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Revista Latinoamericana de Bioética

Print version ISSN 1657-4702

rev.latinoam.bioet. vol.11 no.2 Bogotá June/Dec. 2011

 

Bioética e Confidencialidade do Doador Cadáver em Transplantes Renais no Brasil

BIOÉTICA Y CONFIDENCIALIDAD DEL DONANTE CADÁVER EN TRASPLANTES RENALES EN BRASIL

BIOETHICS AND CONFIDENTIALITY REGARDING CADAVER DONORS FOR KIDNEY TRANSPLANTATION IN BRAZIL

Telma Noleto Rosa*

Volnei Garrafa**

* Estudante de Doutorado da Cátedra UNESCO e Programa de Pós-Graduação em Bioética - Faculdade de Ciências da Saúde - Universidade de Brasília - Brasil.

** Professor Titular; Coordenador da Cátedra UNESCO e do Programa de Pós-Graduação em Bioética - Faculdade de Ciências da Saúde - Universidade de Brasília -Brasil. Email: bioetica@unb.br

Fecha Recepción: Septiembre 20 de 2011
Concepto Evaluación: Octubre 20 de 2011
Fecha Aceptación: Diciembre 1 de 2011


RESUMO

Objetivo - Analisar a confidencialidade nos transplantes renais com doadores cadáveres. METODOLOGIA - Foram aplicados 60 questionários com participantes escolhidos aleatoriamente, divididos em três grupos: pacientes em lista de espera para transplantes, pacientes transplantados renais e familiares dos doadores. RESULTADOS - No grupo de pacientes em lista de espera, 85% manifestaram interesse em conhecer a identidade do doador; no grupo de pacientes transplantados, apenas 45% manifestaram interesse; no grupo de famílias doadoras, 55% manifestaram vontade de conhecer o receptor. A Central Nacional de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) foi indicada por 61.7% dos participantes como responsável pela identificação do doador. CONCLUSÃO - O critério da decisão compartilhada sobre a identificação ou não do doador cadáver, com a intermediação do Estado por meio das CNCDO, é o mais condizente com a opinião dos sujeitos que responderam à amostra estudada.

Palavras clave

Bioética; Transplante renal; Doador cadaver; Confidencialidade.


RESUMEN

Objetivo - Analizar la confidencialidad en los trasplantes renales con donantes cadáveres. Metodología - Se aplicaron 60 cuestionarios con participantes escogidos aleatoriamente, divididos en tres grupos: pacientes en lista de espera para trasplantes; pacientes renales trasplantados; y familiares de los donantes.

Resultados - En el grupo de pacientes en lista de espera, el 85% manifestó interés en conocer la identidad del donante; en el grupo de pacientes trasplantados, sólo el 45% manifestó interés; en el grupo de familias donantes, el 55% manifestó el deseo de conocer el receptor. La Central Nacional de Notificación, Captación y Distribución de Órganos (CNCDO) fue indicada por un 61,7% de los participantes como responsable por la identificación del donante.

Conclusión - El criterio de decisión compartida sobre la identificación o no del donante cadáver, con la intermediación del Estado a través de las CNCDO, es lo que más se ajusta a la opinión de las personas que respondieron a la muestra estudiada.

Palabras Clave

Bioética, Trasplante Renal, Donante Cadáver, Confidencialidad.


SUMMARY

Objetivo - To analyze the confidentiality in kidney transplantation from cadaver donors. METHODOLOGY - Questionnaires with 60 participants divided in three groups: patients on waiting lists for transplants; patients who had received a transplant; and members of donors' families. RESULTS - In the first group, 85% expressed interest in knowing the donor's identity; in the second group, only 45% expressed interest; and in the group of donor families, 55% expressed a wish to know who had received the transplant. The National Center for Organ Notification, Collection and Distribution (CNCDO) was indicated by 61.7% of the participants as the body responsible for donor identification. CONCLUSION - The criterion of shared decisions between the subjects involved, with intermediation by the State through CNCDO, fitted best with the opinions of the sample studied.

Key words

Bioethics. Kidney transplantation. Cadaver donor. Confidentiality.


INTRODUÇÃO

A política brasileira de transplantes está fundamentada em legislação específica (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007). O conjunto das leis definiu como diretrizes a gratuidade da doação, a beneficência em relação aos receptores, a não maleficência em relação aos doadores vivos e estabeleceu garantias e direitos aos pacientes que necessitam destes procedimentos. Entretanto, questões conflitivas, como a manutenção ou não da confidencialidade com relação à identidade do doador cadáver, ainda não estão contempladas na legislação, bem como as discussões sobre o tema são ainda incipientes.

A não inclusão da confidencialidade da identidade do doador cadáver na legislação de transplantes e nos ciclos de discussões sobre o tema no Brasil, especificamente, corroboram para a existência de critérios técnicos divergentes entre as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) nos diferentes estados do país.

A diversidade de critérios técnicos frente a confidencialidade da identidade do doador propicia o aparecimento de conflitos pessoais, psicológicos, sociais e éticos tanto nos profissionais que mantêm o contato direto com os pacientes e seus familiares, como na população em geral, mesmo porque a legislação brasileira somente autoriza a inscrição de paciente em uma única lista de espera, em qualquer Estado. E essa mesma legislação autoriza, também, a realização de transplante de um órgão advindo de outro Estado e vice-versa, por meio da distribuição de órgãos e tecidos de uma lista única nacional, fatores que favorecem a observação dessa ambigüidade pelos usuários de todo o sistema no país.

A diversidade de posturas das CNCDO promove, intermitentemente, conflitos e questionamentos nas famílias doadoras e receptores sobre o direito ao exercício da autonomia, dentro de pontos de vistas diferentes: o pessoal e o impessoal.

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco reconhece que: "..as decisões sobre questões éticas na medicina, ciências da vida e tecnologias associadas podem ter um impacto sobre os indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e sobre a humanidade como um todo" (UNESCO, 2005). Assim, seria imprudente discutir a doação de órgãos e tecidos, assim como os transplantes, apenas na dimensão quantitativa, sem considerar o respeito à qualidade de vida das pessoas, e outros conceitos fundamentais relacionados com a ética, como autonomia, cidadania, direitos humanos e liberdade, dentre outros.

A ética prática (aplicada), que propicia discussões, analisa casos, confronta idéias e argumenta com base na razão a dimensão da ética em saúde pública, pode auxiliar na resultante moral do conjunto de decisões e medidas políticas e sanitárias - individuais e coletivas - que possam proporcionar aumento da cidadania e diminuição da exclusão social (GARRAFA V. A.,1995. p. 05-9).

Portanto, o debate sobre a manutenção ou revelação do sigilo da identidade do doador requer maturidade social. E essa deve ser conquistada por meio do diálogo, da informação e discussão do assunto com segmentos da sociedade e, principalmente, com aqueles que direta ou indiretamente estejam ligados ao processo de doação e transplantes, com vistas a favorecer uma mudança cultural consciente e à implementação de leis que possam, assim, refleti-la.

O objetivo do presente estudo foi analisar, sob o prisma da bioética, a confidencialidade em relação à identidade do doador nos casos de transplantes renais de doadores cadáveres no Brasil. E, identificar a opinião de pacientes renais em lista de espera para transplante, pacientes transplantados e pessoas formalmente responsáveis de famílias doadoras, sobre a confidencialidade em relação à identidade do doador cadáver.

METODOLOGÍA

Os participantes da amostra utilizada no presente estudo foram selecionados por meio de escolha aleatória simples, nas listagens de pacientes e doadores das Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do Estado de Goiás (CNCDO-GO) e do Distrito Federal (CNCDO-DF), no Brasil.

A amostra foi composta por 60 pessoas, de ambos os sexos, idade superior a 18 anos, residentes em Goiânia-GO ou no Distrito Federal. A pesquisa foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, devidamente credenciado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Ministério da Saúde do Brasil. Após a assinatura do Termo de Consentimento Informado, os participantes responderam a um questionário formatado com perguntas abertas e fechadas, dirigidas a três grupos de sujeitos distintos:

Grupo 1 - composto por 20 pacientes em lista de espera para transplante renal: 10 inscritos na lista de espera para transplante na CNCDO-GO e 10 na CNCDO-DF.

Grupo 2 - consistiu de 20 pacientes transplantados renais de doadores cadáveres, com registro da realização do transplante há mais de 6 meses: 10 na CNCDO-GO e outros 10 na CNCDO-DF.

Grupo 3 - formado por 20 familiares responsáveis pela assinatura do Termo de Consentimento de Doação de Órgãos e Tecidos: 10 de Goiás e 10 do DF (Tabela 1).

O critério de exclusão dos participantes dos três grupos foi o laço de parentesco com profissionais da CNCDO-GO ou CNCDO-DF, a fim de se evitar qualquer possibilidade de interferência, direta ou indiretamente, no posicionamento dos entrevistados.

Os três questionários utilizados abordaram aproximadamente o mesmo assunto, tendo sido apenas adequados à linguagem específica para cada grupo, conforme descrição a seguir.

Na primeira parte do questionário buscou-se obter os dados pessoais do participante: idade, sexo, cor, estado civil, escolaridade, profissão e/ou ocupação, local de residência, religião, renda e outras especificidades como: tempo em lista de espera, para os entrevistados do Grupo 1; tempo decorrido após a realização do transplante, para os entrevistados do Grupo 2; ou grau de parentesco com o doador, de acordo com a especificidade do Grupo 3.

A segunda parte do questionário abrangeu o tema em seis questões, com tópicos diferenciados de acordo com a especificidade de cada grupo, como já mencionado: 1) O significado da doação de órgãos, com o intuito de conhecer as crenças e valores relacionados ao ato de doar; 2) Se gostaria de ter informação sobre a identidade do doador/receptor; 3) Quem deveria ser responsável pela a informação da identidade do doador/receptor; 4) Se gostaria de ter a identidade revelada à família doadora/identidade do receptor; 5) Quem deveria ser responsável pela informação da identidade do doador/ receptor; 6) Opinião sobre a possibilidade de conhecer ou não a família doadora/receptor e se isso mudaria alguma coisa em sua vida.

A análise estatística dos dados obtidos pelos questionários foi realizada por meio do Programa Statistical Package for the Social Sciences - SPSS.

RESULTADOS

Quanto aos dados sócio-demográficos, a amostra da pesquisa teve parcela maior de participantes do sexo masculino (60%); da faixa etária de 30 a 49 anos (56.7 %) e de renda familiar até 6 salários mínimos (75%). A maior parte é de casados (46.7%); da cor parda (61.7 %); aposentados (28,3%) e católicos (50%).

Para o significado da doação de órgãos, 30% escolheram todas as opções como alternativa (solidariedade, compaixão, generosidade, ser útil aos outros); 25% indicaram a solidariedade; 16.7% acrescentaram amor e carinho como outra opção; 11.7%, ser útil aos outros; 8.3%, generosidade; 3.3% acrescentaram caridade, 3.3%, compaixão e 1.7%, sem informação

Ao considerar o Grupo 1, observou-se que 85% manifestaram vontade de conhecer a identidade do doador quando transplantado. Destes, 40% manifestaram vontade, desde que o interesse parta deles próprios; 10%, quando a família do doador manifestar vontade e, 35%, quando, tanto a família doadora quanto o receptor, conjuntamente, manifestarem a mesma vontade. Em contrapartida, 15% não manifestaram interesse em conhecer a identidade do doador após o transplante

No Grupo 2, 45% manifestaram vontade de conhecer a identidade do seu doador. Destes, 25% conheceram a identidade do doador - 15% manifestaram a própria vontade e 10% por intermédio da família - e 20% manifestaram vontade de conhecer, mas mesmo assim não obtiveram a informação da identidade do doador. Os 55% restantes não manifestaram interesse em conhecer a identidade do doador.

Do Grupo 3, 55% dos familiares manifestaram vontade de conhecer o(s) receptor (es), mas mesmo assim, apenas 20% conheceram o(s) receptor(es) e 35% não obtiveram informação da(s) identidade do(s) receptor(es).

A maioria dos participantes indicou preferência pela CNCDO para assumir a responsabilidade pela identificação do doador - 70% dos pacientes em lista de espera; 60% dos pacientes transplantados e 55% das famílias doadoras.

Dos 20 participantes do Grupo1, 20% não manifestaram interesse que sua identidade fosse revelada à família doadora; 50% mostraram-se interessados em revelar sua identidade quando a família tiver interesse; 10%, quando ele próprio, o receptor, tiver interesse; e 20%, quando ele - receptor - e família, conjuntamente, manifestarem interesse.

Dentre os 20 participantes do Grupo 2, 45% não souberam responder sobre se sua identidade deveria ser revelada à família do doador; 20% não manifestaram interesse; e 35% mostraram-se interessados em revelar sua identidade à família. Destes, 25% somente quando eles próprios autorizarem a identificação; e 10% quando a família manifestar interesse. Dos familiares questionados sobre quais os motivos que o levaram a definir pela doação, 40% atribuíram como motivação o respeito à vontade do doador; 35%, à solidariedade; 10%, à possibilidade de ser útil aos outros; 5%, como forma de manter o familiar vivo; 5%, à compaixão e 5% a outros motivos.

DISCUSSÃO

O estudo constatou que nos três grupos estudados, os sujeitos estão em situação de vulnerabilidade. Desde os pacientes em lista de espera - que vivenciam as mazelas da doença e do tratamento que os excluem de atividades profissionais, sociais e familiares - aos pacientes transplantados, que por um longo período estão com as atenções voltadas para sua recuperação pós-transplante e, consequentemente, para a possibilidade de rejeição do enxerto e falta de acesso à medicação; e até mesmo aos familiares dos doadores de órgãos que, na maioria das vezes, além da situação de estresse em decorrência da morte súbita do doador, deparam-se, posteriormente, com as dificuldades na elaboração do luto.

Para a amostra estudada, a solidariedade, compaixão, generosidade e vontade de ser útil aos outros foram os significados atribuídos à doação de órgãos por 30% dos participantes. Este simbolismo da doação de órgãos encontra-se presente em diferentes estudos, separadamente, ou em conjunto com outros, confirmando ser a solidariedade uma representação social do ato de doar (BENDASSOLI PF. 2000:13). (FONSECA MAA, CARVALHO AM., 2005 (20): 85-108).

Em pesquisa na qual foi comparada a tomada de decisão da doação de órgãos de famílias doadoras e não doadoras, constatou-se que a prévia intenção expressa para doação de órgãos pelo doador estava associada ao consentimento de doação da família (RODRIGUE JR, COMELLl DL, HOWARD RJ., 2006 (6):190-8). Também as famílias que optaram em doar tiveram uma maior informação sobre a morte encefálica.

A tomada de decisão das famílias sobre a doação de órgãos, normalmente está envolta com dificuldades emocionais, não somente decorrentes do impacto da noticia da internação súbita e evolução do quadro clinico do paciente (traumatismos, acidente vascular cardíaco, outros) como, também, das dificuldades que permeiam a assistência pública à saúde.

No momento em que os profissionais do sistema de captação oferecem às famílias dos potenciais doadores a oportunidade de se tornarem doadores, os mesmos já tiveram experiências que podem ser decisivas na tomada de decisão, tais como: dificuldade na obtenção de informações fidedignas sobre o paciente; falta de comunicação prévia sobre a abertura do protocolo de diagnóstico de morte encefálica; falta de local físico apropriado para aguardar por notícias; inexistência de contato com a equipe médica; e dificuldades na realização de exames comprobatórios e na transferência de hospitais, quando da necessidade de vaga em leito de Unidade de Terapia Intensiva.

Frente às inúmeras deficiências e pouca credibilidade no sistema público de saúde, e confrontando-se ainda com o medo do desconhecido, torna-se difícil atribuir às famílias a responsabilidade única da negativa para a doação de órgãos. Na verdade, essa responsabilidade deve ser compartilhada com o Estado, responsável pelo precário funcionamento do sistema público e programas de conscientização da população; e, fundamentalmente, com os profissionais da área da saúde, responsáveis também pelo próprio despreparo técnico nas relações interpessoais.

Dois fatores merecem atenção no presente estudo: o primeiro, é que mais da metade dos pacientes transplantados não demonstrou vontade de conhecer a identidade do doador; segundo, ao se manifestar favorável ou desfavoravelmente, a maioria dos participantes da amostra defendeu o direito do exercício da autonomia, requerendo--lhes o direito de decisão sobre a confidencialidade.

O sigilo profissional sempre foi considerado uma característica moral obrigatória da profissão médica e das profissões na área da saúde. No entanto, no caso da confidencialidade da identidade do doador, o conhecimento técnico do processo de doação e transplante pode não ser suficiente para habilitar os profissionais a uma tomada de decisão mais prudente e justa.

Segundo Ortuzar (ORTUZAR MG., 1998 (7):133-158), é obrigação ética a confidencialidade da identidade do doador, como parte de seus interesses, apesar de, frequentemente, ser violada pelos meios de comunicação: o não respeito ao anonimato do doador e receptor pode ocasionar problemas sociológicos no receptor (de identidade pessoal) e culpabilidade pela morte do doador, com perigo de rejeição do órgão.

A CNCDO foi indicada pela maioria dos 60 participantes como a responsável pela possível identificação do doador (61.7%). Partindo da premissa de que a Constituição Brasileira (Constituição da República Federativa do Brasil. 1988) estabelece que a saúde seja "um direito de todos e um dever do Estado" e que esse deve garantir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde", pode-se inferir que a amostra estudada tem internalizado este conceito de que o Estado é o provedor e, consequentemente, detentor de direitos e deveres. Ao mesmo tempo, os três segmentos - pacientes na lista de espera, transplantados e famílias doadoras -se isentam da responsabilidade social da tomada de decisão e reconhecem esse papel como de esfera e competência da CNCDO.

Ressalta-se, ainda, que a possibilidade da quebra da confidencialidade possa ser vista pela população como uma alternativa para o controle social da distribuição dos órgãos: "O controle social, por meio do pluralismo participativo, deverá prevenir o difícil problema de um progresso científico e tecnológico que reduz o cidadão a súdito em vez de emancipá-lo.." (GARRAFA V., 2003).

Sobre quais os motivos que levaram a família a definir pela doação, 40% atribuíram como motivação o respeito à vontade do doador. Os achados da presente pesquisa confirmam relatos de estudos similares que, em análises multivariáveis, destacaram que o conhecimento das intenções de doação do familiar falecido é fator importante na tomada de decisão favorável à doação de órgãos e tecidos (RODRIGUE JR, COMELLl DL, HOWARD RJ., 2006 (6):190-8) (SIMINOFF LA, GORDON N, HEWLETT J, ARNOLD RM., 2001 (286):71-7) (RADECKI CM, JACCARD J., 1997 (16):183-95). E que os desejos expressados pelos familiares falecidos são usualmente executados pelos membros da família, quando informados. Convém destacar que a efetivação da doação não esteve relacionada a quaisquer formas de incentivo como, por exemplo, a cobertura de despesas de funeral ou outros diferentes benefícios sociais. Embora determinados autores considerem aceitável o uso do benefício funerário à família do doador cadáver (GARRAFA V., PESTANA JOM., 2006:60-75) para cobrir as despesas do enterro, prática utilizada no estado de estado de São Paulo/Brasil, os entrevistados se mostraram veementemente contrários a qualquer "incentivo" financeiro para a doação de órgãos.

Dentre os pacientes em lista e os transplantados, respectivamente 70% e 75% afirmaram que o fato de conhecer a família doadora mudaria positivamente sua vida. Os achados relacionados às famílias doadoras (50%) mostram que o fato de conhecer os receptores não mudaria sua vida e, exatamente outros 50% informaram que mudaria.

A manutenção ou não do sigilo da identidade do doador cadáver é um tema que merece pauta nas discussões interdisciplinares e com a comunidade em geral, para que os critérios possam ser estabelecidos de acordo com a moralidade que se configure a partir do próprio contexto sócio-cultural no qual está inserida a sociedade brasileira.

CONCLUÕES

Na maioria das situações, nos três grupos estudados, os valores individuais se sobrepuseram aos valores coletivos, onde cada um dos três grupos de pessoas estudado chamou a atenção para a necessidade de retomada da autonomia pessoal, uma vez que, enquanto pacientes, esta fica relegada de modo paternalista, muitas vezes, às decisões médicas.

O ponto convergente entre pacientes, famílias e dirigentes foi a presença da referência ao principio da prudência, por meio do respeito e direito mútuo entre as partes envolvidas. Essencialmente, manifesta-se o pluralismo moral observado nas diferenças de opiniões e na congruência das justificativas.

De acordo com os resultados encontrados por meio do presente estudo, reafirma-se a importância acadêmica e sócio-política da bioética no auxilio de transformar ações práticas indiscriminadas em ações técnicas responsáveis convergentes aos valores morais praticados pela sociedade em cada contexto dado.

Observou-se que, uma alternativa para que a confidencialidade da identidade do doador possa ser manejada, é a decisão compartilhada entre os sujeitos envolvidos, com a intermediação do Estado, por meio das CNCDO.

E, para que o Estado possa intermediar de acordo com critérios justos, far-se-á necessário a atuação de três instâncias de Comitês ou Conselhos de Bioética:

Numa primeira instância, após a manifestação do interesse de identificação da identidade dos receptores e famílias doadoras, as partes seriam recebidas por profissionais psicólogos das CNCDO, a fim de que estes pudessem apresentar uma avaliação psicológica a um Comitê Assistencial de Bioética que todo CNCDO deveria ter, o qual daria seu parecer técnico sobre o tema.

Entretanto, os casos que apresentassem dificuldades na avaliação ou tivessem registrados recursos impetrados por qualquer das partes, seriam remetidos a uma segunda instância - o Comitê de Bioética do próprio Sistema Nacional de Transplantes - SNT - podendo, ainda, haver consulta final ao futuro Conselho Nacional de Bioética, ora em tramitação no Congresso Nacional brasileiro por meio do Projeto de Lei 6032/2005 enviado pelo Presidente da República, como terceira e última instância.


REFERENCIAS

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