SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.42 issue2  suppl.1Student counseling with nursing students from Universidad del Valle: Search, meeting, permanent challengeStudent involvement and leadership: A commitment to active citizenship author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Colombia Médica

On-line version ISSN 1657-9534

Colomb. Med. vol.42 no.2 suppl.1 Cali June 2011

 

A responsabilidade social da enfermagem frente à política da humanização em saúde

Social responsibility of nursing in policies of health humanization

Mercedes Trentini, PhD1, Lygia Paim, PhD2, Marta Lucía Vásquez, PhD3

1Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Grupo de Pesquisa em Situações Crônicas, Florianópolis,Brasil. e-mail: mertini@terra.com.br
2Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Grupo de Pesquisa em Situações Crônicas, Rio de Janeiro, Brasil. e-mail: lpaim9@gmail.com
3Professora Titular, Escuela de Enfermería, Facultad de Salud, Universidad de Valle, Cali, Colombia.e-mail: maluvasq@gmail.com

Recebido para publicação janeiro24, 2011Aceito para publicação abril 29, 2011


RESUMO

Antecedentes: As novas concepções de mundo têm dado ênfase à reestruturação das políticas de saúde e ao delineamento de um novo modelo assistêncial à saúde.
Objetivo: Refletir sobre a política de humanização como parte da Promoção da Saúde com destaque no cuidado de enfermagem.
Conteúdo: Evoca as mudanças paradigmáticas e refere o modelo biomédico e a nova condição de diversidade em modelos assistenciais nas práticas de promoção da saúde e a co-responsabilidade da enfermagem em gerar e sustentar a humanização nos cuidados de enfermagem. Repensa estratégias e compromissos de co-responsabilidade do profissional de enfermagem na promoção da saúde da população. A participação de enfermeiros na dinamização das políticas de humanização do cuidado tem mostrado desdobramentos nas manifestações de acolhimento e vínculos entre profissionais e usuários de Serviços de Saúde. Destaca-se a entrevista-conversação como estratégia de coleta de informações do usuário seja para o cuidado ou para pesquisa que está baseada em referencias de humanização.
Conclusões: A escuta sensível, as modalidades de diálogos, o método da entrevista-conversação, são tecnologias das relações e significa a aquisição de competências à política da humanização para o desenvolvimento do cuidado na promoção da saúde.

Palavras chave: Promoção da saúde; Humanização da assistência; Cuidado de enfermagem.


SUMMARY

Background: new conceptions of the world have focused on restructuring health policies and designing a new healthcare model.
Objective: to reflect on the humanization policy as part of health promotion with emphasis on nursing care.
Content: The article mentions paradigm changes and refers to the biomedical model and the new condition of diversity in models of care practices for health promotion and co-responsibility of nursing in generating and sustaining the humanization of nursing care. It rethinks strategies and commitment to co-responsibility by nursing staff in promoting population health. Participation of nurses in promoting humanization care has shown signs of development in its acceptance, bonding healthcare service professionals and its users. An interview-conversation as a strategy for collecting information is highlighted, whether to care or to research based on a humanization framework.
Conclusions: Sensitive listening, modality of dialogue, and the conversational interview method are relationship techniques and means to acquire skills for policy development in humanizing care in health promotion.

Keywords: Promotion of health; Humanization of assistence; Nursing care.


As mudanças no modo de ver o mundo no âmbito da tecnologia, ciência, cultura, economia, política nas últimas décadas, têm suscitado modificações na área da saúde e esta necessita responder às necessidades das pessoas no seu processo de saúde e doença, pois neste processo também têm ocorrido significantes transforma­ções exigindo ampliação do modelo biomédico. Deste modo, há necessidade de uma pluralidade de ações de alta complexidade tanto na dimensão técnico-científica quanto nas dimensões: humana, cultural, estética e espiritual. A enfermagem também precisa responder a esta evolução pela reformulação das concepções de saúde e doença bem como por uma nova política de promoção da saúde com enfoque na humanização.

O objetivo é conduzir uma reflexão sobre a política de humanização como parte da Promoção da Saúde com destaque nas práticas de enfermagem. Este texto traz a política da humanização à luz da responsabilidade social da enfermagem como co-responsável pela promoção da saúde da população e, especificamente, no âmbito das suas práticas:

A enfermagem como co-responsável pela promoção da saúde da população. As novas concepções de saúde e doença têm dado ênfase à reestruturação das políticas de saúde delineando novo modelo assistencial, destacado pela abordagem da promoção da saúde que atualmente constitui o eixo central da assistência.

A nova promoção da saúde parte de uma concepção diversificada do processo saúde-doença para transformar-se em ações integradas de saberes profissionais e populares, nas instituições: públicas, privadas e de organizações comunitárias1.

O atual conceito de promoção da saúde, bem como as estratégias de ações inerentes, surgiu e se desenvolveu de forma mais consistente, a partir da Declaração de Alma Ata-1977, evocada nas Conferências Internacio­nais sobre Promoção da Saúde que ocorreram em: Ottawa, 1986, Adelaide, 1988, Sundsvall, 1991 e Santa Fe de Bogotá 19922.

A carta de intenções de Ottawa sustenta a promoção da saúde no processo de capacitação da comunidade para atuar na sua qualidade de vida e saúde, e maior participação no controle deste processo2.

Além disso, engloba a combinação de estratégias em defesa da saúde: a construção de políticas públicas saudáveis; a criação de ambientes favoráveis; o reforço da ação comunitária; o desenvolvimento de competências pessoais; a reorientação dos serviços de saúde4.

A declaração da Conferência Internacional em Santa Fe de Bogotá, coloca em destaque a necessidade de combater as iniqüidades em saúde nos países da América Latina, haja vista a situação do panorama de doenças decorrentes da pobreza4. Segundo a Declaração de Santa Fe de Bogotá, o desafio da promoção da saúde na América Latina consiste em trabalhar pela solidariedade e eqüidade social, indispensáveis à saúde e ao desenvolvimento. A iniqüidade da saúde nos países da América Latina clama por ações de saúde pública orientadas ao combate das enfermidades e da pobreza, pois as doenças acentuam a pobreza e esta, condiciona muitas doenças. Um elemento relevante para a prática da eqüidade é o cuidado integral, condizente com o contexto sócio-cultural das pessoas atendidas. Se o sujeito for considerado como parte de uma rede, o profissional de saúde poderia constituir um interme­diário de uma grande cadeia de cuidados e deste modo contribuir para a promoção da saúde5.

O conceito e a prática da integralidade se caracterizam por grande complexidade. No trabalho dos profissionais da saúde a integralidade é entendida como trabalho multiprofissional exercido com base nas necessidades do usuário: esfera biológica, sócio-cultural, política, espiritual e ambiental. A integralidade se opera pela mudança de postura do profissional na sua prática cotidiana, para seguir princípios norteadores das relações sociais entre usuários-profissionais da saúde, evidenciando a inseparabilidade dos planos: individual e social e coletivo6.

A responsabilidade pelas condições de vida e saúde da população, é de todos os segimentos sociais incluindo, principalmente, as autoridades públicas, os políticos, os movimentos sociais e os profissionais da saúde. A reflexão neste artigo, no entanto, focaliza as práticas de enfermagem de acordo com o paradigma da promoção da saúde.

A razão da existência da enfermagem é prover assistência/cuidado específico a indivíduos, grupos, famílias e comunidade no seu processo saúde-doença. A prática de cuidado é fomentada no gerenciamento, educação e pesquisa e fortalecida pelas entidades de classe e legislação. Esta estrutura é sustentada por vários pilares do conhecimento tais quais: científico, técnico, tecnológico, humanístico, estético, ético- político e histórico7.

No tradicional modelo de assistência à saúde, a enfermagem era vista em uma posição subordinada à medicina, isto porque muitas enfermeiras ainda mostravam a necessidade de seguir as ordens médicas para iniciar qualquer tipo de cuidado ao usuário. Os médicos, historicamente são considerados, por muitas culturas, como profissionais distinguidos na sociedade pela atribuição de que detêm o mais alto grau de conhecimento na área da saúde e o conhecimento também é um reconhecido poder. Desta maneira, todos os procedimentos de outros profissionais da assistência à saúde, davam a impressão de que funcionavam sob o poder médico. Embora o conhecimento da área de saúde não se diferencie por classificação hierárquica tipológica de profissão, essa falsa situação, na prática assistencial é, muitas vezes, ratificada com o uso do modelo biomédico como único, a ponto de confundir as ações de autonomia e iniciativa dos demais profissionais da saúde, o que reproduz a manutenção desse mito secular na prática assistencial.

Nas últimas quatro décadas, muitas profissões e particularmente, a enfermagem, vem se colocando em maiores patamares acadêmicos e, conseqüentemente, conquistando correspondência em sua condição igualitária às demais profissões da saúde, acrescentando visibilidade à sua autonomia na prática profissional. A autonomia vem acompanhada de responsabilidade e portanto, a enfermagem é tão responsável pela promoção da saúde quanto as demais profissões da saúde. Cabe questionar: de que maneira a enfermagem poderia contribuir para a promoção da saúde da população por meio da política da humanização?

A humanização e o espaço do cuidado na promoção da saúde. As experiências dos profissionais de enfermagem vêm se modificando pelo agir em cuidado no âmbito da promoção da saúde. As políticas públicas tornaram-se em políticas de humanização à medida em que o cuidado profissional, antes tão formal e distante pelas separações de saberes técnicos e saberes populares, rendem-se à proximidade intencional entre esses saberes ora entendidos como poderes na promoção da saúde em abordagens cada vez mais compreensivas e humanizadas.

As pessoas geralmente enfrentam dilemas ao dar entrada no sistema de saúde, pois elas eram as únicas responsáveis para tomar suas próprias decisões, prover suas necessidades e assumir responsabilidades e conseqüências em eventuais equívocos. Ao necessitar de cuidados no sistema de saúde, essa situação muda; muito do que antes fazia por si, em sua casa, passa a ser um limite ou mesmo não lhe ser permitido; assim, a minimização participativa no processo decisório sobre sua própria situação, a imposição de regras que sonegam o direito do usuário examinar a prescrição e anotações no prontuário referentes à seu estado de saúde, são limitantes que cercearam por, muito tempo, as próprias relações entre usuários e profissionais. A humanização como política pública implica em criar espaços propícios para dinamizar essa comunicação entre os usuários e os profissionais da saúde, visando a troca de saberes com finalidade libertadora instrumentalizada pelo acolhimento das pessoas no sistema de saúde.

A comunicação de «mão dupla» (diálogo) entre profissionais e usuários baseia-se na crença de que o usuário e o profissional são pessoas iguais na sua essência humana, portanto não é compatível com uma relação autocrática de nenhuma das partes. A educação em saúde está presente no cuidado de enfermagem, de modo inerente, seja no contexto hospitalar ou em quaisquer outros, dentre os demais espaços. Atualmente, a educação em saúde está ainda mais requisitada, por se tratar de uma destacada estratégia para o desenvolvi­mento de competências pessoais, e ser um componente humanizador da promoção da saúde. Os profissionais de enfermagem vinham mostrando descontentamento em relação à ineficácia do esforço empregado na educação do usuário para o auto-cuidado. O processo de educação em saúde quando conduzido de maneira autoritária, verticalizada, torna-se ineficiente. A educação em saúde tem sucesso quando atrelada à humanização, de maneira a respeitar os valores, a cultura, o nível de educação e modos de vida dos usuários e, principalmente, quando é respeitado o direito de participar das decisões acerca do seu cuidado, este considerado base política de referência nas ações de cuidado na promoção da saúde.

Os profissionais de enfermagem precisam fugir das formas de educação em saúde convencionalmente instituídas e penetrar na maneira de pensar e agir dos usuários, a fim de construir um espaço dialógico e de participação ativa dos usuários no processo educativo. A participação ativa dos usuários no processo de educação em saúde constitui o «eixo da hélice» que movimenta e «tempera» a qualidade de vida dessas pessoas. A humanização implica na utilização de tecnologias leves no processo de cuidado. Entre as várias classificações de tecnologias existe a que as consideram como duras, leve-duras e leves8. As tecnologias duras são representadas pelos equipamentos tecnológicos, as leve-duras pelos saberes estruturados. As tecnologias leves consistem na produção de relações que se expressam através das práticas humanizadas de acolhimento, vínculo, e autonomia no sentido de desenvolver a capacidade da pessoa autogovernar-se8.

O acolhimento como um processo receptivo e dialógico continuado entre os trabalhadores da saúde e os usuários, por certo está constituindo assim, uma relação humanizada. Vínculo significa ligação moral, responsabilidade. Criar vínculo é o mesmo que construir relações estreitas a ponto de se sensibilizar com os problemas do outro; é desenvolver um processo de transferência entre o usuário e o trabalhador, de modo a facilitar a autonomia do usuário9. Chegar à construção do vínculo pressupõe um convincente acolhimento.

A humanização tem como diretriz o acolhimento que vem sendo pensado como arte de interagir, construir algo em comum, descobrir nossa humanidade mais profunda na relação com os outros e com o mundo natural, esse imenso âmbito que inclui os sentimentos, emoções, intuições e subjetividades. O acolhimento em saúde é instrumento fundamental para «o nascer bem», «o viver saudável», «o bem-estar», pois a condição humana saudável é fruto de seu relacionamento com o mundo.

Autonomia implica em propiciar condições ao usuário para se tornar, o quanto possível, independente para enfrentar seus problemas. No entanto, a autonomia não pode ser igual para todos os usuários; há quem possa alcançar maior competência para se cuidar, do que outros8. Lidar com a competência para cuidar das relações consigo mesmo e com os outros na qualidade de tecnologias leves, é um dos meios para um cuidado humanizado. Para isso, os profissionais precisam ter levezas tecnológicas para favorecer uma boa comunicação com o usuário e também construir estratégias para o diálogo. A entrevista conversação é um desses meios para que o profissional consiga informações fidedignas do usuário, pela condução das relações dialogais na própria entrevista, como tecnologia de comunicação.

Geralmente os profissionais da saúde vêem o usuário de um modo peculiar; eles são aptos para obter informações sobre aspectos relacionados diretamente à patologia do sistema biológico. Eles não estão suficientemente preparados para obter informações de modo integral da vida dos usuários. Humanizar a relação com o usuário supõe compreende-lo em todas as suas dimensões e inter-relações de modo a valorizar também a afetividade e sensibilidade10.

Nesse aspecto, é fator humanizante, o uso da entrevista-conversação11 se mostra como uma conversa continuada, ou seja, pode ser interrompida e ter continuidade em diferentes espaços físicos e temporais. Repetidos encontros favorecem a coleta de informações mais fidedignas, porque alguém pode não estar disposto a falar num determinado momento. Desta forma, o usuário não precisa «ser forçado» a falar, pois terá oportunidade nos próximos encontros. A entrevista-conversação continuada tende a ser profunda porque, tanto o profissional quanto o usuário, se sentem livres para se expressar, pelo fato de que a continuidade oportuniza uma relação de aprofundamento da confiança mútua.

Os profissionais da saúde precisam desenvolver competências para produzir informações de vida e saúde dos usuários, pois, é com base nessas informações que se dá a maneira humanizada do cuidado e ou o tratamento efetivo, planejado e praticado. A entrevista-conversação favorece o diálogo entre o profissional e o usuário e ambos passam a se conhecer melhor, o que ajudará a criar crescente respeito mútuo, e, principalmente, constituirá uma oportunidade pedagógica valorosa ao compartilhamento de saberes profissionais e populares sendo esta uma diretriz entre as ações de promoção da saúde.

As informações obtidas pela entrevista- conversação são úteis para qualificação do cuidado e podem, também, se constituir em dados de investigação na prática profissional. Para tanto, a linguagem do profissional precisa estar em sintonia com a cultura do usuário, a fim de que eles possam entender cada discurso um do outro; só deste modo, poderá emergir e se estabelecer o diálogo e com ele, um cuidado a humanizado12.

A humanização na gestão/administração de enfermagem no cenário da promoção da saúde. Os profissionais de enfermagem atuantes na gestão/administração do cuidado, na sua maioriasão educados, a partir de um modelo gerencial autoritário que valoriza o controle do trabalho de sua equipe em detrimento de uma prática centrada na eqüidade e na busca da participação de seus pares na tomada de decisões. Atualmente, instituições de saúde estão aderindo a novos modelos de gestão/administração baseados no referencial da humanização e garantindo a valorização da equipe do cuidado que inevitavelmente, refletirá no cuidado o de enfermagem ao usuário.

Dentro deste novo modelo, o gestor/administrador é responsável pela implementação de políticas e ações em favor dos direitos dos usuários que inclui o bom relacionamento entre estes, os funcionários e os profissionais, pois, estas ações se refletem no cuidado aos usuários; deste modo, o gestor prioriza a ética que valoriza a harmonização da excelência do cuidado com a da gestão pelo diálogo e pela honestidade, autenticidade, integridade, coerência, justiça e equidade13. A humanização representa um conjunto de iniciativas; todas visam a produção de cuidado em saúde capaz de conciliar a melhor tecnologia disponível com promoção de acolhimento, respeito ético e cultural ao paciente, espaços de trabalho favoráveis ao bom exercício técnico e a satisfação dos profissionais de saúde e usuários14. A gestão humanizada abrange uma política de co-participação na decisão, o que se expressa pela valorização da tecnologia da escuta de maneira a levar em conta a opinião dos trabalhadores nas decisões, seja qual for sua posição na instituição, o que facilitará o trabalho humanizado de cuidar.

Assim, a humanização em gestão da enfermagem, no cenário da promoção da saúde, redunda em qualificação das suas práticas, o que engloba: providenciar ambiência favorável ao desenvolvimento de relações humanizadas pela valorização dos trabalhadores e usuários; planejar o cuidado integral e equânime com responsabilização, acolhimento e vínculo; fomentar o trabalho em equipe multiprofissional; incentivar a formação de grupos de estudos envolvendo os profissionais de enfermagem e de outras áreas; estimular a educação permanente dos profissionais de enfermagem, não só em relação à parte técnica, mas também no que se refere à dimensão subjetiva dos profissionais face aos sentimentos e autoconhecimento individual e coletivo.

Para estabelecer uma relação humanizada, os profissionais precisam estar capacitados a identificar e responder às próprias necessidades e, reconhecer que o autoconhecimento é fundamental para desenvolvimento de cuidado humanizado15.

A humanização na educação formal de enfer­magemna promoção da saúde. O tipo de competência profissional que a enfermagem tem se esforçado em construir, se remete a formação de profissionais com capacidade de compreender e materializar um conjunto de conhecimentos para a produção do cuidado em saúde. Contudo, nas práticas, o cuidado, ainda está, na sua maioria, referenciado pelo modelo centrado na visão fragmentada da realidade e este modelo difere da política de cuidado na promoção da saúde. Competência é uma condição de «saber fazer» e de «refazer» permanentemente a relação do profissional com a sociedade16. Este processo requer conhecimento inovador que se caracteriza pela crítica diária seguida pela reconstrução do «saber fazer» voltado à humanização das ações de cuidado.

Vale questionar, como capacitar o profissional de enfermagem para compreender e assumir a responsa­bilidade de uma prática humanizada. O aprendizado da humanização do cuidado de enfermagem inicia-se no curso de graduação, que necessariamente deve incluir além do conhecimento científico e técnico, o conhecimento no campo das relações sociais e humanas abrangendo o âmbito ético, estético, político histórico e humanístico. Além desse embasamento, o enfermeiro precisa aprender a pensar, ser criativo e construir estratégias para materialidade dessa teorização em suas práticas profissionais cotidianas. Em toda a apren­dizagem dos enfermeiros, o destaque para a humanização passa a ser a valorização do encontro entre os saberes populares e os saberes técnicos como uma referência da promoção da saúde.

A humanização na educação implica também na capacitação dos docentes cujo ensino há de se fazer de forma a não transmitir receitas prontas, mas criar modos próprios de teorizar a prática profissional e modos de concretizá-la, sobretudo, investindo na capacidade crítica e inventiva para a constante renovação dessa prática profissional. A capacitação na educação inclui estratégias pedagógicas baseadas na democracia de maneira a incentivar a participação ativa do estudante no processo educativo, propiciar um ambiente que facilite a comunicação, e com isso, fazê-lo empreender a humanização nas suas futuras ações de cuidar. O processo de educação além de instrução e treinamento, inclui a formação de sujeitos com autonomia crítica e criativa16.

Possivelmente nos currículos de formação profissional, a nuance da educação formal de enfermeiros esteja situada no conceito e prática da integralidade do cuidado em cuja prática reside a qualidade ética imprescindível à humanização. Este é um sentido de construção de um movimento emancipatório do cuidado de forma a cobrir as necessidades do usuário.

A humanização pela pesquisa de enfermagem na promoção da saúde. A responsabilidade da enfermagem na política da humanização na prática da pesquisa inclui a consideração aos códigos de ética em relação à eleição dos enfoques e a finalidade da pesquisa face aos sujeitos dos estudos.

A finalidade da pesquisa de enfermagem é desenvolver uma base de conhecimento para orientar as suas práticas e conseqüentemente a melhoria da saúde da população, portanto não seria ético pesquisar apenas pelo prazer de pesquisar sem oferecer contribuição para inovações na prática profissional.

Muitos estudos de enfermagem sobre o tema da promoção da saúde, a conduta mais visível diz respeito a busca de informações sobre atitudes dos usuários em relação a eles próprios e sua saúde. De algum modo, o campo da prática da pesquisa na promoção da saúde, apresenta-se coerente com a aproximação entre saberes de profissionais e de usuários. Mesmo nesse tema há um retorno previsível quanto à qualificação de tecnologias leves de abordagens humanizadoras neste campo de trabalho.

Em relação aos sujeitos da pesquisa a ética inclui: a garantia da integridade do participante evitando sofrimento físico psicológico ou moral; o respeito pela dignidade humana, entendido como o direito da pessoa decidir de maneira consciente e voluntária sobre a participação ou não no estudo de pesquisa, direito a autodeterminação que inclui a liberdade dos participantes de agir de modo autônomo controlando sua própria atividade dentro do projeto de pesquisa17.

Nos campos de promoção da saúde a pesquisa que envolve contato presencial do pesquisador com os sujeitos, alguns destes, necessitam expressar fatos e sentimentos sobre sua vida pregressa que, na sua maioria, dispersam o tema da pesquisa. O pesquisador deverá escutar e responder as perguntas dos sujeitos da pesquisa, pois o enfermeiro investiga sem deixar de ser um profissional do cuidado durante o processo de pesquisa e, deste modo, deve estar consciente de sua responsabilidade com a humanização durante a investigação. A escuta sensível é um componente do acolhimento e um instrumento estratégico para estabelecer vínculos entre profissionais e usuários.

A humanização nas entidades profissionais de enfermagem. As entidades profissionais da enfermagem mostram visibilidade de suas marcas históricas e organizacionais, firmes por ser uma profissão definida em sua aproximação com cuidado humano. Neste aspecto, vale lembrar que a produção do cuidado traz novos sentidos com o que se pode chamar de mão-dupla ou seja, não apenas humanização dos serviços, mas a contribuição desses serviços para a humanização dos produtores do cuidado18.

Uma das mais fortes tendências na conjuntura político-social é a exigência de novas práticas éticas, carregadas de construtos em desdobramento de conceitos atinentes às mudanças, principalmente as de inclinação à liberdade democrática mundial com responsabilização coletiva, e busca continuada de um ethos mundial19. Atualmente, com a compreensão da liberdade de manifestação de diversas concepções de mundo, tem sido possível a adoção de diferentes paradigmas e a busca de referenciais mais críticos e mais humanizados no atendimento à saúde, onde reside, o cuidado de enfermagem.

As entidades representativas de organização profissional da enfermagem, apesar da sua característica formal convencional, vêm procurando mudanças e buscando o ritmo dos novos tempos políticos e sociais. Uma delas é a valorização profissional e a prática do trabalho coletivo, bem como o avançar na compreensão do trabalho em rede.

Embora cada entidade de enfermagem tenha seus fins específicos, todas, em nome da natureza profissional do cuidado de enfermagem, têm lutas em comum, pelas quais se fortalecem em ações conjuntas e separadas além de variadas frentes. Assim, enquanto o Sindicato envolve-se com os direitos dos trabalhadores nos seus processos de trabalho, as Associações Científico-culturais mais se dedicam a debates de temas do conhecimento e encaminhamentos de valorização profissional orientando e recomendando o que lhe é devido diante das políticas públicas; por seu turno, o Sistema de Conselhos de Enfermagem é aquele que representa o disciplinamento do exercício profissional, e suas características político-sociais em todo o território de um determinado país. Essas responsabilidades dos diversos órgãos encontram-se justamente por uma política social da profissão e responde ou mesmo antecede dificuldades com suas normas interpretadas com base nas leis refletindo assim os posicionamentos da enfermagem como profissão e conectando-se aos temas que interessam a toda a sociedade20.

A humanização das práticas de enfermagem depende de mudanças no modo de pensar e agir dos profissionais de maneira a valorizar a defesa da vida e, portanto, facilitem a materialização do funcionamento do sistema de saúde, especificamente da promoção da saúde como um todo. Parece simples, mas o processo de mudanças de atitudes é complexo e muito mais moroso do que as mudanças estruturais no ambiente físico das instituições. Não é por outra razão que a existência de entidades na profissão traz consigo a co-respon­sabilidade tanto do exercício político dos profissionais quanto do exercício profissional digno e justo à sociedade a que pertence.

CONCLUSÕES

A responsabilidade sócio-política da enfermagem frente a gestão da saúde humana corresponde à tarefa profissional de busca crescente de modos concretos para expressar novas estratégias de humanização nas práticas do cuidado.

A materialização das mais recentes políticas de saúde na enfermagem cresce em meio às transformações paradigmáticas fazendo emergir conceitos que são referidos para caracterizar as diferenças qualitativas requeridas ao viver humano no século atual. Para tanto, sua materialidade se sobrepõe a uma vigorosa rede das entidades de enfermagem, respeitadas duas finalidades específicas e articuladas em seus propósitos: fidelização qualitativa da enfermagem em sua expressão de cuidar e, ao lado disso, a participação política por uma sociedade mais humana, mais saudável, e mais protagonista da justiça e paz mundial.

Consubstanciar a humanização nos espaços da promoção da saúde implica no respeito à visibilidade da humanização em todos os espaços: cuidado, gestão, educação, pesquisa e entidades profissionais de enfermagem, configurando assim um núcleo formado pela comunicação dialógica, responsabilização, integralidade, capacitação, acolhimento, vínculo, eqüidade, cidadania, democracia e ética. Todas estas modalidades de humanização só se materializam pela mudança de postura do profissional para o trabalho multiprofissional exercido com base nas necessidades do usuário:biológicas, sócio-culturais, políticas, espirituais e ambientais.

Na seara da promoção da saúde, a política de humanização do cuidado requer um continuo exercício de inaugurações de modos de abordagens voltadas á competências na produção das relações sociais de todos os envolvidos nas situações de vida e saúde, sejam usuários dos serviços ou trabalhadores da saúde.


Conflito de interesse. Declaramos que não existe conflitode nenhuma instituição em relação ao conteúdo deste artigo. O conteúdo do presente texto consiste de uma reflexão com base na literatura e portanto, não houve procedimentos investigativos em locais que evolvem práticas eminstituições.


REFERÊNCIAS

1. Buss PM. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciênc Saúde Coletiva. 2000; 5: 163-77.         [ Links ]
2. Ministério da Saúde. Promoção da Saúde. Declaração de Alma-Ata, Carta de Otawa, Declaração de Adelaide, Declaração de Sundsvall, Declaração de Santa Fe de Bogotá. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.         [ Links ]
3. Buss PM. Uma introdução ao conceito de promoção da saúde. In: Czeresnia D, Freitas CM (eds.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 15-38.         [ Links ]
4. Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção da Saúde. As Cartas da Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde e Secretaria de Políticas de Saúde; 2002.         [ Links ]
5.Silva CM. Eqüidade e promoção da saúde na estratégia saúde da família: desafios a serem enfrentados. Ver APS. 2008; 11: 451-8.         [ Links ]
6. Ayres JRCM. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saude Soc. 2004; 13: 16-29.         [ Links ]
7. Trentini M, Paim L. Conflitos na construção do conhecimento na enfermagem: uma controvérsia persistente. Texto Contexto-Enferm. 1997; 6: 193-208.         [ Links ]
8. Merhy EE. O ato de cuidar: alma dos serviços de saúde. In: Merhy EE (ed.). Saúde: a cartografia do trabalho vivo em ato. São Paulo: Hucitec; 2002. p. 115-34.         [ Links ]
9. Merhy EE. A micro política do trabalho vivo em ato: uma questão institucional e território de tecnologías leves. In: Merhy EE (ed.). Saúde: a cartografia do trabalho vivo em ato. São Paulo: Hucitec; 2002. p. 41-66.         [ Links ]
10. Backer DS, Lunardi FWD, Lunardi VL. A construção de um processo interdisciplinar de humanização à luz de Freire. Texto Contexto-Enferm. 2005;14: 427-34.         [ Links ]
11. Trentini M. Pesquisa avaliativa. In: Trentini M, Corradi, EM (eds.). Avaliação: subsídios teórico-práticos para a gestão em saúde. São Paulo: Ícone editora; 2006. P. 93- 111.         [ Links ]
12. Bergold LB. Uma estratégia de cuidado e pesquisa junto a sistemas familiares no contexto da quimioterapia. [Tese de Doutorado] Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2009.         [ Links ]
13. Zoboli ELCP. Ética e administração hospitalar. 2ª ed. São Paulo: Loyola, Centro Universitário São Camilo; 2004.         [ Links ]
14. Deslandes FS. Análise do discurso oficial sobre humanização da assistência hospitalar. Ciênc Saúde Coletiva. 2004; 9: 7-14.         [ Links ]
15. Hoga LAK. A dimensão subjetiva do profissional na humanização da assistência à saúde: uma reflexão. Rev Esc Enferm. 2004; 38: 13-20.         [ Links ]
16. Demo P. Educar pela pesquisa. 7ª ed. Campinas: Autores Associados; 2007.         [ Links ]
17. Polit DF, Beck CT, Hungler BP. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: métodos, avaliação e utilização. Porto Alegre: Artmed; 2004.         [ Links ]
18. Teixeira RR. Humanização e atenção primária à saúde. Ciênc. Saúde Coletiva. 2005; 10: 585-97.         [ Links ]
19.Boff L. O Ethos mundial. Rio de Janeiro: Sextante; 2003.         [ Links ]
20. Leal DCM, Monteiro EM, Barbosa MA. Os horizontes da percepção do enfermeiro do PSF sobre os limites de sua legislação. Revista da UFG. [em línea] 2004 [data de acesso 8 out 2010]; 6(especial). Disponível: http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/familia/F_horizontes.html.        [ Links ]

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License