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Universitas Psychologica

Print version ISSN 1657-9267

Univ. Psychol. vol.9 no.1 Bogotá Jan./Apr. 2010

 

Preditores de sintomas depressivos em crianças e adolescentes institucionalizados*

Predictors of Depressive Symptoms in Children and Adolescents Institutionalized

JOSIANE LIEBERKNECHT WATHER ABAID **

DEBORA DALBOSCO DELL'AGLIO ***

SÌLVIA HELENA KOLLER ****

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

*Este artigo é parte da dissertação de mestrado da primeira autora junto ao programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS. Este estudo teve apoio financeiro da CAPES, FAPERGS e CNPq.

**Programa de Pós-graduação em Psicologia. Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 115. CEP:90035-003-Porto Alegre- RS.josianelieb@yahoo.com.br

**Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade. Rua Ramiro Barcelos, 2600/ sala 115 90035-003 - Porto Alegre, RS - Brasil. Correo electrónico: dalbosco@cpovo.net

**Instituto de Psicologia, Cpg Psicologia do Desenvolvimento. Ramiro Barcelos, 2600/104 Santana 90035-003 - Porto Alegre, RS - Brasil - Caixa-Postal: 9001. Correo electrónico: silvia.koller@pq.cnpq.br

Recibido: noviembre 1 de 2008 | Revisado: marzo 16 de 2009 | Aceptado: septiembre 4 de 2009


RESUMO

Este estudo investigou eventos de vida estressantes, variáveis psicossociais e preditores de sintomas depressivos em crianças e adolescentes institucionalizados. Participaram 127 crianças e adolescentes de 7 a 16 anos que viviam em abrigos de proteção. Foram realizadas duas aplicações longitudinais do IEEIA e do CDI. Não houve diferença significativa no escore do CDI, e na frequência de eventos estressores, ao longo do tempo. A análise de regressão linear múltipla permitiu propor um modelo de variáveis preditoras, que, juntas, explicaram 56.7% da variação nos escores do CDI. A prevenção da ocorrência de eventos relacionados principalmente a conflitos na escola e familiares deve ser enfatizada, bem como a promoção de intervenções junto às familias em situação de maior vulnerabilidade.

Palavras-chave autoras

Sintomas depressivos; eventos de vida estressantes; institucionalização.

Palavras-chave

Depressao, Eventos estressantes, conflitos interpessoais na adolescência, conflitos interpessoais em criancas.


ABSTRACT

This study investigated the stressful life events, psychosocial variables and the predictors of depressive symptoms in 127 participants who were living in shelters. The age range varied from 7 to 16 years old. The CDI and IEEIA were twice administrated. Taking into account the CDI score, the frequency of stressful life events, longitudinal differences were not observed. The multiple linear regression allowed to consider a model of predictors that explain together 56.7% of the differences on the CDI scores. The prevention of events related mainly to conflicts in the school and within families should be emphasized, as well as the promotion of interventions directed to families in situation of biggest vulnerability.

Key words authors

Depressive Symptoms; Stressful Life Events; Institutionalization.

Key words plus

Depression, Stressful Life Events, Interpersonal Conflict in Adolescence, Interpersonal Conflict in Children.


O objetivo deste estudo longitudinal foi investigar eventos de vida estressantes, variáveis psicossociais (número de irmãos, configuração familiar e tempo de institucionalização) e preditores de sintomas depressivos em crianças e adolescentes institucionalizados. O termo depressão foi utilizado para indicar a presença de sintomas depressivos em qualquer nivel em crianças e adolescentes, conforme detectado pelo Inventãrio de Depressão Infantil (CDI; Gouveia, Barbosa, Almeida & Gaião, 1995; Kovacs, 19S3, 19S5, 2003). Identificar os fatores de risco preditores de psicopatologia na infancia e adolescência, assim como desenvolver formas eficazes de intervir precocemente nestas situaç6es, têm sido alvo de pesquisadores sobre saúde mental (Birmaher et al., 2007; Dell'Aglio & Hutz, 2004; Masten, 2006). Entre as psicopatologias mais fre-qüentes na infancia e adolescência destacase a depressão (Emslie et al., 2004; Zavaschi, Satler, Poester, Vargas, Piazenski, Rohde & Eizirik, 2002). Apesar de difícil detecção, a hipótese de depressão nestas faixas etárias tem sido cada vez mais considerada em diagnósticos clínicos (Hamilton & Bridge, 2006; Reppold & Hutz, 2003). Com relação a episódios depressivos que necessitaram internação, Emslie, Rush, Weinberg e Gullion (l997) verificaram que 47,2% das crianças e adolescentes internados com quadro de depressão maior apresentaram o retorno dos sintomas até um ano após a alta e 69,2% nos dois anos seguintes. Esses percentuais caracterizam, segundo os autores, episódios tão ou mais numerosos que os dos adultos.

A complexidade do surgimento da depressão reside, sobretudo, na origem múltipla, de ordem biológica, social e emocional (Bahls, l999). Em crianças e adolescentes a depressão é caracterizada por sintomas típicos como tristeza, baixa autoestima, fadiga e problemas do sono e da alimentação, além dos atípicos, tais como irritabilidade, agressividade ou tédio (Cole et al., 2002; Marcelli, 199S). Tais sintomas podem mascarar um transtorno depressivo maior, propriamente dito, ou mesmo outros quadros de Eixos I e III (Transtornos Clínicos e Condiç6es Médicas Gerais, respectivamente), conforme o Modelo Multiaxial de Avaliação proposto no DSM-IV-TR (APA, 2000/2002), que prejudicam o desenvolvimento pleno desses jovens (Bahls, 2002). A detecção precoce e prevenção dos sintomas podem evitar danos neuronais e psicossociais, além de reduzir as chances de que crianças e adolescentes desenvolvam outras patologias mais graves ao longo de sua vida (Emslie et al., 2004).

A organização cognitiva das pessoas deprimidas tem sido vista como um processo retroalimentado pelo pessimismo (Bahls, 1999). Pessoas depressivas, como indicam Bandura e Simon (1977), estando pessimistas, facilmente despertam rejeição e assim intensificam sua autodesaprovação, tornandose mais negativas e assim alimentando um ciclo doentio. Abramson, Seligman e Teasdale (1978) enfatizam que o aprendizado da impotencia perante os acontecimentos (nomeadamente desamparo aprendido) é responsável pela representação cognitiva de fracasso existente em algumas pessoas deprimidas.

Um dos instrumentos mais usados para avaliar sintomas depressivos é o Inventãrio de Depressão Infantil (CDI; Gouveia et al., 1995; Kovacs, 1983, 1985, 2003) especialmente utilizado em pesquisas com crianças e adolescentes (Baptista & Golfeto, 2000; Del Barrio, Olmedo & Colodrón, 2002). Kovacs (1985, 2003) encontrou um Alfa de Cronbach de 0,86 e cinco fatores no seu instrumento: "humor negativo", "problemas interpessoais", "inefetividade", "anedonia" e "auto-estima negativa". Gouveia et al. (1995), num estudo de adaptação do CDI de 27 itens de Kovacs (1985), encontraram um índice de consistencia interna de 0,81 no CDI com 18 itens, que se apresentaram de forma unifatorial. Del Barrio, Olmedo e Colodrón (2002), em um estudo com a versão reduzida do CDI na Espanha obtiveram um alfa de 0,71 e très fatores no instrumento de dez itens: "auto-estima", "anedonia" e "desesperança". Em um estudo de análise fatorial do CDI aplicado em amostras de 7 a 17 anos de algumas cidades do sul do Brasil, Wathier, Dell'Aglio e Bandeira (2008) encontraram um Alfa de Cronbach de 0,85 e très fatores denominados "afetivo-somático", "relação com os outros" e "desempenho". Além destes fatores, as autoras estabeleceram pontos de corte de acordo com a idade e sexo. O CDI apresentou boas qualidades psicométricas e permitiu uma avaliação geral da presença e da severidade dos sintomas depressivos como já demonstrado em estudos anteriores (Gouveia et al., 1995; Kovacs, 1983, 1985, 2003; Wathier, Dell'Aglio & Bandeira, 2008).

Wilde, Kienhorst, Diekstra e Wolters (1992), assim como Prieto e Tavares (2005), afirmaram que a vivencia de eventos estressores tem sido associada ã depressão, bem como ã tentativa ou ideação suicida. Além disso, Merikangas e Angst (1995) destacam que fatores como o aumento da idade, ser do género feminino e ter baixo nivel socioeconómico podem aumentar a vulnerabilidade das crianças e adolescentes ã depressão. Traços de personalidade mais introspectiva e dependente, além de presença de historia familiar de depressãoe de fatores ambientais desencadeantes, também podem ser fatores de risco para depressão. Por outro lado, o sucesso na vida escolar, o envolvimento em atividades extracurriculares, a competéncia social, as relações sociais positivas com adultos fora da familia, a autopercepção positiva, a competéncia intelectual, e suportes sociais adequados são caracteristicas protetoras para que crianças e adolescentes não desenvolvam depressão(Merikangas & Angst, 1995).

A institucionalização durante a infancia e adolescéncia tem sido apontada como um evento de vida estressante e, portanto, como fator de risco para o desenvolvimento que pode ter como efeito a depressão(Dell'Aglio & Hutz, 2004; Merikangas & Angst, 1995). No entanto, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), o abrigo deve ser uma medida protetiva, excepcional e provisória, que visa, em um primeiro momento, a retirar a criança ou adolescente de alguma situação de risco em que se encontra, com vistas ã proteção e garantia dos seus direitos. Assim, a instituição tem a função de proporcionar atenção às diferentes necessidades da criança, como pessoa em desenvolvimento. O abrigamento institucional deveria, no entanto, ser temporário, até que melhores condições fossem oferecidas às crianças e aos adolescentes, seja em suas familias de origem ou extensas, ou em casos de adoção.

A institucionalização, durante a infancia e a adolescência, mesmo que temporária, tem sido associada a rompimento de vínculos e a situaçбes de violência. Essas experiências podem estar também, relacionadas a sintomas depressivos, conforme já afirmaram Dell'Aglio (2000), Dell'Aglio e Hutz (2003) e Kim e Cicchetti (2006). Além disso, crianças e adolescentes institucionalizados são provenientes de famílias com elevado número de irmãos, caracterizadas por situação de risco, pois aumenta a possibilidade de competição por necessidades básicas e de afeto parental, além de baixa escolaridade (Marteleto, 2002; Yunes & Szymanski, 2001) e circulação entre diversos cuidadores (Fonseca, l9S7, 2002). Sendo assim, objetivou-se identificar preditores de aumento de sintomas depressivos ao longo do tempo, em uma amostra de crianças e adolescentes que vivem sob proteção em abrigos. Também foram investigados eventos de vida estressantes e variáveis psicossociais, como as relacionadas ao número de irmãos, configuração familiar e tempo de institucionalização, entre outras.

Método Participantes

Cento e vinte e sete crianças e adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 7 e l6 anos (M=11,07; SD = 2,07), que residiam em sete instituées de proteção governamentais e duas não governamentais na região metropolitana de Porto Alegre, e que freqüentavam da 1ª a 8ª série do En-sino Fundamental de escolas públicas compuseram a amostra. O número integral de respondentes em Tl foi 148 e em T2 foi de l27, portanto a perda amostral foi de 21 participantes (14,19%). Sendo assim, só compuseram a amostra total deste estudo para análises, aqueles que participaram das duas etapas, ou seja, 127 crianças e adolescentes. Destes, 67 eram meninas e 60 meninos que estavam distribuídos da seguinte forma: 20 eram de um abrigo municipal; S1 eram de abrigos estaduais e 26 de instituções não-governamentais. Os participantes tinham acesso, devido á inserção destes abrigos na comunidade, aos recursos de escola, centros de lazer, pragas e á rede municipal de saúde. Em T2, o tempo de institucionalização dos participantes variou de 6 a 158 meses (M=43,94 meses; SD=36,22) e a média de idade dos participantes foi de 12,25 anos (SD=1,98).

Procedimentos e instrumentos

Este estudo faz parte de um estudo maior, apoiado pelo Pronex/Fapergs e CNPq, que visa a avaliar fatores de risco e de proteção ao desenvolvimento em diferentes contextos. Este projeto foi aprovado pelo Comité de Ética da UFRGS e as instituições participantes, que mantém a guarda das crianças e adolescentes, assinaram um Termo de Concordancia da Instituição. Os instrumentos foram aplicados individualmente a cada participante, nos próprios abrigos, em horarios combinados previamente. Foram realizadas duas a trés sessóes de aplicação dos instrumentos, conforme o ritmo e a disponibilidade de cada participante.

A partir de listagens de abrigos fornecidas pela Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul (FPERGS) e pela Fundação de Assisténcia Social e Cidadania (FASC), órçãos do governo estadual e municipal, respectivamente, crianças e adolescentes foram selecionados pela idade e escolaridade. A presenga de dificuldades que impossibilitassem a compreensão do conteúdo dos instrumentos foi fator de exclusão da amostra.

Na entrevista inicial foram coletados dados biosociodemográficos, tais como idade, escolaridade, tipo de abrigo, tipo de configuração familiar anterior ao abrigamento, entre outras. Em seguida, foram aplicados individualmente os demais inventários.

O Inventário de Eventos Estressores na Infancia e Adolescéncia (IEEIA), adaptado do Inventário de Eventos Estressores na Adolescéncia (IEEA; Kristensen, Dell'Aglio, León & D'Inção, 2004), contém 60 itens, que identificam que eventos negativos ocorreram na vida dos participantes e a sua percepção quanto ao impacto de cada um desses eventos. Para cada item, os participantes indicavam a ocorrência/não ocorrência do evento. Em seguida, pontuavam em uma escala Likert de cinco pontos o impacto percebido a cada evento experienciado. O instrumento apresentou em seu estudo original (Kristensen et al., 2004), uma elevada consistencia interna (Alfa de Cronbach=0,92) e neste estudo, o alfa foi de 0,88.

O Inventario de depressãoInfantil (CDI, adaptado para o Brasil por Gouveia et al., 1995) consiste em auto-relato em 27 itens sobre a presença e a severidade dos sintomas depressivos. Para cada item, uma em très opções de respostas (zero a dois) foi escolhida descrevendo o estado dos participantes no período atual. O CDI vem demonstrando características psicométricas adequadas e estudos com amostras brasileiras apresentam consistência interna variando de 0,79 a 0,92 (Dell'Aglio, 2000; Dell'Aglio, Borges & Santos, 2004; Reppold & Hutz, 2003). Neste estudo o alfa foi de 0,85 em T1 e 0,89 em T2.

Resultados

Este estudo atingiu os objetivos de investigar, de forma longitudinal, os eventos de vida estressantes, variáveis psicossociais (número de irmãos, configuração familiar e tempo de institucionalização) e preditores de sintomas depressivos em crianças e adolescentes institucionalizados. Serão descritas a seguir, as configurações familiares dos participantes e as variáveis que se mostraram independentemente associadas ã depressãoem T2.

Considerando a amostra total, em 89% dos casos, os pais das crianças e dos adolescentes não viviam juntos e apenas 37,5 % deles conheciam o pai. A maioria (56,3%) conhecia a mãe, embora essa já fosse falecida para 31,1% destes. Aproximadamente sessenta e dois por cento afirmou manter algum tipo de contato com pelo menos um membro da familia, em freqüencias que variavam desde uma visita semanal a uma visita anual. Antes de ir para o abrigo, 51,7% da amostra morava com familia monoparental. Um Teste t para amostras pareadas identificou a estabilidade do número de eventos e do impacto atribuído aos mesmos em T1 e T2. não foi encontrada diferença significativa, comparandose T1 e T2, na freqüencia de eventos estressores (t=0,99; df =126; p=0,32) e no impacto atribuido (t=-0,78; df =126; p=0,44). O número de sintomas depressivos também se manteve estável ao longo do tempo, não havendo diferença estatistica significativa (p=0,12).

A média do Inventario de depressãoInfantil em T1 foi de 12,46 (SD=8,14) e em T2 foi de 13,42 (SD=9,38). Utilizando as normas estabelecidas por Wathier, Dell'Aglio e Bandeira (2008), baseada em percentis e dividida por sexo e faixa etária, mais de 40 (31,5% ou mais) crianças e adolescentes do presente estudo encontravam-se com escores de sintomas depressivos clinicamente significativos, tanto em T1 quanto em T2. Análises por sexo e idade revelaram que entre os meninos de 7 a 12 anos, 27,5% (11) em T1 e 25% (10) em T2 estavam acima do percentil 85 (ponto de corte=14, inclusive). Nessa mesma faixa etária, foram encontradas 31,25% (15) das meninas com escores clinicamente significativos (maior ou igual a 16) em T1. Em T2, esse percentual elevou-se para 45,83% (22). Na faixa etária de 13 a 16 anos, 40% (8) dos meninos apresentaram escores iguais ou maiores que o percentil 85 (14 pontos ou mais) e esse percentual manteve-se idêntico em T2. Entre as meninas dessa faixa etária (ponto de corte = 18, inclusive), entretanto, o percentual que era de 31,58% (6) e baixou para 26,32% (5).

A média dos eventos estressores obtida através do IEEIA em T1 foi de 26,57 (SD=8,56) e em T2 foi de 25,91 (SD=9,33). A diferença no total de eventos ocorridos entre T1 e T2 não foi significativa. Entretanto, considerando as diferentes configurações familiares, o número de eventos ocorridos diminuiu entre os participantes cujos pais viviam juntos antes da institucionalização.

A Tabela 1 mostra a distribuição dos participantes nas diferentes configurações familiares e seus escores de freqüência de eventos e de sintomas depressivos em T1 e em T2. Uma Análise de Variância mostrou diferença significativa [F( 6,126)=3,05; p<0,01] na média de eventos entre as diferentes configurações familiares. Uma análise post-hoc (Scheffè) indicou que as crianças e adolescentes com configuração de pai e mãe juntos (M=18,46; SD = 7,83) possuíam uma média de eventos significativamente menor do que os que viveram aos cuidados de outros familiares antes de vir para o abrigo (M=30,31; SD=12,35).

Comparando a ocorréncia de cada um dos eventos estressores na vida, observou-se um aumento na freqüéncia de 25 eventos (dos 60 existentes) conforme apresentado na Tabela 2. Pode-se verificar que os eventos que mais aumentaram entre T1 e T2 foram, em ordem decrescente: "ter algum familiar que usa drogas" (16 ocorréncias), "sofrer castigos e punições" (13), "ter problemas com professores" (11) e "tirar notas baixas na escola" (10).

Para identificar variáveis independentemente associadas á depressão ao longo do tempo, foi realizada uma análise de regressão linear múltipla, cuja variável dependente foi o escore total do CDI em T2. Foram introduzidas as seguintes variáveis explicativas: CDI em T1, os 25 eventos que aumentaram a ocorréncia em T2 (Tabela 2) e tempo de institucionalização em T2. A Tabela 3 apresenta o resultado da análise com as variáveis que entraram na equação de regressão.

Juntas, as quatro variáveis foram responsáveis por 56,7% da variáncia no CDI em T2 (R2). Os coeficientes de regressão padronizados Beta foram positivos, indicando a relação direta entre a variável explicativa e a variável critério. Portanto, tais coeficientes indicaram que o escore obtido na primeira coleta de dados foi fundamental para prever o escore do CDI que a criança ou adolescente teria em T2. Ou seja: um nivel alto de sintomas depressivos em T1, adicionado das outras tres variáveis ("ter problemas com professores", "sentir-se rejeitado pelos colegas e amigos" e "um dos pais ter que morar longe"), aumentou as chances de que ele seria alto em T2. Além dessa variável, ter tido problemas com professores também foi um preditor de que o escore do CDI em T2 estaria mais alto do que em T1. O poder explicativo desse aumento em T2 nos sintomas depressivos foi reforgado pela ocorréncia de sentimento de rejeição dos colegas e amigos, assim como morar longe de um dos pais (ex. ser preso ou o abrigo ficar longe da residéncia da familia).

Das 27 variáveis introduzidas na análise, 23 não contribuiram para o modelo explicativo da variação de sintomas depressivos. O sexo, o número de irmãos, o tempo de institucionalização, ou os eventos ter algum familiar que usa drogas, ou ser impedido de ver os pais, por exemplo, não contribuiram diretamente para a equação de regressão.

Discussaci

Este estudo longitudinal verificou a manifestação de sintomas depressivos e sua relação com a oco-rréncia de eventos estressantes entre a primeira e segunda coleta e algumas variáveis psicossociais (número de irmãos, configuração familiar e tempo de institucionalização). As crianças e adolescentes participantes demonstraram, em conjunto, estabilidade nos sintomas depressivos e no número de eventos estressores ocorridos, no intervalo entre T1 e T2. No entanto, percentual expressivo dos participantes apresentou escores de sintomas depressivos clinicamente significativos já em T1. Também 61 participantes apresentaram aumento no total do CDI em T2, o que sugeriu a importância de se investigar os preditores da depressão, a partir das variáveis apontadas (Escore inicial do CDI, "ter problemas com professores", "sentir-se rejeitado pelos colegas e amigos" e "um dos pais ter que morar longe").

O tempo de institucionalização alto, em contradição com o estabelecido no Estatuto da Crianga e do Adolescente (1990), caracterizou marcadamente a amostra, assim como um elevado número de irmãos. Estas duas características observadas na amostra (medias altas de tempo de institucionalização e de número de irmãos) podem ser compreendidas como fatores de risco a que estão expostas as crianças e adolescentes participantes, ainda que não tenham entrado na regressão.

A análise de regressão múltipla mostrou que a variável com maior poder explicativo foi o escore do CDI em T1. A amostra apresentou um elevado percentual de escores de sintomas depressivos clinicamente significativos para cada faixa etária e sexo já em T1. Por exemplo, mais de 45% das meninas com idade entre 7 e 12 anos apresentaram escores clinicamente significativos. Os estudos de outros pesquisadores que utilizaram o CDI em amostras não clínicas, com o ponto de corte variando de 15 a 20, apresentaram de seis a 24% de crianças e adolescentes com escores clinicamente significativos (Almqvist et al., 1999; Arnarson, Smari, Einarsdottir & Jonasdottir, 1994; Bahls, 2002). A comparação entre esses percentuais evidencia o quão alto estavam os escores da amostra do presente estudo. Alguns estudos (Hankin et al., 1998; Lima, 1999; Reppold & Hutz, 2003) apontam ainda que há uma tendencia em encontrar um aumento de escores depressivos principalmente na adolescencia em relação á infancia. Assim, discu-te-se a importancia de ação terapéutica imediata junto a crianças e adolescentes que apresentarem sintomas depressivos em qualquer nível, tendo em vista que pode haver uma possibilidade de que esses escores aumentem longitudinalmente. Há necessidade, portanto, de um trabalho não só preventivo, mas de intervenção direta quanto aos sintomas depressivos apresentados.

Os eventos que entraram no modelo de regressão, caracterizando-se também como preditores da depressão, foram relacionados a problemas com professores e com pares, além do afastamento de um dos pais. Eventos semelhantes a esses também foram apontados no amplo estudo de revisão de Zavaschi et al. (2002), como uma associação significativa entre trauma por perdas na infancia e depressão na vida adulta. Poletto (2007) também identificou que escores de depressão, além de afeto negativo, afeto positivo e a freqüencia de eventos estressores foram preditores para a satisfação de vida em crianças institucionalizadas em comparação com outras que viviam em situação de pobreza junto às suas familias. O estudo de Dell'Aglio (2000) salientou que eventos negativos entre crianças e adolescentes institucionalizados envolviam com maior freqüencia as categorías "desentendimiento com pares" e "privação/afastamento". Este resultado indica perda de qualidade de vida e risco para presença de sintomatologia depressiva. Kristensen et al. (2004) encontraram, entre os eventos mais freqüentes numa amostra de adolescentes, os eventos "ter prova no colegio (84%)", "discutir com amigos (79%)" e "morte de algum familiar (que não pais ou irmãos) (73%). A maior freqüencia de eventos estressantes relacionados ã escola, amigos e familia encontrada nestes estudos reforça os achados do presente estudo, pois essas são categorias de maior ocorrência e que se associam independentemente ã depressão.

Ter problemas com professores, apontado com ênfase pelos participantes, reflete a importancia do ambiente escolar, que pode ter papel fundamental na manutenção do autoconceito positivo ou negativo, alimentado pelas figuras dos professores (Cubero & Moreno, 1995). Para Carson e Bittner (1994), experiencias estressantes ligadas ao contexto escolar podem levar a fobias, queixas somáticas e episodios depressivos. Dell'Aglio e Hutz (2004) encontraram mais sintomas depressivos e pior desempenho escolar em meninas institucionalizadas. Esses estudos corroboram a urgência de se pensar (e tornar) o ambiente escolar como uma possivel fonte de vinculos seguros na vida de pessoas em desenvolvimento.

A importancia do relacionamento social com pares também foi evidenciada na presente pesquisa. O evento "sentir-se rejeitado por colegas e amigos" foi significativo na equação de regressão, indicando que poderia ser considerado um preditor de sintomas depressivos. A importancia do grupo durante o desenvolvimento de crianças e principalmente de adolescentes tem sido consensual entre pesquisadores do desenvolvimento. Para ascrianças, a convivéncia social com pares é uma experimentação de como ser aceito, do cumprimento de regras e, conseqüentemente, do desenvolvimiento de seguranga e auto-estima (Cubero & Moreno, 1995). Para os adolescentes, a função do grupo é ainda de acolher os conflitos gerados pela transição entre dependéncia/independéncia dos adultos (Steinberg, 1999).

A rejeição de um grupo ou de colegas pode, também, se constituir num tipo de bullying, que envolve atos, palavras ou comportamentos prejudiciais, intencionais e repetidos (Middelton-Moz & Zawadski, 2002, 2007) que sao cada vez mais comuns em escolas, entre outros ambientes. Os alvos de bullying são pessoas ou grupos que são prejudicados ou que sofrem as conseqüéncias de comportamentos agressivos e intencionais, como palavras ofensivas, humilhação, difusão de boatos e agressão física, entre outros. A criança ou adolescente institucionalizado geralmente necessita conviver com o estigma relacionado a esta condição podendo ser vítima de bullying.

Gulassa (2006) destacou que os abrigos refletem a cultura e os preconceitos da cidade onde estão situados. Para ela, nas cidades menores não há tanto problema com a impessoalidade, mas o rótulo de "crianças do abrigo" é também dado com mais facilidade. Esse olhar da sociedade sobre o jovem do contexto institucional torna difícil a tarefa de sair do lugar de abandonado e vitimizado. Também Arpini (2003) e Siqueirae Dell'Aglio (2006) discutem que, ainda que alguns jovens tenham uma imagem positiva do abrigo em suas vidas, sofrem pelo forte estigma social remanescente desta vivéncia.

Quem sofre agressões de bullying, segundo Middelton-Moz e Zawadski (2002, 2007), costuma não ter esperanga quanto ás possibilidades de se adequar ao grupo. Ressaltam, ainda, que muitas vítimas passam a ter baixo desempenho escolar, resistem ou recusam-se a ir para a escola, ou abandonam os estudos. Essas características estão diretamente relacionadas aos sintomas depressivos, como confirmam os resultados de Klomek, Marroco, Kleinman, Schonfeld e Gould (2007). Jovens com exposição freqüente ao bullying, tanto como vítima quanto como agressor ( bully), tiveram alto risco de depressão, ideação suicida e tentativa de suicídio, em relação a jovens que não estiveram envolvidos em comportamento de bullying. No presente estudo (conforme a Tabela 2), "sentir-se rejeitado por colegas e amigos" foi um dos eventos que aumentou sua freqüéncia ao longo do tempo. Entre os fatores ambientais relacionados ao estresse e á depressão em adolescentes, Steinberg (1999) enfatizou os conflitos e a baixa coesão familiar, além de fraco relacionamento com pares e separação dos pais. Eventos como abuso ou violéncia na infancia, dificuldades de comunicação com os pais, mudangas freqüentes em suas condigões de vida, e das pessoas responsáveis por seus cuidados são algumas das evidéncias apontadas por Prieto e Tavares (2005) como características comuns entre pessoas que cometeram suicídio.

No presente estudo foi identificada uma relação entre a configuração familiar dos participantes e a ocorréncia de eventos estressores. A média de eventos estressores ocorridos nesta amostra (M=25,91 em T2) é superior ao estudo de Kristensen et al. (2004), que encontraram uma freqüencia média de 17,03 eventos em adolescentes que moravam com sua família. Além disso, ter a presenga de ambos os pais na família esteve relacionado com menor ocorréncia de eventos estressores. Em contrapartida, ficar aos cuidados de outros familiares aumentou a ocorréncia de eventos estressores (ver Tabela 1), o que pode indicar a importancia do papel protetivo da presenga dos pais. Um artigo de revisão sobre preditores de depressão em adolescentes destacou vários estudos abordando a configuração familiar disfuncional. A insatisfação do indivíduo com o apoio familiar e social recebido poderia influenciar os sintomas depressivos em adolescentes (Baptista, Baptista & Dias, 2001).

O último evento preditor do modelo explicativo do estudo foi "um dos pais ter que morar longe", que pode estar refletindo o perfil das crianças e adolescentes participantes deste estudo, cuja configuração familiar é predominantemente monoparental. Além disso, somente pouco mais da metade dos jovens conheceu sua mãe e bem menos que isso conheceu seu pai, indicando uma configuração familiar que pode estar oferecendo menos recursos de apoio parental e familiar. A configuragao monoparental vem sendo descrita na literatura como fator de risco ao desenvolvimento (De Antoni & Koller, 2000). Contudo, é necessãrio utilizar o conceito de composigao familiar com cautela. Yunes e Szymanski (2001) e Yunes (2003) afirmam ser mais importante verificar o funcionamento da familia e as relagoes ali existentes do que como essas sao compostas, embora tais características estejam muitas vezes interligadas. Cãrdia e Schiffer (2002), embora descrevam a monoparentalidade como característica que aumenta a vulnerabilidade ã violencia, não encontraram esse resultado em seu estudo com bairros de Sao Paulo. Assim, embora o evento "um dos pais ter que morar longe", do modelo preditivo desse estudo, possa ser um indicador da ocorrencia de composigao familiar monoparental, seria importante poder verificar o funcionamento da família do participante, pois apenas "ser de familia monoparental", por si só não qualifica a vulnerabilidade a situagoes de violencia ou ã depressão. Indiretamente, a forma como os componentes da rede familiar relacionamse entre si pode estar favorecendo o surgimento de sintomas depressivos entre essas crianças e adolescentes.

A familia tem sido descrita como principal rede de apoio durante a infancia e adolescencia (Steinberg, 1999). O abrigamento de uma criança ou adolescente, especialmente em casos de extensivos periodos de tempo, pode envolver diretamente a quebra de vinculos e o afastamento da familia. Soma-se a isso a constatagao, durante o periodo de coleta de dados e os relatos dos técnicos das instituigoes, de que poucos jovens mantem a visitagao ã familia (ou sao visitados por esta) durante o periodo de institucionalizagao. Assim, ao serem afastados compulsoriamente dos pais, as crianças e adolescentes no abrigo podem perceber este fato como ameagador para sua identidade e referencias de filiagao, pertencimento familiar e comunitãrio (Guará, 2006). Este evento nomeado como "salto para o desconhecido" identifica o afastamento da familia, mesmo que esse tenha sido um ambiente ameagador, como medo de rompimento ou en-fraquecimento de lagos de parentesco. Trata-se, portanto de um evento de vida estressante que pode contribuir para a manifestaçao de sintomas depressivos.

Apesar das importantes mudanças nas configurações familiares na sociedade de forma geral, Wagner, Ribeiro, Arteche e Bornholdt (1999) salientaram que o tipo de configuraçao familiar não tem sido associado ao bem-estar dos filhos adolescentes de nivel socioeconómico mèdio e médio-alto. Na qualidade do relacionamento entre os membros da familia recai a maior ou menor possibilidade de bem-estar dos adolescentes. Sendo assim, mantêmse inalterável a funçao da familia de prover o apoio, a proteçao e a responsabilidade aos seus filhos. Se a familia consegue exercer tal funçao, conseguirá proteger crianças e adolescentes de eventos de vida estressantes ou ao menos oferecer apoio durante a superaçao destes (Cowan, Cowan & Schulz, 1996). Na visão cognitivista, autores como Beck (1997) e Knapp (2002) tambèm salientam que a familia è um dos contextos que podem atuar como reforçadores de crenças centrais sejam essas disfuncionais ou não. A composiçao familiar dos participantes quanto ã presença ou não de ambos os genitores, assim como o número de irmaos, possivelmente não entraram na equaçao de regressao no presente estudo pela forma como foi coletado esse dado. Caso tivèssemos dados sobre como se dava o funcionamento familiar antes da criança ser institucionalizada, poderiamos verificar com mais clareza a relaçao desta variável com os sintomas depressivos.

Assim, este estudo aponta indicativos de que a vivência de problemas na escola ou na familia podem levar a um aumento de sintomas depressivos, de forma ciclica. Os resultados aqui encontrados apontam principalmente para riscos presentes nos diferentes contextos de inserçao das crianças e adolescentes (familia, pares e escola) e que podem repercutir no ambiente da instituiçao onde estao abrigados. Desta forma, o olhar contextualizado para o fenómeno torna-se importante, pois não se pode relacionar a manifestaçao dos sintomas depressivos apenas ao fato dos participantes estarem institucionalizados.

Considerações fináis

Os escores de sintomas depressivos na amostra estudada foram bastante elevados, indicando que, possivelmente, as rupturas familiares e os eventos estressores vivenciados pelas enancas e adolescentes institucionalizados, participantes deste estudo, estão relacionados a repercussóes prejudiciais no desenvolvimento. O perfil observado na amostra reflete questóes sociais, políticas e económicas que afetam a constituição e manutenção das familias, que nem sempre conseguem exercer sua função protetiva. Nestas situacóes, o abrigo surge com uma função de proteção que deveria ser temporária. No entanto, observa-se que o tempo de institucionalização é longo e que, apesar do constante empenho dos profissionais da instituição em providenciar atendimento psicológico e psiquiátrico, pode-se constatar repercussóes negativas, como os sintomas depressivos, entre os participantes institucionalizados.

Além disso, foram observadas medias altas na ocorréncia de eventos estressores na amostra, apontando a situação de risco pessoal e social vivenciada por estes jovens. Alguns destes eventos mostraram-se relacionados á depressão, sobretudo eventos relacionados ao contexto escolar, social e familiar. Estes resultados apontam a urgência de trabalhos de intervenção nas escolas e famílias, que possam contribuir para que estes espacos se constituam em redes de apoio social e afetivo. Em jovens de famílias que eram compostas de pai e mãe juntos antes de irem para o abrigo, por exemplo, a freqüéncia de eventos estressores foi bastante reduzida, confirmando a importancia destes para a proteção e desenvolvimento dos filhos.

Quanto aos eventos que aparecem como preditores do escore de sintomas depressivos em T2, poderiam ser amenizados ou evitados com um trabalho preventivo junto á comunidade. Esses eventos podem resultar, indiretamente, de um ciclo de vitimização em que os pais ou outros cuidadores repassam, de forma muitas vezes involuntária, o que aprenderam aos seus filhos, e reproduzem práticas parentais ineficazes e problemáticas (Cecconello, De Antoni & Koller, 2003). As relacóes familiares disfuncionais também podem estar relacionadas ã violência, o que muitas vezes expõe as crianças e adolescentes a acidentes, doenças, discriminação e necessidade de institucionalização.

A identificação da depressão precoce através de instrumentos como o CDI é possível e deve ser feita. Ainda que esse instrumento não tenha o objetivo de diagnosticar transtornos relacionados ã depressão, aponta quais os indivíduos necessitam de uma avaliação clínica. Com o screening, pode-se evitar o agravamento do quadro, especialmente em populações que vivem em situações de risco, como em instituições, e melhorar, o mais rapidamente possível, o bem-estar psicológico do jovem em questão. Autores como Kaplan, Sadock e Greeb (1997) destacam, por exemplo, que o tratamento precoce de crianças com Transtorno Depressivo Maior pode evitar o desenvolvimento posterior de Transtorno Bipolar ou Desafiador Opositivo, entre outros. Emslie et al. (2004) também apontam que a detecção precoce e prevenção dos sintomas podem evitar danos neuronais e psicossociais, além de patologias mais graves ao longo da vida.

Dessa forma, sugere-se que sejam criadas ações interventivas junto à comunidade e às instituições com base no modelo proposto a partir dos resultados desse estudo. São necessárias intervenções junto às famílias no sentido de prevenir situações estressoras ao longo do desenvolvimento, que podem, inclusive, ser motivo de abrigamento de crianças e adolescentes, assim como fortalecer o vínculo entre pais e filhos, de forma que estes possam cumprir o papel de proteção e cuidado. Além disso, também é importante a constante capacitação e atualização dos profissionais que atendem crianças e adolescentes em instituições de abrigo. Assim, monitores, educadores e outros funcionários também poderão oferecer a esses jovens um ambiente positivo para o desenvolvimento, evitando conflitos entre pares, e evitando o agravamento de manifestações depressivas.

Uma alternativa para promover os laços afetivos entre as crianças e adolescentes e suas famílias é estimular a visitação destas aos abrigos e viceversa, procurando manter o contato familiar. No presente estudo, ainda que 61,9% dos participantes tenha afirmado que mantinha algum tipo de contato (não necessariamente em forma de visitação) com pelo menos um membro da familia, não se sabe a qualidade desse contato. Num levantamento realizado em 2007 em abrigos de Porto Alegre, mantidos pelo governo estadual (Ministerio Público, 2007), apenas 17,78% das familias visitavam seus jovens institucionalizados e 16,70% dos abrigados visitavam suas familias. Promovendo um contato familiar de qualidade, pode-se favorecer uma maior estabilidade do vinculo afetivo com os familiares na vida das crianças e adolescentes, ainda que este vinculo tenha sido precario até então. Esse processo pode ser mais efetivo se acom-panhado por trabalhadores de abrigo, bem como outras pessoas e instituigoes da comunidade que estimulem a qualidade da relação criança-familiar (Maricondi, 2006).

Sugere-se, ainda, quanto às relações do jovem estabelecidas no contexto escolar, que sejam investigadas em estudos futuros as variáveis que envolvem o fenòmeno de bullying. O contexto escolar pode ser outra possibilidade para desenvolver trabalhos de fortalecimento dos vinculos da criança e do adolescente com familiares, com pares e assim ampliar a rede de apoio desse jovem. Além disso, novos estudos longitudinais com tempo maior de acompanhamento e com amostras clinicas de crianças e adolescentes diagnosticados com depressão também se fazem necessários. Isso poderá ajudar no mapeamento de outros fatores preditores, diferenciando a gravidade dos quadros e a trajetória da manifestação de sintomas de acordo com a historia vivencial da criança e do adolescente.

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