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Aquichan

Print version ISSN 1657-5997

Aquichan vol.16 no.2 Bogotá Apr./June 2016

https://doi.org/10.5294/aqui.2016.16.2.6 


Atenção às necessidades espirituais na prática clínica de enfermeiros

Attention to Spiritual Needs in Clinical Nursing Practice

Atención a las necesidades espirituales en la práctica clínica de enfermeros

Lucila Castanheira Nascimento1,
Fabiane Cristina Santos de Oliveira2,
Tabatha de Freitas Moreira Santos3,
Raquel Pan4,
Milena Flória-Santos5,
Willyane Andrade Alvarenga6,
Semiramis Melani Melo Rocha7

1 Universidade de São Paulo, Brasil.
lucila@eerp.usp.br

2 Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil.
fabioli.enf@hotmail.com

3 Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil.
tabathasathi@hotmail.com

4 Universidade de São Paulo, Brasil.
raquelpan01@gmail.com

5 Universidade de São Paulo, Brasil.
milena@usp.br

6 Universidade de São Paulo, Brasil.
willyanealvarenga@usp.br

7 Universidade de São Paulo, Brasil.
smmrocha@eerp.usp.br

Recibido: 13 de julio de 2014 / Enviado a pares: 08 de agosto de 2014 / Aceptado por pares: 13 de enero de 2016 / Aprobado: 08 de febrero de 2016

10.5294/aqui.2016.16.2.6

Para citar este artículo / To reference this article / Para citar este artigo

Nascimento LC., Oliveira FCS., Santos TFM., et. all. Atenção às necessidades espirituais na prática clínica de enfermeiros. Aquichan. 2016; 16(2):179-192. DOI:10.5294/aqui.2016.16.2.6



RESUMO

Ao considerar a integralidade do cuidado, é necessário que os enfermeiros sistematizem o cuidado espiritual e proponham intervenções nessa dimensão aos seus pacientes. Objetivo: analisar a compreensão do enfermeiro acerca do cuidado espiritual e a sua experiência na promoção desse cuidado aos pacientes na prática clínica. Método: pesquisa descritiva, com análise qualitativa dos dados, desenvolvida com 17 enfermeiros. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, as quais foram analisadas mediante análise de conteúdo qualitativa. Resultados: os enfermeiros identificaram a necessidade de intervenção na dimensão espiritual dos seus pacientes e consideraram importante atender a essa necessidade, porém eles apresentaram dificuldades em oferecer esse cuidado. Falta de conhecimento e organização do processo de trabalho foram dificuldades citadas para a não realização do cuidado espiritual e para a priorização dos cuidados físicos. Aponta-se, ainda, que o cuidado espiritual, quando oferecido, não foi sistematizado. Conclusão: esta pesquisa apresenta potencial para suscitar discussões quanto à formação do enfermeiro para o oferecimento do cuidado espiritual, além de demonstrar suas dificuldades e facilidades para a prestação de tal cuidado no cotidiano do trabalho da enfermagem.

PALAVRAS-CHAVE

Espiritualidade, religião, enfermagem, relações profissional-paciente, terapias espirituais (Fonte: DeCS, BIREME).



ABSTRACT

When looking at comprehensive care, nurses need to systematize spiritual care and propose these kinds of interventions for their patients. Objective: Analyze nurses' understanding of spiritual care and their experience in encouraging this type of attention for patients in clinical practice. Method: This is a descriptive study featuring a qualitative analysis of data. The sample included 17 nurses. The data were collected through semi-structured interviews and examined via qualitative content analysis. Results: The nurses who participated in the study indicated there is a need for intervention to attend to the spiritual needs of patients and felt it is important to address this dimension of health care. However, they have difficulty in providing spiritual care. Lack of know-how and the way their work is organized were cited as obstacles to providing spiritual care, as was the priority on physical care. The nurses in the sample also noted that spiritual care, when offered, is not systematized. Conclusion: The research in question has the potential to encourage discussion on how nurses can be trained to offer spiritual care. It also demonstrates the difficulties they encounter and the kind of facilities or conditions they require to provide spiritual care in everyday nursing practice.

KEYWORDS

Spirituality, religion, nursing, nurse-patient relationship, spiritual therapies (Source: DeCS, BIREME).



RESUMEN

Al considerar la integralidad del cuidado, es necesario que los enfermeros sistematicen el cuidado espiritual y propongan intervenciones en esta dimensión a sus pacientes. Objetivo: analizar la comprensión del enfermero acerca del cuidado espiritual y su experiencia en la promoción de este cuidado a los pacientes en la práctica clínica. Método: investigación descriptiva, con análisis cualitativo de los datos, desarrollada con 17 enfermeros. Se recolectaron los datos por medio de entrevistas semiestructuradas, analizadas mediante análisis de contenido cualitativo. Resultados: los enfermeros identificaron la necesidad de intervención en la dimensión espiritual de sus pacientes y consideraron importante atender a esta necesidad; sin embargo, ellos presentaron dificultades en brindar este cuidado. Falta de conocimiento y organización del proceso de trabajo fueron dificultades citadas para la no realización del cuidado espiritual y la priorización de los cuidados físicos. Se señala, aun, que el cuidado espiritual, cuando fue ofrecido, no fue sistematizado. Conclusión: esta investigación presenta potencial para despertar discusiones en cuanto a la formación del enfermero para el ofrecimiento del cuidado espiritual, además demuestra sus dificultades y facilidades para la ejecución de tal cuidado en la cotidianidad del trabajo de enfermería.

PALABRAS CLAVE

Espiritualidad, religión, enfermería, relación profesional-paciente, terapias espirituales (Fuente: DeCS, BIREME).



Introdução

É pressuposto que o cuidado de enfermagem seja baseado nas necessidades das pessoas. Contudo, o conceito de necessidades é difícil de definir, e pacientes e cuidadores podem ter opiniões diferentes sobre elas. As necessidades podem ser classificadas em quatro categorias: 1) normativa — definida por peritos ou profissionais; 2) sentida — a que a pessoa quer; 3) expressa — a pessoa age mostrando o sentimento de necessidade e 4) comparativa —que aparece quando populações similares recebem serviços de níveis diferentes (1).

O conceito de necessidades, do ponto de vista científico, é uma abstração com parâmetros definidos a partir da relação com uma disciplina, que pode ser a biologia, a psicologia ou as ciências sociais (2). No âmbito da enfermagem, as teorias se fundamentavam em necessidades objetivas e individuais; teoristas como Henderson, Abdellah e Orem, ao discorrerem sobre necessidades, nos apresentam uma visão de seres humanos muito próxima do modelo biomédico, que implícita ou explicitamente, apresentam uma hierarquia (2, 3). Dessa forma, as necessidades fisiológicas, ligadas à sobrevivência do indivíduo ou de grupos, são frequentemente apresentadas com a conotação de que devem ser satisfeitas primeiramente. No entanto, mais recentemente, as teorias de enfermagem têm valorizado o social, o psíquico e o político no cuidado à saúde e na enfermagem, em particular (2).

Atualmente, as conceituações de necessidades incorporadas pela enfermagem são mais amplas e referem-se às necessidades socialmente construídas, aos desejos e às satisfações. Ao mesmo tempo, aumentaram os questionamentos sobre a universalidade das necessidades e o viés do ponto de vista da sociedade ocidental (3).

Olhar o indivíduo de forma integral tem contribuído para que a dimensão espiritual seja considerada como parte do ser humano e, cada vez mais, o enfermeiro tem se tornado sensível ao cuidado espiritual ao ser chamado a atender a essa necessidade (4, 5). O enfermeiro tem responsabilidade de avaliar as necessidades espirituais e de promover a saúde espiritual de pacientes (6). A dimensão espiritual integra a definição de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) (7) e é inclusive contemplada no sistema de classificação taxonômica proposta pela North American Nursing Diagnosis Association International (NANDA-I) (8) para os diagnósticos de enfermagem, o que evidencia que o indivíduo tem uma natureza espiritual e que o enfermeiro deve estar preparado para oferecer cuidados relativos a essa dimensão.

As necessidades espirituais podem ser alcançadas por meio da busca de significado e propósito na vida; da necessidade de dar e receber amor; do perdão; dos sentimentos de esperança, força, harmonia e confiança; da expressão de valores e crenças pessoais; das práticas espirituais; da criatividade e da transcendência ou divindade (4). Essas necessidades se processam de forma diferente na pessoa doente e saudável, e têm implicações para o bem-estar e podem levar à angústia espiritual (9).

A enfermagem tem a preocupação de assistir o paciente nas suas necessidades espirituais; entretanto, os profissionais manifestam dificuldades para identificá-las, talvez porque seja difícil mensurá-las e quantificá-las, ou por mobilizar a sua própria espiritualidade (10, 11, 12). Apesar da expansão e das contribuições das pesquisas sobre o impacto da espiritualidade na dimensão física e mental do indivíduo, uma das barreiras mais identificadas para oferecer o cuidado espiritual é a carência de uma definição clara para a espiritualidade, o que tem levado o enfermeiro a incertezas a respeito das intervenções (9, 13).

Estudo (13) recente retrata a amplitude do uso desse conceito e reúne várias definições atreladas à saúde mental, à filosofia e aos constructos religiosos, além de reafirmar a falta de consenso sobre a compreensão da espiritualidade. Há autores que defendem que a espiritualidade deve ser vista com um envolvimento religioso e ser definida como uma ligação com o transcendente, com o sobrenatural, que pode ser chamado de Deus ou um Poder Superior (13, 14). Outros pesquisadores (9, 15) apontam a espiritualidade como tendo uma forte relação com o sentido da vida, com o que dá significado e consistência às nossas experiências. Consideramos esta última definição como a mais adequada para a proposta deste artigo, a qual considera a espiritualidade em um sentido mais amplo, na relação que o indivíduo tem dentro ou fora de uma esfera religiosa, capaz de dar sentido e propósito à sua vida.

Pacientes e seus familiares precisam de ajuda para satisfazer suas necessidades espirituais e, nesse sentido, práticas espirituais são importantes. Para que o cuidado das necessidades espirituais seja incorporado à prática profissional, será necessário reformular teorias de enfermagem que definam necessidades, que incluam a espiritualidade como uma necessidade a ser atendida. Diante da importância desse cuidado e de assistir o indivíduo na sua integralidade, estudos empíricos com profissionais de enfermagem são essenciais para fundamentar reflexões sobre como o enfermeiro percebe e experiencia a atenção às necessidades espirituais de seus pacientes na prática clínica; a partir dessas reflexões, poderá ser construído conhecimento nessa área. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi analisar a compreensão do enfermeiro acerca do cuidado das necessidades espirituais e a sua experiência na promoção desse cuidado aos pacientes na prática clínica.


Método

Este artigo é parte integrante de um projeto maior intitulado "O cuidado espiritual na prática da enfermagem". É um estudo descritivo, caracterizado como pesquisa qualitativa genérica, como descrita pelas autoras Caelli, Ray e Mill (16), as quais a definem como sendo aquela que não é orientada por um pressuposto teórico explícito ou por um conjunto de pressupostos filosóficos estabelecido em uma determinada metodologia qualitativa já conhecida. Portanto, apresenta análise qualitativa dos dados e foi desenvolvido na perspectiva teórica do pragmatismo, com base nos conceitos de espiritualidade e necessidades espirituais.

Por envolver seres humanos, este estudo foi submetido à revisão ética e acompanhamento por um Comitê de Ética, e obteve aprovação sob o número de processo 1018/2009. Elaborou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com uma linguagem clara e objetiva, no qual os participantes da pesquisa foram informados sobre os objetivos do estudo, os procedimentos usados para a coleta de dados e os possíveis constrangimentos ou benefícios, o que lhes garantiu o sigilo e respeito ao desejo ou não de participar da pesquisa. Esse documento foi entregue e discutido com os participantes do estudo anteriormente ao início da entrevista e, para aqueles que concordaram em participar, lhes foi solicitado que assinassem o TCLE; os participantes ficaram com uma via do documento.

O estudo foi realizado em um hospital estadual localizado no interior do estado de São Paulo (Brasil); trata-se de um hospital-escola que prioriza o atendimento de nível secundário entre diversas especialidades. Os enfermeiros que lá desenvolvem suas atividades estão alocados nos seguintes setores: ambulatório, enfermaria, centro cirúrgico, central de material, comissão de controle de infecção hospitalar e coordenação de enfermagem. Participaram da pesquisa 17 enfermeiros que desenvolviam suas atividades nessa instituição, independentemente do tempo de formação e atuação profissional nela. A distribuição dos participantes, de acordo com o desenvolvimento de suas atividades de trabalho na instituição, não foi aqui descrita para preservar o seu anonimato já que determinado posto de trabalho era ocupado por um único enfermeiro. O número de participantes que ingressaram na pesquisa e o término da coleta de dados foram delimitados a partir do conjunto de dados obtidos, ou seja, a saída do campo empírico se deu quando o conjunto de dados foi suficiente para alcançar os objetivos da pesquisa, o que possibilitou a interpretação compreensiva do fenômeno.

A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, nas dependências da instituição selecionada, por três autoras da pesquisa, conforme disponibilidade dos participantes e sem interromper a sua rotina de trabalho. Foi necessário apenas um encontro com cada participante para explorar o objeto de estudo. Para manter a conversa centrada nos objetivos da pesquisa, elaborou-se um roteiro para orientar a condução da entrevista. A conversa com os participantes teve início utilizando a questão norteadora: Você considera o cuidado espiritual como parte do cuidado oferecido pelo enfermeiro? Fale-me mais sobre isso. Na sequência, foram exploradas as experiências do enfermeiro para oferecer esse cuidado e solicitados exemplos de situações do cotidiano nas quais o enfermeiro oferecia esse tipo de cuidado aos seus pacientes. Os enfermeiros foram identificados pela letra E, seguida de um número conforme o ingresso na pesquisa. Portanto, E1 foi o primeiro enfermeiro entrevistado, e E17, o último. As entrevistas foram audiogravadas com a permissão dos participantes e transcritas na íntegra logo após sua realização.

Os dados empíricos foram submetidos à Análise de Conteúdo, como descrita por Elo e Kyngás (17), que consiste nas fases de preparar, organizar e relatar os resultados. O primeiro passo da análise, que se refere à fase de preparação, consistiu no processo de transcrição dos dados empíricos e sua leitura, para obter o sentido do todo e para posterior seleção das unidades de análise e das unidades de significado, tais como palavras, frases ou parágrafos. Na etapa seguinte, denominada de organização, o caminho indutivo escolhido previu a codificação, a criação e o agrupamento de categorias, com vistas à compreensão do fenómeno. Na última etapa, os resultados foram apresentados, a partir do conjunto das categorias, descrevendo-se o fenómeno (17). Os resultados foram discutidos com a literatura atualizada da área. A análise foi realizada por um pesquisador e os demais acompanharam todo o processo de análise e categorização para verificar a adequação e discutir divergências, a fim de que critérios de fidedignidade dos dados fossem cuidadosamente considerados em cada fase do estudo (18).


Resultados e discussão

O material empírico foi analisado e organizado em categorias, por meio das quais apresentamos a compreensão de enfermeiros sobre o cuidado das necessidades espirituais de seus pacientes, além da experiência desses profissionais para oferecer esse cuidado no seu cotidiano. Participaram da pesquisa 17 enfermeiros (16 do sexo feminino e 1 do sexo masculino), na faixa etária entre 24 a 29 anos, com tempo de formação e de atuação profissional que varia entre 3 e 12 anos.


O cuidado espiritual como prática do enfermeiro

Alguns enfermeiros, ao se expressarem acerca do papel da enfermagem na prestação do cuidado espiritual, se remeteram à história da profissão e às características religiosas que eram atreladas ao cuidado. De fato, a literatura aponta que a origem da enfermagem esteve arraigada às questões espirituais e religiosas, e o cuidado espiritual é uma parte da atenção oferecida ao paciente (19).

[...] Se a gente for ver a história da nossa profissão, a espiritualidade vem ao lado da religião. (E5)

[... ] [o cuidado espiritual] é um pouco da enfermagem, até pela própria história. (E2)

Neste estudo, 12 enfermeiros afirmaram acreditar que o cuidado espiritual compõe a assistência integral ao paciente e deve ser oferecido pela enfermagem em qualquer lugar, pois a espiritualidade faz parte do indivíduo. Estudos mostram que o cuidado espiritual se constitui como um cuidado de enfermagem e ressaltam a necessidade do enfermeiro encontrar uma maneira de sistematizá-lo (20, 21, 22).

[... ] tem que ser um cuidado de enfermagem, cada um tem que encontrar a sua maneira de fazer isso. (E16)

[... ] tem gente que não acredita, mas enquanto enfermeiro tem que ter uma prática sim. É uma possibilidade de trabalho, trabalhar com a espiritualidade do paciente. (E1)

[ ... ] eu acho que não está na enfermaria, não está no centro cirúrgico, não está no ambulatório, está em todos os lugares. Está dentro do enfermeiro, do profissional [... ] e está dentro do paciente. Então, em qualquer lugar ele pode ser abordado. (E9)

O discurso dos enfermeiros reporta a integralidade do ser humano, a existência da dimensão espiritual e, ainda, que o olhar para essa dimensão vai além da enfermagem. Estudos afirmam que a dimensão espiritual é inerente ao ser humano e o cuidado espiritual oferecido pela enfermagem parte desse reconhecimento (6, 9), pois o cuidado vai além da dimensão física (23, 24).

A partir do momento que se fala de integralidade da assistência e de olhar esse paciente como um todo, não se pode deixar a espiritualidade de lado. (E5)

[...] isso não tem como você separar na vida; acho que não é nem uma questão de enfermagem ou de engenharia, é realmente uma coisa do ser humano. (E16)

Apesar de a maioria dos enfermeiros acreditar que o cuidado espiritual é importante para a qualidade da assistência, dois participantes expressaram suas perspectivas e evidenciaram privilegiar a hierarquização de necessidades e a rotina do serviço, além de admitirem que a atenção às necessidades espirituais pode ou não ser contemplada no cuidado.

Tem que analisar a eficiência do trabalho como um todo. O cuidado espiritual diferencia para o paciente, mas não influencia para nós. Para mim, o cuidado espiritual não pode influenciar no meu serviço, na minha avaliação como supervisora. Eu tenho que avaliar outras coisas. (E11)

[...] A nossa assistência não pode ser prejudicada; não se pode mudar a nossa rotina por causa das questões religiosas do paciente. (E8)

Há indícios de que alguns enfermeiros se ativeram à hierarquia de necessidades no seu plano de cuidados ao paciente priorizando o atendimento de necessidades fisiológicas. O enfermeiro precisa atender às necessidades do paciente de forma integral e, sobre isso, a literatura aponta que esse profissional tem obrigação ética de compreender e incorporar as crenças e os valores espirituais do paciente no seu plano de cuidado (12). Dessa forma, a dimensão espiritual do indivíduo não pode ser desconsiderada; deve haver sensibilidade e respeito para com o paciente (23).

Ao mesmo tempo em que os enfermeiros entrevistados consideraram o cuidado com a terapêutica estabelecida para os pacientes, a maioria abordou questões espirituais com seus pacientes, principalmente as relativas à religiosidade, e sempre com as particularidades de cada um deles respeitadas. Estudos trazem que o cuidado espiritual deve ser oferecido e, para isso, é necessário criar condições para o diálogo com o paciente, de modo a movê-lo suavemente para um discurso espiritual, sem estabelecer controle ou manipulação (24). O enfermeiro deve avaliar a existência de qualquer resistência do paciente na abordagem da temática e não deve realizar qualquer intervenção ou discurso espiritual quando isso não for bem-recebido pelo paciente (23).

Eu quero aguçar no paciente não a minha religião [...]. Eu não tenho que tirar os valores deles [...]. O que eu faço é estimular a religiosidade dele, sem ser a minha religião, para ele atingir talvez a espiritualidade. (E9)

[... ] pacientes falaram para mim que não têm religião. Aí, tenho que respeitar, porque eu acho que se eu trouxesse alguma coisa de religião, a meu ver, eu iria afrontá-los. (E1)

Na presente pesquisa, a necessidade de cuidado espiritual esteve muito relacionada às situações de fragilidade do paciente, as quais são vistas como propícias para a prestação de um cuidado direcionado às necessidades relativas à condição de existência humana, à busca de explicações sobre a natureza da vida, seu significado e terminalidade. O reconhecimento da necessidade de cuidado espiritual e da fragilidade do paciente também esteve atrelado ao setor de atendimento ou nível de atenção em que o paciente se encontrava. Estudos anteriores trazem que situações de fragilidade decorrentes de doença, cirurgia, alta hospitalar, condição de terminalidade, falta de apoio familiar ou outras situações que podem causar medo, insegurança, dor, angústia, sofrimento e carência foram os momentos mais propícios para o profissional prestar um cuidado direcionado à atenção às necessidades espirituais (20, 21, 25, 26).

[... ] na hora que ele entra na cirurgia também, porque é um momento que pode dar tudo certo e pode não dar. Então, assim, é um momento de risco e nesses momentos a gente também aborda o lado espiritual. (E8)

O cuidado físico, você consegue até certo ponto [... ] mas, chega uma hora que não é mais o físico que está importando. (E4)

Lá no CTI [Centro de Terapia Intensiva] era muito evidente, mas pela situação dos pacientes. Aqui, às vezes, a gente escuta em alguma orientação pré-operatória e a gente ouve muito: "ah, mas se Deus quiser as coisas vão melhorar". (E2)

Além de receber influência do contexto em que o enfermeiro e o paciente estão inseridos, o cuidado espiritual também pode ser influenciado pelas peculiaridades do profissional, que incluem valores pessoais e experiências profissionais (24, 27). Os resultados desta pesquisa corroboram com esses estudos, pois, na percepção dos enfermeiros, profissionais religiosos e que creem em Deus têm maior sensibilidade e facilidade para pensar espiritualidade na assistência, perceber essa necessidade e oferecer o cuidado espiritual.

Quando eu ia para trabalhar no CTI, eu ia rezando, pedindo para que Deus me iluminasse, me colocasse no lugar certo para ajudar as pessoas, [...] me fornecesse o que a pessoa precisasse. (E10)

O profissional influencia. Eu sinto que pessoas mais religiosas são pessoas que conseguem passar uma mensagem de conforto, de uma forma melhor [... ] e fazem isso com mais frequência. Tem a particularidade [do profissional], além da vivência, cultura e da própria religião. (E15)

Os discursos mostram que a iniciativa para a abordagem espiritual pode partir tanto do enfermeiro quanto do paciente, e que o enfermeiro, para iniciar a abordagem sobre a espiritualidade, em alguns casos, necessitou de indícios do paciente ou teve que lançar perguntas para fins de sua própria avaliação, de modo a se certificar de que se tratava de um momento adequado para esse enfoque. Isso também foi referido por enfermeiros em outros estudos, embora o paciente também tenha iniciado e conduzido a conversa (24); o enfermeiro atentou-se às expressões faciais e à linguagem corporal dos pacientes e estabeleceu primeiramente um relacionamento com ele, para então abordar a espiritualidade e realizar intervenções (23).

Se eu tiver vontade, eu sempre pergunto se tem religião e eu falo: "vamos acreditar em Deus", mesmo que eu não saiba a religião da pessoa [...] Eu nunca tive receio de perguntar se tinha religião e qual era ela. (E1)

Na maioria das situações, é o paciente quem dá abertura sim. Ele tem que te dar a abertura da crença que ele tem, sobre aquilo que ele acredita, que ele tem apego, para você entrar no mundo dele e conversar com ele. (E4)

[ ... ] eu espero o paciente. Eu tento perceber, por exemplo, tem paciente que no quarto tem uma bíblia do lado, tem alguma coisa. Então eu questiono, pergunto de qual religião ele é, [... ] no que ele acredita, tento conversar nesse sentido. (E11)


Maneiras de prestar o cuidado espiritual

Os enfermeiros citaram as intervenções referentes ao cuidado espiritual mais realizadas na prática clínica, como por exemplo: ter empatia, oferecer apoio religioso, falar de Deus, fazer orações com o paciente, permitir visitas à capela e de pessoas religiosas, oferecer missas e passeios em área de convívio, prestar assistência à família do paciente, além de oferecer a ela informações acerca do estado de saúde do paciente. Esses tipos de cuidado espiritual prestados pelo enfermeiro também foram encontrados em outros estudos, como sendo capazes de promover bem-estar e qualidade de vida, com destaque para dar apoio emocional, propor ambientes mais positivos, dar apoio religioso, falar com um líder da igreja ou assistir a uma cerimônia religiosa e criar vínculos com a família (20, 23, 26). Esses cuidados devem ser oferecidos quando há necessidade de apoio familiar e emocional, falta de perspectiva para o futuro, solidão e depressão (26). Nesse contexto, as necessidades espirituais da família também foram mencionadas e a religião e a espiritualidade foram fontes de conforto importantes para lidar com a experiência de adoecimento de um membro familiar (28).

Eu quero cuidar da pessoa como se alguém cuidasse de mim. (E6)

As situações que eu mais utilizei foram nas situações de sofrimento, mas eu vinculo à família, que está ali vendo seu ente em sofrimento [...] (E15) [...] eu consigo dar um conforto, sempre perguntando: "Você acredita em Deus? Então, vamos rezar, para pedir a Deus que o ajude e a dor vai passar". (E1)

[...] hoje é sábado, então, às seis horas da manhã, geralmente, eu convido todo mundo se quer que eu ligue a televisão na missa do Padre Marcelo. (E12)

[... ] cirurgia que começa a se estender, eu tento passar a informação [para a família] sobre ela: "eu acabei de ir lá, ele está operando, está tudo se mantendo normal [... ] fica tranquilo, qualquer coisa, a gente volta". (E6)

Os enfermeiros também mencionaram outras maneiras de prestar o cuidado espiritual, a partir de conversa e escuta, do toque, como pegar na mão do paciente ou dar-lhe um abraço, das trocas de sentimentos e de energia, de oferecimento de música e de acolhimento. Estas são outras formas de prestar o cuidado espiritual, que, segundo estudos, oportunizam a criação de vínculo, que é fundamental dada a centralidade da conversa para o estabelecimento do cuidado espiritual (24, 26).

Se você entrar no quarto e para para ouvir, para conversar assim uns dez, quinze minutos, para eles já é muito importante. O fato de você parar para ouvir e para conversar. (E12)

[... ] eu acho que tem que ter essa troca, como o toque terapêutico mesmo; muitas vezes você pega na mão do paciente. (E9)

[... ] você tem que criar vínculos com as pessoas independentemente das questões relacionadas, principalmente dentro do ambiente hospitalar. (E16)

O cuidado espiritual, como uma necessidade oriunda da dimensão humana merecedora de atenção profissional, foi destacado pelos enfermeiros e integrou-se no atendimento de todas as necessidades, objetivas, individuais ou socialmente construídas, percebidas na intersubjetividade de cuidadores e pacientes, daí a importância de se construírem espaços para suas manifestações. Esses resultados corroboram com outros estudos (20, 21, 29) que destacam a importância de se reconhecer e promover o cuidado espiritual.

Eu acho que o paciente é um ser biopsicossocioespiritual. Biológico porque é a patologia dele; psicológico porque ele tem os medos e os problemas dele; social porque ele está num contexto social e espiritual, porque ele tem uma religiosidade, um tipo de crença ou no que ele acredita. (E9)

[... ] se a gente não der oportunidade também para os pacientes manifestarem a espiritualidade deles, para gente tentar aumentar e melhorar a qualidade do nosso trabalho, eu acho que a gente não conseguiria cuidar da pessoa. (E1)


Facilidades para prestar o cuidado espiritual

Embora todos os participantes tenham assumido o cuidado espiritual como parte dos atributos da enfermagem, a análise dos dados evidenciou que quatro dos entrevistados compartilharam as facilidades que a profissão de enfermagem tem para oferecer o cuidado espiritual. Dentre as facilidades, o contato próximo com o paciente foi lembrado como favorecedor para a efetivação do cuidado espiritual, assim como a oportunidade obtida durante a visita de enfermagem para fazer a abordagem das questões espirituais.

[...] a gente está sempre em contato e eu acho que facilita essa questão da gente estar percebendo o paciente que precisa e o que não precisa, que está precisando de um cuidado e acompanhamento mais de perto. Então, a enfermagem, ela percebe isso com maior facilidade. (E11)

Apesar de você ter muitas tarefas burocráticas, muita coisa para fazer, é você quem tem aquele momento de contato com o paciente diariamente. Todos os dias você faz a visita [...]. É entre fazer a técnica e conversar com esse paciente [que o cuidado espiritual pode ser oferecido], e acho que isso facilita bastante. (E4)

A proximidade com o paciente é fator importante para o levantamento das necessidades espirituais (30). Percebe-se que esse cuidado, assim como apontado em outro estudo (24), é oferecido associado a outros cuidados de enfermagem.

Dificuldades para prestar o cuidado espiritual

Organização do processo de trabalho e estrutura institucional

Entre as dificuldades apontadas pelos entrevistados, destacouse o dispêndio de tempo necessário para atender à organização do processo de trabalho predominante na instituição e às prioridades estabelecidas na gestão do cuidado, o que prejudicou a atenção às necessidades espirituais do paciente. Nessa dinâmica de trabalho, a falta de tempo monopolizou os discursos que justificaram a não efetivação do cuidado espiritual.

[No centro cirúrgico], às vezes, não dá tempo nem de fazer anotação. Só dá tempo de falar: "Bom dia! Boa tarde!" e fazer as perguntas que tem que fazer: "Tem alergia?" "Toma medicamento?" e só. (E13)

São pequenas coisas [... ] porque, aqui, meu contato com o paciente é muito rápido, quando eu trabalhava na UTI, era diferente. (E5)

A partir dos discursos, observa-se que o trabalho burocrático, técnico e fragmentado com um grande número de tarefas a ser desempenhado por cada profissional prejudicou o olhar para as necessidades espirituais do paciente, o que levou o enfermeiro a estabelecer prioridades no cuidado e hierarquizar as necessidades do paciente. A prioridade nos cuidados realizados pelo profissional está muito relacionada à disponibilidade de tempo para estar com o paciente, o que faz com que o cuidado espiritual não seja considerado (22).

É muitas vezes "tempo". O enfermeiro, principalmente, se acaba ficando a cargo de muitos pacientes e muitas tarefas, acaba se preocupando com as coisas mais burocráticas, com as avaliações dos curativos. É a medicação que tem que ser dada na hora certa e tomar conta daquela quantidade de funcionários [...]. (E4)

Se a gente tivesse um pouco mais de tempo nas orientações com o paciente, isto também permitiria conhecê-lo melhor e, dessa forma, saber quais as crenças dele. (E2)

Não tem esse tipo de trabalho de ir lá para ouvir. Eu acho que é pela questão da correria [...]. Um enfermeiro está com vinte e seis pacientes. (E12)

Esses achados corroboram com o relato de alunos de que enfermeiros, na prática clínica, não fornecem um cuidado integral aos seus pacientes e negligenciam suas necessidades espirituais, ao passo que deveria ser uma obrigação a integralidade do cuidado, que considere as necessidades físicas e espirituais (6).

Alguns dos entrevistados mencionaram a falta de estrutura e ambiente para a prestação do cuidado espiritual, como ausência de capelas ou espaços de oração; além disso, percebe-se que os enfermeiros não veem a espiritualidade como algo separado de crenças e práticas religiosas. Estudos apontam que a estrutura física das instituições de saúde pode favorecer, ou não, as questões espirituais dos usuários do serviço, o que exige organização das instituições para que práticas religiosas possam ser oferecidas e manifestadas (22, 27).

É tão bom ter a capela! Às vezes a família [de um paciente] que vai para o centro cirúrgico, não tem um lugar para eles se voltarem. Eu acho que uma capela é um local de conforto e seria legal. (E6)

[...] A gente aqui, não tem capela, não tem grupo de oração, nenhum culto ecumênico. Eu acho que falta bastante aqui no hospital. (E1)


Falta de conhecimento

A maior dificuldade relatada pelos enfermeiros para realizar o cuidado espiritual esteve relacionada à falta de conhecimento para realizar essa abordagem. É importante que o enfermeiro saiba como conversar para avaliar e apoiar a espiritualidade do paciente (24). Da mesma forma, a religiosidade deve ser melhor explorada para que efetivamente ela esteja presente no atendimento ao paciente (23).

A gente tem muitas limitações ainda, acho que até mesmo pela falta de conhecimento. (E12)

[...] estas coisas não são abordadas na graduação, não são abordadas durante o dia a dia do trabalho. Estas coisas não são motivadas no profissional, não são discutidas entre os colegas, porque religião e fé são "tabus". (E9)

Dez enfermeiros deste estudo mencionaram ter recebido orientação sobre a dimensão espiritual em disciplinas do curso de graduação; entretanto, de maneira pontual e pouco abrangente. Entre aqueles que tiveram alguma abordagem sobre o tema, ela se deu por meio de atividades de pesquisa durante a graduação e em campos de atividade teórico-prática, o que foi valorizado pelos participantes, dadas as contribuições para a formação profissional.

[ ... ] eu acho que lá no curso, quando a gente está aprendendo a fazer técnica, é válido já começar a aprender sobre o cuidado espiritual. Os cursos nem sempre têm essa abordagem; eles dão ênfase para o físico, para a fisiopatologia, ênfase para técnicas, até porque o curso é rápido. (E4)

[... ] eu acho que eu tive um pouco de contato com a religiosidade e a espiritualidade, por causa da minha iniciação científica. Eu trabalhei com o tema da morte, então eu me aproximei mais dessas questões de bioética e de espiritualidade e conseguia levar isso para a prática hospitalar. Também nos estágios, dentro de hospitais [...]. (E1)

Essas observações confirmam a ênfase dos pressupostos teóricos da Enfermagem enquanto disciplina formadora visto que hierarquizam e priorizam as necessidades fisiológicas, ligadas à sobrevivência do indivíduo ou de grupos, frequentemente apresentadas com a conotação de que devem ser satisfeitas primeiramente. A espiritualidade deve ser mais amplamente incluída no ensino de enfermagem e isso também é afirmado por outros autores (6). O enfermeiro precisa ser preparado na sua formação para identificar, diagnosticar e intervir sobre as necessidades espirituais do paciente, o que reitera a importância da integração desses aspectos nos currículos (22, 29).

O enfermeiro lida cotidianamente com o sofrimento, com a finitude da vida e com as vulnerabilidades do indivíduo, o que torna um desafio trabalhar com seres humanos e que exige dele o entendimento de questões acerca da espiritualidade (15). A falta de preparação acadêmica dos enfermeiros para prestarem o cuidado espiritual foi apontada como impactante em suas vidas profissionais, e os enfermeiros reconheceram a importância de incorporar a temática da espiritualidade na estrutura curricular dos cursos de enfermagem.

Eu acho que, na graduação, a gente acaba não tendo esse tema. Eu me formei e eu não tive. Se incluísse na graduação, eu acho que facilitaria a gente a lidar com o paciente. (E13)

[... ] A própria graduação não prepara a gente para isso. Eu acho que é muito impactante a hora em que você entra para a enfermagem e vê tantos sentimentos, tanta coisa. (E9)


Desconforto ao abordar a espiritualidade

Os enfermeiros têm receio da resposta do paciente perante a realização do cuidado espiritual e supõem que ele os vê como incompetentes ou poucos científicos. Esse receio pode ser fundamentado pela origem da enfermagem que era pouco científica e, conforme a literatura (19), permeada por práticas espirituais e religiosas, só ocorrendo a inserção do pensamento científico e da formação em nível universitário mais tardiamente. Dessa forma, a prática do cuidado espiritual pode gerar receios nos profissionais por medo de serem mal-interpretados, incompetentes do ponto de vista científico ou temerosos ao tentarem prestar a assistência espiritual (28).

Às vezes, eu fico até com medo de falar sobre isso, do jeito que os pacientes vão receber. Às vezes, eles enxergam isso como uma fraqueza enquanto profissional. [Eles podem pensar assim:] "Ao invés de acreditar numa série de coisas científicas, você está pedindo a Deus para te ajudar!". (E8)

Além de preocupar-se com a percepção do paciente sobre o cuidado espiritual, há o receio do enfermeiro para com os profissionais que presenciam a efetivação desse cuidado, pois há a apreensão de ser desqualificado ou malvisto pelos colegas da profissão. Assim, a dificuldade de abordar questões espirituais também está relacionada aos aspectos culturais, além de saber lidar com a espiritualidade do outro sem afetar suas próprias crenças. Estudos afirmam que os enfermeiros podem ter desconforto e dificuldade em conversas sobre espiritualidade (24).

Você sabe que prestar, claramente, uma atenção espiritual é até meio "tabu". Depende de como você aborda o paciente, às vezes, a gente não presta esse cuidado. "Será que o colega vai achar que eu estou louca?" " Olha essa daí falando essas coisas para o paciente!". É preconceito. (E6)

[... ] a aceitação da pessoa de que aquilo pode não ser importante para mim, mas é para o outro. Então, se eu estou aqui para fazer o bem para o outro, eu tenho que me submeter a isso e aceitar aquela condição que para o paciente é importante. (E10)

Como foi destacado neste estudo, o contexto em que se manifesta o cuidado interfere na iniciativa do enfermeiro para abordar a espiritualidade, pois se teme o preconceito por parte do paciente e de outros profissionais. Apesar de os resultados evidenciarem dificuldades para a prestação da assistência espiritual, alguns profissionais relataram não tê-las. Estudos mostram que abordar a espiritualidade no local de trabalho é uma decisão individual, pois envolve uma definição do que é espiritualidade e cada um tem uma visão diferente (15), pela natureza subjetiva e abstrata do conceito (6).

Não, eu não tenho dificuldade mesmo, porque eu acho que eu consigo separar bem a minha prática religiosa da minha formação para poder trabalhar. Eu acho que a gente tem que respeitar o lado espiritual. (E1)


Cuidado espiritual: benefícios para o paciente e para o profissional

Entre as justificativas para prestar o cuidado espiritual, os participantes destacaram os benefícios de mão dupla, ou seja, tanto para paciente quanto para o profissional. Para o paciente, esse cuidado resultou em melhor enfretamento da situação, ressignificação da doença, conforto, aceitação, calma, otimismo, força e melhora terapêutica. Estes foram benefícios citados e percebidos pelos participantes por meio do comportamento e de alterações fisiológicas do paciente. Esses resultados também foram encontrados em outros estudos (20, 30); maior aceitação da enfermidade, paz, positividade, segurança, superação e esperança de cura foram outros benefícios para pacientes e suas famílias decorrentes da abordagem da espiritualidade (25).

As pessoas se sentem mais confortadas. Teve algo que as confortaram. Aceita o tratamento de uma forma melhor, esboça até uma face que está mais animada, com esperança. (E15)

[... ] a parte espiritual é importante demais. Você reza e torce pelo tratamento para dar certo, mas o que te mantém de pé é a parte espiritual. O que mantém o familiar de pé, o que mantém o paciente ali naquela confiança de que tudo vai dar certo é outra força, não é aquele tratamento mecânico, nem o banho. (E12)

Se você tem fé, acredita, tem um pensamento positivo, a chance de dar certo é muito maior. Esse pensamento positivo fisiologicamente é importante, o seu sistema imunológico fica mais fortalecido, quando você é mais otimista, quando você é mais alegre, tanto é que a pessoa deprimida é mais susceptível a ter doença. Então, sem dúvida nenhuma, a fé e a espiritualidade contribuem muito para a saúde do paciente. (E8)

[... ] eu já vejo que foi comprovado cientificamente, com questões do sistema imunológico da pessoa. Quando ela tem uma fé e ela tem uma crença na espiritualidade, esta pessoa tem uma recuperação mais rápida. (E14)

Para o paciente, a assistência espiritual permite com que o outro se sinta valorizado e cuidado, o que o leva ao bem-estar espiritual (24), além de contribuir para a busca do significado do adoecimento (31). Por outro lado, para o profissional, sentimento de satisfação pessoal por olhar o outro de forma humanizada e poder ajudá-lo foram também benefícios citados pelos enfermeiros desta pesquisa. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos, por exemplo, que acessar a espiritualidade do paciente permite uma melhor qualidade de vida no trabalho (31), além de ganho pessoal ao realizar o cuidado espiritual (23). Atender às necessidades espirituais dos pacientes gerou emoções positivas nos enfermeiros entrevistados.

[...] eu acho que torna a gente mais humano. (E11)

Eu me sinto mais aliviada por estar fazendo alguma coisa, de uma maneira direta ou indiretamente. (E3)

Eu me senti muito, muito bem depois, porque ela [paciente] parou de chorar. Ela apertou a minha mão bem forte e disse: "Muito obrigada, muito obrigada!". (E9)


Considerações finais

A enfermagem tem usado a palavra necessidade como um conceito, um termo técnico e teórico, com importante papel na teoria e na prática profissional. Como um conceito, necessidade funciona como uma entidade linguística abstrata, apartada da situação do paciente e da enfermagem enquanto uma prática social, isto é, enquanto um trabalho desempenhado em um sistema de saúde constituído por instituições com objetivos e finalidades diferentes. Assumimos, neste estudo, que o cuidado deve atender às necessidades espirituais; contudo, necessidades espirituais não podem ser definidas de forma genérica e abstrata, o que poderia mascarar questões importantes como preconceito, cientificismo e, sobretudo, limitar a autonomia na relação enfermeiro-paciente.

O cuidado de enfermagem deve atender às necessidades espirituais de seus pacientes, tendo em vista a integralidade do ser humano. O estudo permitiu explorar a experiência e a percepção de enfermeiros sobre o cuidado espiritual, e os resultados mostraram que o plano de cuidado de alguns enfermeiros era hierarquizado de acordo com as necessidades do paciente, com prioridade para as necessidades fisiológicas. Apesar da importância dada à dimensão espiritual do paciente e da responsabilidade do enfermeiro no atendimento dessas necessidades, esse cuidado quando aconteceu, na prática clínica, se deu de forma assistemática e muito associada às manifestações religiosas.

A falta de conhecimento para lidar com a espiritualidade no cuidado ao paciente, o desconforto em abordar esses aspectos na prática clínica e a organização do processo de trabalho foram as principais dificuldades citadas pelos enfermeiros. Isso prejudicou a abordagem de questões espirituais, intervenções sobre necessidades identificadas e ainda pode ser um indício para que essa assistência tenha sido negligenciada por alguns enfermeiros.

Características relacionadas à religiosidade dos enfermeiros não foram exploradas neste estudo, bem como os tipos de cuidado espiritual realizados em cada setor de atendimento clínico do paciente e as diferenças de gênero do prestador desse cuidado, o que poderiam ter produzido resultados ainda mais ricos. Apesar da prontidão dos enfermeiros para participar da pesquisa, a operacionalização das entrevistas pelos pesquisadores sem interferir na dinâmica de trabalho da instituição constitui-se na principal dificuldade deste estudo.

Estudos sobre as necessidades espirituais do paciente e de intervenções a serem realizadas pelo enfermeiro são necessários, sobretudo no contexto brasileiro, para guiar a prática assistencial e promover uma melhor compreensão do papel da enfermagem no cuidado integral ao ser humano. Ademais, registra-se a carência de investigações que objetivam explorar sobre a formação dos estudantes de enfermagem acerca da atenção às necessidades espirituais do paciente, com vistas a habilitar os futuros enfermeiros a considerarem o paciente na sua diversidade e integralidade. Da mesma forma, a abordagem da espiritualidade deve ser discutida nos serviços de saúde para que novas práticas sejam (re)elaboradas, o que contribuiria para uma reflexão ampla da espiritualidade e das necessidades a serem incluídas na assistência de enfermagem.



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