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Civilizar Ciencias Sociales y Humanas

Print version ISSN 1657-8953

Civilizar vol.12 no.23 Bogotá July/Dec. 2012

 


A "Corrupção" do Sistema Penal:
o caso brasileiro
*

Ana Paula Repolês Torres**

Francisco de Castilho Prates***

* O presente artigo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa realizada na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais em 1999, com financiamento do CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

** Bacharela e Mestre em Direito (UFMG), Doutora em Filosofia (UFMG), Pós-Doutoranda em Filosofia (UFMG), Pesquisadora do Observatório da Justiça Brasileira, Bolsista da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior).
Correo electrónico anarepoles@yahoo.com.br

*** Bacharel e Mestre em Direito (UFMG), Doutorando em Direito (UFMG), Bolsista da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior).
Correo electrónico: castilho_2011@yahoo.com.br

Recibido: 07 de febrero de 2012 - Revisado: 14 de marzo de 2012 - Aceptado: 20 de agosto de 2012



Resumo

Buscamos, no presente artigo, a partir de uma análise sociológica do direito penal, refletir sobre como a exclusão social influi na própria configuração do crime e do criminoso. A nossa hipótese, baseada na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, é que existe, principalmente nas denominadas "periferias" da modernidade, uma "corrupção" do sistema penal, na medida em que o mesmo opera com distinções que lhe são estranhas, incluindo somente pessoas excluídas dos demais sub-sistemas sociais. Baseamos a pesquisa em dados oficiais sobre o sistema penitenciário e penal brasileiro, dados este que corroboram as impressões derivadas da pesquisa de campo.

Palavras-chave : Comportamento divergente, Exclusão social, Teoria dos Sistemas.



The "corruption" of the Criminal System:
the Brazilian case

Abstract

We seek, in this article, from a sociological analysis of criminal law, to reflect on how social exclusion influences the very configuration of the crime and the criminal. Our hypothesis, based on the Systems Theory of Niklas Luhmann, is that there is, especially in the so-called "periphery" of modernity, a 'corruption' of the criminal system, in that it operates with distinctions that are alien to it, including only people who are excluded from other social sub-systems. We base the research on official data on the Brazilian criminal and penitentiary system, these data corroborating the impressions derived from field research.

Key words : Deviant behavior, Social exclusion, Systems Theory.



La "corrupción" del Sistema Penal:
el caso brasileño

Resumen

Usando la perspectiva sociológica del derecho criminal, el fin del presente artículo es el de señalar la importancia de pensar en la exclusión social que se encuentra en la definición de crimen y criminal. Nuestra hipótesis se basa en la teoría de los sistemas sociales de Luhmann, y es que hay una "corrupción" del sistema de justicia criminal, esto es el resultado de actuar de una manera selectiva, este fenómeno se presenta más que todo en países de la periferia. Nuestro trabajo está basado en datos oficiales del sistema judicial y penitenciario brasilero, lo cual corrobora o confirma nuestras investigaciones de campo.

Palabras clave: comportamiento divergente, Exclusión social, Teoría de Sistemas.



La corruption du système de justice pénale:
Le cas brésilien

Résumé

Dans cet article, nous essayons de réfléchir sur la façon dont l'exclusion sociale affecte la configuration même du crime et du criminel,à partir d'une analyse sociologique du droit pénal. Notre hypothèse, basée sur la théorie des systèmes sociaux de Niklas Luhmann, est qu'il existe, en particulier dans ladénommée « périphérie » des villes développées, une corruption du système de justice pénale, dans la mesure où ilfonctionne avec des distinctions qui lui sont normalement étrangères, en incluant des personnes exclues des autres sous-systèmes sociaux. Nous avons basée la recherche sur des données officielles du système pénitentiaireet pénaldu Brésil, ces données corroborent les impressions issues de la recherche de terrain.

Mots-clés: déviance, exclusion sociale, théorie des systèmes sociaux.


Mantém-se o fato de que o limite entre inclusão e exclusão é um limite fortemente delimitado. As redes de exclusão obscurecem a visibilidade das pessoas; interrompem a comunicação; impedem toda forma de expectativa positiva recíproca. Os excluídos são percebidos como uma massa indistinta, de frente à qual sentese principalmente medo: medo de violência, medo físico não comunicativo. Percebe-se o perigo por si e não o risco de uma expectativa que pode ser frustrada. A humanidade dos excluídos permanece visível nas investigações dos antropólogos, nas fotos ou nas filmadoras de quem vai observá-los de perto. Mas fica uma humanidade que se oferece à percepção, não à comunicação. Os excluídos permanecem excluídos também depois de que se sabe que existem e também depois de haver visto a cara que possuem.

Giancarlo Corsi


Introdução

Muitas são as críticas ao direito penal realizadas ultimamente, chegando algumas teorias a negar qualquer legitimidade a tal sistema. Os abolicionistas, como Louck Hulsman e Jacqueline Bernat de Celis (1993), numa posição radical, mas utópica para a realidade na qual vivemos, chegam a apregoar a necessidade de eliminação do direito penal, acreditando poderem ser os conflitos resolvidos de maneira informal. Os minimalistas, como, por exemplo, Alessandro Baratta (1993) e Eugênio Raul Zaffaroni (1993), negam legitimidade ao sistema penal e, ao mesmo tempo, defendem a continuidade de um direito penal mínimo e garantidor.

Apresentando uma crítica aos abolicionistas, podemos nos lembrar dos movimentos feministas, que veem o direito penal como garantia de direitos historicamente conquistados. De fato, a inserção no direito das aspirações feministas contribuiu para que a máxima "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher" fosse questionada. É a esfera informal que mantém a cultura machista, servindo a inserção da discussão de gênero no sistema jurídico como um instrumento de combate à subordinação da mulher em relação ao homem.

Essa incompatibilidade entre os abolicionistas e os movimentos feministas serve para mostrar os limites dos primeiros, que só enxergam os defeitos do sistema penal, sem atentar para a funcionalidade do mesmo. Os minimalistas conseguem ver a necessidade de existência do direito penal para a garantia de direitos, apesar das disfunções apresentadas pelo mesmo, por isso não incentivam sua extinção, mas também não justificam sua existência.

Cabe, então, pensar o sistema penal brasileiro, cientes dessa disputa entre abolicionistas e minimalistas, disputa esta na qual só poderíamos nos posicionar conhecendo a nossa própria realidade, o modo como opera e é aplicado o direito penal em nosso país. Partindo então de uma análise sociológica do direito penal, buscamos refletir sobre os paradoxos do sistema penal brasileiro, tentando compreender o papel da exclusão social na configuração da criminalidade.


Problema da investigação

A pesquisa teve como objetivo analisar se o sistema penal brasileiro atua de forma seletiva, só incluindo pessoas excluídas dos demais sistemas sociais, o que poderia provocar uma des-diferenciação do sistema jurídico, na medida em o mesmo operaria com códigos que não lhe pertencem, como o da economia, o que poderia acabar por fazer com que ninguém mais acreditasse na normatividade das expectativas generalizadas. Buscamos, portanto, observar a realidade da execução penal brasileira, sempre apontando os paradoxos apresentados pelo sistema jurídico e os meios que este encontrou para lidar com os mesmos.

Partindo da concepção de que o crime é um fenômeno social normal, criado e catalisado pela sociedade, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil, buscamos combater a atribuição do mesmo a uma simples anomalia humana e a aplicação da pena de tal forma que agrida a integridade física e psíquica do indivíduo. Sendo o crime um fenômeno que diz respeito ao sistema social, não podemos atribuir a responsabilidade pela existência do comportamento divergente somente ao homem e afastá-lo da "sociedade" como um "mal" que precisa ser eliminado. Na verdade, na grande maioria das vezes, quem criou possibilidades para a ocorrência deste "mal" foi a sociedade, tendo ela mesma seletivamente o definido como "mal". Portanto, se existe a necessidade de tratamento, este deve ser oferecido não somente ao indivíduo, mas, principalmente, à própria sociedade.

O sistema social não só define o que é o delito, como também o desencadeia através das exclusões sociais, o que ocorre mais provavelmente quando há redes transversais de inclusão corrompendo o código do sistema jurídico. A própria aplicação da pena funciona como fator estigmatizante, gerando um "círculo vicioso da criminalidade". Por outro lado, pretende-se incluir o preso no sistema social afastando-o não só das normas que deveria incorporar, mas também dos vários sub-sistemas sociais, como a família, a educação, a economia etc. A ressocialização, portanto, não é uma questão só do indivíduo, diz também respeito às oportunidades oferecidas ao egresso pela sociedade.

O marco teórico adotado pela pesquisa foi a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, a qual consegue enxergar a auto-implicação cognitiva de toda forma de conhecimento. Parte-se, portanto, do pressuposto de que não é possível que um "sujeito" descreva de forma neutra seu objeto de estudo, haja vista que o observador, quando descreve a sociedade, o faz através da comunicação social, isto é, de dentro da sociedade. Cada observador vê o mundo de uma forma diferente, sendo toda descrição construção do que é descrito. Partindo destes fundamentos, a teoria sistêmica abandona a dupla sujeito/objeto e passa a trabalhar com distinções. Uma distinção é uma forma de duas partes, sendo que quando se indica uma parte, simultaneamente faz-se referência à outra. Quando se diz o que é o direito, ao mesmo tempo revela-se o não direito.

A Teoria do Direito, por ser uma comunicação que tem por base o código direito/não direito, nada mais é do que uma auto-observação do sistema jurídico. Como toda observação é construção de realidades, já que não há uma separação entre objeto de estudo e conhecimento, sendo a descrição do objeto uma afirmação da identidade do mesmo, a Teoria do Direito é um meio para produção do direito. Como a Teoria do Direito realiza as descrições do sistema jurídico a partir do código deste sistema, ou seja, baseada na distinção direito/não-direito, toda comunicação que estabelece serve para reprodução deste código e não para seu questionamento. O paradoxo do sistema jurídico (qual o direito do direito dizer o que é legal e o que não é?) nunca aparece para aqueles que estão reproduzindo este sistema, se ele se tornasse evidente haveria um bloqueio do sistema e este não mais operaria.

O que acontece sempre é que o próprio sistema, para fugir da tautologia (o fato de que só o direito produz direito), recorre a distinções exteriores para fundamentar o seu operar. Essas distinções são as chamadas assimetrias, sendo elas construídas historicamente, como o recurso a Deus ou à Natureza para fundamentar o operar do sistema jurídico. Atualmente o que acontece é a explicação da validade do direito pela sua conformidade com a Constituição, sendo as normas inseridas no sistema jurídico sem qualquer questionamento se elas não forem inconstitucionais. O que nunca é explicitado é que a Constituição revela a autopoiese do sistema jurídico, isto é, o fato do direito se auto-produzir, e também que ela é direito criado, e que, como toda criação, poderia ser diferente. Toda argumentação jurídica, como é realizada dentro do próprio sistema, serve para sua manutenção, diminuindo assim a contingência.

E como a Teoria da Direito, o direito penal como auto-observação do sistema jurídico nada mais faz do que contribuir para sua manutenção, já que não pode ver os "paradoxos" do direito, o que bloquearia as operações do sistema. O que buscamos com este trabalho foi então ampliar a visão sobre o sistema jurídico ao adotarmos um ponto de observação exterior ao mesmo, ou seja, ao utilizarmos as distinções da sociologia jurídica. Ao invés de contribuir para manutenção do sistema jurídico, procuramos evidenciar sua contingencialidade. Desenvolvemos, portanto, uma análise sociológica do sistema jurídico, ou seja, realizamos uma observação de segunda ordem, capaz de enxergar o paradoxo constitutivo do direito.


A contribuição das teorias sociológicas

O estudo das teorias sociológicas de Durkheim e Niklas Luhmann, que exporemos sucintamente a seguir, forneceu-nos argumentos para visualizar o crime como um fenômeno social normal, pois existente em toda sociedade. Em seguida, passamos a analisar a criminologia crítica, vertente sociológica que abandonou a concepção etiológica clássica do delito, a busca por um conceito "ontológico" e pelas causas dos delitos, ao enfatizar o controle social, a atuação do sistema penal na "criação" da criminalidade.

Durkheim define o ato criminoso como aquele que ofende a consciência coletiva e que é reprimido por uma instituição organizada. O delito não ofende a consciência coletiva porque é criminoso, e sim ele é criminoso porque ofende a consciência coletiva. É um fato social normal por estar presente em todo tipo societário.

"Não existe povo cuja moralidade não seja quotidianamente violada. Cabe portanto afirmar que o crime é necessário, que não pode deixar de existir, que as condições fundamentais da organização social, tais quais conhecidas, implicam-no logicamente. Por isso é normal. É inútil invocar aqui as imperfeições inevitáveis da natureza humana e sustentar que o mal, conquanto não possa ser impedido, não deixa de ser o mal: isso é linguagem de pregador e não de cientista. Uma imperfeição necessária não é doença. Do contrário, seria necessário ver a doença em tudo, porque a imperfeição está em toda parte (Durkheim, 1982, p. 290).

O autor não pretende com isso fazer uma apologia ao crime. Apesar de ver o crime como um fenômeno social normal, e de enxergar nele até certa utilidade, lembra-nos que sempre existiram formas de se punir o criminoso. É ressaltado que a presença da criminalidade nas sociedades, desde que não ultrapasse certos níveis, é útil por lançar a semente de uma mudança estrutural.

"A liberdade de pensar que desfrutamos atualmente jamais poderia ter sido proclamada se as regras que a proibiam não tivessem sido violadas antes de serem solenemente abolidas" (Durkheim, 1995, p. 72/73).

O crime, por ofender a consciência comum da sociedade, instiga a solidariedade mecânica, que é aquela derivada do fato das pessoas possuírem crenças e hábitos comuns. Os integrantes da sociedade que está sendo abalada pelo delito unem-se para reprimir tal agressão. Essa união é fictícia, pois é o Estado, como expressão dessa coletividade, que aplicará a pena. A pena teria então como fim primordial a manutenção da coesão social.

O autor também trata da anomia, caracterizando-se esta por ser um desregramento que estaria diretamente ligado à prática de crimes. Somente as normas, coisas exteriores aos indivíduos, podem impor-se sobre as consciências individuais e dominar as paixões. Na medida em que a pessoa aceita a divisão do trabalho social como justa, adere também ao nível de vida que lhe pode proporcionar o trabalho que exerce. Desse modo não irá aspirar mais riquezas e vantagens do que as que com seu trabalho poderá obter. Essa relação entre os bens que a pessoa pode aspirar e o trabalho que exerce se dá através de normas morais. No entanto, quando acontecem bruscas alterações sociais, como uma grande depressão ou um rápido desenvolvimento econômico, essas normas não conseguem se adaptar tão prontamente à nova estrutura social. Por faltar limites, o indivíduo passa a desejar mais do que pode obter, e a constante frustração pode levar ao delito ou ao suicídio, o que vai depender da constituição moral do indivíduo. "Uma pessoa de moralidade medíocre é mais propensa a matar do que a se matar" (Durkheim, 1982, p. 285).

Essa questão da anomia é problemática por ser uma criação hipotética do autor, pois ninguém pode garantir que as pessoas vão considerar como justo o trabalho que exercem e se contentar com o que ele pode lhe proporcionar. Mesmo que a moral pregue essa máxima, provavelmente haverá pessoas que não possuem a mínima formação moral.

Durkheim relaciona o tipo de solidariedade com a estrutura social e afirma ser a solidariedade mecânica típica das sociedades ditas segmentárias. Essas se caracterizariam por aglutinarem grupos semelhantes; cada unidade possui uma homogeneidade e é como se fosse uma família, só que o que une as pessoas é a descendência comum, normalmente de natureza diversa da sanguínea. Constata que a solidariedade mecânica diminui na medida em que se especializam os papéis, dando lugar à solidariedade orgânica, sendo que esta se caracterizaria pela cooperação das funções específicas para harmonia do todo social. A sociedade era inicialmente delimitada por semelhanças morais, depois as limitações passaram a ser territoriais e dia após dia distancia-se da existência de crenças comuns, tornando tal divisão totalmente arbitrária. Os indivíduos passam então a se agrupar não de acordo com sua descendência, mas sim segundo a natureza particular da atividade que exercem.

Como para o autor o direto penal representa a solidariedade mecânica, já que preserva os sentimentos comuns de uma dada sociedade, este tenderia a diminuir na medida em que crescesse a divisão social do trabalho, dando lugar ao direito restitutivo, expressão da solidariedade orgânica. O grande erro de Durkheim foi acreditar que com o progresso haveria cooperação entre as funções sociais e que tais funções não poderiam ser alteradas ou suprimidas para não desequilibrar o organismo social.

"Ao contrário, nos grandes grupos as condições de solidariedade são limitadas e os papéis obrigatórios podem ser substituídos com facilidade, através do mercado de trabalho, de forma a tornar os excluídos deste mercado candidatos ideais para o sistema punitivo" (Zaffaroni, 1996, p. 101).

Vê-se que Durkheim trabalhou com a noção do indivíduo como integrante da sociedade, sendo um típico representante do organicismo. Mas se analisarmos essa questão da divisão do trabalho pela ótica sistêmica, tirando o indivíduo da sociedade, mas atribuindo a especialização aos sistemas funcionalmente diferenciados, veremos que muitas vezes os sistemas, ao invés da cooperação defendida por Durkheim, impedem a execução das demais funções. Isso se deve ao fato de que os sistemas são independentes na consecução de seus fins, possuem operações próprias, e por isso faz-se necessário a atuação do sistema jurídico para tentar harmonizar a relação dos demais sistemas, o que não implica em uma supremacia deste em relação aos demais sub-sistemas sociais. Muitas vezes uma operação do sistema econômico pode por em risco a atividade política ou até mesmo um plano educacional; os sistemas, portanto, não possuem intrinsecamente uma forma de cooperação, muito pelo contrário, na medida em que se especializam, a tendência é se preocuparem com suas funções específicas, independente das repercussões de suas decisões no todo social. É ilusória, portanto, a noção do direito como uma varinha de condão capaz de resolver todos os problemas sociais; ele é somente um dos instrumentos de integração social. Se um determinado sistema muda, isso não quer dizer que haverá um comprometimento do todo social, justamente pelo fato dos sistemas serem independentes.

Todavia, em Durkheim já visualizamos a noção de crime que adotamos a partir da ótica sistêmica, seja por tal autor apontar a utilidade do delito para as mudanças sociais, seja por ressaltar a função da pena como instrumento criado pelo próprio sistema para sua manutenção. Dando continuidade ao trabalho, passamos agora a expor o que é o direito para o marco teórico adotado, a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann.

Os sistemas funcionais são aqueles que possuem um problema que constantemente deve ser resolvido, esse problema Luhmann chama de "função". O direito é um sistema funcional e é, portanto, uma comunicação especializada da sociedade. Por isso, não há como se falar em separação do direito da sociedade. O direito é um evento comunicacional que, ao mesmo tempo em que se auto-produz, está produzindo também sociedade. Ele possui um código específico, direito/não direito, e qualquer decisão que utiliza tal código é direito. É claro que nem toda referência ao sistema jurídico é produção de direito, por exemplo, uma observação exterior feita em um jornal.

"Nestes termos, toda comunicação que faz afirmações legais ou que apresenta uma defesa contra tais afirmações é uma operação interna ao sistema jurídico, mesmo que seja ocasionada por uma disputa entre vizinhos, um acidente de trânsito, uma ação da polícia, ou qualquer outro evento" (Luhmann, 1994, p. 31).

Qualquer auto-reflexão do sistema jurídico, por utilizar seu código específico, nada mais faz do que produzir direito. Por isso realizamos uma análise sociológica do direito, isto é, uma análise exterior ao sistema jurídico capaz de enxergar a contingência do mesmo, coisa que a dogmática não consegue e nunca conseguirá ver, uma vez que assume a perspectiva interna ao sistema. Pela mesma razão não é correto falar em direito alternativo, pois de alternativo este não tem nada. Essa normatividade paralela à ordem jurídica positiva, não contrária a esta, também faz parte do sistema jurídico. Mas, se o direito define-se por uma função, qual é a função do direito? Para respondermos a esta pergunta teremos que explicar como se dá a construção de expectativas na sociedade.

As interações sociais caracterizam-se por serem complexas e contingentes, já que existem sempre mais possibilidades do que se pode realizar e, por outro lado, cada escolha leva em si a possibilidade de ser diferente e a necessidade de se assumir os riscos da decisão tomada. Todas as interações sociais baseiam-se na estrutura de expectativas, em vários planos de reflexividade. Pode haver expectativa sobre o comportamento alheio, quando uma mãe espera que seu filho não cometa um crime; expectativa sobre expectativas, quando o comportamento de "ego" é determinado pela expectativa que ele possui sobre a expectativa que "alter" tem em relação a ele - o que recebe o nome de dupla contingência.

"Sob as condições da dupla contingência, portanto, todo experimentar e todo agir social possui uma dupla relevância: uma ao nível das expectativas imediatas de comportamento, na satisfação ou no desapontamento daquilo que se espera do outro; a outra em termos de avaliação do significado do comportamento próprio em relação à expectativa do outro. Na área de integração entre esses dois planos é que deve ser localizada a função do normativo - e assim também do direito" (Luhmann, 1983, p. 48).

Os sistemas são formados para diminuir a complexidade ao selecionarem e estabilizarem as expectativas generalizadas na sociedade. Na medida em que as regras (que são expectativas contrafáticas) são estabelecidas, as pessoas não precisam mais se preocupar com a definição da expectativa, pois a orientação já está dada pela norma (por si uma expectativa) e quem se posicionar contra esta será considerado o "errado". Não se questiona, portanto, a expectativa contingente normatizada, mas sim o comportamento contrário a tal expectativa.

Cabe aqui fazer a distinção entre expectativas cognitivas e normativas, sendo estes os dois modos de se lidar com a desilusão. As expectativas cognitivas são aquelas que estão dispostas a aprender com a frustração. Se você vai a uma praia esperando que ela seja limpa, bem cuidada, e se decepciona, você pode simplesmente não voltar mais àquele litoral. A ciência se constrói exclusivamente sobre a base de expectativas cognitivas, sendo as teorias constantemente alteradas. As expectativas normativas, por outro lado, são aquelas que permanecem mesmo que sejam frustradas. È o caso do direito, se uma norma é desrespeitada ela não deixa de ser norma, por isso se diz que o direito é uma generalização de expectativas contrafáticas.

Cabe agora dizer que a normalidade do delito defendida por Durkheim também pode ser visualizada por meio da teoria sistêmica, pois se o delito existe em todos os tipos societários, é porque não tem como se definir o direito sem ao mesmo tempo revelar o não-direito.

"Pelo menos para as normas jurídicas, como vimos, é normal assumir um rígido esquematismo binário, no sentido de que todo agir é ou direito ou não-direito. Mas esse esquematismo pode ser temporalizado? Não resulta disto que cada criação do direito importa também na criação do não-direito? Que cada positivação do direito, se a intende como processo temporalcontingente, é também positivação do não-direito? Que quanto mais se produz direito, mais se produz não-direito, com uma progressão proporcional mais ou menos exata?"(Luhmann, 1990, p.91).

Na medida em que o sistema jurídico realiza a distinção direito/não-direito, ele abre possibilidade de escolha entre um dos dois lados da distinção. Essa é uma questão de liberdade, que para a teoria dos sistemas está relacionada com o conhecimento. Já que o que caracteriza a sociedade é a comunicação, o conhecimento das alternativas é o pressuposto da liberdade.

"O paraíso era um lugar propício para se fazer uma experiência deste tipo, e o mundo deve à coragem de uma mulher as conseqüências da violação da norma: capacidade de operar distinção e liberdade. O conhecimento da proibição foi suficiente" (Luhmann, 1998, p. 105).

O crime nada mais revela do que a complexidade social, ou seja, constata que existem mais possibilidades comportamentais do que aquelas "queridas" pelo direito. Falamos em "queridas" porque apesar de pretender que a alternativa legal seja a experimentada na sociedade, o direito ao mesmo tempo em que diz o que é direito, também revela o que não é. Tanto o comportamento divergente quanto o comportamento conforme ao direito fazem parte do sistema jurídico. Ou seja, o delito é integrante da estrutura social.

Com relação à afirmação de Durkheim de que o crime aponta uma possível mudança social podemos afirmar que isto está perfeitamente de acordo com o direito da sociedade moderna. De fato, já ressaltamos que para Luhmann o direito positivo vale porque poderia ser diferente. Se o comportamento divergente é criado pelo direito, não sendo um fato criminoso por si só, e se o direito poderia e poderá ser diferente, nada mais lógico do que afirmar que o que é crime hoje pode não ser mais amanhã. Por outro lado, se se reconhece a contingencialidade do direito atual, como considerar o criminoso um "anormal", se a expectativa que ele frustra poderia não ser considerada delito.

"Da positividade do direito faz parte o fato de que todo direito vigente é visto como seleção entre outras possibilidades e que vale em virtude de tal seleção" (Luhmann, 1990, p. 116).

Não é mera coincidência o fato de terem surgido paralelamente "os fenômenos" da positivação do direito e da diferenciação funcional. O direito positivo é o direito criado, instituído, sendo suprimido por norma posterior que o modifique ou revogue. É a partir da diferenciação funcional, separação entre os sistemas sociais, que o direito como uma ordem imutável e acabada passa a ser questionado. Se o direito não é mais um reflexo da ordem natural ou religiosa absoluta, é uma ordem criada, como toda construção leva em si a possibilidade de ser diferente.

Se levarmos em conta a democracia moderna, como possibilidade de decidir de modo sempre diferente, razão suficiente teremos para questionar a ordem dada e atribuir o comportamento divergente não somente a uma patologia humana, mas muitas vezes a uma escolha pessoal que é possibilitada pela estrutura social e, como veremos adiante, até mesmo catalisada pelas funções e disfunções estruturais da sociedade moderna.

Para completar o instrumental necessário para realizarmos uma análise sociológica do sistema penal, não poderíamos deixar de mencionar a criminologia crítica, a qual abdica de investigar as causas do crime, questionando o sistema penal como um todo. São teorias que abandonam o paradigma etiológico dentro da criminologia e se debruçam sobre os mecanismos de produção e aplicação das normas, bem como sobre a execução penal.

Apresentamos, por todas as outras2, uma vertente da criminologia crítica, o Labelling Approach3, o qual defende que um comportamento não é criminoso por si só, sendo considerado delito somente o ato que é intitulado como tal. A criminalidade, portanto, não existe na natureza, ela é construída através das interações sociais. A essa teoria se aplica perfeitamente o Teorema de Thomas: "If men define situations as real, they are real in their consequences" (Thomas apud Lamnek, 1980, p. 84).

A "teoria do etiquetamento" enfatizou que o processo de criminalização está intimamente vinculado à estratificação social e à correspondente distribuição de poder. As instâncias de controle social (polícia, juízes etc.), não declaram que um comportamento é criminoso, mas sim o criam ao intitulá-lo como tal. O grande problema é que o fazem de maneira seletiva e discriminatória. Qual de nós nunca cometeu um delito? Para tal teoria não somos criminosos, pois o crime não é simplesmente a prática do ato proibido pela lei, é necessária a atuação de órgãos institucionais para intitular um comportamento como criminoso.

Para a criminologia crítica a aplicação da pena não se mostra somente injusta, mas é irracional, pois não diminui a criminalidade, ao contrário, é vista como fator criminógeno. A execução penal, ao agredir fisicamente e moralmente o preso, influi sobre a personalidade do mesmo, impossibilitando o egresso de viver "normalmente", de acordo com os padrões sociais. A estigmatização mostra também seu papel perverso, o egresso passa a se comportar como um eterno criminoso, já que é essa a expectativa que a sociedade tem em relação a ele.

"O condenado assumirá, assim, uma nova imagem de si mesmo e redefinirá sua personalidade em torno do papel de desviado, desencadeando-se a denominada "desviação secundária" (Molina, Gomes, 1997, p. 294).

Apesar dessa teoria ser importante, na medida em que questiona o atual sistema penal, abrindo possibilidades para que alternativas sejam discutidas, ela não trata da criminalização primária, sendo este um tópico relevante que paralelamente também deveria ser analisado.

O que os teóricos do Labbeling Aprouch não conseguem aceitar é a existência de expectativas generalizadas para além das interações sociais4. Eles só enxergam a construção de expectativas nas interações sociais, isto é, nas comunicações cara-a-cara. As interações sociais são um dos tipos de sistemas sociais onde a comunicação se dá entre presentes. Mas como aceitar que as normas sejam estabelecidas no momento de sua aplicação? O "etiquetamento" ocorre antes das "interações sociais", isto é, há toda uma estrutura de expectativas que define o que é crime e o que não é antes da atuação dos órgãos jurisdicionais. É pertinente a afirmação do Labbeling Aprouch de que o crime é definido nas "interações sociais", mas interações aqui entendidas não como sistema de comunicação entre presentes, mas como toda forma de comunicação social.


Conclusões

Passamos agora a apresentar algumas conclusões de nossa pesquisa, às quais chegamos a partir das premissas sociológicas apresentadas acima. Percebemos que a estrutura social sempre legitima determinado tipo de violência, isto é, toda sociedade leva em si uma oculta violência inerente à sua forma de diferenciação social. Violência aqui é entendida em sentido genérico, não só como agressão física ao indivíduo, mas como toda forma de dominação imposta ao mesmo. A estrutura social, como uma generalização de expectativas, sempre deixa de fora pessoas que possuem expectativas diferentes e ao mesmo tempo impõe a estas uma necessidade de adaptação às possibilidades apresentadas pela sociedade.

A violência nas sociedades estratificadas era devido à hierarquização, isto é, havia igualdade dentro dos sistemas e desigualdade no nível vertical. Por não haver separação entre os sistemas, a inclusão em uma determinada família possibilitava a inclusão nos demais sistemas sociais. Quem tinha poder, tinha saber, dinheiro etc, ficando os excluídos alheios a todos os sistemas sociais. É a típica sociedade da Idade Média, sendo que esta ordem hierárquica estabelecida era tida como um dado ontológico, não se questionava as relações de subordinação contra as partes das distinções consideradas inferiores. Como ainda não havia separação entre direito, moral e religião, quem ia contra a ordem moralmente estabelecida, após a decisão de um juiz muitas vezes baseada nas ordálias, era considerado criminoso. Nas sociedades estratificadas havia uma única forma de se enxergar a sociedade, partindo do vértice da hierarquia. O outro lado, os excluídos, era descrito justamente como oposição ao lado dominante.

Nas sociedades funcionalmente diferenciadas, onde há separação entre os sistemas de funções e igualdade entre os mesmos, não há um ponto preferencial de observação da sociedade. Existem, portanto, múltiplas formas de se descrever a sociedade. A ideologia da igualdade aparece com a positivação do direito justamente para marcar a diferença da sociedade moderna das sociedades anteriores, diferenciadas na forma dos estratos sociais. Já dissemos que toda forma de diferenciação societária leva em si um tipo de violência, resta agora saber qual a violência gerada pelas sociedades modernas, funcionalmente diferenciadas.

As Constituições modernas elegeram a igualdade como um princípio fundamental do Estado, na medida em que todos são iguais perante a lei e a lei é igual para todos. Mas a realidade nos mostra que essa ideia da igualdade como inclusão universal não é passível de ser concretizada na sociedade moderna.

"A coexistência dos dois lados do esquema, igualdade e desigualdade, não é vista como um paradoxo, mas é ocultada mediante a fórmula: igualdade formal e desigualdade material, que se torna possível através do recurso ao direito. A igualdade formal é a idéia da razão que se expressa no direito; a desigualdade material é uma condição de fato, determinada por outras condições fáticas que podem ser negadas, isto é, superadas" (De Giorgi, 1996, p. 19).

Normalmente se pretende acabar com a outra parte da igualdade, isto é, a desigualdade. Não é possível, por uma análise lógica, existir a igualdade sem a desigualdade. Ao mesmo tempo em que há inclusão em um sistema, há também exclusão, essa nada mais é do que a outra parte da distinção. Quando se diz o que é direito, o não direito, o que é irrelevante ou contrário ao direito, aparece ao mesmo tempo. Se tudo fosse direito não precisaria do sistema jurídico.

A ideia Iluminista de que todos devem ser incluídos ao mesmo tempo em todos os sistemas sociais não condiz com a forma de diferenciação da sociedade atual. Devido à diferenciação funcional, cada sistema social exclui ao se distinguir, ou seja, a moral, ao dizer o que é bom, também revela o que é mal. A exclusão nada mais revela do que a outra parte da distinção constitutiva dos sistemas sociais. A ideologia da igualdade é aceita na medida em que os sistemas só podem excluir com base em sua própria distinção, isto é, com motivação criada pelo próprio sistema.

A exclusão dos sistemas sociais é uma forma de violência e que pode provocar nas pessoas uma reação também violenta. Isso vai depender de como as pessoas lidarão com a questão da exclusão, algumas podem não se conformar com a racionalidade funcional da sociedade moderna e reagir de forma violenta. Outras podem sentir certo mal estar, mas se confortarem com crenças religiosas. A diferenciação funcional da sociedade moderna é, portanto, catalisadora dos comportamentos divergentes, e não causa direta e única, pois em uma sociedade complexa, vários são os condicionamentos psíquicos e sociais do comportamento divergente.

Se atentarmos para o modo de exclusão presente nas "periferias da modernidade", em que a exclusão de um determinado sistema provoca a exclusão dos demais, maior é a probabilidade de uma reação violenta. O que acontece é a "corrupção" dos códigos dos sistemas, pois ao invés de operarem com suas próprias distinções, os sistemas recorrem aos códigos de outros sistemas. Essas redes transversais de inclusão, que ignoram os códigos específicos dos sistemas, podem levar a uma des-diferenciação da sociedade moderna.

"O direito se corrompe, no sentido que o código do legal e do ilegal é progressivamente "corroído", quando e na medida em que as expectativas normativas deixam de existir, pois não têm mais força para resistir aos fatos. A deslegitimação normativa do direito se produz pelas chamadas redes de inclusão quando, por exemplo, se "aprende" que de nada adianta bater às portas do Judiciário, pois o dinheiro se tornou capaz de comprar decisões jurídicas. Ou quando se estabelece que normas constitucionais por si só não são direitos, pois são dependentes de uma regulamentação que pode vir a não ser feita" (Magalhães, 1997, p. 6).

O operar seletivo dos sistemas penais, levantado pelos teóricos do Labbelling Aprouch, revelam nada mais do que a corrupção do código do sistema jurídico. O fator econômico não poderia influenciar na criminalização, mas o que ocorre é que o direito só inclui no sistema penitenciário pessoas excluídas dos demais sistemas sociais, principalmente do sistema econômico. Uma questão que normalmente não é questionada é a existência de prisão especial para as pessoas com curso superior. Qual a importância da escolaridade para o sistema jurídico? Se um crime foi cometido, a pena prevista deve ser aplicada independente da pessoa do autor. Este privilégio está baseado em uma distinção exterior ao código do direito. A diferenciação se dá não por causa da gravidade do crime ou da periculosidade do transgressor, mas pelo simples fato dele ter sido incluído no sistema educacional. O fato de uma pessoa ter sido "privilegiada" na sociedade, já que tinha acesso ao sistema educacional, não poderia ocasionar um privilégio no sistema penal.

Um paradoxo apresentado pelo sistema penitenciário é a pretensão de promover a inclusão do criminoso, através da exclusão do convívio social. Se se pretende fazer com que os criminosos sejam ressocializados, isto é, que incorporem as expectativas generalizadas na sociedade, é ilógico pensar em afastá-los da mesma. Deveria haver um reconhecimento da responsabilidade social pela existência do delito. Por outro lado, se ao criminoso sempre for dirigidas expectativas negativas, é possível que ele acredite nisso e aja de acordo com essa expectativa que a sociedade tem em relação a ele.

O que vemos é que a alta taxa de reincidência nada mais revela que a precariedade do atual sistema penal, ao funcionar a prisão como "escola" do crime, gerando o que os teóricos do Labbelling Aprouch denominam "criminalização secundária". E além de mostrar a falência do atual sistema prisional, a reincidência revela também as dificuldades apresentadas pelo egresso de adaptar-se à sociedade, sendo que tal fato se deve não só ao sistema penal que não conseguiu ressocializá-lo, mas à estigmatização social dirigida ao ex-criminoso.

Depois da apresentação da discussão teórica, apresentamos agora alguns dados do sistema penal brasileiro, os quais foram analisados a partir dos conceitos que reconstruímos. Utilizamos dados de pesquisas publicadas por não ter sido possível uma pesquisa de campo mais abrangente, pela inviabilidade de se realizar uma ampla pesquisa de campo no curto espaço de tempo do programa de iniciação científica5. De toda forma, serão relatadas no decorrer do texto as impressões das visitas realizadas nos estabelecimentos de execução penal.

Conforme discutimos anteriormente, a exclusão é a outra parte de toda distinção. Não tem como se falar em direito sem ao mesmo tempo revelar o não direito, por isso o crime é um fenômeno presente em todas as sociedades e a eliminação por completo da criminalidade é algo impossível. A exclusão é a outra parte da distinção constitutiva dos sistemas sociais, podendo provocar nas pessoas que não aceitam esse operar cego dos sistemas - cego porque o sistema ao distinguir não enxerga a outra parte da distinção, aquela que ficou excluída - uma reação violenta. Não defendemos um determinismo sociológico, as pessoas reagirão de diversos modos ao se depararem com a exclusão, só ressaltamos ser a exclusão um fator catalisador dos comportamentos divergentes. Como não dá para se fazer uma correlação direta da exclusão de um determinado sistema social com o comportamento divergente, o que nos resta são as vias indiretas, como a fala de uma delegada de mulheres entrevistada e que disse que "a delegacia fica lotada em época de depressão econômica". É claro que a violência doméstica não está somente atrelada à questão econômica, há por trás vários condicionamentos como a cultural subordinação da mulher em relação ao homem, funcionando a exclusão do sistema econômico como catalisador da violência.

Essa relação do sistema econômico com a criminalidade é também apresentada pelos altos índices dos crimes contra o patrimônio, sendo dentre os mais praticados: roubo(33%), furto(18%), homicídio(17%), tráfico de drogas(10%), lesão corporal(3%), estupro(3%), estelionato(2%), atentado violento ao pudor(2%), extorsão(1%), dados estes de 19946. Ocorre que, de acordo com o Mapa das Ocorrências Registradas pelas Polícias Civis, de janeiro de 2004 a dezembro de 2005, realizado pelo Ministério da Justiça, os crimes contra o patrimônio continuam sendo os mais praticados no território brasileiro7. E essa realidade não se restringe ao Brasil, espalhando-se pelos demais países da América Latina, conforme constatou pesquisa realizado pelo Crisp - Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, divulgada em 2001.

"Indivíduos que andam pelas ruas dos grandes centros urbanos e são assaltados talvez sejam a expressão mais comum do fenômeno da violência urbana. No Peru, este é o caso de 62% das ocorrências, segundo relatos dos entrevistados em um survey de vitimização (Apoyo, 1999). Em São Salvador, dados de pesquisa indicam que quase 20% da população foi vítima de roubo à mão armada durante o último ano, sendo os crimes contra a propriedade o tipo de delito mais freqüente. Segundo pesquisa de vitimização realizada no Rio de Janeiro e em São Paulo, essa proporção é de 52% (Piquet, 2000). Na Cidade do México, os assaltos à mão armada são o principal tipo de crime cometido, alcançando o total de 70.000 ocorrências anuais em 1996. O dado importante, no caso mexicano, é que os relatos de assaltos com violência cresceram de 32% a 50% do total de crimes reportados (MHF, 1999). Segundo registros da Polícia Militar em Belo Horizonte, os delitos contra o patrimônio têm tido um crescimento vertiginoso, com taxas de incremento de 50 a 60% ao ano a partir de 1996 (CRISP, 2001)" (Crisp, 2001, p. 11).

Se considerarmos a corrupção do sistema penitenciário, que ao invés de usar a distinção direito/não direito, opera com distinções exteriores que para tal sistema deveriam ser irrelevantes, como a cor, o dinheiro, nem precisaremos de muitos dados para comprovar o exposto, ela está tão presente em nossa sociedade que já faz parte do senso comum. Basta dizer que 95% dos presos são pobres e dois terços não completaram o primeiro grau, cerca de 12%, dados estes divulgados em 1994 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos8. Ressalte-se que, de acordo com os dados consolidados do Sistema Penitenciário no Brasil, divulgados pelo Ministério da Justiça em 2008, a grande maioria da população carcerária brasileira continua possuindo baixa escolaridade, mais especificamente, possui ensino fundamental incompleto9.

Após refletirmos um pouco sobre a desviação primária, tendo como pano de fundo a exclusão social, analisaremos a desviação secundária apresentada pelos teóricos do Labbeling Aprouch, isto é, procuraremos evidenciar de que forma o sistema penitenciário atua como fator criminógeno.

"As identidades social e pessoal são parte, antes de mais nada, dos interesses e definições de outras pessoas em relação ao indivíduo cuja identidade está em questão" (Goffman, 1988, p. 116).

Ao trabalhar com o conceito de estigma, Goffman atribui importante papel às expectativas sociais para construção da identidade social e pessoal do estigmatizado. Ao contrariar uma norma, a sociedade atribui uma série de imperfeições ao criminoso a partir de uma imperfeição original, a violação da expectativa normativa, e passa a construir uma identidade social para aquela pessoa. Por ter cometido um erro, existirá uma expectativa de que todos os seus comportamentos sejam "anormais", e qualquer atitude "normal" do estigmatizado será vista não como um comportamento "normal", mas sim como um fato extraordinário. Cabe ilustrar com uma citação feita por Goffman de um depoimento de um preso:

"Sabe, é realmente impressionante que você leia livros como este, estou surpreso. Pensei que você lesse novelas em brochura, coisas com capas sensacionalistas, livros assim. E aí está você, com Claudie Cockburn, Hugh Klare, Simone de Beauvoir e Lawrence Durrell!"

Ele não achava que esta observação era um insulto: na verdade acho que pensava que estava sendo honesto ao me dizer o quanto ele estava enganado. E é exatamente este tipo de condescendência que se recebe de pessoas honestas quando se é um criminoso. 'Imagine só!', dizem elas. 'Em certos aspectos você é igual a um ser humano!' Não estou brincando, me dá vontade de acabar com elas" (Parker, Allerton apud Goffman, 1988, p. 24).

Essa expectativa social em relação ao estigmatizado tem grande influência na construção da identidade do "eu". Se uma sociedade acredita que um egresso será sempre criminoso, ele poderá acabar acreditando nisto e, ao incorporar as expectativas que a sociedade tem em relação a ele, comportar-se como um eterno criminoso. Essa questão está ligada às pretensões de ressocialização, todavia, não é somente a falência do sistema penal que gera a reincidência. As próprias expectativas que a sociedade atribui em relação ao egresso têm um peso decisivo na criminalização secundária. Enquanto a sociedade não atribuir outra semântica ao comportamento divergente, enxergando que a construção da identidade social e pessoal tem um papel relevante nesse fenômeno, dificilmente haverá uma diminuição das taxas de criminalidade. Por último, cabe uma indagação: como é que os criminosos irão incorporar as normas sociais, as expectativas normativas generalizadas, estando eles afastados da "sociedade"? Não é mais lógico que eles se identifiquem com os criminosos, com seus iguais, com as pessoas com as quais convivem no dia-a-dia?

Para responder a essas perguntas analisaremos problemas apresentados na atual forma de configuração do sistema penitenciário, tais como a superlotação e a ociosidade.

Apesar da superlotação não ser um problema apresentado pelas penitenciárias do Estado de Minas Gerais, já que de acordo com o Censo Criminológico Estadual só a Penitenciária Industrial Estevão Pinto não apresenta vagas disponíveis10, este é um problema observado nos demais Estados Brasileiros. De acordo com o Censo Penitenciário Nacional, em 1994 o déficit de vagas era de 69.215, já o censo de 1997 revela que o déficit aumentou para 96.010. Em 2008, a situação do Brasil não era diferente, pois de acordo com dados do Ministério da Justiça, Infopen - Departamento Penitenciário Nacional, o Brasil apresentava uma população carcerária de 393.488 em dezembro de 2008, com 296.428 vagas no Sistema Penitenciário, ao passo que em dezembro de 2009 os números eram de uma população carcerária de 417.112, e de 294.684 vagas no sistema penitenciário.

Diversos são os efeitos decorrentes da superlotação, desde um aumento das tensões, fugas e rebeliões, até a dificuldade de implementação de iniciativas ressocializadoras. Kiko Goifman deu o título de seu livro sobre o espaço e o tempo nas prisões de Valetes, que significa "dormir de valetes", isto é, os presos por causa da falta de espaço dormem um ao lado do outro em posição invertida de pernas e cabeça. Outro fato que ele relata é o revezamento, alguns dormem de noite, normalmente os "chefes das celas", enquanto outros dormem de dia. Se os presos não têm nem espaço certo para dormir, é difícil se pensar em privacidade, em um espaço necessário para construção de individualidades.

"O espaço da cela, para o qual muitos presos levam objetos procurando transformá-lo de certo modo em "espaço da casa", torna-se em instantes violável ao olhar do outro" (Goifman, 1998, p. 148-149).

Segundo a legislação brasileira, o trabalho é considerado um dever do preso que tem que produzir para se manter e para se recuperar, a própria sociedade acha um absurdo os criminosos não trabalharem e ganharem comida e moradia do Estado, enquanto nas ruas existem várias pessoas "honestas" que não possuem o que comer. Na verdade, já faz parte do senso comum a ideia de que todos os presos são vagabundos e que não gostam e não querem trabalhar. No entanto, quando deparamos com a realidade do sistema penitenciário, o que se evidencia é uma disputa por oportunidades de trabalho, sendo este visto como forma de "matar o tempo" e/ou de ser bem visto perante os funcionários, o que pode fazer com que consigam alguns privilégios ou direitos "garantidos".

"Trabalho porque ajuda a pessoa a cansar. Não precisa ficar com a cabeça parada. Quando preciso sair a direção me ajuda. (Preso do CRN - Centro de Recuperação de Neves)" (Goifman, 1998, p. 107).

Uma relação interessante que nos é apresentada por Kiko Goifman é que, enquanto no lado de fora da penitenciária há uma otimização do tempo, sendo este algo precioso que ninguém pode e quer perder, dentro o que existe é o contrário, uma total perda de tempo, sendo constantes as falas dos presos que evidenciam a consciência desse fato. Cabe ressaltar, todavia, que nem todos os presos querem trabalhar para "matar o tempo" e que o excesso de tempo é propício para se "pensar besteira", tem tempo de sobra para se fazer planos de fuga, rebeliões.

"Tem hora que eu fico assim jogando(...) eu fico passando(...) faço seis montes se sai a muié é porque ela tá pensando em mim, na hora em que ela não tá pensando eu fico nervoso. (Preso da 5 DP de Campinas)" (Goifman, 1998, p. 198).

Ao tratarmos do fechamento do sistema penitenciário o que pretendemos evidenciar é o paradoxo presente na intenção de fazer com que os criminosos incorporem as normas sociais excluindo-os da "sociedade". É claro que no ambiente penitenciário também há sociedade, existe comunicação e estabilização de expectativas normativas, mas essas regras não são as regras da sociedade do lado de fora. Na verdade há sim toda uma normatividade a que os presos estão submetidos, normatividade esta negociada e construída no dia-a-dia.

A falta de contato com a sociedade do lado de fora da penitenciária faz com que se fortaleça a "sociedade dos cativos", terminologia usada por Paixão para designar a sociedade da "malandragem", o "mundo do crime", sendo a adesão a essa sociedade não uma escolha dos presos, mas única alternativa para se sobreviver no ambiente carcerário.

"O "código" proscreve o recurso a autoridades do sistema para resolução de conflitos internos, institucionalizando o uso da força e da violência. Essa "sociedade dentro da sociedade" nasce do isolamento da massa carcerária e constitui meio propício a processo de conversão de internos em uma perspectiva criminosa" (Paixão, 1987, p. 42).

O que se vê nas penitenciárias atuais é que as únicas formas de contato com a sociedade do lado de fora é ou através das visitas e das correspondências, ou através da TV. Kiko Goifmam ressalta que a televisão, além de ser uma forma de "matar o tempo", amplia o espaço ao trazer o mundo de fora para dentro da prisão. É claro que é um mundo bem parcial, mas não deixa de ser uma forma de ampliar os conhecimentos dos presos e de os mesmos "não se perderem no tempo".

Paixão ressalta a influência que tem o regime progressivo sobre a "sociedade dos cativos", ao funcionar o contato com o "lado de lá" como forma de não cristalização dos padrões de sociabilidade desenvolvidos dentro da penitenciária. Mas ao mesmo tempo em que o preso passa a sofrer a influência das normas da sociedade de fora, aumenta também a pressão da "sociedade dos cativos", seja porque estes passam a achar que estão sendo traídos, seja pela pressão feita sobre o preso que conseguiu o benefício, para que traga coisas ilegais do lado de fora para dentro da penitenciária.

"Ao abandonar a tranca, entretanto, o preso aprende a sofrer, ao mesmo tempo, a força de atração e a de pressão da "sociedade dos cativos". Esses processos ambíguos são percebidos com maior clareza em uma unidade onde há segregação espacial entre presos no regime fechado ("intramuros", o "lado de cá") e no regime progressivo ("extramuros", o "lado de lá"). Embora os internos "intramuros" aspirem à mudança para o "lado de lá", transferências individuais evocam suspeitas de "cagoetagem". O interno que se inicia no "lado de lá" é ritualmente classificado, pelo "lado de cá", como renegado da "sociedade dos cativos" que, por alguma forma de aliança espúria com a administração, trocou o "convívio carcerário" pelo "social" (Paixão, 1987, p. 44-45).

Essa ambivalência é experimentada não só pelos presos do "lado de cá", os que não conseguiram o benefício e fazem parte da "sociedade dos cativos", mas é uma contradição sentida pelo próprio preso que adquiriu o direito de convívio com os "normais'. Falo aqui em "normais" porque Goffnan trata dessa ambivalência nos alinhamentos grupais dos estigmatizados:

"Quer mantenha uma aliança íntima com seus iguais ou não, o indivíduo estigmatizado pode mostrar uma ambivalência de identidade quando vê de perto que eles comportam-se de um modo esteriotipado, exibindo de maneira extravagante ou desprezível os atributos negativos que lhes são imputados. Essa visão pode afastá-lo, já que, apesar de tudo, ele apoia as normas da sociedade mais ampla, mas a sua identificação social e psicológica com esses transgressores o mantém unido ao que repele, transformando a repulsa em vergonha e, posteriormente, convertendo a própria vergonha em algo de que se sente envergonhado. Em resumo, ele não pode nem aceitar o seu grupo nem abandoná-lo (Goffman, 1988, p. 118).

Em suma, não tem como a sociedade querer que o preso incorpore as normas sociais se eles não convivem com estas. A ressocialização se dá em sociedade e não depende só do indivíduo, mas também das oportunidades apresentadas aos presos pelo sistema penitenciário e aos egressos pela sociedade.

O que percebemos, portanto, é que a exclusão, além de ser um fator que contribui para a existência do delito, é também um empecilho à ressocialização. Todavia, se com Luhmann aprendemos que não dá para eliminar totalmente a exclusão, sendo esta a outra parte da inclusão, a única alternativa que nos resta é combater as redes transversais de inclusão que "corrompem" os códigos dos sistemas, fazendo com que estes atuem baseando-se em comunicações de outros sistemas.

Se a criminalidade não pode ser eliminada, já que não há como existir direito sem o não-direito, o que podemos fazer é enxergar a dimensão social do delito, visualizando que o direito penal, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil, apresenta-se como uma forma de "dominação", o que nos leva a buscar diminuir a atuação do sistema penal e adotar penas mais amenas e menos estigmatizantes. Mas enquanto a sociedade não reconhecer que o crime é criado socialmente, que possui raízes mais profundas, indo além da pessoa do criminoso, dificilmente conseguiremos falar em segurança pública. A sociedade, ao fazer análises superficiais do delito, dá origem à intolerância para com os criminosos e incita cada vez mais a violência.

Ressalte-se, por fim, que não podemos renunciar, como nos lembra Antônio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes, "a uma análise etiológica do delito (da 'desviação primária') no marco do ordenamento jurídico como referência última" (Molina, Gomes, 2011, p.34-35). Se o controle social é fator relevante na configuração da criminalidade, não podemos ser tão radicais a ponto de reduzir o fenômeno criminal à sua dimensão sociológica, acreditando, assim, que o crime e o criminoso são criados unicamente pela atuação efetiva e seletiva do sistema penal, pois, como está expresso na Constituição da República Federativa do Brasil, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Quando falamos, por sua vez, em normalidade do crime, não estamos a descartar a necessidade da repressão a tais comportamentos divergentes, somente queremos frisar que o que é crime hoje pode não o ser amanhã e que, principalmente, essa escolha pela criminalização e repressão concreta de certas condutas pode estar vinculada a uma violência estrutural da própria sociedade.



Notas

1 O presente artigo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa realizada na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais em 1999, com financiamento do CNPQ -Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

2 Como vertentes da criminologia crítica, podemos citar as teorias do conflito de cunho não-marxista (Taft, Sellin, Cohen, White, Dahrendorf, Simmel, Coser) e as teorias do conflito marxistas (Platt, Takagi, Herman e Julia Schwendinger, Quinney, Chambliss, krisberg).

3 São representantes do Labelling Approach: Goffman, Becker e Lemert.

4 As teorias da interação social "podem inserir-se na teoria das estruturas sistêmicas na medida em que se considere que os processos de interação não podem constituir divergências arbitrariamente, tendo que submeter-se mais ou menos rigorosamente às condições parametrais dos sistemas mais abrangentes, no mínimo porque de outra forma as dificuldades de entendimento nas interações corrente tornar - se - iam demasiadamente grandes."

5 Ressalte-se que a mencionada pesquisa de iniciação científica foi realizada originalmente em 1999, mas buscamos atualizar os dados, os quais simplesmente comprovaram os resultados antes obtidos.

6 Dados retirados do Censo Penitenciário Nacional - 1994 - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

7 A título ilustrativo, podemos apresentar os números de ocorrências registradas, de acordo com o relatório do Ministério da Justiça: Crimes Violentos contra o Patrimônio: 874.046 em 2004, 903.773 em 2005; Roubos: 873.700 em 2004, 903.298 em 2005; Furtos: 2.050.070 em 2004, 2.022.896 em 2005. É interessante comparar com os registros de delitos não patrimoniais, senão vejamos: Crimes Violentos Letais e Intencionais: 40.793 em 2004, 40.974 em 2005; Delitos envolvendo Drogas: 82.288 em 2004, 87.170 em 2005.

8 Dados do Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos - 1994 apud Relatório da Human Rights Watch - "O Brasil atrás das grades", 1999, p. 23.

9 De acordo com os dados do Ministério da Justiça, Infopen - Departamento Penitenciário Nacional, 172.926 presos possuíam ensino fundamental incompleto em 2008; em 2009, o número passa a 178.540. Já com o ensino fundamental completos, tínhamos 49.262 presos em 2008, e 67.381 presos em 2009.

10 O problema em Minas Gerais residia nas cadeias públicas, sendo que 82% da população carcerária, de acordo com o relatório da CPI do cárcere de 1997, encontravam-se nas delegacias do Estado. As cadeias acolhiam, portanto, não só os presos provisórios, mas também os já condenados, que cumpriam pena em regime semiaberto ou fechado. Esse problema ainda se faz presente e se repete nos demais Estados brasileiros, em virtude do déficit de vagas nos estabelecimentos penais, o que pode ser constatado pelo relatório de 2008 do Ministério da Justiça/Infopen - Departamento Penitenciário Nacional, do elevado número de presos nas Secretarias de Segurança Pública dos Estados Brasileiros.


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