SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 issue1Kidney Transplants: Behavioral Analysis Based on the Critical Incident TechniquePerception of the Quality of Life of Caregivers of Patients Attending a Program for the Chronically, Villavicencio, Colombia author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Aquichan

Print version ISSN 1657-5997

Aquichan vol.16 no.1 Bogotá Jan./Mar. 2016

https://doi.org/10.5294/aqui.2016.16.1.10 

10.5294/aqui.2016.16.1.10


Influência ambiental para a (in)dependência da criança cega: perspectiva da família

Influencia ambiental para la (in)dependencia del niño invidente: perspectiva de la familia

Environmental Influence on (In) dependence of a Blind Child: A Family Perspective

Aline Campelo Pintanel1
Giovana Calcagno Gomes2
Daiani Modernel Xavier3
Marta Regina Cezar-Vaz4
Mara Regina Santos da Silva5

1 Universidade Federal do Rio Grande, Brasil.
acpintanel@furg.br

2 Universidade Federal do Rio Grande, Brasil.
giovanacalcagno@furg.br

3 Universidade Federal do Rio Grande, Brasil.
daiamoder@ibest.com.br

4 Universidade Federal do Rio Grande, Brasil.
cezarvaz@vetorial.net

5 Universidade Federal do Rio Grande, Brasil.
marare@brturbo.com.br

Recibido: 07 de julio de 2014 / Enviado a pares: 23 de julio de 2014 / Aceptado por pares: 08 de agosto de 2015 / Aprobado: 29 de septiembre de 2015

10.5294/aqui.2016.16.1.10

Para citar este artículo / To reference this article / Para citar este artigo

Pintanel AC, Gomes GC, Xavier DM, Vaz MRC, Silva MRS. Influência ambiental para a (in)dependência da criança cega: perspectiva da família. Aquichan. 2016; 16 (1): 94-103. DOI: 10.5294/aqui.2016.16.1.10



RESUMO

Objetivo: compreender a influência dos ambientes onde a criança cega vive no exercício da sua (in)dependência na perspectiva da família. Método: realizou-se pesquisa qualitativa no segundo semestre de 2011, com dez mães de crianças cegas atendidas em um Centro de Educação Complementar para Deficientes Visuais. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e analisados pela Análise Temática. Interpretação: no ambiente domiciliar, o potencial de independência da criança cega é maior. Nele, a criança desempenha suas atividades diárias sem necessidade de auxílio. Quanto ao ambiente da escola convencional, a família referiu que a cegueira pode prejudicar o processo de ensino-aprendizagem e comprometer o processo educativo das crianças cegas. A família se organiza para ajudar a criança nas tarefas para que ela consiga acompanhar as outras crianças na escola. No entanto, referiram que elas sofrem discriminação e preconceito na escola devido à cegueira. Conclusões: concluiu-se que os ambientes domiciliar e escolar são sistemas de suporte e influenciam a independência humana, bem como necessitam ser repensados e reorganizados para favorecer a criança cega. Cabe aos profissionais da enfermagem a orientação adequada da família e os profissionais da escola, na qual se capacite a criança cega para o autocuidado, a mobilidade e a função social, o que possibilitaria sua independência.

PALAVRAS-CHAVE

Criança; família; cegueira; ecossistema; cuidados de enfermagem (Fuente: DeCS, BIREME).



RESUMEN

Objetivo: comprender la influencia de los ambientes donde el niño invidente vive en el ejercicio de su (in)dependencia en la perspectiva de la familia. Método: se realizó una investigación cualitativa en el segundo semestre de 2011 con diez madres de niños invidentes atendidos en un Centro de Educación Complementaria para Discapacitados Visuales. Los datos se recolectaron por medio de entrevistas semiestructuradas y se analizaron por el Análisis Temático. Interpretación: en el ambiente domiciliario, el potencial de independencia del niño invidente es más grande. En este, el niño desempeña sus actividades diarias sin necesidad de auxilio. En cuanto al ambiente de la escuela convencional, la familia refirió que la ceguera puede perjudicar el proceso de enseñanza y aprendizaje y afectar el proceso educativo de los niños invidentes. La familia se organiza para ayudar al niño en las tareas para que él logre seguir los demás en la escuela. Sin embargo, refirió que ellos sufren discriminación en la escuela debido a la ceguera. Conclusiones: se concluye que los ambientes domiciliario y escolar son sistemas de soporte e influyen la independencia humana, así como necesitan ser repensados y reorganizados para favorecer al niño invidente. Es responsabilidad de los profesionales de enfermería la orientación adecuada de la familia y los profesionales de la escuela, en la que se capacite el niño invidente para el autocuidado, la movilidad y la función social, lo que posibilitaría su interdependencia.

PALABRAS CLAVE

Niño; familia; ceguera; ecosistema; cuidados de enfermería (Fuente: DeCS, BIREME).



ABSTRACT

Objective: Understand, from a family perspective, how the environments where a blind child lives influence his or her (in) dependence. Method: A qualitative study was conducted during the second half of 2011 with ten mothers of blind children who were attending a supplementary education center for the visually impaired. The data were collected by means of semi-structured interviews and examined through thematic analysis. Interpretation: A blind child's potential for independence is greater in the home environment. There, the child performs his or her daily activities without assistance. As for the atmosphere at conventional schools, the family indicated blindness can jeopardize blind children's teaching and learning process and their schooling. The family is organized to help the child with homework so he/she can keep up with the others in school. However, the family said these children are discriminated against at school because of their blindness. Conclusions: Home and school environments are support systems and influence human independence. Accordingly, they need to be reconsidered and reorganized to favor the blind child. It is the responsibility of nurses to provide the family and school professionals with proper guidance. This includes training the blind child in self-care, mobility and to function socially, so as to make their interdependence possible.

KEYWORDS

Child; family; blindness; ecosystem; nursing care (Source: DeCS, BIREME).



Introdução

O ambiente familiar é considerado como o primeiro espaço de interação e socialização infantil (1). É na família que ocorrem as relações de cuidado mais importantes por meio de ações de proteção, acolhimento, respeito e potencialização do outro. Esse ambiente pode vir a ser afetado pelo nascimento de uma criança cega, acontecimento que requer o desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento da situação e estimulação da criança para a independência (2).

A cegueira pode ser herdada ou adquirida devido a diversas causas como: glaucoma ou catarata congênitos, retinopatia, sífilis, entre outras (3). Impõe à criança restrições ao seu desenvolvimento nos ambientes sociais (família, escola, entre outros) e interfere nas interrelações entre si, o mundo e as pessoas. Essas restrições influenciam no potencial de independência da criança cega, seja nas atividades que exigem conhecimentos sobre suas relações com o mundo a sua volta (4), seja consigo mesma na realização de atividades da vida diária.

A cegueira influencia no desenvolvimento das crianças, o que compromete seu autocuidado e mobilidade, além de dificultar suas interações sociais e a aquisição da sua independência (5). Crianças cegas apresentam restrições quanto à locomoção, exploração de locais e objetos, o que dificulta sua participação em atividades em grupo (6), isto é, possuem certa restrição de habilidades e de exploração dos ambientes. Através da visão, a criança constrói suas percepções e representações acerca das coisas e do mundo. Com uma limitação visual, além de ter dificuldades em organizar e construir definições e conceitos, ela apresenta dificuldades em circular livremente pelos diferentes ambientes.

Cuidar da criança cega exige da família ação e reflexão acerca dos ambientes nos quais ela está inserida, pois se entende que estes interferem no seu bem-estar e na sua saúde. O papel da família no cuidado e no desenvolvimento da criança é de fundamental importância uma vez que o núcleo familiar compreende sua primeira rede de apoio social (7). A família deve ser orientada pelos profissionais da saúde/enfermagem quanto à importância da estimulação infantil, da comunicação e da interação família-criança cega; além disso, deve organizar os diferentes ambientes de convivência para que a criança circule por eles de forma independente (5).

Cuidar por meio de uma abordagem ecossistêmica pode contribuir para a independência, pois os ambientes constituem-se como sistemas de suporte à vida (8). Nessa abordagem, o ecossistema é entendido como comunidade de organismos que interagem entre si e mantêm relação com o ambiente em que vivem, isto é, concebe-se o ser humano como elemento integrante dessa comunidade e considera-se que a saúde depende dos ambientes (8).

O conjunto de elementos, estruturantes dessa realidade, ao se relacionar entre si, é capaz de construir verdadeiras redes no espaço em que coabita e possibilitar o desenvolvimento de forma harmoniosa e saudável. Nessa perspectiva, o ecossistema é um conjunto de elementos interdependentes integrados que formam o espaço/território/ambiente, lugar onde a rede de relações humanas perpetua a sua cultura pela contínua transferência de matéria e energia entre os seres vivos e o meio (9).

Pensar os ambientes onde a criança cega vive, nessa concepção, é explorar as possibilidades que o espaço lhe oferece para exercer sua independência. Nesse sentido, o cuidado ecos-sistêmico apresenta-se como uma ferramenta que orienta perspectivas e novos caminhos, pois promove o bem viver por meio da atuação sobre os ambientes, o que propicia o equilíbrio dos elementos constituintes do ecossistema visto que, com base na teoria sistêmica, todos os elementos que compõem determinado espaço/ambiente se inter-relacionam, exercem interações, influenciam-se mutuamente e são capazes de transformá-lo (10). Há um reconhecimento crescente de que muitos problemas de saúde pública são complexos e podem ser mais bem compreendidos por meio da análise da relação entre a saúde humana e a saúde dos ecossistemas em que as pessoas vivem (11).

Compreende-se a família como capaz de interferir positivamente na construção de ambientes propícios ao desenvolvimento da criança cega promovendo estratégias sistêmicas aos problemas que interferem no seu viver e na sua independência. Espera-se, com o presente trabalho, sensibilizar os profissionais da saúde/ enfermagem que cuidam de crianças cegas para um novo olhar sobre os seus familiares cuidadores, de forma a garantir-lhes informações que os habilitem para o cuidado ecossistêmico à criança na perspectiva da sua independência (12).

Nesse contexto, teve-se como questão norteadora deste estudo: de que forma os ambientes onde a criança cega vive interferem para a sua independência? A partir disso, objetivou-se compreender a influência dos ambientes onde a criança cega vive no exercício da sua independência na perspectiva da família.


Métodos

Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa. A pesquisa descritiva descreve o fenômeno investigado e possibilita, assim, sua compreensão por meio das experiências vividas (13). É qualitativa porque trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que permite maior profundidade das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser traduzidos por meio de sua redução à operacionalização de variáveis (13).

Foi realizada no segundo semestre de 2011, em um Centro de Educação Complementar para Deficientes Visuais localizado no sul do Brasil. Esse Centro possui salas de aula nas quais os alunos têm o ensino do primeiro ao quarto ano do Ensino Fundamental, além de salas de recursos, estimulação sensorial, informática, biblioteca, artesanato, cerâmica e educação física, com a prática de esportes como futsal e judô, dança e de ensino na realização de atividades de vida diária (AVDs), como arrumar a cama, cozinhar e outras.

Por se tratar de uma instituição para deficientes visuais, alguns símbolos são facilmente observados: corrimãos para facilitar o deslocamento pela escola; trabalhos didáticos executados todos em alto relevo; salas onde são realizadas a estimulação das pessoas com limitações visuais, que possuem sinaleiras; softwares e maquinários em braile, como tradutor, impressão e xerox, e, ainda, uma sala de informática adaptada.

Participaram da pesquisa 10 mães de crianças cegas com idade entre 5 e 12 anos incompletos, que atenderam ao critério de inclusão: cuidar da criança cega continuamente no ambiente familiar. Foram excluídos os cuidadores que não cuidam continuamente da criança cega. Das 10 crianças, 8 frequentavam o Centro de Educação para Deficientes Visuais e 2, tanto o Centro como a escola convencional. A cuidadora principal de todas as crianças é a mãe, com faixa-etária entre 21 e 43 anos, e com o Ensino Médio completo. Essas mães cuidadoras vivenciam o cuidado da criança cega entre 5 a 12 anos. A maioria das mães não desenvolve atividade laboral remunerada: 3 nunca trabalharam fora do ambiente familiar; 4 tiveram que parar de trabalhar para cuidar da criança; 2 atuam como domésticas e 1 trabalha em uma fábrica de pescado. As mães participantes do estudo sobrevivem com suas famílias com uma renda de um a quatro salários-mínimos por mês (o equivalente a USD$ 882,90).

A idade das crianças variou de 5 a 12 anos incompletos; 6 eram do sexo masculino e 4, do feminino. Sobre o seu contexto familiar, 3 eram filhas únicas; as demais possuíam de 2 a 3 irmãos. Quanto à saúde, 2 crianças, além da cegueira, possuíam paralisia cerebral devido à anoxia no parto.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas únicas com cada participante. Foram operacionalizadas por um roteiro com perguntas acerca da influência do ambiente familiar e escolar para a (in)dependência da criança cega, cujas respostas foram analisadas pela técnica de Análise Temática (13), operacionalizada em três etapas: pré-análise, na qual foram identificadas as unidades de registro que orientaram a análise; exploração do material, na qual os dados iniciais obtidos foram classificados e agregados em categorias, e tratamento dos resultados obtidos, na qual se realizou a interpretação dos dados correlacionando-os com autores estudiosos da temática.

Os preceitos da resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Ética em Saúde para a pesquisa com seres humanos foram levados em consideração (14). O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa, que o aprovou sob o número 105/2011. As falas dos sujeitos foram identificadas pela letra F, seguida do número da entrevista, a fim de garantir o seu anonimato.


Resultados

A análise dos dados evidenciou duas categorias: influência do ambiente familiar para a independência da criança cega e influência do ambiente escolar para a independência da criança cega.

Influência do ambiente familiar para a independência da criança cega

O estudo revelou que, no ambiente familiar, o potencial de independência da criança cega é maior e, com isso, a prestação do cuidado se torna mais fácil.

Ela faz tudo em casa, mas em casa é mais fácil. Nos outros lugares, a gente tem que estar com ela (F1).

Foi possível constatar que as crianças cegas apresentam capacidades e desenvolvem ações independentes no lar, como banho, troca de roupas e higiene. Referiram que, no domicílio, elas desempenham suas atividades diárias sem necessidade de auxílio.

Ele toma banho, escolhe a roupa que vai colocar, toma café quando quer. Ele não depende de mim. Claro que tem coisas que ainda não deixo ele fazer, mas porque acho que não está na idade (F7).

Em casa, ele é independente pra tudo. Uma pessoa não pode viver dependente a vida toda (F3).

Contudo, verificou-se que a mãe realiza ações que a criança é capaz como forma de compensação por sua deficiência.

Ela é bem preguiçosa. Tem umas coisas que ela não faz, mas não é porque não sabe. É porque tem a mãe e a avó que fazem. Tem dias que eu me dou conta que ela está "se fazendo". Me chama para fazer o leite dela, para buscar os brinquedos, para trocar de roupa na hora do banho. Ganha tudo nas mãos. A gente faz para compensar ela pela cegueira (F9).

Diante da possibilidade de a cegueira dificultar a independência da criança, a família passa a estimulá-la e a desenvolvê-la. Essa percepção faz com que a família lute contra a vontade de executar pela criança o que esta tem capacidade para fazer de forma independente.

Ela faz tudo sozinha: toma banho, faz café, toma os remédios na hora certa, separa a roupa que vai usar. Quer a mesma liberdade que a irmã que enxerga. Mas eu fico de olho. Tenho que cuidar para não fazer por ela. Acho perigoso deixar muita coisa pra ela (F4).

Ela depende de mim só para o essencial mesmo. Sou eu que dou banho nela porque ela não se esfrega bem. No banheiro, ela vai sozinha, mas eu destaco o papel para ela. Aí, estou sempre com ela, porque fico preocupada. Sem enxergar e com dificuldade para andar. Mas em casa tudo é adaptado e seguro para ela aprender a se virar. Ela é encefalopata também e caminha com dificuldade (F5).

Além disso, constatou-se que as dificuldades da criança cega são inúmeras e desafiam a família para o seu cuidado no ambiente domiciliar. Alguns familiares acreditam que a criança cega nunca será totalmente independente.

Todas as dificuldades. Ela não vai ser independente nunca. Imagina tu teres um filha assim? Pra comer, te chama; pra tomar banho, te chama. Pode passar três horas do horário da escola que ela não se dá por conta. É tudo isso. Ela sabe que tem que comer porque dá fome (F1).

Algumas mães não introduzem no ambiente os estímulos necessários a um cuidado eficaz à criança cega por se preocuparem com sua integridade. A adequação ambiental torna-se fundamental para a facilitação das atividades de forma segura.

Eu vejo que ele vai ter dificuldades com a segurança. Ele ainda é bem medroso, não consegue ficar sozinho. Se eu deixo ele em casa e vou na venda e demorar, ele já vai pra baixo das cobertas com medo. Precisaria se desenvolver melhor dentro de casa, mas tenho medo que ele ligue o fogão e se queime. Então, tem coisas que eu não estimulo (F7).

Tendo em vista suas dificuldades e limitações, os deficientes visuais podem ser socialmente reconhecidos como pessoas doentes. Esse fato pode limitar sua convivência nos ambientes e, assim, consolidar sua restrição ao ambiente domiciliar.

Ela sai comigo e, quando vai fazer alguma coisa, as pessoas dizem: "— Ela vai cair!" Mas ela não cai não. Pensam que porque é cega é doente. Ela não tem dificuldades em andar na rua, mas, para evitar fatos desagradáveis, ficamos mais limitados a casa (F8).

Não tenho dificuldades em cuidar dela em casa. Mas os irmãos me perguntam: "— Tu vais deixar ela sozinha?" "— Tu vais deixar ela fazer isso ou aquilo?" Então, é uma preocupação constante e, em casa, a gente se sente mais tranquila. É menos estresse (F4).

Percebem que a criança aprende por repetição e referiram que é importante não enfatizar seus erros, e sim seus acertos e conquistas. Nesse sentido, a criança precisa ter um ambiente propício à aprendizagem e ter a liberdade vigiada para que possa se desenvolver e tornar-se independente.

Eu dava tudo nas mãos. Agora ela conhece o lugar de cada coisa. Hoje, eu arrumo a casa e digo pra ela me ajudar. Eu elogio o esforço dela e as coisas boas que ela faz (F1).

Eu mando ele se levantar e fazer as coisas. Não deixo ele ficar com peninha de si mesmo. Faço ele ir na padaria comigo, no supermercado, na farmácia. Isso tudo eu ensino. É aos poucos, mas a gente faz ele aprender a fazer as coisas. Quando chego em caso, faço ele guardar tudo nos lugares. Ele precisa repetir, repetir até aprender a se virar (F7).

Influência do ambiente escolar para a independência da criança cega

A cegueira pode prejudicar o processo de ensino e aprendizagem e a restrição de experiências pode comprometer o processo educativo das crianças cegas. Observou-se a preocupação da família com sua escolarização, pois entendem o ensino convencional como importante para o seu desenvolvimento. Tendo em vista que, após a quarta série, as crianças terão que ingressar na escola convencional, a família teme que suas necessidades especiais não sejam levadas em conta e que ela não consiga acompanhar as exigências escolares.

Tenho medo que ele não tenha um bom desempenho. Ele até pode ter dificuldades porque precisa conhecer o lugar primeiro, mas tem condições de aprender e se sair bem (F9).

Acho que ela não ia se adaptar. As escolas estão acostumadas com crianças que enxergam. Acho que não tem recursos nas escolas. Quem vai saber lidar com ela? Vai ter uma professora para ler só para ela? Não vai! (F10)

No sentido de auxiliar a criança no seu desenvolvimento escolar, a família se organiza para ajudar nas tarefas para que ela consiga acompanhar as outras crianças na escola.

Uma de minhas preocupações é auxiliá-la com as tarefas do colégio. Ajudamos ela a fazer os temas. Tem que ter paciência, pois não quero que ela tenha mais dificuldades que as outras crianças. Se ela se sentir inferior, pode nem querer mais estudar (F8).

Nesse contexto, verificou-se o empenho da família na busca de um ensino que estimule a criança e possibilite sua inserção na sociedade. No entanto, não acreditam nessa possibilidade e veem difícil sua inclusão na escola, pois algumas sofrem discriminação e preconceito devido à cegueira.

Tem preconceito dos colegas. Eles riem dela. Por isso é difícil. Ela chora e não quer ir (F1).

Na escola normal, chamam ela de quatro olhos, de criança cega. Isso é brabo porque, além da dificuldade para enxergar, ela ainda aguenta isso. Estive na escola várias vezes. Falei com as professoras, mas nunca fazem nada (F2).


Discussão

Os ambientes domiciliar e escolar são entendidos pela família como potencializadores da independência da criança cega. O ambiente domiciliar é o primeiro espaço de convivência social da criança. Neste, são construídas suas referências, conceitos e valores que traçarão sua personalidade e determinarão sua forma de atuação nas diferentes etapas da vida (15).

No entanto, como se constatou na fala de uma das entrevistas, ante a cegueira, algumas famílias não introduzem no ambiente estímulos para propiciar a independência da criança por se preocuparem com sua integridade, uma vez que, para elas, ações independentes podem significar riscos à saúde e à vida da criança cega. Esta depende, fundamentalmente, de explicações e descrições do que se passa ao seu redor, ou seja, tem o mundo traduzido por seus cuidadores. Só assim poderá compreendê-lo, desenvolver-se satisfatoriamente e adaptar-se de forma integrada a ele. É preciso que a criança seja estimulada a interagir no ambiente por meio do uso de seus sentidos preservados com a finalidade de superar dificuldades oriundas da falta visual (16).

Cabe aos profissionais da saúde/enfermagem auxiliarem no desenvolvimento das capacidades e habilidades dessas crianças redirecionando a atenção, antes focada apenas na cegueira, para elas (17). As dificuldades ocasionadas pela cegueira devem ser sanadas e suas diferenças devem ser entendidas como desafios positivos; além disso, as ações dos profissionais devem ter como finalidade maximizar suas potencialidades (18).

À medida que a família estimula a criança, garante seu desenvolvimento saudável e independente. A criança cega não terá dificuldades para aprender se lhe for propiciado um ambiente rico em experiências onde ela possa trabalhar seus canais de comunicação, o que lhe favorecerá seu desenvolvimento como um todo (2). A integração entre escola e família é fundamental no processo de inclusão a fim de minimizar barreiras na obtenção da independência infantil nesse ambiente (19).

Cabe ao enfermeiro o papel de facilitador no processo de escolarização da criança cega atuando junto aos profissionais da escola, orientando-os acerca das questões que envolvem a saúde e a condição limitante dessas crianças. Deve realizar também assistência individual às crianças e suas famílias, o que as possibilita exporem as dificuldades enfrentadas durante sua inclusão na escola; ele se torna, portanto, uma ponte entre a criança, a escola e a família na busca por soluções que facilitem esse processo (20).

Crianças cegas devem desfrutar de um ambiente escolar estimulador, onde há mediação de condições que favoreçam a exploração de seu referencial perceptivo particular (21). Elas não são diferentes de outros educandos quanto ao desejo de aprender. Têm as mesmas necessidades de proteção, afeto e de brincar. Precisam aprender limites e a conviver, dentre outros aspectos relacionados com a formação de sua identidade e independência (22).

Estudo acerca da escolarização de crianças cegas evidenciou que apenas 17 % das mães entrevistadas identificaram a escola convencional como um local acolhedor. Verificou-se que o fato de a criança estar matriculada não garantiu que suas necessidades estivessem sendo respeitadas (23).

Nesse sentido, é preciso que o ambiente escolar esteja preparado para receber a criança cega de forma a auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades e potencialidades. A escolarização é uma importante estratégia para favorecer a interação e a independência infantil (24).

A integração entre escola e família é fundamental no processo de inclusão da criança cega na sociedade, e minimiza barreiras na obtenção da independência infantil nesse ambiente. O enfermeiro pode atuar no processo de integração social da criança cega compondo a equipe de reabilitação, realizando ações educativas que ajudem na aquisição de habilidades para o autocuidado e de uma consciência crítica que facilite a sua integração social. Deve orientar a família da criança para que se torne o principal núcleo de estimulação infantil, o que favorecerá sua escolarização (25).

A família tem a função de facilitar a socialização da criança cega. Percebe-se que seu entrosamento em grupos sociais diferentes possibilita à criança adquirir um desenvolvimento saudável e independente (21). Exercitar suas potencialidades rumo à independência produz efeitos positivos sobre a autoestima e a interação social da criança cega nos diversos ambientes nos quais convive. Ao vivenciar com mais frequência sua circulação nos ambientes, ela tem a oportunidade do conhecimento real e não apenas discursivo dos objetos, de vivenciar (re)ações afetivas com outras pessoas e de ampliar seus contatos sociais e culturais (26).

Fora do seu ambiente de conforto, tanto a criança como sua família podem sentir medo e insegurança em se arriscar. No entanto, em algum momento, a criança necessitará entrar em contato com o mundo fora de casa, pois disso dependerá sua escolarização, socialização e futuro profissional (12).

A superação de estigmas e a integração da criança cega em diferentes ambientes podem refletir na formação da sua personalidade (27). Para tanto, é importante que a família estimule precocemente a criança inserindo-a no contexto social, criando um ambiente propício para que esta alcance um desenvolvimento compatível com seu estágio de vida até que possa ter a capacidade de se tornar independente e ativa socialmente.


Conclusão

A pesquisa leva à conclusão sobre a necessidade em se repensar a organização dos ambientes para favorecer não só a melhor circulação e locomoção da criança cega, mas também a dos que convivem com ela. Os ambientes são sistemas de suporte e os ecossistemas influenciam o bem-estar, a saúde e a independência humana, que envolvem complexas relações causais. No entanto, a forma como estão (des)organizados podem limitar ou estimular a (in)dependência da criança cega.

Os elementos constituintes do ecossistema compõem determinado espaço/ambiente e se inter-relacionam ao exercerem interações capazes de influenciar a vida e transformá-la. Nesse sentido, é necessário o preparo das famílias para o enfrentamento das limitações da cegueira na criança de forma a auxiliá-la na apreensão dos ambientes nos quais desenvolvem suas relações, o que pode torná-la independente e levá-la à construção da sua identidade como alguém capaz.

A questão da acessibilidade dos cegos nos ambientes precisa ser discutida no sentido de sua inclusão social. O domicílio e a escola são sistemas de suporte e influenciam a independência humana que necessitam ser repensados e reorganizados para favorecer a circulação e a inclusão da criança cega. Cabe aos profissionais da saúde/enfermagem a orientação adequada da família, que a habilite a se transformar em um núcleo de estimulação infantil, no qual a criança cega seja auxiliada na aquisição de habilidades, que seja capacitada para as AVDs nas áreas de autocuidado, mobilidade e função social, o que possibilitará sua independência.

Para finalizar, conclui-se que a família precisa ser auxiliada a organizar os ambientes de (con)vivência da criança cega como forma de promover sua inclusão e acessibilidade, o que a levará a uma melhor qualidade de vida. Novos estudos devem ser realizados no sentido de explorar o cuidado ecossistêmico como alternativa para a organização dos ambientes e sua influência para a (in)dependência de crianças cegas.



Referências

1. Turiel E. Domain specificity in social interactions, social thoughts and social development. Child Development. 2010; 81(3):720-6.         [ Links ]

2. Seidl-de-Moura ML, Bandeira TTA, Campos KN, Cruz EM, Amaral GS, Marca RGC. Parenting cultural models of a group of mothers from Rio de Janeiro. The Spanish Journal of Psychology. 2009; 12(2):506-17.         [ Links ]

3. Heijthuijsen AAM,Beunders VAAJiawan D, Mesquita-Voigt AMB,Pawiroredjo J,Mourits M et al. Causas de deficiência visual grave e cegueira em crianças na República do Suriname. Br J Ophthalmol. 2013; 97(7):812-5.         [ Links ]

4. Hallemans A, Ortibus E, Truijen S, Meire F. Development of independent locomotion in children with a severe visual impairment. Res Dev Disabil. 2011; 32(6):2069-74.         [ Links ]

5. Pintanel AC, Gomes GC, Xavier DM. Mães de crianças com deficiência visual: dificuldades e facilidades enfrentadas no cuidado. Rev Gaúcha Enferm. 2013; 34(2):86-92.         [ Links ]

6. Chien CW, Brown T, Mcdonald R. A framework of children's hand skills for assessment and intervention. Child Care Health Dev. 2009; 35(6):873-84.         [ Links ]

7. Castilho CN, Gontijo DT, Alves HC, Souza ACA. A gente tenta mostrar e o povo não vê: análise da participação de pessoas com cegueira congênita nos diferentes ciclos da vida. Cad Ter Ocup UFSCar. 2011; 19(2):189-211.         [ Links ]

8. Muñoz G, Mota L, Bowie WR, Quizhpe A, Orrego E, Spiegel JM, Yassi A. Enfoque ecosistémico de Promoción del uso adecuado de Antibióticos en niños de Comunidades Indígenas del Ecuador. Revista Panamericana de Salud Pública. 2011; 30(6):566-73.         [ Links ]

9. Santos MC, Siqueira HCH, Silva JRS. Saúde coletiva na perspectiva ecossistêmica: uma possibilidade de ações do enfermeiro. Rev Gaúcha Enferm. 2009 dez.; 30(4):750-4.         [ Links ]

10. Zamberlan C, Calvetti A, Deisvaldi J, Siqueira HCH. Calidad de vida, salud y enfermería en la perspectiva ecosistémica. Rev Electrónica Enfermería Global. 2010; 20:1-7.         [ Links ]

11. Zee Leung Z, Middleton D, Morrison K. One Health e EcoHealth em Ontário: um estudo qualitativo explorando como abordagens holísticas e integradoras estão moldando a prática da saúde pública em Ontário. BMC Public Health. 2012; 12:358.         [ Links ]

12. Pintanel AC, Gomes GC, Xavier DM, Fonseca AD. Facilidades e dificuldades da criança com deficiência visual para o exercício da independência: percepções da família. Rev enferm UFPE. 2013; 7(1):119-27.         [ Links ]

13. Minayo, MCS (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 29 ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2010.         [ Links ]

14. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos. Res. CNS 196/1996. Bioética. 1996; 4(Suppl):15-25.         [ Links ]

15. Bhalerao SA, Tandon M, Singh S, Dwivedi S, Kumar S, Rana J. Visual impairment and blindness among the students of blind schools in Allahabad and its vicinity: a causal assessment. Indian J Ophthalmol. 2015 mar.; 63(3):254-8.         [ Links ]

16. Gogate P, Gilbert C, Zin A. Severe visual impairment and blindness in infants: causes and opportunities for control. Middle East Afr J Ophthalmol. 2011; 18(2):109-14.         [ Links ]

17. Peterseim MM, Papa CE, Parades C, Davidson J, Sturges A, Oslin C et al. Combining automated vision screening with on-site examinations in 23 schools: ReFocus on Children Program 2012 to 2013. J Pediatr Ophthalmol Strabismus. 2015; 52(1):20-4.         [ Links ]

18. Lee FM, Tsang JF, Chui MM. The needs of parents of children with visual impairment studying in mainstream schools in Hong Kong. Hong Kong Med J. 2014; 20(5):413-20.         [ Links ]

19. Ruhagaze P; Njuguna KK; Kandeke L; Courtright P. Cegueira e deficiência visual grave em alunos de escolas para cegos em Burundi. Middle East Afr J Ophthalmol. 2013; 20(1):61-5.         [ Links ]

20. Fathizadeh N, Takfallah L, Badrali N, Shiran E, Esfahani MS, Akhavan H. Experiences of blind children caregivers. Iran J NursMidwifery Res. 2012; 17(2 Suppl1): S143-S149.         [ Links ]

21. Zhu JF1, Zou HD, He XG, Lu LN, Zhao R, Xu HM et al. Cross-sectional investigation of visual impairing diseases in Shanghai blind children school. Chin Med J. (Engl). 2012 out. ;125(20):3654-9.         [ Links ]

22. Sá ED, Campos IM, Silva MBC. Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Visual. Brasília (DF): Gráfica e Editora Cromos; 1997.         [ Links ]

23. Resende, DO, Ferreira PM, Rosa SM. A inclusão escolar de crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais: um olhar mães. Cad. de Terapia Ocupacional da UFSCar. 2010; 18(2):115-27.         [ Links ]

24. Resende APC, Vital FMP. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - Versão Comentada. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; 2008.         [ Links ]

25. Oliveira SC, Negrão MV. Ações de inclusão: valorização da acessibilidade em uma escola profissionalizante. E-Tech. 2010; 3(1):48-62.         [ Links ]

26. Kuwabara M, Smith LB. Cross-cultural differences in cognitive development: Attention to relations and objects. J Exp Child Psychol. 2012; 113(1):20-35.         [ Links ]

27. Kreitz C, Schnuerch R, Gibbons H, Memmert D. Some See It, Some Don't: Exploring the Relation between Inattentional Blindness and Personality Facto. PLoS One. 2015; 10(5): e0128158.         [ Links ]


Inicio