle afirma que "os eventos e processos mentais fazem parte de nossa história natural biológica tanto quanto a digestão, a mitose, a meiose ou a secreção enzimática" (Searle, Consciousness and 1 [7]), ou que "a consciência não é nada exceto [nothing but] um processo neurobiológico" (Searle, "Why I Am" 61)15, ele sugere uma tentativa de redução da mente ao domínio dos fenômenos biológicos.

Todavia, Searle se afasta veementemente do reducionismo, em virtude dos argumentos anti-reducionistas apresentados por alguns dos maiores filósofos da mente na atualidade, Saul Kripke (1972), Thomas Nagel (1974) e Frank Jackson (1982), argumentos que, diga-se de passagem, são amplamente considerados como responsáveis pela ascensão do dualismo de propriedades na atual filosofia analítica. Searle aceita as conclusões desses argumentos, e considera que a diferença essencial entre propriedades subjetivas e objetivas (Cf. Searle, The Rediscovery 117 [170]) inviabiliza qualquer descrição de fenômenos mentais conscientes em termos que se referem a fenômenos objetivos, circunstância que inviabiliza uma redução.

O problema é que se o universo físico pode ser completamente descrito em termos referentes a fenômenos objetivos, mas tais termos são incapazes de expressar o modo como fenômenos subjetivos são vivenciados, então uma descrição completa do universo em termos objetivos é logicamente compatível com a total ausência de subjetividade, o que equivale a dizer que um universo fisicamente idêntico ao nosso, mas sem consciência, é logicamente possível, o que, para os dualistas, fundamenta a tese se que a consciência é algo "acima e além" (over and above) das propriedades físicas (Cf. Prata, "É o naturalismo" 264).

Em escritos mais recentes, Searle procura de afastar do dualismo através de críticas ao argumento da possibilidade lógica (discutido no final da seção 2 acima), tal como formulado por Chalmers (The Conscious Mind 123). Porém, uma vez que Searle parece confundir necessidade nomológica com necessidade metafísica (Cf. Lange 204), suas críticas fracassam, de modo que sua adesão aos argumentos de Kripke, Nagel e Jackson equivale a uma adesão ao dualismo de propriedades.

V
Considerações finais

Searle admite que o argumento da possibilidade lógica (de um universo fisicamente indistinguível do nosso, mas sem a consciência) está correto em mostrar que a descrição de fatos objetivos não implica a existência de fatos subjetivos (Cf. Searle, Mind: A Brief 129), mas considera isso insuficiente para fundamentar uma diferença ontológica, pois, segundo ele, quando imaginamos as partículas físicas, nesse outro mundo possível, se comportando exatamente como no mundo atual, mas sem produzir consciência, estaríamos "trapaceando" no experimento de pensamento, porque não estaríamos imaginando essas partículas se comportando da mesma maneira que no mundo atual, no qual elas, de fato, causam a consciência. Na visão dele,

desde que as leis da natureza sejam incluídas na descrição do universo físico, e elas têm que ser incluídas porque são parcialmente constitutivas do universo físico, então a existência da consciência se segue, como uma consequência lógica daquelas leis. (Ibid. 129)

A ideia é que entre as leis naturais de nosso universo estão as leis psicofísicas que, por possuírem necessidade lógica, tornariam impossível um universo desprovido de consciência.

Esse argumento de Searle é muito estranho, pois parece atribuir às leis da natureza uma necessidade lógica, muito mais forte do que a necessidade nomológica (ou natural), o que é incompatível com a própria possibilidade de se conceber esse outro mundo (fisicamente igual ao nosso, mas sem consciência) — possibilidade que Searle, evidentemente, aceita.16 Se as leis da natureza em nosso mundo fossem logicamente necessárias, seria impossível "imaginar que as leis da natureza são diferentes do que elas são no mundo real" (Searle, "Dualism Revisited" 177), mas isso é claramente possível, como no caso do exemplo levantado por Chalmers (The Conscious Mind 36), da lei natural de acordo com a qual a pressão exercida por um mol de gás depende sistematicamente de sua temperatura e volume. Trata-se da lei pV = KT, onde K é uma constante, e é evidentemente concebível para nós um mundo no qual o valor da constante K fosse maior ou menor (Cf. Prata, "É o naturalismo" 266).

Outro argumento (apresentado por Searle na tentativa de evitar que os argumentos anti-reducionistas conduzam ao dualismo), recorre à ideia de essências reais das coisas materiais (Cf. Harré 215). Searle afirma que os dualistas (quando formulam o argumento da possibilidade lógica de um mundo zumbi) parecem pensar nas micropartículas como minúsculos grãos de areia afetados por forças independentes deles, de modo que seria possível imaginar os grãos se movimentando sem que existisse consciência. Porém, essa imagem seria falsa, pois "No nível mais fundamental, pontos de massa/energia são constituídos por forças, que são descritas pelas leis da natureza. E dessas leis a existência da consciência se segue como uma consequência lógica" (Searle, Mind: A Brief 130). A ideia é que "satisfazer as leis é parcialmente constitutivo das partículas" (Searle, "Dualism Revisited" 177).

O problema é que a necessidade que se pode extrair de "essências reais" é uma necessidade meramente nomológica (e não uma necessidade lógica, capaz de neutralizar a possibilidade de um universo zumbi). Para esclarecer esse ponto, Harré (220) recorre ao exemplo de que a ciência química explica a tendência do sódio de reagir com a água com base em sua arquitetura eletrônica, ao mesmo tempo em que define o sódio a partir dessa mesma arquitetura: o sódio tem de reagir com a água, pois do contrário não seria sódio (não teria a arquitetura eletrônica que o define). Entretanto, é perfeitamente concebível que o sódio, tal como especificado apenas por seu comportamento, pudesse ter tido uma arquitetura diferente, isto é, tivesse uma outra essência real (Cf. Prata, "É o naturalismo" 268).

Portanto, o recurso de Searle a uma suposta necessidade lógica das leis psicofísicas cai por terra, de maneira que sua adesão ao argumento da possibilidade lógica de um mundo sem fenômenos mentais conscientes o leva, diretamente, ao dualismo de propriedades.



Notas de Ropadé

1 O primeiro número é o da pagina na edição original. O número entre colchetes é o da pagina da tradução para o português, quando disponível.
2 "A tese da explanabilidade das capacidades das capacidades causais leva a um sério e bem conhecido problema, se a 'ontologia de primeira pessoa da consciência' é reconhecida: se as capacidades causais de toda propriedade consciente podem ser explicadas de modo completo pela estrutura subjacente, então a conclusão parece ser que o caráter qualitativo específico associado com uma dada propriedade consciente é causalmente irrelevante" (Nida-Rümelin 217). As citações em língua estrangeira foram traduzidas pelo autor do presente artigo.
3 É importante ter em vista que esse monismo fisicalista exclui o monismo mentalista e o monismo neutro. O monismo mentalista concebe tudo o que existe como de natureza mental, enquanto o monismo neutro afirma "que o mesmo 'material' primitivo, ordenado de diferentes maneiras, constitui, de um lado, o mundo mental e, de outro, o mundo físico" (Blackburn 75).
4 É bastante conhecido que o problema da causalidade mental levou ao declínio do dualismo cartesiano de substâncias: "O interacionismo cartesiano envolve uma violação do fechamento causal do domínio físico, e essa foi uma causa de sua derrocada" (Kim, Supervenience and Mind 339). "De acordo com um comentador, Richard A. Watson, a percebida inconsistência da causação mente-corpo com a dualidade radical entre mentes e corpos não foi apenas uma falha teórica muito importante do cartesianismo, mas também a causa histórica de seu declínio" (Kim, Physicalism 73). Como será discutido a seguir, mesmo um dualista contemporâneo da estatura de David Chalmers reconhece que o dualismo de substâncias não tem lugar nos dias de hoje.
5 Sem dúvida, Searle recusaria a alcunha de "fisicalista" em razão de sua pretensa superação do dualismo e do fisicalismo. Porém, conforme foi explicado no início da seção 3, uma vez que essa suposta superação proposta por Searle não faz sentido, sua teoria ontológica sobre a mente pode, e deve, ser avaliada em termos dessas posições tradicionais.
6 Leituras do naturalismo biológico de Searle como uma forma de fisicalismo não-redutivo se encontram em Cunningham (34) e Maslin (170).
7 "Se formos chamar de físico tudo o que é feito de partículas físicas, então, trivialmente, tudo no mundo é físico. Mas dizer isso não é negar que o mundo contém pontos marcados em jogos de futebol, taxas de juros, governos e dores. Tudo isso tem o seu próprio modo de existência — atlética, econômica, política, mental etc." (Searle, The Rediscovery 26 [41]).
8 Nesse caso, propriedades mentais, como uma sensação ou um desejo, seriam propriedades físicas da mesma forma que temperatura e carga elétrica.
9 Nessa passagem são expressas as teses do monismo físico e do anti-reducionismo, que Jaegwon Kim (Supervenience and Mind 344) considera parte de um certo tipo de fisicalismo não-redutivo.
10 A seguir, defenderei a visão de que a forma de irredutibilidade defendida por Searle, não é compatível com o fisicalismo.
11 "Para a maior parte do período moderno da filosofia, de Descartes até nossos dias, a epistemologia tem sido a disciplina filosófica central" (Grayling 39).
12 "A razão para enfatizar a consciência numa explicação da mente é que ela é a noção mental central. De um modo ou de outro, todas as outras noções mentais —como intencionalidade, subjetividade, causação mental, inteligência etc.— só podem ser plenamente compreendidas como mentais por meio de suas relações com a consciência" (Searle, The Rediscovery 84 [125-6]).
13 "Um relâmpago tem um caráter objetivo que não é esgotado por sua aparência visual, e esse caráter pode ser investigado por um marciano sem visão" (Nagel 443).
14 "Considere, por exemplo, a afirmação: 'Agora tenho uma dor na parte inferior das minhas costas'. Essa afirmação é completamente objetiva no sentido de que é tornada verdadeira pela existência de um fato real, e não é dependente de nenhuma posição, atitude ou opinião de observadores. Entretanto, o próprio fenômeno, a própria dor real, tem um modo subjetivo de existência, e é neste sentido que eu estou dizendo que a consciência é subjetiva" (Searle, The Rediscovery 94 [139-40], grifos meus).
15 Em outro contexto, ele afirma que o reducionismo se baseia em uma "forma peculiar de relação de identidade que podíamos também chamar de 'relação nada-exceto' [nothing but]: em geral A's podem ser reduzidos a B's se e somente se A's não são nada exceto B's" (Searle, The Rediscovery 112-3 [163]).
16 "Eu mesmo usei uma versão mais fraca e cautelosa desse argumento" (Searle, "Dualism Revisited" 177).



Referências bibliográficas

Blackburn, S. "Metafísica". N. Bunnin and E.P. Tsui-James (eds.). Compêndio de filosofia. São Paulo: Loyola, 2002. Impresso.         [ Links ]

Corcoran, K. "The Trouble with Searle's Biological Naturalism". Erkenntnis. 2001: 307-324. Print.         [ Links ]

Chalmers, D. The Conscious Mind: In Search of a Fundamental Theory. Oxford: Oxford University Press, 1996. Print.         [ Links ]

---. "Consciousness and its Place in Nature". W. Stich and F. Warfield (orgs.). The Blackwell Guide to the Philosophy of Mind. Malden, Oxford, Melbourne, Berlin: Blackwell Publishing, 2003. Print.         [ Links ]

Churchland, P. "Betty Crocker's Theory" [Resenha de The Rediscovery of The Mind]. London Review of Books. May. 1994: 13-14. Print.         [ Links ]

---. Matéria e consciência: uma introdução contemporânea à filosofia da mente. São Paulo: Editora da Unesp, 2004. Impresso.         [ Links ]

Crane, T. "Review on The Rediscovery of The Mind". International Journal of Philosophical Studies. Sep. 1993: 313-324. Print.         [ Links ]

Cunningham, S. What is a Mind? An Integrative Introduction to the Philosophy of Mind. Indianápolis: Hackett Publishing, 2000. Print.         [ Links ]

Grayling, A. C. "Epistemologia". N. Bunnin and E.P. Tsui-James (eds.). Compêndio de filosofia. São Paulo: Loyola, 2002. Impresso.         [ Links ]

Harré, R. "Laws of nature". W. H. Newton-Smith (ed.). A Companion to the Philosophy of Science. Oxford: Blackwell, 2001. Print.         [ Links ]

Hodgson, D. "Why Searle has not rediscovered the mind". Journal of Consciousness Studies. 1994: 264-274. Print.         [ Links ]

Jackson, F. "Epiphenomenal qualia". Philosophical Quarterly. 1982: 127-136. Print.         [ Links ]

Kim, J. Supervenience and Mind: Philosophical Essays. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. Print.         [ Links ]

---. Physicalism, or something near enough. Princeton, Oxford: Princeton University Press, 2005. Print.         [ Links ]

Kripke, S. Naming and necessity. Cambridge: Harvard University Press, 2001. Print.         [ Links ]

Lange, M. "Laws of nature". S. Psillos and M. Curd (eds.). The Routledge Companion to Philosophy of Science. London: Routledge, 2008. Print.         [ Links ]

Maslin, K. T. Filosofia da mente. Porto Alegre: Artmed, 2009. Impresso.         [ Links ]

Nagel, T. "What is it like to be a bat". Philosophical Review. 1974: 435-450. Print.         [ Links ]

Nida-Rümelin, M. "Causal reduction, ontological reduction and first-person ontology. Notes on Searle's views about conciousness". G. Grewendorf and G. Meggle (orgs.). Speech acts, mind and social reality: Discussions with John R. Searle. Dordrecht, Boston, Londres: Kluwer Academic Publishers, 2002. Print.         [ Links ]

Prata, T. A. "Irredutibilidade ontológica versus identidade: John Searle entre o dualismo e o materialismo". O que nos faz Pensar. 2009: 107-124. Impresso.         [ Links ]

---. "Características e dificuldades do Naturalismo Biológico de John Searle". Philósophos. 2009: 141-173. Impresso.         [ Links ]

---. "É incoerente a concepção de Searle sobre a consciência?" Manuscrito. 2011: 557-578. Impresso.         [ Links ]

---. "É o naturalismo biológico uma concepção fisicalista?" Principia. 2012: 255-276. Impresso.         [ Links ]

Searle, J. R. "Minds, Brains and Programs". Behavioral and Brain Sciences. 1980: 417-424. Print.         [ Links ]

---. Intentionality: an Essay in the Philosophy of Mind. Cambridge: Cambridge University Press, 1983. Intencionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. Impresso.         [ Links ]

---. The Rediscovery of the Mind. Cambridge Mass., London: MIT Press, 1992. A redescoberta da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Impresso.         [ Links ]

---. "Consciousness, the Brain and the Connection Principle: a Reply". Philosophy and Phenomenological Research. Mar. 1995: 217-232. Print.         [ Links ]

---. Mind, Language, and Society: Doing Philosophy in the Real World. London: Weinfeld & Nicolson, 1999. Mente, linguagem e sociedade: filosofia no mundo real. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. Impresso.         [ Links ]

---. Consciousness and Language. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. Consciência e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Impresso.         [ Links ]

---. "Why I Am Not a Property Dualist". Journal of Consciousness Studies. 2002: 57-64. Print.         [ Links ]

---. Mind: A Brief Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2004. Print.         [ Links ]

---. "Dualism Revisited". Journal of Physiology. 2007: 169-178. Print.         [ Links ]

Stoecker, R. and J. Searle. "Interview with John Searle". G. Grewendorf and G. Meggle (orgs.). Speech acts, mind and social reality: Discussions with John R. Searle. Dordrecht, Boston, Londres: Kluwer Academic Publishers, 2002. Print.         [ Links ]

Tsohatzidis, L. (ed.). Intentional Acts and Institutional Facts: Essays on John Searle's Social Ontology. Dordrecht: Springer, 2007. Print.         [ Links ]


Como citar:
Silver Tárik, Athayde. "O caráter dualista da filosofia da mente de John Searle". Discusiones Filosóficas. Jul.-dic. 2014: 43-62.