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Revista Latinoamericana de Bioética

Print version ISSN 1657-4702

rev.latinoam.bioet. vol.17 no.2 Bogotá July/Dec. 2017

https://doi.org/10.18359/rlbi.1899 

Artículos de revisión

Neutralidade científica: aspectos éticos na obtenção de resultados *

Neutralidad científica: aspectos éticos en la obtención de resultados

Neutrality of science: ethical issues in obtaining results

Fábio Duarte da Costa Aznar** 

Adriana Rodrigues de Freitas-Aznar*** 

Marcos Maurício Capelari**** 

Fabiano Duarte da Costa Aznar***** 

Sílvia Helena de Carvalho Sales-Peres****** 

Arsenio Sales-Peres******* 

** Cirurgião-Dentista, doutor em Odontologia em Saúde Coletiva, da Universidade de São Paulo, Brasil. Professor Pós-Graduação Faculdade FACOPH, Brasil. E-mail: aznar@usp.br. ORCID: orcid.org/0000-0002-2089-6081

*** Cirurgiã-dentist, doutora em Odontologia em Saúde Coletiva, da Universidade de São Paulo, Brasil. Professora Pós-Graduação Faculdade FACOPH, Brasil. E-mail: adrianafreitas@usp.br. orcid.org/0000-0002-1351-7696

**** Cirurgião-Dentista, doutor em Odontologia em Saúde Coletiva, da Universidade de São Paulo, Brasil. E-mail: marcosmcapelari@usp.br. ORCID: orcid.org/0000-0002-7147-7100

***** Cirurgião-Dentista, mestre em Odontologia em Saúde Coletiva, da Universidade de São Paulo, Brasil. E-mail: fabianoaznar@usp.br. ORCID: orcid.org/0000-0002-8976-2305

****** Cirurgiã-dentista, doutora em Biologia Oral, da Universidade de São Paulo, Brasil. Professora livre-docente do Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva, da Universidade de São Paulo, Brasil. E-mail: shcperes@usp.br. ORCID: orcid.org/0000-0003-3811-7899

******* Cirurgião-Dentista, doutor em Odontologia Preventiva e Social, da Universidade Estadual Paulista, Brasil. Professor livre-docente do Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva, da Universidade de São Paulo, Brasil. E-mail: arsenio@usp.br. ORCID: orcid.org/0000-0002-5110-1552


Resumo

A neutralidade em relação à comunidade científica e publicação de resultados são essenciais, visto que toda teoria aplicada nas diversas áreas do conhecimento é gerada por pesquisas científicas. A manipulação ou falsificação de resultados é uma das práticas mais condenáveis, pois dissemina dados falsos ou incorretos. Este estudo avaliou se a produção científica e a obtenção de resultados estiveram pautadas na ética e no princípio da neutralidade, por meio de uma revisão integrativa da literatura. Os resultados demonstraram que 100% dos trabalhos selecionados afirmam existir má conduta científica, e que a mesma tem aumentando significantemente em todo o mundo; sendo difícil sua identificação. Os motivos mais comuns para a falsificação de dados foram à busca do reconhecimento e a competição no meio acadêmico. Portanto, uma conduta responsável e ética de sociedades e comitês científicos, e editores de periódicos, torna-se imprescindível na credibilidade dos resultados encontrados nas pesquisas científicas.

Palavras-chave: Má conduta científica; ética em pesquisa; responsabilidade social

Resumen

La neutralidad en relación con la comunidad científica y publicación de resultados es esencial, en vista de que toda teoría aplicada en las diversas áreas del conocimiento es generada por investigaciones científicas. La manipulación o falsificación de resultados es una de las prácticas más condenables, ya que difunde datos falsos o incorrectos. Este estudio evaluó si la producción científica y la obtención de resultados estuvieron pautadas en la ética y en el principio de neutralidad, a través de una revisión integradora de la literatura. Los resultados demostraron que en el 100 % de los trabajos seleccionados existe mala conducta científica, y que esta ha aumentado significativamente en todo el mundo, siendo difícil su identificación. Los motivos más comunes para la falsificación de datos fueron la búsqueda de reconocimiento y la competencia en el medio académico. Por lo tanto, una conducta responsable y ética de sociedades y comités científicos, y editores de periódicos se torna imprescindible en la credibilidad de los resultados encontrados en las investigaciones científicas.

Palabras clave: mala conducta científica; ética en investigación; responsabilidad social

Abstract

Neutrality about the scientific community and publication of results are essential since all applied theory in different fields of knowledge is generated by scientific research. The manipulation or falsification of results is one of the most reprehensible practices, as it disseminates false or incorrect data. This study evaluated whether scientific production and the achievement of results were based on ethics and the principle of neutrality, through an integrative literature review. The results showed that 100% of the analyzed studies had scientific misconduct and that it has significantly increased worldwide getting difficult to identify. The most common reasons for data falsification were the quest for recognition and competition in the academic community. Therefore, a responsible conduct and ethical of societies, scientific committees, and journal editors become essential in the credibility of the results found in scientific research.

Keywords: Scientific misconduct; ethics research; social responsibility

Introdução

Diariamente somos surpreendidos por novas descobertas, uma vez que a busca por novos conhecimentos, e consequentemente novas tecnologias, é uma característica inerente do homem (Araújo, 2003).

Os profissionais que se dedicam à atividade de pesquisa científica constituem a classe caracterizada por uma incansável busca de conhecimento. Para esses profissionais, tudo o que é publicado deve ser divulgado como dado original, ou seja, relativo a algum aspecto até então desconhecido na respectiva especialidade (Forattini, 1994). A tecnologia do mundo moderno nos abre um caminho ao futuro, às reflexões relativas às novas práticas e aos desafios de novas descobertas, entretanto parece nos distanciar de reflexões básicas e fundamentais, como as discussões éticas (Muccioli, 2004).

O aspecto ético da pesquisa científica é um tema importante que jamais devem ser negligenciados em qualquer tipo de trabalho científico. Segundo Schnaider (2008), o objetivo da pesquisa em seres humanos é fazer com que as pessoas atinjam um bem-estar físico, mental, social e espiritual. Uma pesquisa só é aceitável quando responde de forma primária às conveniências do diagnóstico e da terapêutica do experimentado, a fim de restabelecer sua saúde ou minimizar seu sofrimento. Portanto, para assegurar a integridade e o respeito aos participantes de pesquisas foram desenvolvidos documentos em âmbito internacional como o Código de Nuremberg (1947), Declaração de Helsinki (1964) e Diretrizes Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (1982).

No Brasil o Conselho Nacional de Saúde (CNS) propôs, através da Resolução no 1/1988 (Conselho Nacional de Saúde, 1988), a criação de Comitês de Ética em todas as instituições brasileiras que realizassem projetos de pesquisa na área de saúde, tais como Universidades e centros de pesquisas públicos e privados. Posteriormente por meio da Resolução no 196/1996 (Conselho Nacional de Saúde, 1996), que foi revogada pela Resolução no 466/2012 (Conselho Nacional de Saúde, 2012), o CNS regulamentou e normatizou os Comitês de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, estabelecendo os parâmetros para o desenvolvimento e acompanhamento das pesquisas. A resolução no 466/2012 (Conselho Nacional de Saúde, 2012) é uma adaptação das principais declarações e diretrizes internacionais sobre as pesquisas com seres humanos à realidade legal e jurídica brasileira. O documento trata ainda sobre a assistência, benefícios ou danos resultantes da pesquisa, formas de ressarcimento e/ou indenização aos indivíduos, a fim de “assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado”. Salienta-se que a Declaração de Helsinki, tida como referência na maioria das diretrizes nacionais e internacionais sofreu diversas revisões, sendo a última delas no ano de 2013 (World Medical Association, 2013); sendo que a mesma não é utilizada como parâmetro da resolução no 466/2012 (Conselho Nacional de Saúde, 2012).

A ética em pesquisa também está relacionada com a conduta do pesquisador em relação à obtenção de resultados. As pesquisas científicas, principalmente as relacionadas à área da saúde, têm grande impacto na população mundial, visto que seus resultados irão gerar novos tratamentos e procedimentos. Entretanto, esses trabalhos apenas terão impacto positivo na humanidade se forem realizados com honestidade (Lohsiriwat e Lohsiriwat, 2007). Segundo Forattini (1994) três tipos de comportamento inadequado na pesquisa merecem atenção, sendo eles a má-conduta científica, hábitos questionáveis, e outras práticas inconvenientes na pesquisa, não peculiares à vida científica e sujeitas à legislação vigente. A má-conduta pode incluir desde a fabricação de dados, o plágio, e a falsificação, até mesmo sustentação de artigo provadamente indefensável. Tais situações se enquadram, sem limites nítidos, nas condutas chamadas de questionáveis.

Peh e Ng (2010) citam que as formas mais comuns de má conduta científica são a apropriação indevida de ideias, a violação das práticas de pesquisa de aceitação geral, o não cumprimento de requisitos legais e regulamentares, a falsificação de dados e os comportamentos inadequados em relação à falta cometida. As faltas menos graves, contudo mais frequentes, que são relatadas na literatura são as repetições de dados em publicações redundantes, cópia ou plágio de partes substanciais de outras publicações, isto é, exploração deliberada de ideias de outros autores, o que se caracteriza como alocação indevida de autoria (Reyes, 2007).

A má conduta por fraude pode ser definida como enganar alguém para obter dinheiro ou bens, ou para fingir ter qualidades que realmente não tem, no caso dos pesquisadores, um comportamento inaceitável ou desonesto de alguém em posição de confiança, e pode ser materializada nas formas de falsificação, fabricação e/ou manipulação de resultados de pesquisas (Lohsiriwat e Lohsiriwat, 2007).

A fraude cientifica nos processos editoriais expõe os leitores e a comunidade científica a uma informação falsa e de má qualidade. As medidas tomadas contra os autores que cometem fraude em geral são brandas, pelas proporções dos danos que esse comportamento pode gerar (Palacios e Ramírez, 2008). Seja qual for a caracterização ou nível do pesquisador na produção científica, pressupõe-se que os mesmo obedeça as normas e preceitos éticos desde a elaboração do projeto até a divulgação dos resultados (World Association of Medical Editors, 2011).

É evidente que a pressão sobre os pesquisadores, para publicar cada vez mais as suas descobertas científicas no mundo acadêmico, tem aumentado significativamente o número de trabalhos publicados, nos quais o rigor científico e ético pode ser questionado. Isto pode impedir o progresso da investigação, além de o público acadêmico ter confiança em todos os avanços científicos (Foo e Wilson, 2012). Assim, para manter a confiança dos leitores e para defender a reputação de uma revista ou de um artigo, é fundamental que cada etapa da investigação, principalmente a obtenção e discussão dos resultados, seja realizada dentro da ética (Peh e Ng, 2010).

A partir do exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar se a produção científica e a obtenção de resultados estiveram pautadas na ética e no princípio da neutralidade, por meio de uma revisão integrativa da literatura.

Métodos

Uma revisão integrativa da literatura foi elaborada, uma vez que consiste em um dos métodos mais amplos de abordagem metodológica referente a revisões, possibilitando a exploração abrangente de determinado assunto, a fim de reconhecer o atual estado da arte e apontar as lacunas do conhecimento. Trata-se de estudo com coleta de dados realizado em bases de pesquisa científica, por meio do levantamento bibliográfico. Com a finalidade de aumentar o rigor desta revisão, a pesquisa atendeu a seis fases distintas: elaboração da pergunta norteadora, busca na literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa (Souza et al., 2010).

Buscas:

As buscas foram realizadas durante a primeira semana de Dezembro de 2014. As bases de dados escolhidas para a realização das buscas foram PubMed e BIREME. Foram procurados artigos de publicações de acordo com os descritores desse trabalho, os quais são: Má conduta científica (Scientific misconduct), Ética em pesquisa (Ethics, Research) e Responsabilidade social (Social responsibility). Os critérios de inclusão utilizados foram: artigos de pesquisas originais, de opinião, revisões da literatura, relatos de casos e editoriais, nos idiomas inglês, espanhol e português, e que tenham sido publicados nos últimos 20 anos; e os critérios de exclusão: estudos com delineamento pouco definidos ou explicitados. Na primeira etapa, foram compilados 1227 artigos na base de dados PubMed e 793 na BIREME; dos quais após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, selecionou-se 26 artigos para esta revisão integrativa. Os mesmos foram classificados em relação ao país da publicação (tabela 1), motivos que o autor apontava como a causa da fraude (tabela 2), e opinião do autor em relação à situação em que se encontra comunidade científica em relação à fraude (tabela 3).

Tabela 1 Distribuição dos artigos de acordo com o País de publicação 

País da publicação Autor(es), ano de publicação
Inglaterra Basu, 2006; McDonald, 2006; Marcovitch, 2007; Cehreli et al., 2007; Slesser & Qureshi, 2009; Fanelli, 2009; Albuquerque, 2011; Farthing, 2014
Estados Unidos Meguid, 1999; Altman & Broad, 2005; Maurer, 2007; Anderson et al., 2007; Parrish & Noonan, 2009; Fang et al.,2012; Gupta, 2013
Brasil Foratini, 1994; Grieger, 2007; Miziara, 2010
Paquistão Qazi, 2006
Tailândia Lohsiriwat & Lohsiriwat, 2007
Noruega Hofmann, 2007
Colômbia Palacios & Ramírez, 2008
Hungria Kakuk, 2009
Cuba Manzanet, 2009
Alemanha Beisiegel, 2010
Índia Sharma, 2015

Tabela 2 Motivos relatados pelos autores sobre possíveis fraudes em pesquisas 

Motivo apontado como causa Autor(es) , ano de publicação
Reconhecimento no meio acadêmico Foratini, 1994; Meguid, 1999; Altman & Broad, 2005; Basu, 2006; Qazi, 2006; Lohsiriwat & Lohsiriwat, 2007; Cehreli et al., 2007; Miziara, 2010; Albuquerque, 2011; Gupta, 2013; Sharma, 2015
Competição entre pesquisadores Meguid, 1999; Maurer, 2007; Marcovitch, 2007; Anderson et al., 2007; Slesser & Qureshi, 2009; Albuquerque, 2011; Gupta, 2013
Falta de cuidados com anotação dos dados Maurer, 2007; Marcovitch, 2007; Fanelli, 2009
Pressão por publicação Lohsiriwat & Lohsiriwat, 2007; Miziara, 2010; Sharma, 2015
Facilidade de reprodução de palavras e fotos devido a internet McDonald, 2006; Manzanet, 2009
Relativa facilidade para manipulação de dados Hofmann, 2007; Parrish & Noonan, 2009
Impunidade Palacios & Ramírez, 2008; Farthing, 2014
Financiamento de patrocinadores Kakuk, 2009; Slesser & Qureshi, 2009
Resultados comprados por empresas Grieger, 2007
Meios de mensuração inadequados Beisiegel, 2010
Aumento no numero de publicações Fang et al., 2012
Interesses financeiros Gupta, 2013

Fuente: elaboración propia.

Tabela 3 Percepção da comunidade científica sobre possíveis fraudes em pesquisas 

Percepção da comunidade científica Autor(es) , ano de publicação
Prática aumentando diariamente Altman & Broad, 2005; Lohsiriwat & Lohsiriwat, 2007; Manzanet, 2009; Parrish & Noonan, 2009; Gupta, 2013; Farthing, 2014; Sharma, 2015
Dificuldade de detectar esse tipo de má conduta nas publicações Meguid, 1999; McDonald, 2006; Lohsiriwat & Lohsiriwat, 2007; Grieger, 2007; Cehreli et al., 2007
Necessário que as mesmas sejam identificadas Basu, 2006; Qazi, 2006; Marcovitch, 2007; Palacios & Ramírez, 2008
Compromete a integridade da literatura científica Anderson et al., 2007
Combater através de conscientização Slesser & Qureshi, 2009
Prevalência é relativamente baixa Kakuk, 2009

Fuente: elaboración propia.

Resultados & discussão

Observou-se que os 26 estudos selecionados reconhecem a existência de fraude na obtenção de resultados; sendo que 7 destes afirmam que essa prática está aumentando diariamente; enquanto somente 1 cita que sua prevalência é relativamente baixa. Ainda, 5 dos estudos relatam que é difícil detectar esse tipo de má conduta nas publicações; e outros 3 que é necessário que as mesmas sejam identificadas. Considerações como o comprometimento da integridade da literatura científica e também o combate através de conscientização também foram abordados.

Quanto aos motivos relatados pelos autores sobre possíveis fraudes em pesquisas, 11 estudos citam o reconhecimento no meio acadêmico como o principal motivo que levou os pesquisadores a cometerem fraude; 7 citam a competição entre pesquisadores; e 3 a falta de cuidado na anotação dos dados e a pressão por publicação, respectivamente. O financiamento de patrocinadores, a impunidade, a facilidade de reprodução de palavras e fotos devido à internet, e a relativa facilidade para manipulação de dados foi observado, respectivamente, em 2 estudos levantados; enquanto em somente 1 observou-se, respectivamente, os interesses financeiros, o aumento no numero de publicações, os meios de mensuração inadequados, e resultados comprados por empresas.

O país que mais apresentou trabalhos sobre o tema em questão foi a Inglaterra com 30,76% (08) dos trabalhos encontrados, seguindo pelos Estados Unidos com 26,92% (07), e o Brasil com 11,52% (03). Países como Paquistão, Tailândia, Noruega, Colômbia, Cuba, Alemanha, Hungria e Índia também apresentaram trabalhos sobre o tema e correspondem a 3,85% (01) cada.

Apesar do número de artigos encontrados que versam sobre o aumento da fraude no meio acadêmico, ter sido relativamente baixo, a maioria dos autores reconhece que a manipulação e falsificação de resultados é um fato real. A falsificação e fabricação de resultados na ciência não é uma novidade. Na década de oitenta, os Estado Unidos foram cenário de vários casos de fraude que foram divulgados. Indo mais longe, no século XIX, Gregor Mendel, o monge que formulou a teoria da hereditariedade, obteve resultados tão perfeitos sobre sua teoria que geneticistas modernos acreditam que ele deve ter os adaptados para caberem em suas hipóteses (Harby, 1988). Nos dias atuais, não é diferente. Para Fanelli (2009), a fraude pode ocorrer em todas as áreas do conhecimento e os resultados de sua pesquisa apontam que cerca de 2% dos pesquisadores admitiram ter cometido falsificação, fabricação ou manipulação de resultados ou dados pelo menos uma vez.

Segundo Miziara (2010) a fraude é uma prática que ocorre em vários países da Europa, assim como no Brasil e nos Estado Unidos, corroborando com os achados desse estudo, pois a maioria dos trabalhos encontrados e selecionados para essa revisão sistemática foi proveniente dos Estados Unidos e do continente europeu. Porém, também foram encontrados artigos de países da América do Sul e Ásia. Se por um lado essa informação induz ao pensamento de que haja mais casos de fraude nesses países, por outro lado ela também mostra a consciência e a preocupação que esses países têm em relação à fraude científica. Prova disso foi a criação do Escritório de Integridade da Pesquisa (Office of Research Integrity - ORI) pelo congresso dos Estados Unidos na década de 80 (Maurer, 2007) e o estabelecimento do Comitê de Ética na Publicação (Committee on Publication Ethics [COPE]) em 1997 por editores de periódicos médicos no Reino Unido (Beisiegel, 2012).

Sabe-se que no meio acadêmico, os pesquisadores são classificados pela quantidade de publicações que eles possuem, além da capacidade que suas publicações têm de gerarem citações, isto implica em: o pesquisador que tenha mais trabalhos citados estará numa melhor posição. E quanto mais trabalhos publicados em revistas de impacto, mais trabalhos são citados. Alguns autores concordam com os resultados desse estudo quando afirmam que a ambição pela fama e reconhecimento no mundo acadêmico é um forte motivo que leva os pesquisadores a cometerem fraude (Cehreli et al., 2007). Entretanto, há diversas causas para a prática de fraude na literatura científica. Essas causas podem ser desde a pressão imposta aos pesquisadores por aumento de suas publicações, até casos em que os pesquisadores cometem desvio de conduta com o objetivo de conseguirem mais financiamento para as suas pesquisas (Lohsiriwat e Lohsiriwat, 2007). Um caso que exemplifica o último motivo é a história do pesquisador sul coreano Woo-Suk Hwang, pesquisador considerado pioneiro por seus trabalhos com células-tronco e conhecido por suas publicações na revista Science em 2004 e 2005. Em 2006 foi acusado de fraude, por falsificar resultados de suas pesquisas, com o objetivo de obter mais financiamento de seus patrocinadores (Kakuk, 2009).

Assim, como os achados desse estudo, a detecção de condutas de fraude em artigos publicados para a comunidade científica é complicada, pois periódicos bem escritos, porém fraudulentos, podem passar despercebidos pelos olhos de quem os lê. Alguns autores afirmam que a fabricação e falsificação de resultados dificilmente são detectadas, mesmo por editores e leitores de revistas científicas ou por pessoas do meio acadêmico (Meguid, 1999; Grieger, 2007), sendo quase impossível verificar-se, portanto a fraude científica (Rittner et al., 2009). Isto talvez explique a afirmação de artigos citando que as prevalências das más condutas científicas são relativamente baixas em relação à quantidade de estudos que são publicados (Kakuk, 2009; Baerlocher et al., 2010), sendo assim reflexo da dificuldade em se identificar a falsificação e manipulação de resultados em artigos publicados.

Acredita-se que a forma mais adequada de combater os casos de má conduta científica é a combinação da ação dos comitês científicos, das sociedades científicas e dos editores de periódicos, com a consciência ética e responsabilidade que os autores devem ter em mente sempre que forem realizar uma pesquisa (Manzanet, 2009).

A investigação científica é um sinônimo de prosperidade e avanços da humanidade. Portanto, a integridade dos trabalhos deve ser respeitada e tratada com responsabilidade ética, com o objetivo de jamais permitir que a ciência seja corrompida. A ciência deve ser imparcial, pois é nela que se deposita toda a credibilidade do conhecimento.

Conclusão

A má conduta científica tem sido relatada e está presente em vários países, sendo considerada como uma prática condenável, de difícil identificação e que vem aumentando significativamente. Os principais motivos para sua ocorrência estiveram associados à pressão por publicações e à necessidade de reconhecimento no meio acadêmico. Desse modo, torna-se imprescindível uma conduta responsável e ética por parte dos comitês, sociedades científicas e de editores de periódicos a fim de se assegurar a credibilidade dos resultados encontrados nas pesquisas científicas.

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* Artigo de revisão.

Cómo citar: Duarte da Costa Aznar, F., Rodrigues de Freitas-Aznar, A., Caperali, M. M., Duarte da Costa Aznar, F., Carvalho Sales-Peres, S. H. de. Y Sales-Peres, A. (2017). Neutralidade científica: aspectos éticos na obtenção de resultados. Revista Latinoamericana de Bioética, 17(2), 31-41.

Recebido: 05 de Agosto de 2016; Revisado: 10 de Outubro de 2016; Aceito: 23 de Março de 2017

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