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Universitas Psychologica

Print version ISSN 1657-9267

Univ. Psychol. vol.8 no.2 Bogotá May/Aug. 2009

 

Coesão e hierarquia em famílias fisicamente abusivas*

Cohesion and Hierarchy in Physically Abusive Families

 

CLARISA DE ANTONI**
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

MAYCOLN LEONI MARTINS-TEODORO***
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)

SILVIA HELENA-KOLLER****
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

*Artículo de investigación.

**Rua Ramiro Barcelos, 2600/104 , 90035.003, Porto Alegre, RS, Brasil. Correo electrónico: clarissadeantoni@yahoo.com.br

***Programa de Pós-Graduacáo em Psicologia Clínica, Av. Unisinos 950, Cristo Rei, Sáo Leopoldo, RS, Brasil, 90.470-200. Correo electrónico: mteodoro@unisinos.br

**** Rua Ramiro Barcelos, 2600/104 , 90035.003, Porto Alegre, RS, Brasil Correo electrónico: silvia.koller@pq.cnpq.br

Recibido: diciembre 12 de 2008 | Revisado: febrero 4 de 2009 | Aceptado: febrero 17 de 2009


RESUMO

Este estudo investiga coesão (proximidade afetiva) e hierarquia (poder decisório) em 20 famílias com abuso físico parental e de nível socioeconómico baixo. Foi aplicado o Teste do Sistema Familiar - FAST, que avalia coesão e hierarquia pela perspectiva individual (do pai, da mãe e do filho (a) agredido(a)) nas díades pai-filho, mãe-filho, casal e irmãos nas situações típica e conflituosa. Os resultados apontam diferenças significativas nas percepções sobre coesão do pai e da mãe nas díades mãe-filho e pai-filho. Cada um deles considera a díade formada pelo filho e o outro progenitor como menos coesa do que a sua. Em relação à hierarquia, não há diferenças significativas. Além disso, não há diferença significativa entre as situações (típica e conflito), sugerindo que a violência é cotidiana e frequente neste contexto.

Palavras - chaves Família; abuso físico; hierarquia familiar; coesão.

Palavras-chaves o descriptores Violencia familiar - Estudios de casos, Relaciones familiares.


ABSTRACT

This paper investigates cohesion (emotional bonding) and hierarchy (power structure) in families with abuse against their children. Twenty low-income families participated. Father, mother and child's perspective of family relations (cohesion and hierarchy) were evaluated by the Family System Test (FAST). The relationship between father-child, mother-child, couple, and among siblings were evaluated at typical and conflictive situations. Results show a significance regarding to cohesion in typical and conflictive situation for father- child and mother- child dyads in all perspectives (by father, mother, and child). There is no significant differences regarding to hierarchy. These results suggest that the families see the intrafamilial violence as a constant, since they cannot differentiate between both situations.

Key words authors Family; Physical Abuse; Hierarchy; Cohesion.

Key words plus Family Violence - Case Studies, Domestic Relations.


A violência intrafamiliar é um fenómeno relacional e multidirecional, que envolve as ações ou omissões que possam impossibilitar o desenvolvimento pleno e saudável das pessoas que estão envolvidas naquele contexto. Existem diferentes formas de manifestação da violência, como através do abuso físico, do sexual, do emocional, entre outros. O abuso físico é identificado mais facilmente pelas lesões corporais causadas e pela permissividade cultural brasileira. O abuso físico pode ocorrer entre pares no mesmo nível hierárquico (irmãos e conjugal) e em níveis hierárquicos diferentes, como entre pais e filhos (parental) (De Antoni, 2005; De Antoni, Barone & Koller, 2007).

O abuso físico ocorre quando um membro familiar utiliza força física para impor seu desejo sobre o comportamento do outro, ou simplesmente para afirmar seu poder neste sistema. Estas agressões podem provocar lesões ósseas, cutâneas, neurológicas, oculares, entre outras, em relação ao abuso parental, por exemplo, crianças e adolescentes são as maiores vítimas destas agressões e suas consequências são danosas para o seu desenvolvimento físico, psicológico e social (Cecconello, De Antoni & Koller, 2003).

O abuso físico decorre de diversos fatores intra e extrafamiliares. Características pessoais do abusador e do abusado contribuem para a existência de interações entre seus membros marcadas pela hostilidade e rigidez afetiva. No entanto, eventos externos compactuam para esta realidade, tais como as mudanças sociais, que envolvem desempenho de papéis - sobrecarga de atividades e responsabilidades da mulher na criação e sustento do grupo familiar; as dificuldades econômicas, que evidenciam a situação de miséria que leva a falta de qualidade de vida nos países em desenvolvimento; e a precariedade de políticas públicas de segurança e de saúde em nível primário, que impedem a disseminação da violência de um modo geral (De Antoni, 2005, De Antoni, Barone & Koller, 2006; De Antoni et al., 2007; Koller & De Antoni, 2004; Martins & Bucher-Maluschke, 2005).

A definição de família na atualidade leva em conta aspectos distintos, e podem envolver a estrutura e o funcionamento deste grupo. Para autores contemporâneos e pioneiros em estudos sobre família, como Minuchin e Fishman (2003), a família é um grupo natural que, através dos tempos, tem desenvolvido uma determinada estrutura a partir de padrões de organização. Já Walsh (1998) salienta também a existência de um sistema de crenças e de processos de comunicação. Assim, a estrutura familiar é formada por estes aspectos, que definem o funcionamento, a função, os comportamentos e as interações entre seus membros.

Os primeiros estudos sobre estrutura familiar datam da década de 1980 e foram desenvolvidos por pesquisadores, teóricos e clínicos como Minu-chin, Feldman, Gehring, Talmon e Wood, entre outros. A utilização dos construtos como coesão e hierarquia na atualidade tem por base estes estudos. Portanto, neste artigo serão descritos os construtos a partir destas fontes originais, já que as referencias atuais sobre coesão e hierarquia apenas reproduzem o pensamento destes autores.

O sistema familiar diferencia e exerce suas funções através de subsistemas, por exemplo: díade mãe-filho, pai-filho, irmão-irmão, esposo-esposa ou por geração, sexo, interesses, entre outros. Porém, para diferenciar os subsistemas ou determinado membro da família, Minuchin (1990) desenvolveu a idéia de fronteiras, que definem os espaços subjetivos ou território de cada membro. A fronteira é delimitada pela interação ou proximidade interpessoal psicológica e física dos subsistemas. É compreendida como as regras que definem os limites com que os membros da família interagem e diferenciam os papéis das pessoas que formam determinado grupo. A permeabilidade desta fronteira pode ser caracterizada pela troca que existe entre as pessoas, seja material, de informação ou de energia.

Assim, os primeiros estudiosos deste tema foram Wood e Talmon (1983), que conceberam uma divisão deste construto (fronteira) em dois outros, denominados proximidade ou coesão e hierarquia (estrutura de poder). Ambos os construtos são vistos como duas dimensões básicas que descrevem a organização do sistema social ou a estrutura familiar.

A coesão (proximidade emocional) e a hierarquia (estrutura de poder) são vistas como duas dimensões básicas que descrevem a organização do sistema social ou a estrutura familiar (Wood, 1985). Coesão é definida como proximidade afe-tiva, que envolve relações de amizade, união e de pertencimento ao grupo. A coesão está relacionada linearmente com o desenvolvimento saudável e bem-estar psicossocial de crianças, do adolescente e de famílias. O funcionamento familiar adequado é promovido pela relação próxima entre o casal, entre pais e filhos e entre irmãos. Ao contrário, famílias com conflitos frequentemente demonstram baixa coesão entre seus membros e coalizões entre gerações. Coalizão refere-se à união entre dois ou mais membros e pode ocorrer em prol de um obje-tivo ou visando a rebelar-se contra outro membro familiar (Feldman & Gehring, 1988; Gehring, Bragger, Steinebach & Brunischu, 1995).

A hierarquia tem sido definida como uma estrutura de poder, que envolve influência, controle e adaptabilidade. Está relacionada ao controle e poder decisório, seja nos eventos cotidianos, como em situações adversas. O domínio de uma pessoa no sistema familiar tem sido relatado como uma habilidade de mudar papéis e regras no grupo. O exercício de poder é adaptativo, quando auxilia a manter o equilíbrio no sistema familiar. O funcionamento familiar saudável tem sido identificado por dois aspectos em relação à hierarquia: o relacionamento do casal de forma igualitária (equilíbrio de poder) e os pais tendo mais poder e influência do que seus filhos, mas com certo grau de flexibilidade, frente a mudanças, no desempenho de papéis e nas regras existentes (Feldman & Gehring, 1988; Gehring & Marti, 1993a; Wood & Talmon, 1983). Por outro lado, quando a estruturação de poder não está funcional, as famílias podem apresentar inversão hierárquica. Esta ocorre quando uma criança desempenha o papel parental em relação aos seus pais, seja por criação ou controle, isto é, um dos filhos - criança ou adolescente, apresenta comportamentos relacionados ao cuidado e proteção ou de definição de regras e limites, usualmente com poder coercivo, na família.

Famílias que estão sujeitas a eventos estressores podem demonstrar inversão hierárquica, desigualdade na relação de poder entre os pais e coalizões, e estes fatores podem levar ao colapso no funcionamento da família (Gehring & Marti, 1993a; Wood & Talmon, 1983). Para Minuchin (1990; Minuchin & Fishman, 2003), não existe família que não tenha problemas. No entanto, a família funcional consegue ter fronteiras semipermeáveis que permitem aos seus membros se sentirem pertencentes ao grupo, ao mesmo tempo em que desenvolvem sua autonomia, mesmo na presença de eventos estressores.

Nas abordagens sistêmicas os subsistemas na mesma geração (casal ou irmãos) são representados como mais coesivos e menos hierárquicos do que os subsistemas formados por familiares de duas gerações (pais-filhos e avós-netos). A representação familiar também varia dependendo da situação descrita, por exemplo: durante o conflito familiar aparecem representações demonstrando menos coesão e mais coalizões através das gerações, como também a inversão hierárquica. As representações em grupo ou individuais em situações familiares típicas demonstram que a coesão baixa e relacionamentos altamente hierárquicos corre-lacionam-se com estilo parental autoritário ou comportamento agressivo da criança (Feldman & Gehring, 1988).

Duas formas de representação da família podem ser alvo de análise: a típica (cotidiana) e a conflituosa. Representação é definida como as interpretações, percepções e abstrações da estrutura das relações familiares que constituem a realidade subjetiva individual. Cada membro familiar provavelmente possui uma visão diferente da sua família, com base em sua idade, experiência e personalidade. A representação típica envolve as situações cotidianas, isto é, como as pessoas interagem no seu dia-a-dia e as situações de conflito referem-se como agem frente a discordâncias, brigas e desavenças.

Na pesquisa de Feldman e Gehring (1988) com adolescentes, a família típica foi representada com coesão alta e menor diferença hierárquica na díade mãe-pai. Os autores também afirmam que a mudança na percepção de crianças em relação à coesão e à hierarquia quando se tornam adolescentes é relativamente pequena. O estudo realizado por De Antoni, Barone, Irigaray e Koller (2002), também com adolescentes, revelou coesão média entre os familiares e a mãe tendo mais influência e poder decisório do que o pai na situação cotidiana. Na pesquisa de Gehring, Marti e Sidler (1994), os membros familiares, em geral, representaram a situação típica com uma estrutura equilibrada. Os pais apresentaram maior probabilidade de representar a família como equilibrada do que as mães que, por sua vez, representaram as relações cotidianas familiares com uma estrutura desequilibrada. Os autores descrevem que este dado poderia sugerir certo grau de insatisfação das mães com suas famílias, provavelmente pelo convívio mais constante nos lares e, assim, com os problemas e preocupações que existem neste contexto.

Para Gehring, Funk e Schneider (1989), a percepção das crianças sobre a estrutura familiar frente a situações de conflito não está relacionada à idade, pois este fato apareceu nas diferentes faixas etárias pesquisadas. De Antoni et al. (2002) observaram que a mãe foi representada com alta hierarquia; o pai, com média e o adolescente, com baixo poder decisório nas situações de conflito. Estas situações, em sua maioria, ocorrem em função das desavenças entre os membros familiares, principalmente pela disputa entre irmãos, seja por objetos ou por atenção dos pais. Portanto, a mãe tem presença decisória na resolução dos conflitos entre familiares. De acordo com a pesquisa de Gehring, Marti e Sidler (1994), as representações sobre situações de conflito foram caracterizadas pela estrutura familiar desequilibrada. Os filhos tendem a mostrar a família como mais desequilibrada do que seus pais.

Este estudo verifica como os membros das famílias com história de abuso físico parental representam a coesão e a hierarquia em seus microssistemas familiares. Estas estruturas são analisadas através da perspectiva do pai, da mãe e do filho em suas interações entre as díades: pai-filho, mãe-filho, esposo-esposa e irmão-irmão em duas situações: a típica (cotidiana) e frente a situações de conflito (brigas e desavenças).

Este pesquisa faz parte de um dos três estudos realizados para obtenção do grau de doutorado da primeira autora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, cuja linha de pesquisa está relacionada a crianças, adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade psicossocial sob orientação da terceira autora. O segundo autor orientou sobre o instrumento e as análises estatísticas. Esta pesquisa recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação, Brasil.

Método

Participantes

Participaram deste estudo 20 famílias, perfazendo um total de 57 participantes, sendo 20 mães, 17 pais e 20 filhos. Estas famílias vivem em situação de pobreza e são residentes em favelas na cidade de Porto Alegre, no extremo sul do Brasil. São famílias constituídas pela presença do pai, mãe e filhos advindos desta ou de outras relações anteriores. 90% das famílias são formadas por casais com mais de seis anos de união e possuem de 3 a 4 filhos (50%). A idade dos filhos respondentes está no intervalo de 6 a 12 anos, sendo os mesmos considerados como crianças. Todas as famílias apresentaram abuso físico parental, com episódios de surras ou espancamento aos filhos. Algumas destas famílias estavam em processo de avaliação psicossocial pela denuncia a órgãos competentes, como ao Conselho Tutelar, que é um órgão permanente e autônomo, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes conforme Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069 de 13 de agosto de 1990, art. 131; outras, com atendimento social em uma organização não-governamental ou na escola.

Portanto, as famílias foram indicadas pelas equipes técnicas de três locais diferentes: um hospital referência no atendimento a crianças, adolescentes e famílias abusivas, uma Organização Não-Gover-namental (ONG), que atende famílias em situação de vulnerabilidade social e uma escola estadual de ensino fundamental. A presença de abuso físico pôde ser detectada e confirmada pela existência de denúncia no Conselho Tutelar, além da afirmativa dos profissionais que formam a equipe técnica das organizações ou professores da escola e pela informação dos familiares constatada durante a entrevista. Nenhuma família estava recebendo orientação ou auxilio/ tratamento psicológico.

O agressor nestas famílias era o pai ou a mãe, ou ambos. Neste estudo, em relação às análises das díades, não houve discriminação entre o progenitor agressor do não-agressor. Em relação ao filho respondente, foi identificado aquele que mais sofreu violência física no contexto familiar.

Esta pesquisa seguiu as determinações legais para pesquisa com seres humanos da Resolução n°196/96 do Ministério da Saúde do Brasil de 1996 e com consentimento livre e esclarecido de todos os pesquisados conforme Resolução n° 016/2000 de 20 de dezembro de 2000 do Conselho Federal de Psicologia do Brasil.

Instrumento

Foi utilizado o Teste do Sistema Familiar - FAST (Gehring, 1998), que avalia a coesão e a hierarquia através da representação de seus membros. O FAST é um teste desenvolvido para avaliar estes construtos em famílias (grupo) e em seus subsistemas (membros e díades).

O FAST é constituído por um tabuleiro monocromático dividido em 81 quadrados (5cm x 5cm) e peças confeccionadas em madeira representando figuras masculinas e femininas (8 cm) e blocos cilíndricos com três diferentes alturas (1,5 cm; 3 cm; 4,5 cm). O instrumento é acompanhado por uma folha de registro, na qual o aplicador anota as respostas fornecidas.

A coesão é verificada através da proximidade das peças, isto é, quanto mais próximas estão colocadas entre si, mais alta é coesão. O distanciamento entre elas significa baixa coesão. Para investigar a hierarquia, as peças são elevadas com blocos. As diferentes posições verticais expressam diferenças na hierarquia. Quanto mais elevada estiver a peça, maior será sua hierarquia, isto é, seu poder decisório no sistema familiar.

O rapport sobre a coesão envolve as perguntas: "Quem é mais próximo afetivamente?", "Quemse dá bem?", "Quem é mais amigo de quem?". Na hierarquia envolveu as questões: "Quem manda mais na família?", "Quem tem maior influência nas decisões"? "Quem toma as decisões"? De acordo com as representações, são realizadas questões de investigação qualitativa, como: - "Por que você colocou seu pai ao lado do seu irmão?". Especificamente, na representação da situação de conflito, são investigados as díades envolvidas, os motivos, o tipo e a frequência.

O escore da coesão é calculado pela distância entre as peças posicionadas no tabuleiro, através do Teorema de Pitágoras subtraído de 12. Os escores variam de 0,7 a 11, sendo 11 o valor máximo de proximidade entre as peças, que significa alta coesão. O escore da hierarquia é calculado pela diferenças entre as alturas dos blocos colocados sob as peças, realizado através da subtração dos valores. Neste estudo, os escores variaram de 0 a 3, sendo que zero significa não haver diferença na hierarquia entre as díades.

Para realizar as análises, foram selecionadas as respostas das mães, dos pais e de um dos filhos. O filho incluído neste estudo foi mencionado pelo sistema familiar e identificado pela equipe de pesquisa como alvo mais frequente de abuso físico intrafamiliar. Nas análises foram consideradas as respostas de acordo com as perspectivas individuais sobre coesão e hierarquia nas díades: pai-filho (filho respondente), mãe-filho (filho respondente), esposo-esposa e irmão-irmão (filho respondente e irmão mais velho ou o mais próximo de idade, quando o respondente é o mais velho).

Os resultados da coesão e da hierarquia são apresentados em três partes. A primeira realiza a comparação entre díades (pai-filho, mãe-filho, esposo-esposa e irmão-irmão) na perspectiva individual (pai, mãe, filho). A segunda realiza a comparação entre situações (típica e a de conflito) na perspectiva individual (pai, mãe, filho). A terceira parte realiza a comparação entre perspectivas (pai, mãe, filho) sobre a díade pai-filho e mãe-filho na situação típica e de conflito.

Para comparar a coesão e a hierarquia entre as díades foram utilizados testes não-paramétricos para distribuição não normal, avaliadas pelo Teste Kolmogorov-Smirnov. O FAST, historicamente, não apresenta distribuição normal, pois geralmente as pessoas representam as díades com alta coesão nas situações típica (Feldman & Gehring, 1988). As análises sobre as díades entre as diferentes perspectivas, assim como em cada perspectiva, foram feitas através de testes para medidas repetidas e de comparações entre variáveis (Teste Friedman e Teste Wilcoxon). A seleção deste tipo de teste estatístico se deu em decorrência da semelhança no padrão de respostas entre membros da mesma família, o que evidenciaria uma dependência dos dados coletados (Cook, 1998).

Resultados e Discussão

A seguir são apresentados e discutidos os resultados relacionados à média da coesão e da hierarquia na situação típica e de conflito entre as díades pai-filho, mãe-filho, esposo-esposa e irmão-irmão, de acordo com a análise: 1) das perspectivas individuais do pai, da mãe, do filho; 2) da comparação entre situações (típica e de conflito) nas perspectivas individuais, e; 3) da comparação entre situação típica e de conflito entre perspectivas individuais.

Análise das Perspectivas Individuais: Coesão e Hierarquia na Situação Típica e de Conflito

Nesta seção são apresentadas as perspectivas individuais (pai, mãe, filho, nesta sequência) em relação à coesão e hierarquia na situação típica e posteriormente na situação de conflito.

Perspectiva do Pai

Os resultados obtidos através do Teste Friedman (n= 16, x2= 9,38, gl = 3, p ≤ 0,05) apontam diferença significativa na visão do pai sobre a coesão entre as díades na situação típica. O Teste Wil-coxon demonstrou que o pai percebeu a coesão da díade mãe-filho significativamente inferior à coesão das díades esposo-esposa (Z= -2,11, p ≤ 0,05), pai-filho (Z= -2,13, p≤ 0,05) e irmão-irmão (Z= -2,27, p≤ 0,05). Este resultado pode estar associado a duas questões: o pai percebe a presença constante da mãe nas rotinas da família e na criação dos filhos. Tal presença pode acarretar desgaste na interação mãe-filho e, portanto, o pai a representa com inferior coesão comparada às demais díades. Além disto, o pai pode possuir uma visão idealista sobre a coesão pai-filho, entre o casal e os irmãos no cotidiano familiar, representando-as com alta coesão. De acordo com Gehring, Marti e Sidler (1994), em família não-clínicas, o pai tende a possuir uma visão idealizada da família, represen-tando-a geralmente com alta coesão na situação típica, justamente por estar menos engajado na criação dos filhos e nos eventos diários e, então, não perceber como realmente estão estabelecidos os vínculos.

A análise da hierarquia na perspectiva do pai na situação típica foi realizada através do Teste Friedman e os resultados apontam diferença significativa (n=16, x2=21,28, gl=3, p≤0,01) na média entre díades da mesma geração [esposo-esposa (M=0,88, DP = 0,78) e irmão-irmão (M = 0,37, DP= 0,80)] comparadas às de gerações diferentes [pai-filho (M=1,76, DP = 0,97) e mãe-filho (M = 1,94, DP= 1,08)]. Estes resultados corroboram os estudos do FAST (Feldman & Gehring, 1988; Gehring & Marti, 1993b; Teodoro, 2005), em que as díades pai-filho e mãe-filho são representadas com maior hierarquia do que nas díades formadas pelo esposo-esposa e irmão-irmão. Em termos de interações familiares é esperado, em famílias não abusivas, que os pais tenham maior influência e controle sobre os comportamentos dos filhos, a fim de orientá-los em seu desenvolvimento (Minuchin, 1990).

Não foi encontrada diferença significativa nas díades em relação à coesão, na situação de conflito, na perspectiva do pai através do Teste Friedman (n =15, x2= 2,19, gl=3, p> 0,05). O pai representa a díade pai-filho e, principalmente, a mãe-filho, na situação de conflito, com coesão semelhante às demais díades. Então, esperava-se que o pai representasse a díade mãe-filho com inferior coesão às demais díades na situação de conflito. Os resultados publicados do FAST mostram que a coesão entre díades tende a ser inferior na situação de conflito, justamente naquelas em que este já está instalado, pois o atrito existente promove a fragilidade do vínculo (Feldman & Gehring, 1988; Gehring & Marti, no prelo). Supõe-se que o pai represente a coesão semelhante entre as díades, de acordo com sua perspectiva sobre as interações, a fim de minimizar a severidade dos atos agressivos e naturalizá-los no sistema familiar.

Foi encontrada diferença significativa no Teste Friedman (n = 14, x2=15,89, gl=3, p<0.01) entre as médias da hierarquia nas díades formadas por gerações diferentes [esposo-esposa ( M=0,08, DP=1,08) e irmão-irmão (M=0,13, DP= 0,51)] comparadas às de gerações diferentes [pai-fil-ho (M=1,73, DP= 1,33) e mãe-filho (M=1,73, DP=1,38)]. No Teste Wilcoxon, a hierarquia na díade irmão-irmão é percebida pelo pai como significativamente inferior às díades mãe-filho ( Z= -2,75, p ≤ 0,01) e pai-filho (Z= -2,77, p ≤ 0,01). Há uma tendência da díade pai-filho possuir maior coesão do que a díade esposo-esposa (Z= -1,9, p = 0,057). Estes resultados corroboram os estudos do FAST (Feldman & Gehring, 1988; Gehring & Marti, 1993a; Teodoro, 2005) com famílias não-abusivas, pois as díades pai-filho e mãe-filho são representadas com maior hierarquia do que nas díades formadas pelo esposo-esposa e irmão-irmão.

Perspectiva da Mãe

Não foi encontrada diferença significativa na média da coesão entre as díades pai-filho, mãe-filho, esposo-esposa e irmão-irmão na perspectiva da mãe na situação típica realizada através do Teste Friedman (n=17, x2= 5,09, gl= 3, p>0,05). No Teste Wilcoxon a coesão na díade irmão-irmão é significativamente superior à díade pai-filho ( Z= -1,96, p=0,05). Talvez a mãe represente a coesão entre irmãos superior em função dos filhos serem crianças (75% têm menos de 11 anos) e compartilharem de experiências semelhantes advindas da convivência nos mesmos ambientes.

Foi encontrada diferença significativa no Teste Friedman (n=17, x2=27,9, gl=3, p ≤ 0,01) na média da hierarquia nas díades formadas pela mesma geração [esposo-esposa (M=1,11, DP=0,99) e irmão-irmão (M=0,17, DP= 0,39)] comparadas à de gerações diferentes [pai-filho ( M=1,82, DP= 1,07) e mãe-filho (M=2,23, DP=0,97)] na situação típica. O Teste Wilcoxon revelou que a díade mãe-filho é percebida pela mãe como significativamente superior às díades esposo-esposa ( Z= -2,26, p≤0,05) e irmão-irmão ( Z= -3,50, p ≤ 0,001). Estes resultados corroboram os estudos do FAST (Feldman & Gehring, 1988; Gehring & Marti, 1993a; Teodoro, 2005) com famílias não-abusivas, pois a díade mãe-filho é representada com maior hierarquia do que nas díades formadas pelo esposo-esposa e irmão-irmão.

A análise da coesão entre díades na situação de conflito aponta diferença significativa na perspectiva da mãe no Teste Friedman (n=16, x2 = 13,9, gl = 3, p0,05). A coesão mãe-filho é significativamente superior à coesão entre pai-filho ( Z= -2,147, p0,05) e do casal (Z= - 2,610, p0,01). A mãe representa, na situação de conflito, a coesão entre irmãos significativamente superior à díade pai-filho (Z= -2,557, p 0,05). Talvez a mãe perceba sua interação com o filho próxima, pelo fato de considerar os filhos aliados no enfren-tamento dos conflitos conjugais. Para Gehring e Marti (no prelo), os pais de famílias não-abusivas superestimam a coesão entre as díades pai-filho e mãe-filho, ao representá-las com alta coesão. Isto pode ocorrer como uma tentativa de justificar seu investimento de tempo e esforço no exercício da parentalidade e pela necessidade de mostrar uma imagem positiva do sistema familiar. A percepção que a mãe possui sobre a coesão entre irmãos ser superior à díade pai-filho pode revelar o aspecto protetivo do sentimento de união entre os irmãos. Este sentimento poderá auxiliá-los a enfrentar as situações abusivas, à medida que estrutura a rede de apoio social e afetiva intrafamiliar. Em contrapartida, a mãe compreende a díade pai-filho como sendo menos coesiva do que a mãe-filho e irmão-irmão. Isto pode significar que a mesma percebe a relação entre pai e filho distante, o que evidencia uma situação de vulnerabilidade do sistema familiar em relação à perpetuação da violência, visto que o pai também pode ser o agressor.

Há diferença significativa na hierarquia entre a díade irmão-irmão e as demais na situação de conflito na perspectiva da mãe, apontada através do Teste Friedman (n =16, x2 = 18,20, gl=3, p 0,01). A média da hierarquia, na perspectiva da mãe, na díade irmão-irmão (M=0,31, DP=0,79) é significativamente inferior às díades pai-filho (M=1,56, DP=1,25), mãe-filho (M=2,12, DP = 1,25) e esposo-esposa (M = 1,68, DP=1,19). Além disso, na díade mãe-filho é significativamente superior às demais. Este resultado revela a crença da mãe sobre seu poder de controle e decisório sobre os filhos na situação conflituosa relacionada, principalmente, à responsabilidade sobre a criação dos mesmos. Então, para obter este controle e exercer a influência, estabelece um distanciamento hierárquico com o filho. Também pode evidenciar que as mães assumem o controle sobre os filhos de forma distinta do pai e, como consequência, há sobrecarga de papéis desta mulher no sistema familiar. As mães trabalham, realizam tarefas domésticas, entre outras atividades, além dos cuidados e educação dos filhos. Além disso, a mãe foi citada pelo grupo familiar como a pessoa que resolve ou finaliza os conflitos. E, isto lhe atribui poder decisório no microssistema.

Gehring e Marti (no prelo) apresentam resultados do FAST com famílias não-abusivas e constatam que na díade esposo-esposa há menos hierarquia do que as díades entre gerações (pai-filho e mãe-filho). Na percepção da mãe na situação de conflito, a hierarquia na díade esposo-esposa é alta.

Perspectiva do Filho

Foi encontrada diferença significativa no Teste Friedman (n=18, x2 = 9,46, gl=3, p0,05), na perspectiva do filho, entre a média da coesão na díade irmão-irmão e nas díades pai-filho, mãe-filho, esposo-esposa, na situação típica. A média da coesão da díade irmão-irmão (M= 10,15, DP =1,66) é significativamente superior às díades pai-fil-ho (M=9,35, DP=1,66), mãe-filho (M=9,95, DP=1,22) e esposo-esposa (M=9,41, DP=2,44). A coesão entre irmãos pode ser compreendida como um fator protetivo nas situações cotidianas, por compartilharem de experiências semelhantes e desenvolverem uma relação de amizade, que auxilia a estruturação de sua rede de apoio social e afetivo intrafamiliar.

A análise da representação hierárquica média do filho mostrou, através do Teste Friedman (n = 18, x2 = 17,8, gl = 3, p0,001), que a díade irmão-irmão (M=0,44, DP=0,61) possui escores significativamente inferior às demais díades e a média da hierarquia na díade mãe-filho ( M=1,77, DP= 1) é significantemente superior a média da coesão na díade esposo-esposa. O filho parece perceber a interação com seus irmãos de forma igualitária. A diferença entre a díade irmão-irmão e as outras díades em relação à hierarquia, denota que o filho se percebe destituído de poder na família, o que pode levá-lo a uma situação e vulnerabilidade em relação à violência intrafamiliar. Parece que o filho não exerce controle nas situações cotidianas sobre os pais, que no caso, são os agressores.

Não foi encontrada diferença significativa entre as díades: pai-filho, mãe-filho, esposo-esposa e irmão-irmão, em relação à coesão na situação típica na perspectiva do filho, obtida através do Teste Friedman (n= 18, %2= 2,7; GL= 3, p>0,05). Do mesmo modo, não foi encontrada nenhuma diferença significativa nestas mesmas díades em relação à hierarquia na situação de conflito na perspectiva do filho, obtida através do Teste Friedman (n=15, X2=6,6; GL= 3, p>0,05).

A perspectiva do filho revela que, na situação de conflito, as díades pai-filho, mãe-filho, esposo-esposa e irmão-irmão apresentam resultados semelhantes sobre a coesão e a hierarquia. Talvez isto ocorra em função do colapso no sistema familiar durante o conflito, que não permite distinguir as fronteiras interpessoais e intergeracionais. Todos estão, de alguma forma, envolvidos no conflito, sejam como vítimas, testemunhas ou agressores.

Comparação entre Situação Típica e de Conflito na Perspectiva Individual

Foram realizadas comparações entre a situação típica e de conflito sobre as médias da coesão e da hierarquia nas díades pai-filho, mãe-filho, esposo-esposa e irmão-irmão na perspectiva do pai, da mãe, do filho, conforme demonstram as Tabelas 1 e 2. Os resultados foram obtidos através do Teste Wilcoxon, que compara a coesão e a hierarquia nas situações típicas e de conflitos. Primeiramente, são apresentados os resultados sobre a coesão e, posteriormente, sobre a hierarquia.

Coesão

A Tabela 1 apresenta as perspectivas individuais relacionadas à coesão representada nas díades pesquisadas, como também realiza a comparação entre a situação típica e a de conflito.

Na perspectiva do pai, há diferença significativa entre a situação típica e de conflito em relação à díade irmão-irmão (Z= -2,49, p0,05). O pai percebe que os irmãos são menos coesos na situação de conflito do que na típica. De acordo estudos publicados sobre o FAST com famílias não-abusivas, a média da coesão na situação de conflito é inferior a encontrada na situação típica, justamente por que o conflito cria um distanciamento emocional entre os membros familiares (Feldman & Gehring,1988; Gehring & Marti, no prelo).

Observa- se que o pai considera a interação mãe-filho menos coesa na situação típica do que as demais díades, além desta ser inferior à situação de conflito. Esta inversão pode estar associada à visão do pai sobre a responsabilidade da mãe em lidar com os eventos cotidianos relacionados aos filhos, como criação e educação, e marcados, muitas vezes, por atritos.

Na perspectiva da mãe, foi encontrada diferença significativa em relação à díade esposo-esposa entre a situação típica e de conflito A coesão na díade esposo-esposa na situação típica é significativamente superior à situação de conflito ( Z= -2,17, p<0.05). Este resultado pode ser justificado pelo alto índice de violência conjugal (presente em 75% das famílias desta pesquisa). Este resultado difere dos estudos publicados com famílias não-abusivas, que relatam que os pais representam a díade marital (esposo-esposa) igualmente coesiva à díade mãe-filho e mais coesiva do que a díade pai-filho (Gehring & Marti, no prelo). Observa-se que a média da coesão na díade mãe-filho e irmão-irmão é alta e semelhante entre si nas duas situações.

Parece que a mãe não faz distinção entre as duas situações (típica e conflito). Este fato pode ser compreendido como um risco para a manutenção da violência. Se não há mudanças na interação diante de duas situações distintas, é provável que os conflitos são também vivenciados na situação típica, ou podem ser amenizados em sua severidade na representação da situação de conflito.

Na perspectiva do filho, não foi encontrada diferença significativa entre as duas situações. Isto pode revelar a presença de comportamentos agressivos no cotidiano familiar e compartilhamentos deste sentimento ou percepção por outros membros, como também evidenciado nas respostas das mães.

Hierarquia

A Tabela 2 apresenta a média e o desvio padrão da hierarquia por díades na situação típica e de conflito na perspectiva do pai, da mãe, do filho. Não foram encontradas diferenças significativas na comparação entre estas duas situações.

Comparação entre Situação Típica e de Conflito entre Perspectivas Individuais

Neste tópico são apresentadas as comparações entre as perspectivas do pai, da mãe, do filho sobre a média da coesão e da hierarquia na díade pai-filho e mãe-filho na situação típica e de conflito. Os resultados entre as diferentes perspectivas do pai, da mãe, do filho foram obtidos através do Teste Wilcoxon. Primeiramente, serão apresentadas as comparações entre perspectivas sobre a díade pai-filho e, posteriormente, sobre a díade mãe-filho.

Na comparação das perspectivas individuais sobre a coesão pai-filho foi encontrada diferença significativa entre as perspectivas do pai, da mãe, do filho sobre a coesão na situação típica e de conflito. Na visão do filho, a coesão na díade pai-filho é significativamente inferior à visão do pai (Z= -2,172, p<0,01). Então, o filho percebe-se mais distante emocionalmente do pai e, este, não percebe sua relação com o filho da mesma forma. Esta discrepância entre as perspectivas revela que o pai valoriza ou idealiza sua relação com o filho ou o filho pode minimizar seu sentimento de intimidade emocional com o pai, pelo fato deste ser agressor em muitas destas famílias.

Na comparação das perspectivas individuais sobre a coesão mãe-filho não foi encontrada diferença significativa entre as perspectivas do pai, da mãe, do filho sobre a coesão na díade mãe-filho na situação típica e de conflito. No entanto, foi encontrada uma tendência do filho em representar a coesão entre mãe-filho inferior à visão da mãe sobre esta díade na situação de conflito (Z = -1,78, p=0,06). Este resultado revela a divergência entre as perspectivas da mãe e do filho. De acordo com Gehring e Marti (no prelo), as crianças de famílias não-abusivas percebem a díade mãe-filho menos coesa do que seus pais, provavelmente por que são alvos constantes dos atritos diários relacionados às exigências impostas pela mãe, isto é, a execução de tarefas domésticas ou escolares, por exemplo. Observa-se que o pai e a mãe representam maior coesão na situação de conflito do que na típica, podendo sugerir uma distorção da visão destes sobre as interações no microssistema familiar ou a formação de coalizões como forma de defesa frente à violência.

Na comparação das perspectivas individuais sobre a hierarquia pai-filho e mãe -filho não foram encontradas diferenças significativas entre as perspectivas sobre as díades pai-filho e mãe-filho.

Conclusão

A importância da coesão no microssistema familiar reside no sentimento de pertencimento e de apoio e evidencia a intimidade emocional entre seus membros. A hierarquia reflete o domínio e a influência dos familiares entre si. Especificamente, neste estudo, a hierarquia é avaliada em termos de seus resultados, isto é, quem toma a decisão sobre os episódios que exigem um posicionamento. Assim, o sistema familiar se reorganiza em função destas decisões. De acordo com Gehring e Marti (no prelo), o pai, a mãe e o filho podem perceber distintamente seus relacionamentos, em função de seus respectivos papéis, experiências e investimento neste microssistema. Geralmente, o pai e a mãe têm similar perspectiva sobre a coesão e a hierarquia. No entanto, neste estudo, foram identificadas diferentes perspectivas entre o pai, a mãe e o filho, e esta diversidade pode revelar a ausência de reciprocidade e de unidade, que caracteriza o bom funcionamento do sistema familiar.

Nota-se que o pai e a mãe divergem em suas percepções em relação às díades parentais nas quais estão envolvidos nas duas situações. Na situação típica, o pai acredita que possui uma relação altamente coesiva com seu filho e atribui à díade mãe-filho uma menor coesão. A mãe, por sua vez, percebe-se mais coesa com o filho do que a díade pai-filho. Parece que ambos os pais necessitam passar uma imagem de proximidade emocional com seus filhos, isto demonstra que acreditam na relação de amizade existente entre o si e sua prole. Esta percepção é um fator de proteção à violência quando existe uma correspondência de sentimentos, como dos filhos perceberem uma coesão alta na díade mãe-filho (neste estudo, embora fosse alta a coesão mãe-filho na percepção do filho, não há diferença significativa com as demais día-des) . Ao mesmo tempo, a mãe e o pai atribuem ao cônjuge o papel de "distante" emocionalmente do filho, por representaram baixa a coesão nestas díades. Esta divergência de percepções pode ser um fator de risco ao promover a manutenção de situações conflituosas no sistema familiar quando: 1) desencadear uma competição ou disputa pelo amor do filho; 2) perceberem-se como protetivos pela proximidade que se atribuem e isto não corresponde à realidade; 3) apesar de perceberem o distanciamento do cônjuge não proporcionarem situações para a integração ou, 4) fomentarem este distanciamento. Além disso, o pai e a mãe não percebem diferenças significativas na coesão entre as díades em que estão envolvidas. Estes podem estar negando sua condição de abusador físico (já que um deles ou ambos são agressores; ou quando não o é, pelo menos tem o papel de testemunha desta agressão), ou minimizar o conflito existente,

tornando o sistema familiar mais vulnerável à perpetuação da violência. A vítima (filho) percebe uma maior coesão entre os irmãos, provavelmente por compartilharem dos mesmos sentimentos de medo e revolta após serem submetidos aos maus tratos ou na iminência destes.

Frente a situações de conflito, as percepções dos diferentes membros sobre a coesão se mantêm semelhantes. A mãe atribui uma alta coesão à día-de mãe-filho e acrescenta a díade formada pelos irmãos (instituição da rede de proteção ou de solidariedade entre eles diante dos maus tratos). O pai e os filhos não percebem diferenças significativas. Este dado pode ser considerado um fator de risco para o sistema familiar por não sentirem acolhidos e protetivos frente à violência, evidenciando o distanciamento emocional existente.

Em relação à hierarquia na situação típica e de conflito, observa-se maior atribuição hierárquica à mãe no sistema familiar. Este resultado difere ao apresentado por Gehring e Marti (no prelo) com pesquisas sobre o FAST em amostra não-clínica, que representam, de um modo geral, o pai com maior poder decisório, talvez como resquício do patriarcado vivenciado na história familiar por muitos séculos. Frente às mudanças sociais ocorridas nas ultimas décadas, novas configurações familiares surgiram e a mulher obteve um papel de destaque na família. Além da criação dos filhos, ela é também responsável pelo provento e sobrevivência de seus membros. Segundo Bronfenbrenner (1979, 1996), o sistema familiar irá favorecer o desenvolvimento pleno de seus integrantes quando haver equilíbrio de poder, isto é, este é alternado em prol da pessoa, como no caso de uma criança que necessita adquirir autonomia ou do casal que define a educação dos filhos conjuntamente. Neste estudo, são evidenciados os papéis de controle e de decisão assumidos pelas mulheres neste microssistema, e muitas vezes, a sobreposição e a sobrecarga destes, já que é assim que elas se percebem. Estes aspectos podem levar a uma supervisão educacional estressante e ao descontrole emocional, fatores que contribuem para o abuso físico parental (De Antoni, 2005). Em contrapartida, uma menor diferença hierárquica na relação pai-filho pode sugerir a omissão ou uma menor contribuição da figura paterna no sistema familiar, reforçando a idéia da centralização de poder em um membro, neste caso a mãe.

A díade formada pelos irmãos apresentou a menor diferença hierárquica, o que reforça a idéia de integração entre eles. A vítima das agressões percebe, além da diferença hierárquica parental, a diferença entre o casal. Provavelmente pelas desavenças conjugais existentes.

O foco deste estudo foi a coesão e a hierarquia na relação parental, no entanto, a violência esteve presente nas interações de todas as díades. A existência do conflito conjugal reflete a substituição do afeto amoroso por agressões verbais e físicas. As crianças que estão expostas a esta violência podem criar modelos de relacionamento baseados nesta forma abusiva de interagir. Assim como, podem reproduzir este modelo parental na próxima geração, reforçando o ciclo de violência. As pesquisas nesta área podem contribuir teoricamente na construção de um conhecimento específico capaz de subsidiar programas de intervenção eficazes, voltados para a prevenção ou a fim de erradicar o abuso físico parental.

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