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Discusiones Filosóficas

Print version ISSN 0124-6127

discus.filos vol.24 no.42 Manizales Jan./June 2023  Epub Feb 28, 2024

https://doi.org/10.17151/difil.2023.24.42.4 

Artículos

Entre o Triunfo da Agonia e a Lucidez das Lágrimas: O desespero profanador de Emil Cioran

Between the triumph of agony and the lucidity of tears: Cioran’s Desecrator Despair

Entre el triunfo de la agonía y la lucidez de las lágrimas: La desesperación profanadora de Emil Cioran

Ricardo Gil-Soeiro1 

1 CEComp, Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal. ricardogilsoeiro@campus.ul.pt. orcid.org/0000-0003-0281-6014. https://scholar.google.com/citations?hl=es&user=SG5S9_0AAAAJ.


Resumo

O pensamento de E. M. Cioran (1911-1995) sempre se pautou pela omnipresença de um pessimismo existencial, em que a noção de queda informa indelevelmente o seu quadro mental. Sendo o exílio ontológico uma das pedras angulares do seu catálogo reflexivo, a tragédia capital, para Cioran, seria uma queda no ser e no tempo, a inescapabilidade da existência que encontra uma particular ressonância num título como Do Inconveniente de Ter Nascido (1973). Não negando a validade destas premissas filosóficas, o presente artigo visa, no entanto, colmatar aquilo que julgamos ser uma lacuna no âmbito dos estudos cioranianos, nomeadamente uma incursão sobre a pertinência, para um correcto entendimento da obra deste autor, da presença do humor e da ironia na sua forma mentis, aludindo ao conceito de profanação explanado por Giorgio Agamben, ao conceito de humor explorado por Julio Cortázar e ao conceito de desastre de Maurice Blanchot.

Palavras chave: Cioran, Emil (1911-1995); Humor; Niilismo; Profanação; Riso

Abstract

The thought of E. M. Cioran (1911-1995) has been always guided by the omnipresence of an existential pessimism, in which the notion of the Fall indelibly informs his mental framework. Given that ontological exile is one of the cornerstones of his reflective catalogue, the capital tragedy, for Cioran, would be a Fall in Being and Time, the inescapability of existence that finds a particular resonance in a title such as The Trouble of Being Born (1973). Not denying the validity of these philosophical premises, this article aims, however, at filling what we believe to be a gap within the field of cioranian studies, namely the recognition of the pertinence, for a correct understanding of this author’s work, of the presence of humour and of irony in his forma mentis, drawing upon the concept of profanation highlighted by Giorgio Agamben, the concept of humour explored by Julio Cortázar, and the concept of disaster by Maurice Blanchot.

Keywords: Cioran, Emil (1911-1995); Humour; Laughter; Nihilism; Profanation

Resumen

El pensamiento de E. M. Cioran (1911-1995) ha estado siempre guiado por la omnipresencia de un pesimismo existencial, en el que la noción de Caída informa indeleblemente su entramado mental. Dado que el exilio ontológico es una de las piedras angulares de su catálogo reflexivo, la tragedia capital, para Cioran, sería una Caída en el Ser y en el Tiempo, la ineluctabilidad de la existencia que encuentra una resonancia particular en un título como El problema de nacer (1973). Sin negar la validez de estas premisas filosóficas, este artículo pretende, no obstante, colmar lo que consideramos una laguna dentro del campo de los estudios cioranianos, a saber, el reconocimiento de la pertinencia, para una correcta comprensión de la obra de este autor, de la presencia del humor y de la ironía en su forma mentis, inspirándonos en el concepto de profanación puesto de relieve por Giorgio Agamben, en el concepto de humor explorado por Julio Cortázar y en el concepto de desastre de Maurice Blanchot.

Palabras clave: Cioran, Emil (1911-1995); Humor; Risa; Nihilismo; Profanación

Introdução

Do riso ou a alegria revolucionária dos grandes livros

Sou tão triste e tão feliz que as minhas lágrimas reflectem o céu e o inferno com amesma precisão.

Cioran

Deleuze afirmava que o riso deveria sempre acompanhar a leitura que fazemos de Nietzsche, de Kafka e de Beckett. No volume A Ilha Deserta, é-nos dito que: “O riso-esquizo (le rire-schizo) ou a alegria revolucionária é o que sobressai dos grandes livros, em vez das angústias do nosso pequeno narcisismo ou terrores da nossa culpabilidade. Pode-se chamar isso de “cómico do além-do-humano”, ou então “palhaço de Deus”, há sempre uma alegria indescritível que jorra dos grandes livros, mesmo quando eles falam de coisas feias, desesperadas ou terríveis. Todos os grandes livros operam já a transmutação e fazem a saúde de amanhã. Não se pode deixar de rir quando se misturam os códigos. Se se colocar o pensamento em relação com o fora, nascem os momentos de riso dionisíaco, é o pensamento ao ar livre” (Deleuze, 2002, p. 359).

Por isso, aqueles que lêem Nietzsche “sem rir, e sem rir muito, sem rir frequentemente, e sem dar gargalhadas às vezes, é como se não lessem Nietzsche” (Deleuze, 2002, p. 359). De resto, continua, “Mesmo Max Brod [...] conta como os ouvintes eram tomados pelo riso quando Kafka lia O Processo”. Não tinha declarado Walter Benjamin (comentando Proust) que, através do riso, o mundo como que se estilhaça? Não tinha também Foucault confidenciado que o ponto de partida para a sua obra As Palavras e as Coisas (1966)1 fora o assombroso riso que o assaltou ao ler “O idioma analítico de John Wilkins”, de Jorge Luis Borges?2

Como sustenta Foucault, o seu magnum opus nasceu do “riso que sacode à sua leitura, todas as familiaridades do pensamento - do nosso, do que tem a nossa idade e a nossa geografia -, abalando todas as superfícies ordenadas e todos os planos que tornam sensata para nós a pululação dos seres, fazendo vacilar e inquietando por longo tempo a nossa prática milenária do Mesmo e do Outro” (Foucault, 2002, p. 47). Como sempre, o mais vital em Borges situa-se nas entrelinhas, naquilo que permanece na penumbra. A inquisição borgesiana é como que consumada em surdina, através dessa frágil sabedoria em que nos tornamos, indefectivelmente, transparentes para nós mesmos.

Cioran e a Escrita do Desastre

É dessa frágil (embora implacável) sabedoria que se faz o pensamento de Emil Cioran (1911-1995). O texto cioraniano põe em cena uma escrita do desastre. É a escrita destituída de poder, a palavra do neutro. A escrita que não fala a linguagem da ordem. O fragmento calamitoso mina o despotismo do sistema, expondo o leitor a uma perplexidade tumultuosa. Como compulsar uma escrita em ruínas, uma obra que nunca terá propriamente começado? Uma tal escrita do desastre expressa a ruptura com o astro (dis-astrum), sendo que ter nascido sob má estrela significa acolher o infortúnio, ser um exilado das estrelas. No sibilino livro de Blanchot, L’écriture du désastre, lemos que “le désastre signifie être séparé de l’étoile” (1980, p. 9). Como acolher a expatriação do absoluto e a despertença ontológica? Como pensar o fundo sem fundo do nosso pensamento? É dessa errância que se faz a estranha fala de Cioran: vertigens e delírios, impasses e impotências, a paixão pelo abismo e outros desastres.

Porque o saber triunfante lhe causa repulsa, a escrita fragmentária é a forma que melhor serve a sua paixão pela incompletude. Idólatra da sabedoria da brecha e da fissura, o fragmento parece salvaguardar o fogo oculto das suas visões vertiginosas. Em Do Inconveniente de Ter nascido, diz-nos: “As obras morrem, os fragmentos não tendo vivido, também não podem morrer” (Cioran, 2010, p. 150). Os aforismos, em particular, constituem um meio privilegiado para multiplicar os ângulos de visão sobre as coisas, pontos irradiantes de uma infinitude inviolada. Subtis, lapidares, irónicos - assim são estas deambulações vorazes, assim são estas considerações intempestivas que se plasmam num palco polifónico, em que o texto rodopia e essa volúpia irreprimível deixa entrever um pensamento da intermitência.

O texto cioraniano exibe diferentes velocidades. “Ter experimentado o fascínio dos extremos, e ter parado algures entre o diletantismo e a dinamite!” (Cioran, 2009, p. 27). O seu lirismo luciferino alimenta-se de invectivas, exclamações e interrogações desarmantes. Ensaia um movimento que vai da voragem do voo à queda abrupta. A pontuação é utilizada ora de forma sôfrega, ora de forma sóbria, produzindo um fluxo discurso, ora dócil, ora feroz: “A minha cosmogonia acrescenta ao caos primordial uma infinidade de reticências” (Cioran, 2009, p. 27). A escrita cioraniana exibe muitos timbres: hiperbólico e pleonástico, cínico e cáustico, irónico e irado, insubmisso e condescendente. Essa arte polifónica visa desconcertar o leitor, mas sobretudo testar as contradições e habitar as antinomias de que se faz um pensamento movente. A fragmentação estilística é apenas um meio para que o autor possa acompanhar a decomposição ontológica de um eu que, ao escrever, vai ensaindo a coreografia da sua desolação. Do lirismo luficerino e torrencial das obras iniciais (com especial destaque para Nos Cumes do Desespero)3 até à prosa mais cirúrgica de Silogismos da Amargura ou à feição testamentária de Confissões e Anátemas, a diversidade estilística da escrita cioraniana pode ocorrer no seio de uma mesma obra: o registo mais ensaístico de alguns livros parece esboroar-se à medida que eles se aproximam das suas páginas finais. Atente-se, por exemplo, nas secções que encerram as obras Écartelement (“Ébauches de vertige”) e Le Mauvais Démiurge (“Pensée Étranglées”).

É quase como se a tentação de um discurso mais metódico, sucumbindo à fadiga, resvalasse inevitavelmente para o esboroamento, patente na radicalização do registo fragmentário que o aforismo corporiza. Sloterdijk, no livro Tens de Mudar de Vida, apresenta uma visão jovial, embora profundamente apta, do processo composicional da escrita cioraniana, nela postulando o primado da leitura:

O “autor” Cioran é meramente o chefe de redação que retoca e edita os produtos da sua redação. Colige, sob a forma de livros, os textos que os seus colaboradores internos fornecem por rotina. Estes apresentam o material em reuniões irregulares - aforismos do serviço de blasfémia, observações do grupo temático da misantropia, farpas da secção de perda das ilusões, proclamações do gabinete de imprensa do circo dos solitários, teses da agência das imposturas à beira do abismo e venenos do gabinete editorial encarregado de tornar desprezível a literatura contemporânea. A única tarefa que é da competência do chefe de redação é a formulação da ideia de suicídio. Essa ideia contém evidentemente o exercício de que dependem todas as outras séries de repetições. Só ela permite, duma crise para a seguinte, restabelecer o sentimento de continuar a ser soberano na miséria - um sentimento que assegura um mínimo de apoio à vida ressentida. De resto, os responsáveis pelos diferentes temas sabem o que produzem as redações vizinhas, o que quer dizer que cada vez mais se citam mutuamente e se alinham entre si. O “autor” Cioran simplesmente inventa os títulos dos livros, que conterão uma alusão ao respectivo género - silogismos, anátemas, epitáfios, confissões, vidas de santos ou manuais do fracasso. Dele são também os subtítulos, com uma lógica semelhante. No quotidiano é menos um homem que escreve do que um homem que lê, e se houve na sua vida uma actividade que de longe se assemelhava a um trabalho regrado ou a um exercício formal, foi a leitura e a releitura de livros que lhe serviam como fontes de consolação ou contradição (Sloterdijk, 2018, pp. 105-106).

Do dramatismo exacerbado e do lirismo efusivo das obras iniciais ao estilo parcimonioso e ao fulgor epigramático das obras da maturidade, os seus pensamentos permanecem relâmpagos de um mesmo pavor incurável.

O tom invectivo do seu discurso fulgurante plasma-se num uivo e não num silogismo lógico. Mais do que o ponto final é a exclamação inflamada que concita a sua adesão. Como nos diz num passo dos seus Cahiers: “Si je voulais rendre le ton de ce que je ressens, il me faudrait mettre un point d’exclamation après chaque mot” (Cioran, 1997, p. 222). Em Confissões e Anátemas, sumariza a sua posição da seguinte forma: “Se me pedissem para resumir o mais brevemente possível a minha visão das coisas, para a reduzir à expressão mais sucinta, em vez de palavras utilizaria um ponto de exclamação, um ! definitivo.” É, pois, um pensamento interjectivo em que os conceitos se encadeiam como “suspiros dissimulados”, em que toda a reflexão “ocupa um lugar de interjeição” e em que “uma tonalidade plangente submerge a dignidade da lógica” (Cioran, 1987, pp. 37-38).

A meditação anti-filosófica de Cioran consiste num exercício de des-mascaramento e não propriamente de destruição absoluta. Trata-se de subtrair a impostura em que se alicerçam as nossas convicções, o credo em que repousam as nossas fantasmagorias. É um cessar do fingimento, a dissolução de todos os disfarces. “Entrincheiramo-nos por detrás do nosso rosto”, lemos em Silogismos da Amargura, ao passo que o louco deixa cair a máscara, exibindo com garbo os seus enigmas, porque “máscara é tudo o que não seja a morte” (Cioran, 1988, p. 159).

Para Cioran, a escrita é um exercício puramente individual e clínico: “As «fontes» de um escritor são as suas vergonhas; aquele que as não descobre em si, ou que se lhes furta, está votado ao plágio ou à crítica” (Cioran, 2009, p. 11). Perfilha-se uma escrita do corpo, em que se atesta o laço vital entre pensar e viver: “Com Baudelaire, a fisiologia entrou na poesia; com Nietzsche, na filosofia. Graças a eles, as perturbações dos órgãos foram elevadas ao canto e ao conceito” (Cioran, 2009, p. 12). Cioran representa, assim, o pensador que encarna a sua própria filosofia, edificando uma obra anti-sistemática em que não há preceitos, nem doutrinas, antes Leitmotive obsessivos, cogitações que brotam de um insolente labirinto. Dir-se-ia que o legado cioraniano é um inferno gentil, meditação que sonda a astúcia à espera do seu incêndio. Em Do Sentimento Trágico da Vida, Unamuno discorre sobre o homem de carne e osso por oposição ao homem que unicamente pensa com o cérebro: “O nosso homem é o homem de carne e osso; sou eu; és tu, leitor; e aquele outro de mais além, somos todos nós os que pisamos a terra” (Unamuno, 2007, p. 11), o sujeito que pensa “com todo o corpo e toda a alma, com o sangue, com o tutano dos ossos, com o coração, com os pulmões, com o ventre, com a vida. E as pessoas que só pensam com o cérebro tornam-se definidores, fazem-se profissionais do pensamento” (2017, p. 20). É em senda similar que Cioran rejeitará a reflexão abstracta e exangue de vida, contrapondo-lhe uma poética vivencial, ecoando o célebre aforismo do Zaratustra nietzschiano: “Escreve com o sangue e verás que o sangue é o espírito” (Nietzsche, 1998, p. 45).

Contrariamente ao que Susan Sontag insinua (1969, p. 81), Cioran nunca se tornou epigonal em relação a Nietzsche. Depois de um período de arrebatado entusiasmo, Cioran afastar-se-á resolutamente de Nietzsche, apartando-se da idolatria da força e da afirmação dionisíaca da existência que ama a vida, o sim rejubilatório ao mundo por parte do filósofo de Sils-Maria, afastamento este que é atestado pela pungente interrogação extraída do seu Breviário de Decomposição: “Há coisa mais vil do que dizer sim ao mundo?” (Cioran, 1995b, p. 67), até porque o “grande sim é o sim à morte” (Cioran, 1988, p. 172), diz-nos em A Tentação de Existir. Já em Silogismos da Amargura, reconhecerá que o filósofo alemão terá sido o encantador da sua juventude: “em Nietzsche gostámos de Zaratustra, das suas poses, da sua palhaçada mística, verdadeira feira dos cimos...” (Cioran, 2009, p. 30), rejeitando, no mesmo lance, o culto da vitalidade e a ideia de super-homem. Cioran acredita que foi mais longe do que Nietzsche em virtude do seu cinismo, reconhecendo embora o alcance da sua influência e a sua estética da intensidade: “Medimos a sua fecundidade pelas possibilidades que ele nos oferece de o renegar continuamente sem o esgotar. Espírito nómada, ele escuta a variação dos seus desequilíbrios. Sobre todas as coisas, defendeu o pró e o contra: é esse o procedimento daqueles que se entregam à especulação por não poderem escrever tragédias, dispersar-se em múltiplos destinos. - A verdade é que, ao expor as suas misérias, Nietzsche nos libertou dos pudores das nossas; as suas misérias foram-nos salutares” (Cioran, 2009, p. 31).

Como é possível amar a vida? Deixamos a pergunta reverberar no seu atrevimento sumptuoso: “Mais do que ser um erro de fundo, a vida é uma falta de gosto que nem a morte, nem sequer a poesia conseguem corrigir” (Cioran, 2009, p. 18). O apequenamento da existência, o aviltamento da vida, o amesquinhamento do mundo-espelunca - estratagemas que se situam nos antípodas, por exemplo, da poética anti-tanatológica de Elias Canetti (e aqui estou a pensar na sua magnífica obra póstuma: Das Buch gegen den Tod [O Livro contra a Morte])4 - são estratégias que visam operar uma subtracção da aura de gravitas que imerecidamente lhe é conferida. Este ardil de mitigação do tom enfático e do pathos consuma-se também na confrontação de duas esferas distintas: “Mudei de desespero como quem muda de camisa” (Cioran, 2009, p. 109); “Desde o princípio dos tempos, Deus tudo escolheu para nós, até as nossas gravatas” (2009, p. 66). Põe-se em cena um registo ambivalente onde o banal e o metafísico se entrecruzam, produzindo uma colisão paródica entre duas esferas antitéticas: a esfera do pateticamente trivial e a esfera do escatologicamente incomensurável. É daí que nasce uma fecunda tensão que põe a nu a feição grotesca dos nossos frémitos.

Há indubitavelmente uma grande dose de humor na escrita de Cioran. Como refere Julio Cortázar na sua obra Aulas de Literatura:

O humor está continuamente a passar a lâmina pela base de todos os pedestais, de todas as pedanterias, de todas as palavras com muitas maiúsculas. O humor dessacraliza, não num sentido religioso, porque não estamos a falar do sagrado religioso: dessacraliza num sentido profano. Aqueles valores que damos por adquiridos e que costumam merecer das pessoas uma enorme deferência, o humorista costuma destruí-los com um jogo de palavras ou com uma piada. Não é exactamente destruir, é fazê-los descer por um instante do pedestal e expô-los a outra situação. Há como que uma revogação, um retrocesso na importância aparente de muitas coisas, e é por isso que o humor tem, na literatura, um valor extraordinário, pois é a ele que muitos escritores admiravelmente recorreram e recorrem para, ao diminuírem as coisas que pareciam importantes, mostrarem simultaneamente o que verdadeiramente tem importância nas coisas que aquela estátua, aquela figura ou aquela máscara cobriam, tapavam e dissimulavam (Cortázar, 2016, p. 161).

Nesse sentido, desencadear uma leitura filosófica de Cioran equivaleria a situar a filosofia sob a égide do riso: “Troçar da filosofia é verdadeiramente filosofar” (Pascal, 2008, p. 15). Significaria estimar o eco das gargalhadas da serva trácia que, de acordo com a célebre história, relatada por Platão em Teeteto, não terá contido o riso quando Tales de Mileto caiu dentro de um poço enquanto observava os astros.

Ancorado no tenaz labor da ironia e no teor áspero do sarcasmo, o humor cioraniano impede que a sua poética do suplício deslize perigosamente para o reino do dogma. Um riso preventivo e libertador que escarnece do próprio horror. O riso cioraniano é o expediente catártico que permite que a lucidez irrespirável não se arvore em prima principium, que a clarividência não se degrade em culto. É a subversão derrisória passível de minar o sistema (o sério), a transgressão e a irreverência capazes de se esquivar à sacralização de uma negatividade exacerbada. O riso é, assim, barca redentora para que o descensus ad inferos iniciático não se transforme em naufrágio absoluto. Só assim é possível que, de acordo com a admonição nietzschiana, ao contemplarmos o fundo do abismo, o abismo não nos devolva o olhar.

Assumindo uma dupla função de desmembramento (destruição) e de regeneração (reconstituição), oscilando entre a devastação degradadora e a reparação nobilitante, a irrupção do riso opera uma reivindicação desrespeitosa da liberdade, precipitando uma mitigação do sublime e da aura reverencial outorgada à categoria do sério. Em clave baudelairiana, poder-se-ia afirmar que o homem morde com o riso (Da Essência do Riso), sendo que, por vezes, a subversão cómica se revela capaz de exprimir uma gravidade outrora oculta que o próprio discurso do sério camufla.

À semelhança de Kafka que, segundo Max Brod, não continha as gargalhadas ao ler o primeiro capítulo d’O Processo, gosto de imaginar Cioran soltando um riso desenfreado, enquanto redige as coléricas e agónicas páginas de Breviário de Decomposição ou os desafiadores aforismos dos Silogismos da Amargura. Ouçamos as palavras de Cioran: “O riso é a única desculpa da vida, a grande desculpa da vida! E devo dizer que, mesmo nos momentos de grande desespero, tive força para me rir. [...] Rir é um acto libertador. [...] O riso é um acto de superioridade, um triunfo do homem sobre o universo, uma descoberta maravilhosa que reduz as coisas às suas justas proporções.” (Cioran, 1995, p. 1778).

A nossa proposta é, pois, a de sustentar que o riso constitui o fiel contraponto ao desespero negro. É a astúcia de que Cioran se socorre para gerar um auto-distanciamento irónico que duvida da fatalidade do seu próprio cepticismo e que troça de si mesmo. O humor desconcertante, a mordacidade ácida e o riso demolidor convocam a figura da hiena, a estridente gargalhada perante o Nada: “Um mundo sem tiranos seria tão fastidioso como um jardim zoológico sem hienas” (Cioran, 1994, p. 93).

Lemos, com efeito, a obra de Cioran como a consumação de uma espécie de carnavalização metafísica da existência, uma procissão dos deuses destronados (pensamos obviamente na categoria celebrizada por Mikhail Bakhtine no volume A Obra de François Rabelais e a Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, 1970). A explosão de alteridade, pontuada pela apologia do marginal e do periférico, constitui uma oposição ao hierárquico e ao dogmático. Uma tal cosmovisão visa a suspensão de todas as hierarquias e a criação de um mundo às avessas. Assim se explica a declinação do cómico, o riso paródico, o destronamento da solenidade que percorre os seus escritos. A linguagem carnavalesca de Cioran (as profanações, as blasfémias, as imprecações) consubstancia uma ética da ruptura que ambiciona estilhaçar a ordem instituída. No capítulo “O pensador de ocasião”, no seu Breviário de Decomposição, Cioran confidencia que brinca com os seus pensamentos como um bufão da fatalidade, ao passo que, nos Silogismos da Amargura, sustentará que tanto a sátira como o suspiro lhe parecem igualmente válidos. Daí a profusão no texto cioraniano de tipos carnavalescos, representativos desse espírito antifrástico, de transgressão libertadora, como o louco, o néscio, o bobo, o palhaço ou o bufão. Estamos perante a irrisão carnavalesca enquanto procedimento visceral de tornar convulsa a realidade anquilosada, consumando-se uma operação de dessacralização do poder oficial do texto filosófico.

Também Agamben nos pode oferecer aqui pistas estimulantes para pensarmos essa operação de des-sacralização, socorrendo-se do conceito de profanação. Profanar, na acepção que lhe confere Agamben, significa “abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência que ignora a separação, ou, melhor, faz dela um uso particular” (Agamben, 2006, p. 106), abraçando um uso que “é sempre uma relação com um inapropriável” das coisas - não podendo estas “tornar-se objecto de posse»” (p. 119). Neste sentido, a forma de profanação entendida na acepção de Agamben, concorre para minar hierarquias esclerosadas e sabotar ortodoxas linhas de demarcação.5

Num escrito pleno de fina ironia, em que disserta sobre o cómico absoluto e sobre a dimensão satânica do riso, Baudelaire incrimina o sábio que teme o riso, o lídimo representante da ortodoxia (os mestres que não riem de si, escarnecidos por Nietzsche), afirmando que o “o Homem sábio por excelência, o Verbo Incarnado, nunca se riu. Aos olhos Daquele que tudo sabe e tudo pode, o cómico não existe” (Baudelaire, 2001, p. 9). Como não nos lembrarmos do zeloso monge Jorge de Burgos, a personagem inspirada em Borges, que, n’O Nome da Rosa, de Umberto Eco, considerava o riso como a antecâmara do pecado, tendo, por isso, envenenado as páginas do livro perdido da Poética, de Aristóteles, dedicado à comédia... Segundo Umberto Eco, o “cómico e o humorismo são o modo como o homem tenta tornar aceitável a ideia insuportável da sua morte - ou arquitectar a única vingança que lhe é possível contra o destino ou os deuses que o querem mortal” (Eco, 2000, p. 97). O riso seria, com efeito, o antídoto para o saber mumificado, a arma capaz de tudo dissolver, até o nada, sobretudo o nada. Um pouco como aquele riso de vitória sobre a angústia de que Ulisses é acometido após ter relatado o modo engenhoso e cómico como, através de um jogo de palavras (“Ninguém é como me chamo”), ludibriou o medonho Cíclope Polifemo (canto IX, Odisseia).

O riso afirmativo e criador, enaltecido por Nietzsche em obras como A Gaia Ciência e Assim Falava Zaratustra, assume-se enquanto mecanismo de libertação. No magnífico § 294 de Para Além do Bem e do Mal, o pensador alemão, impugnando a posição hobbesiana, sugere que se faça uma hierarquia dos filósofos a partir da qualidade e da intensidade do seu riso: “Não obstante aquele filósofo que, como verdadeiro inglês, procurou criar, para o riso, em todas as cabeças pensantes, uma má reputação - ‘O riso é um defeito da natureza humana, que qualquer cabeça pensante se deverá esforçar por superar’ (Hobbes) -, gostaria de me permitir estabelecer uma classificação dos filósofos, de acordo com o nível do seu riso, até àqueles que são capazes do riso dourado” (Nietzsche, 1999, p. 254). O riso não é signo de comedimento, o riso extravasa; devedor da convulsão, é a insígnia profanatória da ordem hierática.

Ter a coragem de rir é lutar contra a tentação de um niilismo totalitário, até porque a leveza do riso oculta um abismo. Num dos seus Pensamentos, Giacomo Leopardi escreve: “Grande entre os homens e de grande terror é o poder do riso, contra o qual ninguém na sua consciência se encontra inteiramente armado. Quem tem coragem de rir é dono do mundo, quase como quem está pronto para morrer” (Leopardi, 2018, p. 111). A dado passo, no volume Pequenas Obras Morais, confrontamo-nos uma vez mais com uma apologia desse desespero magnânimo: “Dizem os poetas que o desespero tem sempre um sorriso na boca” (Leopardi, 2003, p. 218).

No seu livro A Era do Vazio, Lipovetsky examina o declínio do riso intempestivo por oposição à ascensão de um riso sem espessura, positivo e desenvolto. Segundo o filósofo francês, o que a sociedade pós-moderna e hedonista produziu foi justamente o obliteramento da fase satírica e negativa do humor, sendo o espírito satírico substituído por uma tonalidade lúdica do cómico. O que impera é um humor pacificado e estéril, próprio de uma sociedade pós-moderna que gera uma auto-absorção narcísica, e não a exuberância do “riso demonstrativo, o riso louco, a explosão de jovialidade” (1989, p. 136). É esse o riso de Cioran.

No capítulo “O inextinguível riso dos deuses” da sua História do riso e do escárnio, Georges Minois descreve uma belíssima cosmogonia que faz residir a origem do universo na eclosão de um primordial riso divino: “«Depois de o deus rir, nasceram os sete deuses que governam o mundo... Quando ele rompeu às gargalhadas, surgiu a luz... Gargalhou segunda vez, e tudo foram águas. À terceira gargalhada, apareceu Hermes; à quarta, a geração; à quinta, o destino; à sexta, o tempo». Depois, antes do sétimo riso, o deus inspirou fortemente, mas tanto riu que até chorou, e das suas lágrimas nasceu a alma” (2007, p. 13). Tudo o que conhecemos teria brotado então de um enorme ataque de riso de um deus que, assim, cria, não pela palavra, mas pela explosão de um riso incontrolável: “E depois deste big bang cómico e cósmico, o deus e o universo - aquele que ri e a sua explosão de riso - ficam num eterno cara-a-cara, interrogando-se mutuamente sobre o que fazem aqui” (p. 13). É como se a plenitude tautológica do incriado tivesse sido abalada pelo riso, resgatando as coisas do seu perfeito torpor, do seu silencioso ainda-não. Porém, logo nesse momento inicial espreita o absurdo da morte: “o riso só é verdadeiramente alegre para os deuses. Para os homens, nunca é alegria pura: a morte nunca está muito longe, e esta intuição de um nada sobre o qual todos estamos suspensos contamina o riso” (p. 18).

Dir-se-ia que a ubíqua presença de Thanatos jamais oblitera a comparência do humor: “O riso e a morte dão-se bem. Basta olhar para uma caveira para disso se ficar convencido: nada lhe pode tirar o sorriso eterno” (p. 21), asserção que nos remete para o macabro episódio de infância, narrado por Cioran em algumas entrevistas e incluído num dos seus Silogismos da Amargura: “Na minha infância, eu e os meus colegas divertíamo-nos a ver o coveiro trabalhar. Às vezes ele dava-nos um crânio com o qual jogávamos futebol. Era para nós uma alegria que nenhum pensamento fúnebre vinha obscurecer” (Cioran, 2009, p. 58).

Será porventura abusivo falar em alegria quando nos reportamos à forma mentis cioraniana, embora o próprio Cioran nos confidencie que quando “enchemos todo o universo de tristeza, só nos resta, para reavivar o espírito, a alegria, a rara, a fulgurante alegria; e é quando já não esperamos mais que sofremos a fascinação da esperança” (Cioran, 1995b, p. 15). Há sempre uma pérola que, embora negra, insiste em brilhar nos confins da solidão: “Nós amamos sempre...apesar de tudo; e este «apesar de tudo» cobre um infinito” (Cioran, 2009, p. 91). Espíritos atormentados do ser e da espera, define-nos, afinal, a alegria de estarmos condenados a vaguear entre a luz e as trevas. Como na derradeira sentença de O Funesto Demiurgo, estamos todos no fundo de um inferno em que cada momento é um milagre. Dançamos ao som de lágrimas felizes. E se tudo é um apocalipse em surdina, em cada átomo vibrará sempre um coração apaixonado. Eis, em suma, a inglória saudade que nos salva.

Considerações finais: Uma dura lição de luz

A hipótese que procurámos testar ao longo da presente reflexão passava, não por obnubilar a omnipresença do pessimismo existencial cioraniano, mas por fazer contracenar as categorias niilistas deste pensador (exílio, desespero, agonia, solidão, absurdo) com uma espécie de pano de fundo jubilatório que se deixa adivinhar em surdina ao longo da obra do filósofo franco-romeno. Visando preencher aquilo que consideramos ainda ser um parco desenvolvimento destas máterias, procurámos compulsar a presença do humor e da ironia na forma mentis de Cioran, aludindo ao conceito de profanação explanado por Giorgio Agamben e ao conceito de humor explorado por Julio Cortázar, empreendendo ainda uma breve incursão em torno do conceito de escrita do desastre, em clave blanchotiana.

Cremos ter ficado claro que, para Cioran, a escrita era tão-só um modo de ele poder formular um pouco melhor as suas obsessões, uma terapêutica meramente individual, portanto. Um pensamento que não inspirasse seguidores e que apenas fosse fruto de uma solidão indizível e intransmissível. Nesse sentido, cremos não ser abusivo olhar para a obra cioraniana como um precioso manual de anti-ajuda, um catálogo de intuições que exibem a ousadia de celebrar a metafísica do fracasso por oposição ao pueril culto do sucesso que marca indelevelmente a nossa era do vazio, para recuperar a terminologia de Lipovetsky. E, no entanto, apesar de inegociavelmente à margem dos ditames infantilmente optimistas da nossa época, estamos em crer que o autor de História e Utopia continuará a ser lido por espíritos que a ele electivamente se irmanam. Porque, em última análise, Cioran foi um exímio sedutor: alguém que levou a radicalidade do pensamento ao seu limite, alguém que foi implacável com tudo, começando por ele próprio. Mas quem se atreve a ler este anti-filósofo, sabe que da descida aos infernos é sempre possível extrair uma dura lição de luz - a isso poderíamos chamar lucidez. Os seus leitores sabem do que falo. Cioran di-lo melhor: “Uma pessoa pode se dizer niilista e, no entanto, se apaixonar como o maior dos idiotas”.

Referências

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1 Cf. Michel Foucault. As Palavras e as Coisas. Lisboa: Edições 70, 2002.

2 Cf. Jorge Luis Borges. O idioma analítico de John Wilkins. In: Obras Completas, vol. II. Lisboa: Editorial Teorema, 1998, pp. 81-84.

3 Cf. Emil Cioran. Nos Cumes do Desespero. Lisboa: Edições 70, 2020.

4 Cf. Elias Canetti. Das Buch gegen den Tod. München: Carl Hanser Verlag, 2014.

5 Esta aproximação ao conceito de profanação, através da óptica agambiana, foi sublinhada de forma persuasiva por Hannah Freed-Thall no livro Spoiled Distinctions, quando examina a poesia de Frangis Ponge: «Art for Ponge is thus anything but sacred and untouchable. Rather, it is profane, as Giorgio Agamben (drawing on Walter Benjamin) has theorized that concept: usable, to-be-played-with, not to be pocketed or held apart. Profanation, according to Agamben, is a kind of sacrifice in reverse. It indicates the act of returning to common use that which had been designated as property of the gods. Transforming display into free play, neutralizing or deactivating the partition between the ordinary and the extraordinary, profanation is another way of describing the de-instrumentalizing force of the aesthetic» (Freed-Thall, 2015, p. 95). Também aqui se trata de subverter as hierarquias que se estabelecem entre o sério e o leviano, o superficial e o profundo, o ordinário e o extra-ordinário.

Como citar: Soeiro, Ricardo Gil. Entre o Triunfo da Agonia e a Lucidez das Lágrimas: O Desespero Profanador de Emil Cioran. Discusiones filosóficas. Ene. 24(42), 2023: 57-73. https://doi.org/10.17151/difil.2023.24.42.4.

Recebido: 21 de Abril de 2022; Aceito: 14 de Junho de 2022

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