SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18 issue2Reflections on ethics in Indigenous health research in ChileRecognizing the Indigenous Healthcare System. Implications of Government Healthcare Coverage in Mexico author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Revista Latinoamericana de Bioética

Print version ISSN 1657-4702

rev.latinoam.bioet. vol.18 no.2 Bogotá July/Dec. 2018

https://doi.org/10.18359/rlbi.3294 

Artículos de reflexión

Bioética: análise da compreensão de biodireito por meio de cases

Bioética: análisis de la comprensión del bioderecho por medio de casos

Bioethics: Analysis of the Understanding of Biolaw Using Cases

João Luiz Coelho Ribas* 

Izabelle Cristina Garcia Rodrigues** 

Ivana de França Garcia*** 

Vera Lucia Pereira dos Santos**** 

* Graduado em Farmácia com Habilitação em Análises Clínicas, Doutor em Farmacologia pela Universidade Federal do Paraná e Mestre em Ciências Farmacêuticas. Professor do Centro Universitário Internacional Uninter, Curitiba/PR. E-mail: joao.r@uninter.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0545-5920

** Graduada em Secretariado, Especialista em Gestão de Pessoas e em Gestão Hospitalar pelo Centro Universitário Uninter. Professora do Centro Universitário Internacional Uninter, Curitiba/Pr. E-mail: izabelle.r@uninter.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8725-362X

*** Graduada em Processos Gerenciais, Especialista em Gestão Hospitalar e Gestão Financeira pelo Centro Universitário Uninter. Professora do Centro Universitário Internacional Uninter, Curitiba/PR. E-mail: ivana.g@uninter.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8780-5957

**** Licenciada em Ciências Biológicas, Mestre em Morfologia e Doutoranda em Medicina Interna pela Universidade Federal do Paraná. Professora do Centro Universitário Internacional Uninter, Curitiba/PR. E-mail: vera.s@uninter.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0526-7009


Resumo

As ações de saúde contra o Estado tornam-se cada vez mais comuns. A discussão gira em torno dos medicamentos e tratamentos que não estão no rol de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo deste estudo é analisar o comportamento ético dos estudantes de pós-graduação da área de saúde, diante de situações que envolvem a ética e o direito dos cidadãos. Os pesquisadores utilizaram a metodologia de pesquisa de campo, por meio da aplicação de um questionário online que continha um texto com dilemas éticos e de biodireito. Os resultados apontaram que a maioria dos entrevistados demonstrou empatia pelas ações requeridas pelos cidadãos; segundo os alunos, o Estado tem condições financeiras para isso, além de ser seu dever. Finalmente, pode-se perceber que os princípios bioéticos são analisados de acordo com a sua percepção de vida, mesmo diante de situações conflituosas em que o coletivo pode ser prejudicado ante a individualização.

Palavras-chave: bioética; direitos do paciente; direito à saúde

Resumen

Las acciones de salud en contra del Estado se vuelven cada vez más comunes. La discusión es acerca de medicamentos y tratamientos que no están en la lista de servicios del Sistema Único de Salud de Brasil. El objetivo del artículo es analizar la conducta ética de los estudiantes de posgrado en el área de la salud, en situaciones que implican la ética y los derechos de los ciudadanos. Los investigadores utilizaron la metodología de investigación de campo mediante la aplicación de un cuestionario en línea que contenía un texto con dilemas éticos y de bioderechos. Los resultados permiten observar que la mayoría de los entrevistados demostró empatía por las acciones requeridas por los ciudadanos; según los estudiantes, el Estado tiene las condiciones financieras para ello, además es su deber. Por último, se puede notar que los principios bioéticos se analizan en función de su percepción de la vida, incluso ante situaciones de conflicto en que el colectivo puede ser perjudicado ante la individualización.

Palabras clave: bioética; derechos del paciente; derecho a la salud

Abstract

Healthcare-related legal actions against the state have become increasingly common. The discussion revolves around drugs and treatments that are not in the SUS service list. The aim of this article is to analyze the ethical behavior of graduate health sciences students in situations involving ethics and citizen rights. Researchers used the field research method by administering an online questionnaire which contained a text with ethical and biolaw dilemmas. Results showed that the majority of respondents felt empathy for the actions brought by citizens; according to the students, the state has the financial conditions and is obliged to take care of them. Finally, it can be noted that bioethical principles are analyzed based on their perception of life, even in the face of conflicting circumstances in which the community may be harmed by individualization.

Keywords: bioethics; patient rights; right to health

Introdução

A saúde é, com toda certeza, o bem mais precioso de uma pessoa. Pensando dessa forma, o Estado fez com que esse direito fosse amparado pela legislação, no Artigo 196 da Constituição Federal Brasileira de 1988, para todos os cidadãos brasileiros (Villas-Boas, 2014).

A bioética é a "ciência da sobrevivência humana" e deve ser utilizada para o bem da humanidade. Para Potter (2016), "as ações que diminuem as chances de sobrevivência humana são imorais e devem ser julgadas em termos do conhecimento disponível e no monitoramento dos parâmetros de sobrevivência escolhidos pelos cientistas e humanistas" (p. 13). Analisando de forma bioética, evidencia-se que a vida deve ser mantida se houver condições para isso. Contudo, analisando por meio do fator financeiro, o amparo a toda a sociedade é algo inviável, mesmo que assegurado por lei. A má qualidade é decorrente da má gestão e da escassez de recursos financeiros e humanos (Rodrigues, Garcia, Santos, Christo & Ribas, 2017).

A escassez dos recursos financeiros pode ser percebida até mesmo para tratamentos "rotineiros" do Sistema Único de Saúde (SUS), mas quando transferido para algo mais complexo, que necessite de um aporte financeiro maior para atender apenas a um único paciente, isso torna-se praticamente inviável; porém, conforme assegura a lei, a saúde é dever do Estado e esse deve "prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício". Diante disso, várias pessoas que não tem condições de arcar com os custos de seus remédios ou tratamentos e que não encontrem o suporte necessário no SUS, tomem medidas extremas e entrem com ações contra o Estado, solicitando que este custeie o seu tratamento de saúde (Silva, 2017; Brasil, 1999).

Em São Paulo, as primeiras ações contra o Estado iniciaram na década de 90 e o número de ações vinha crescendo progressivamente. Em 2009, houve uma redução do número de ações contra o Estado no âmbito da saúde, pois houve uma força-tarefa, a qual direcionou alguns pacientes (38%) para tratamentos alternativos que o SUS já fornecia e outros indivíduos (34%) poderiam ser assistidos o mais breve possível pelo SUS sem a necessidade de uma ação judicial (CONASS, 2015).

Há que se perceber que o coletivo poderá ser prejudicado ao acatar uma ação jurídica, a qual vai gerar um alto custo ao controle orçamentário da saúde, pois atenderá apenas o interesse individual. Essa questão é de tal delicadeza que nem mesmo os órgãos internacionais que regem as normas de saúde ousam adentrar. Durante a IX Conferência Internacional Americana, ocorrida em 1948, afirmou-se que todos têm o direito a que sua saúde seja resguardada e isso abrange a segurança da moradia e a alimentação saudável, entre outras. Isso deve ser provido de acordo com os "níveis permitidos pelos recursos públicos e da coletividade", ou seja, menciona o cuidado, mas atenta para os custos da prestação desse serviço, destacando ainda a importância para o interesse coletivo (Villas-Boas, 2014).

Assim, diante dos fatos apresentados, surgiu o seguinte questionamento: seria mais ético decidir pela vida de uma pessoa e prejudicar o coletivo ou decidir pelo coletivo e perder uma vida? Buscando responder a esse questionamento, o presente estudo tem como objetivo analisar o comportamento ético dos estudantes de pós-graduação lato sensu da área de saúde de uma determinada instituição de ensino superior, situada na cidade de Curitiba, Paraná, diante de situações que envolvam a ética e o direito dos cidadãos.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa de campo longitudinal e qualitativa que foi direcionada aos alunos de pós-graduação latu sensu da área da saúde de uma determinada instituição de ensino, situada em Curitiba, Paraná.

A coleta dos dados foi por meio de um questionario online aplicado através da ferramenta Google Docs, a qual tinha o intuito de verificar os critérios éticos utilizados frente as questões apresentadas pelos alunos da pós-graduação latu senso do curso de Saúde Pública com ênfase na saúde da família e que estão cursando a disicplina de Bioética, com uma carga horária de 30 horas. O formulário foi disponibilizado nos meses de abril e maio de 2017 a 412 alunos e obteve uma taxa de retorno de 36,1% (149 alunos).

O questionário foi composto por um texto que continha um case inicial que solicitava que o participante se imaginasse como juiz de um caso onde o réu é o Estado e a acusação é representada por um portador de uma rara doença. A acusação solicita que o Estado arque com as altas custas, aproximadamente 800,000 por ano, de um tratamento de saúde que devolverá a qualidade de vida ao paciente. Contudo, o Estado alega que o valor do tratamento impacta no orçamento público da saúde, que outros pacientes serão punidos para que ele seja beneficiado e ainda afirma que milhares de outros medicamentos, como os hipertensivos, poderiam ser adquiridos com esse valor para outros tratamentos. É preciso reconhecer que priorizar o direito individual em detrimento do direito coletivo tem consequências sobre a saúde pública. Se os pacientes ficarem sem esses medicamentos, o resultado poderá ser uma trombose, um acidente vascular cerebral (AVC), um infarto, etc. O Estado procura evitar as ameaças que os demais pacientes possam sofrer ao favorecer o autor da ação. Após essa leitura, o entrevistado deveria apontar qual seria a sua decisão.

Ao responder a favor do paciente e fazendo com o que Estado arcasse com as custas do tratamento, o entrevistado será direcionado para o segundo case, no qual é questionado sobre se ele manteria a mesma decisão se houvesse uma relação direta entre o pagamento do tratamento do paciente crônico e a disponibilização dos medicamentos que o posto de saúde fornece para que a sua mãe hipertensa continue o tratamento não fornecendo mais os medicamentos.

Caso o entrevistado respondesse a favor do Estado e negasse o pagamento do tratamento, então, ele seria encaminhado para o segundo texto, solicitando que ele responda qual seria a sua decisão caso fosse pai de uma criança portadora de uma doença rara que precisasse de um tratamento de alto custo e ele não tivesse condições financeiras para arcar o tratamento.

Os critérios de inclusão foram destinados aos alunos de pós-graduaçao da área da saúde que estivessem cursando a disicplina de Bioética e que respondessem o questionário na íntegra.

Os critérios de exclusão foram destinados aos alunos que não fossem da área de interesse ou mesmo aqueles que não tivessem conhecimento sobre bioética.

Os dados receberam tratamento estatístico, tanto descritivo quanto de análise bivariada.

Resultados e discussão

A bioética transita entre assuntos polêmicos que podem ser cientificamente aceitáveis mas que eticamente não o são. Assim, a bioética tem o objetivo de dar subsidio para decidir entre o certo e o errado sem imposição de uma opinião. O discernimento de cada indivíduo o fará ter uma postura ética diante de uma situação conflituosa (Junqueira, 2011).

A base da bioética surgiu dos princípios da teoria principialista e são os norteadores para a resolução de dilemas morais. Eles são agrupados em quatro princípios básicos que são a beneficência, a não maleficência, a autonomia e a justiça. Todas as análises bioéticas devem ser seu alicerce nesses quatro pilares que deve nortear toda a decisão profissional (Lorenzo & Bueno, 2013).

O princípio da beneficência e o princípio da não maleficência discorrem sobre o dever de ajudar os demais, fazer o bem ou ao menos evitar o mal; ou seja, induz o profissional a se comprometer em avaliar os riscos e os benefícios potenciais (individuais e coletivos) e a buscar o máximo de benefícios, reduzindo ao mínimo os danos e riscos (Koerich, Machado & Costa, 2005).

O princípio da autonomia dispõe sobre o poder de decisão sobre si mesmo; é a capacidade de decidir sem a influência de terceiros. Junqueira (2011) menciona que, para que esse princípio seja realizado, é preciso ter a liberdade e a informação. Isso significa que, em um primeiro momento, a pessoa deve ser livre para decidir. Para isso, ela deve estar livre de pressões externas, pois qualquer tipo de pressão ou subordinação dificulta a expressão da autonomia.

O princípio da justiça está entrelaçado aos benefícios e aos direitos sociais; ou seja, esse princípio está atrelado à equidade, que menciona que todos devem ter seus direitos respeitados. Contudo, há que se analisar suas peculiaridades e seus reflexos na sociedade (Pontes, Espíndula, Valle & Santos, 2007).

Visando dilemas na atuação dos profissionais de saúde e os direitos dos cidadãos, o SUS instituiu os seus princípios doutrinários que são: a universalidade, a integralidade e a equidade. Esses princípios estão em consonância com os princípios da bioética, dos quais têm grande influência.

A universalidade afirma o direito de todos à saúde e o dever do Estado em prover esta saúde; já o princípio da integralidade relaciona a necessidade de cada indivíduo independente da complexidade apresentada. O princípio da equidade é próximo ao princípio da justiça, pois menciona a necessidade de reduzir as diferenças sociais e regionais. Predispõe que todos tenham equanimidade perante a sociedade (Brasil, 2000).

Os princípios ético-doutrinários fornecem a base ideológica do SUS e se expressam nas ações de cuidado no cotidiano dos profissionais nas unidades de saúde. Esses princípios se revelam (... ) a partir das conexões nas árvores máximas, com características afeitas à democratização da assistência, uma vez que as ações e os serviços de saúde deixaram de ser restritos e passaram a ser universais e equânimes. (Pontes, Oliveira & Gomes, 2014)

Considerando que os entrevistados conheciam as bases éticas aqui apresentadas, foi disponibilizado o primeiro case e, após a sua leitura, 111 alunos (74%) das 149 participações voluntárias afirmaram que fariam o Estado arcar com as custas do tratamento do indivíduo (Tabela 1).

Tabela 1 

Após a leitura do segundo case, os entrevistados foram questionados sobre se manteriam a mesma postura se essa situação prejudicasse diretamente um parente próximo. Dos alunos entrevistados, 106 (95%) permaneceram irredutíveis e alegaram que o Estado tem condições de arcar com tratamentos de altos custos, como mencionado nas transcrições:

Saúde é direito de todos e dever do Estado assim diz a Constituição. O Estado tem de fornecer o tratamento ao paciente crônico e manter os demais medicamentos dos postos de saúde. [entrevistado n° 10]

O Estado tem várias maneiras de pagar os medicamentos. [entrevistado n° 12]

Por se tratar de um valor muito alto, acredito que sim o governo deverá custear as despesas. [entrevistado n° 23]

Corroborando com o pensamento dos entrevistados, o Ministro Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), cita que

[... ] há direito subjetivo às políticas públicas de assistência à saúde, configurando-se violação a direito individual líquido e certo a sua omissão ou falha na prestação, quando injustificada a demora em sua implementação. De acordo com ele, as tutelas de implementação (condenatórias) de dispensa de medicamento ou tratamento ainda não incorporado à rede pública devem ser - preferencialmente -pleiteadas em ações coletivas ou cole-tivizáveis, de forma a se conferir máxima eficácia ao comando de universalidade que rege o direito à saúde. (Brasil, 2015)

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em um estudo das ações realizadas nos anos 2011 e 2012, apontou que a maioria dos casos que envolvem a saúde são acatados. Assim, os casos raramente são negados e, além disso, não são nem mesmo solicitadas informações complementares para se tomar a decisão, o que demonstra que há uma comoção por parte do poder judiciário (Brasil, 2015). Porém, o número de ações na saúde vem se elevando de forma tão alarmante que tem sido alvo de debate até mesmo no STF.

Cruz (2016) afirma que a aproximação do judiciário com profissionais da saúde é de extrema importância para que se façam julgamentos mais coerentes que não impactem tanto nos gestores de saúde, que se preocupem com as altas cifras liberadas pelo judiciário, mas que não prejudiquem a cidadania. A junção dessas duas áreas é imprescindível para que as decisões sejam feitas com fundamentação.

Com isso, percebe-se que existem duas vertentes: de um lado há a Constituição Federal que defende que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, e do outro lado tem o Estado que sabe de sua responsabilidade com seus cidadãos, mas que não tem a capacidade financeira para prover isso a eles (Brasil, 2016).

Considerando as dificuldades financeiras do Estado, 38 (25%) dos entrevistados julgam que o Estado não deveria arcar com as despesas de alto custo para apenas um paciente, mencionando que o coletivo deveria prevalecer:

Deve ser pensado no coletivo também. Quantas outras pessoas têm necessidade de tratamento caro e paliativo? Se todos forem beneficiados, o Estado não terá condições de arcar com a atenção básica, os impostos aumentarão e tudo vira uma bola de neve, afetando o bem-estar de grande parte da população. [entrevistado n° 16]

Infelizmente é abrir mão de uma vida para salvar várias. Assim como uma mãe lamentaría seu filho não ter o tratamento necessário para sobreviver, muitas outras famílias lamentariam o mesmo. Mais o número é muito grande. É muito triste mesmo ter de tomar uma decisão dessas, e assim compreender melhor, e respeitar o trabalho de quem toma uma decisão superior dessas. É triste, é lamentável, mais [sic] é real. [entrevistado n° 22]

Apenas sete (18,4%) dos entrevistados mudaram sua conduta quando perceberam os impactos de sua decisão no seu âmbito familiar e afirmaram que:

O custo do tratamento de um único paciente teria impacto sobre o tratamento de vários outros. Porém, a situação é considerada de forma diferente ao imaginar que estaríamos passando-a com um filho, com certeza eu buscaria o tratamento para ele. [entrevistado n° 6]

É muito fácil agir quando não há conflito de interesses, o fato de ter a possibilidade de um filho precisar poderia mudar o meu juízo de valor. [entrevistado n° 51]

Os 31 (81%) entrevistados que permaneceram com a mesma opinião utilizaram o princípio da equidade como justificativa, como menciona o entrevistado n° 114: "Ainda sim respeitaria o princípio da equidade" e também o entrevistado n° 80: "Direitos iguais".

O princípio da equidade é a essência da bioética, já que busca a justiça com adequação de valores. A equidade tem próxima relação com a igualdade; contudo, ela julga os iguais como são mas os difere quando necessário (Hossne, 2009).

Contudo, o assunto é de extrema sensibilidade, visto que os julgamentos de ações dessa natureza podem definir os parâmetros para a vida ou morte dos indivíduos. Assim, para o ministro Barroso, o Estado é obrigado a fornecer os medicamentos que já estão presentes na lista do SUS; porém, isso, seria apenas colocar em prática o que predizem as políticas públicas e, portanto, não há discussão quanto a essa questão (Brasil, 2016).

O ponto primordial da discussão é com relação aos medicamentos que não estão presentes na listagem do SUS. Para esses casos, o Ministro Barroso posiciona-se contrário à obrigatoriedade do Estado de prover:

Quanto à hipótese de demanda judicial por medicamento não incorporado pelo SUS, inclusive aqueles que forem de alto custo, o ministro entende que o Estado não pode ser obrigado a fornecê-lo, como regra geral. Não há Sistema de Saúde que possa resistir a um modelo em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro, devam ser oferecidos pelo Estado às pessoas. (Brasil, 2016)

Segundo o CNJ, as principais demandas judiciais estão relacionadas aos aspectos curativos da saúde, ou seja, ações para problemas já existentes; raras são as ações judiciais para casos preventivos, como as vacinas. Por meio disso, pode-se perceber que o objetivo principal do SUS não está sendo alcançado, visto que deveria ser o alerta à população para a prevenção da saúde e não para o tratamento (Brasil, 2015).

Corroborando com esse princípio, Assis Apud Cruz (2016) menciona que as pessoas estão fazendo o caminho inverso, onde primeiro procuram o Ministério Público para depois se dirigir ao SUS. Afirma ainda que o "Ministério Público não pode ser substituto da gestão e nem tão pouco porta de entrada para o sistema de saúde" (Cruz, 2016).

Entretanto, essas são as opiniões de advogados e juristas, não de profissionais que atuam na área da saúde e que cotidianamente encontram-se em dilemas bioéticos. Com isso, há que se analisar o olhar do profissional de saúde para questões dessa magnitude.

Para Ramos et al. (2016) há uma deficiência na saúde pública brasileira, mas a saída não é a judicialização, pois essa ação impacta no descrédito das políticas públicas de saúde e impacta no distanciamento das diferenças sociais ao acesso à saúde, bem como suprime o coletivo em prol do individual.

Stival (2016) respalda a opinião dos autores supracitados e declara que muitas ações estão sendo realizadas por influência da mídia e que corremos sérios riscos de um descontrole equivocado na exigência dos direitos e garantias tanto individuais como coletivas pelas informações vagas propagadas. Porém, o mesmo autor também cita a falta de acesso à população.

Neves e Pacheco (2017) mencionam que é preciso analisar os parâmetros que o judiciário deve utilizar para "prolatar suas decisões", visto que "as necessidades de saúde seriam imensuráveis diante de rápidos avanços científicos e tecnológicos na área da medicina e farmacologia, ao mesmo tempo em que os recursos públicos são limitados (em crise, escassos)" (p. 751). Já para Silva e Schulman(2017, p. 291) o mais prudente seria buscar outras alternativas, não judiciais, para resolver tais questões. A judicialização da saúde é o resultado da negativa por parte dos órgãos de saúde à solicitação de medicamentos que não estejam presentes na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), sem análise prévia de caso a caso.

Canalizando essa discussão para a bioética, encontra-se o apontamento de Van Renssela-er Potter (2016), um dos principais estudiosos de bioética além de precursor dessa ciência, que afirma que o coletivo deve prevalecer sobre o individualismo, o que contradiz a escolha da maioria dos estudantes da disciplina de bioética entrevistados. O autor menciona a importância do debate entre especialistas das áreas, mas que, ao seu ver, a sociedade será beneficiada sempre que o coletivo sobrepujar.

Considerações finais

A bioética está inserida integralmente na elaboração de políticas públicas e na própria concepção dos princípios do SUS e nas relações norteadoras saúde-enfermidade-intervenção. Assim, a bioética contribui de forma clara e definitiva nas análises e desenvolvimento dessa área, discutindo as questões que envolvem interesses individuais e que de alguma forma podem afetar os interesses coletivos. O desafio aqui é conciliar eticamente esses interesses associados ao bem e direitos individuais e ao bem e direitos coletivo; tarefas da saúde pública, mas com a qual a bioética pode contribuir de forma significativa.

O desafio aqui não é impor em hipótese alguma as restrições às liberdades individuais, mas sim focar na coletividade frente a uma política pública estruturada, fundamentando-se nos princípios e ações da bioética e abrindo margem para um sistema de saúde ético e justo com a sua prática.

Referencias

Brasil. Conselho Nacional de Justiça. (2015). Judicialização da saúde no Brasil: dados e experiência. Coordenadores: Felipe Dutra Asensi e Roseni Pinheiro. Brasília: Conselho Nacional de Justiça. [ Links ]

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. (2000). Sistema Único de Saúde (SUS): princípios e conquistas. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. [ Links ]

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (1990). Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília: Presidência da República. [ Links ]

Brasil. Supremo Tribunal Federal. (2016). Pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto custo por via judicial. Brasília: Supremo Tribunal Federal. [ Links ]

Conselho Nacional de Secretários de Saúde [CONASS]. (2015). Direito à saúde. Siqueira PSF. Judicialização em saúde no Estado de São Paulo. Para entender a gestão do SUS. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. [ Links ]

Cruz, A. (2016). O direito à saúde exigido na justiça. Revista do CONASS, 15. ed. [ Links ]

Hossne, W. S. (2009). Dos referenciais da bioética - a Equidade. Revista BioEthikos, 3(2), 211-216. [ Links ]

Junqueira, C. R. (2011). Bioética: conceito, fundamentação e princípios. São Paulo: UNI-FESP. Disponível em: < http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/modu-lo_bioetica/Aula01.pdf > [ Links ]

Koerich, M. S., Machado, R. R., & Costa, E. (2005). Ética e bioética: para dar início à reflexão. Texto Contexto Enferm ., 14(1), 106-110. [ Links ]

Lorenzo, C.F.G., & Bueno, G. T. A. (2013). A interface entre bioética e fisioterapia nos artigos brasileiros indexados. Fisioter. Mov ., 26(4), 763-775. [ Links ]

Neves, P. B. P., & Pacheco, M. A. B. (2017). Saúde pública e Poder Judiciário: percepções de magistrados no estado do Maranhão. Rev. Direito GV, 13(3), 749-768. [ Links ]

Pontes, A. C., Espíndula, J. A., Valle, E. R. M., & Santos, M. (2007). Bioética e profissionais de saúde: algumas reflexões. Revista BioEthikos, 1(1), 68-75. [ Links ]

Pontes, A. P. M., Oliveira, D. C., & Gomes, A. M. T. (2014). Os princípios do Sistema Único de Saúde estudados a partir da análise de similitude. Rev. Latino-Am. Enfermagem, 22(1), 1-9. [ Links ]

Potter, V. R. (2016). Bioética: ponte para o futuro (1. ed.) São Paulo: Edições Loyola. [ Links ]

Ramos, R. S., Gomes, A. M. T., Oliveira, D. C., Marques, S. C., Spindola, T., & Nogueira, V. P. F. (2016). Access the Unified Health System actions and services from the perspective of judicialization. Rev. Latino-Am. Enfermagem, 24, 1-7. [ Links ]

Rodrigues, I. C. G., Garcia, I. F., Santos, V. L. P., Christo, D., & Ribas, J. L. C. (2017). Usuários dos sistemas de saúde: a percepção e avaliação dos serviços recebidos. Revista SODEBRAS, 12, 110-116. [ Links ]

Silva, A. B., & Schulman, G. (2017). (Des)judicialização da saúde: mediação e diálogos interinstitucionais. Rev. Bioét ., 25(2), 290-300. [ Links ]

Silva, A.M. (2014). Bioética, biotecnologia e biodireito. Disponível em: < Disponível em: http://www.oabdf.org.br/noticias/artigo-bioetica-bio-tecnologia-e-biodireito/ > Acesso em: 16 abr. 2017. [ Links ]

Stival, R. (2016). A banalização de ações judiciais envolvendo médicos e hospitais. Conselho Regional de Medicina. Disponível em: < http://www.crmpr.org.br/A+banalizacao+de+aco-es+judiciais+envolvendo+medicos+e+hospi-tais+13+46899.shtml >. [ Links ]

Villas-Boas, M. E. (2014). O direito à saúde no Brasil. São Paulo: Edições Loyola. [ Links ]

Cómo citar: de França Garcia, I., Garcia Rodrigues, I., Coelho Ribas, J., & Pereira dos Santos, V. (2018). Bioética: análise da compreensão de biodireito por meio de cases. Revista Latinoamericana de Bioética, 18(35-2), 185-194. DOI: https://doi.org/10.18359/rlbi.3294

Recebido: 05 de Março de 2018; Revisado: 27 de Março de 2018; Aceito: 20 de Maio de 2018

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons