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Colombia Médica

On-line version ISSN 1657-9534

Colomb. Med. vol.42 no.2 suppl.1 Cali June 2011

 

Compreendendo cargas de trabalho na pesquisa em saúde ocupacional na enfermagem

Understanding workload in occupational health research on nursing

Ana Lucia Cardoso Kirchhof, PhD1, Maria Ribeiro Lacerda, PhD2, Leila Maria Mansano Sarquis, PhD3,
Tânia Solange de Bosi Magnago, PhD4, Ingrid Meireles Gomes, Enf5

1Professora Aposentada, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil, Pesquisador Visitante do Programa de Pós Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: kirchhof@terra.com.br
2Professora e Coordenadora, Programa de Pós Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.
e-mail: lacerda@milenio.com.br
3Professora do Programa de Pós Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: leila.sarquis@ufpr.br
4Professora do Programa de Pós Graduação em Enfermagem Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. e-mail: tmagnago@terra.com.br
5Enfermeira, Estudante do Curso de Mestrado em Enfermagem, Programa de Pós Graduação em Enfermagem,Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: inguide@gmail.com

Recebido para publicaçãofevereiro4, 2011Aceito para publicação abril 17, 2011


RESUMO

Introdução: O conceito de cargas de trabalho vem sendo usado pela enfermagem com vários significados, entre eles o de dependência do paciente e intensidade do trabalho. Propomos acrescentar a compreensão de cargas de trabalho como processos biopsíquicos com reflexos no corpo do trabalhador.
Desenvolvimento: Trazemos uma discussão teórica sobre esse conceito, tendo como base a contribuição latino-americana para este campo conceitual.
Reflexão final: Essa discussão possibilita novos caminhos teóricos para operacionalizar esse conceito na pesquisa e na prática profissional com enfoque na saúde do trabalhador. Igualmente, essa concepção na pesquisa em enfermagem contribui para aprofundar o estudo do processo de trabalho e sua relação com a saúde, de modo a analisar a contribuição dos seus componentes na saúde dos trabalhadores de enfermagem.

Palavras chave: Teoria de enfermagem; Carga de trabalho; Saúde do trabalhador; Enfermagem do trabalho; Pesquisa em enfermagem


SUMMARY

Introduction: The concept of workload has been used by nursing with multiple meanings. Among them, we have considered patient dependency and nursing intensity. We propose to add to this understanding that workloads are biopsychic processes with effects on the worker's body.
Development: We discuss this theoretical concept based on the Latin American contribution and the importance of theory in the conceptual field.
Final reflection: This discussion provides other theoretical ways to operate this concept in areas of research, focusing on the worker's health. Also, this concept in nursing research helps to further study the work process and its relationship with health to analyze the contribution of each component of this in the health nursing workers.

Keywords: Nursing theory; Workload; Occupational health; Occupational health nursing; Nursing research.


Conceitos são estruturas abstratas que podem assumir diversas definições, funções e posições conforme o modelo teórico adotado pelo pesquisador1. A função básica de um conceito é dar a conhecer a essência e descrever os atributos dos fenômenos. Percebemos a importância dessa temática na pesquisa em enfermagem, em estudos voltados às várias características de conceitos e às formas possíveis de realização de uma análise conceitual. Morse1, por exemplo, argumenta a importância de se saber como o conceito é usado, ou como está ligado a outros conceitos. Dessa forma, pode ser um atributo, ou parte de um conceito, pode ser um componente de uma teoria, ou mesmo uma teoria1. Rodgers, compreendendo esse assunto como básico para a construção de conhecimento em enfermagem, propõe um método, o ciclo evolutivo, tendo por base Walker & Avant, e considera este um método que auxilia na clarificação dos conceitos2. Por outro lado, Paley3 faz uma provocação aos autores em enfermagem, defendendo que não são os conceitos construtores das teorias, mas, ao contrário, são as teorias que formam os conceitos. Ou seja, os conceitos são nichos criados pelas teorias e sem os quais elas não passam de um vago exercício semântico.

Argumentamos, para efeito dessa discussão, que a compreendemos sob o paradigma da dialética, na qual os conceitos ao mesmo tempo em que são compostos por um arcabouço teórico, ajudam na sua composição, pois certamente que possuem atributos que os diferenciam entre si, tendo pesos diferenciados na composição dos enunciados teóricos. Esta discussão, sobre os modos de compreender as funções de um conceito, é pertinente a este estudo, pois o conceito de cargas de trabalho (CT), objeto desta reflexão teórica, é utilizado pela enfermagem em várias regiões do mundo, com diferentes acepções. Essas diferentes acepções, certamente, determinam a maneira de compreender este fenômeno, e, mais que isso, de operacionalizá-lo. Na enfermagem CT é conhecida com uma variedade de significados, ligados ou não ao cuidado direto do paciente. De modo a compreender melhor como esse conceito pode contribuir no desenvolvimento da profissão e na construção da ciência da enfermagem, desenvolvemos este estudo.

Este texto está organizado do seguinte modo: na primeira parte elucidamos nosso objeto de estudos, mostrando como CT se relaciona com a saúde dos profissionais de enfermagem. Na segunda parte fazemos uma relação entre o trabalho da enfermagem (TE) e CT, diferenciando cada uma dessas dimensões no processo de trabalho em enfermagem. Na terceira parte fazemos uma apresentação das bases teóricas da compreensão latino-americana de CT. Na quarta parte diferenciamos o conceito de risco e de CT e, por fim, na quinta parte, concluímos com as implicações dessa compreensão para a construção do conhecimento em enfermagem.

AS CONCEPÇÕES SOBRE CARGAS DE TRABALHO E A ENFERMAGEM

Identificamos na literatura internacional da enfermagem como possíveis descrições para CT o grau de dependência do paciente, a severidade da sua doença, o tempo de trabalho da enfermagem, a complexidade da atividade e as atividades não relacionadas diretamente ao paciente, tais como atender a familiares e organizar as atividades4. Morris et al.4, em um estudo de revisão sobre a conceituação de cargas de trabalho na enfermagem, nos motivou a escrever esta reflexão, dado que ele parte de uma busca, ao nosso ver restritiva, sobre a intensidade do trabalho e a dependência do paciente. E o que encontra? A necessidade de se compreender melhor as diferenças entre os conceitos de trabalho da enfermagem e de cargas de trabalho, e propõe um modelo de conceitualização. Esse modelo considera as habilidades profissionais, a severidade da doença do paciente e sua dependência da enfermagem, o tempo necessário para realização do trabalho, bem como as atividades não relacionadas ao cuidado do paciente, como cargas de trabalho4. Assim, percebe-se que há uma dimensão ainda pouco divulgada desse conceito na literatura mundial de enfermagem, qual seja a que trata das relações entre o trabalho e a saúde dos profissionais. Embora seja pouco estudada, entendemos que esta dimensão é fundamental para se compreender o trabalho da enfermagem, seus significados para o trabalhador e as relações entre as condições de trabalho e as reações produzidas no corpo do trabalhador. O conhecimento dessa ordem de fenômenos viria contribuir para melhor gerenciar nosso trabalho, de modo a considerar o uso das técnicas, dos conhecimentos e das tecnologias em favor da melhoria do processo de trabalho da enfermagem. Viria aumentar o conhecimento sobre o impacto que as cargas de trabalho têm na gestão do trabalho e na assistência ao paciente4. Sendo assim, consideramos essa outra abordagem uma ampliação ao conceito de cargas de trabalho tradicionalmente usado, pois em uma revisão sobre o assunto, nos pareceu que tal amplitude não é assumida pela enfermagem no seu todo, especialmente em estudos europeus, norte americanos e asiáticos, tanto nos que usam tal descritor nas suas publicações4,5, como aqueles que não o usam, mas poderiam usá-lo6-10. Percebemos que há uma diferenciação na definição e na operacionalização das cargas de trabalho no contexto latino-americano11-13. Por isso, entendemos como pertinente uma apresentação dessas diferenças, de modo a contribuir para a construção desse conhecimento para a enfermagem.

Enquanto um conceito bastante usado pela enfermagem, CT pode manifestar demanda de trabalho- que inclui tanto demandas do paciente e relacionadas à ele4, quanto aspectos relacionados ao trabalho e que podem interagir com o corpo do trabalhador provocando desgaste9,12,14-17. Essa ultima forma de compreender CT foca na aplicação de uma teoria da saúde ocupacional, de origem latino-americana, e que será abordada nesse artigo, com vistas a trazer subsídios para sua compreensão. Nosso objetivo é mostrar que a abordagem trazida, além de focar na saúde do trabalhador de enfermagem, oferece outra perspectiva para a compreensão das demandas de trabalho, para ajudar no calculo de pessoal4 e para explorar possíveis causas de absenteísmo18 e da saída precoce de trabalhadores de enfermagem dos seus postos de trabalho19,20. A grande quantidade de estudos relacionados a esses assuntos indica sua importância para a prática e pesquisa em enfermagem, na tentativa de trazer subsídios para a profissão21-24.

Para essa discussão procuramos autores da enfermagem que têm se aprofundado sobre essas questões teóricas, que subsidiam as pesquisas, as teorias na enfermagem, tanto no aspecto de analise conceitual e seus modos de desenvolvimento quanto da importância dessas discussões para o conhecimento da profissão1-3.

Assim, embora Morse1 tenha proposto técnicas qualitativas para analise conceitual, entendemos ser mais apropriado para o propósito deste artigo relacionar o conceito de CT com as teorias latino-americanas que dão suporte a outra dimensão da sua compreensão. O artigo publicado por Paley3 ajudou-nos a escolher o caminho desta discussão, uma vez que esse autor, ao mostrar os motivos da necessidade de se clarificar o uso dos conceitos, apresenta três motivos a serem considerados: para desenvolver teoria; porque a operacio­nalização de conceitos permite aos pesquisadores identificar o que é mais importante ou mesmo para criar instrumentos de medição e, por ultimo, o autor destaca que a análise conceitual melhora a prática, ao oferecer melhor compreensão do que um termo significa. Ainda acrescenta que na enfermagem muitos conceitos centrais para a profissão são usados coloquialmente, e por isso estão contaminados com a imprecisão e a ambigüidade desta linguagem3. As palavras deste autor justificam a nossa preocupação, ao investir nessa contribuição ao uso do conceito CT.

A escolha desse caminho teórico foi realizada mediante a contribuição das abordagens teóricas da Epidemiologia Social25-27 e da saúde ocupacional, mostrando o entendimento que essas áreas de conhecimento têm sobre CT.

TRABALHO DA ENFERMAGEM E CARGA DE TRABALHO NA ENFERMAGEM

Convém diferenciar os conceitos de trabalho da enfermagem (TE) e de carga de trabalho na enfermagem (CTE), uma vez que são definidos e medidos de modos diferentes e freqüentemente contraditórios4. Segundo Morris et al «It is vitally important to understand these differences when using such conceptualizations to measure nursing workload»4.

Iniciemos, então pela compreensão de TE, na perspectiva da Teoria do Processo de Trabalho28. Para a definição de TE, far-se-á uma analogia com a teoria sociológica de Marx28 sobre o trabalho e sua definição de conceitos, tais como objeto de trabalho (OT), instrumentos de trabalho (WT), necessidades dos nossos clientes, enfermos ou não, e a finalidade que motivou o trabalho.

O processo de trabalho da enfermagem, aqui exposto como TE ocorre porque existe uma necessidade social do mesmo, de modo que os profissionais da enfermagem são requisitados para realizar determinadas atividades, específicas da enfermagem. Tanto é assim, que o mercado empregador da enfermagem tem buscado saber os motivos de fixação ou saída precoce dos profissionais da enfermagem do seu trabalhol19,20. Por outro lado, o objeto de trabalho da enfermagem (OTE) pode ser um indivíduo, um grupo de indivíduos, familiares, doentes ou sadios, dependendo do setting onde ocorre o trabalho. O OT é considerado como aquilo no qual o trabalho é aplicado a fim de produzir uma transformação. Por trabalharmos com seres humanos, costumamos dizer que nosso objeto é um sujeito, que se manifesta, comenta suas preferências, expõe suas necessidades, faz críticas ao nosso trabalho e nos elogia. Por sua vez, os WT são artifícios que os profissionais usam para desenvolver suas atividades, tais como os materiais em geral, equipamentos que auxiliam os profissionais a transformar seu OT, e as teorias, o conhecimento. A finalidade do trabalho representa a projeção (projeto) das expectativas do profissional ao realizar o trabalho. Ela pode ou não ser alcançada, dependendo das condições clínicas e de contexto sócio-cultural do OT, bem como das condições de trabalho, das habilidades e conhecimento do profissional, etc (Figura 1).

Ao assim analisar o TE, parece-nos mais evidente sua diferença de CTE. CTE está relacionada ao trabalho, mas como uma parte dele. É uma parte que resulta da interação entre o corpo do trabalhador, o trabalho desenvolvido e o ambiente de trabalho.

BASES TEÓRICAS DA COMPREENSÃO LATINO-AMERICANA DE CARGAS DE TRABALHO

A definição de CT adotada por este estudo é de «elementos do processo de trabalho que interatuam dinamicamente entre si e com o corpo do trabalhador, gerando processos de adaptação que se traduzem em desgaste»11. Desgaste, por sua vez, é a «perda da capacidade potencial e/ou efetiva corporal e psíquica do trabalhador em adaptar-se às condições adversas encontradas no ambiente de trabalho»11. Estes autores argumentam que todo o trabalho causa desgaste e que as doenças relacionadas ao trabalho iniciam por um processo de desgaste, aparecendo sinais e sintomas, como reações alérgicas, dor nas costas, fadiga, ansiedade, entre outros. A manifestação da doença pode ser mais tardia, caso as CT persistam no processo de desgaste e caso a reposição da capacidade bio-funcional do corpo do trabalhador não se refaça suficientemente no seu período de folga. A importância de se conhecer as CT presentes em um ambiente de trabalho está na possibilidade de controlá-las, de modo a reduzir seus efeitos.

As CT se subdividem em físicas, químicas, biológicas, mecânicas, fisiológicas e psíquicas. As fisiológicas e psíquicas possuem materialidade interna ao corpo do trabalhador, enquanto as demais possuem materialidade externa. Essa distinção é feita, pois as cargas fisiológicas e psíquicas só manifestam-se por meio de um distúrbio ou de uma doença, enquanto que as demais- de materialidade externa- são passíveis de observação no ambiente de trabalho.

Como cargas físicas são consideradas o ruído, o calor e o frio, a umidade, a iluminação, o contato com fibras vegetais, as radiações ionizantes, que, ao intera­girem com o corpo do trabalhador provocam processos intra-corporais complexos, desencadeando mecanismos de adaptação, tais como, irritação, sudorese, resfriado, reações alérgicas, efeitos biológicos. As cargas químicas são os pós, os medicamentos, a fumaça, os vapores, os gases, os líquidos (anticépticos, desinfe­tantes, esterilizantes, etc.) e as pastas. São substâncias presentes no ambiente de trabalho, algumas manipuladas pelo trabalhador para atingir a finalidade do seu trabalho -como o preparo dos medicamentos. As cargas biológicas são os inúmeros micro-organismos (provenientes de doenças infecto-contagiosas, fluidos e secreções, manipulação de materiais contaminados) e vetores, que normalmente nos ambientes de trabalho da enfermagem adquirem diferenças quali­tativas, sendo mais infectantes. As cargas mecânicas são derivadas dos instrumentos de trabalho e materiais que compõem o ambiente de trabalho, quando esses não recebem a devida manutenção, ou não são projetados e/ou instalados adequadamente e se convertem em lesões, como as contusões, as fraturas, as feridas - no caso de acidentes. As cargas fisiológicas são derivadas do esforço físico, das posições incômodas e inadequadas, da ruptura no ciclo circadiano provocada pela alternância no turno de trabalho. Já as cargas psíquicas podem ser classificadas em dois grupos: sobrecarga psíquica e sub-carga psíquica. A sobrecarga psíquica é causada por situações de tensão prolongada, enquanto a sub-carga, pelo uso limitado do conhecimento e habilidades do trabalhador em desenvolver seu trabalho. Como exemplos de cargas psíquicas temos a monotonia, a repetitividade, o trabalho parcelado, trabalho em ritmo acelerado, a interferência de outros trabalhos, retardando o alcance da finalidade, a atenção permanente, o tipo de supervisão- muita exigência, falta de autonomia, entre outras.

DIFERENCIAÇÃO ENTRE O CONCEITO DE RISCO E DE CARGAS DE TRABALHO

Certamente, que ao ler essas definições podemos encontrar inúmeros exemplos de situações que já vimos e/ou vivenciamos na nossa vida profissional. A validade desse conhecimento está amplamente respaldada. Mas, resta-nos ainda, diferenciá-lo sob o ponto de vista epistemológico, ou seja, que propriedades diferenciam a definição de cargas de trabalho e de risco? Há alguma diferença entre empregar a palavra risco ou carga de trabalho em um estudo? Se há, que diferenças são essas? Ou, de outro modo, por que usar o conceito de cargas de trabalho e não o de risco? Sabemos que a Epidemiologia utiliza em larga escala o conceito de risco e que há importantes estudos analíticos que contribuíram fortemente no estudo das relações causais, inclusive na área da saúde ocupacional. Os autores do conceito de CT que trazemos aqui, como contribuição latino-americana11, contudo, defendem o seu uso no arcabouço teórico do processo de trabalho, o que possibilita a análise de elementos que interatuam dinamicamente entre si e o corpo do trabalhador, em um nexo causal biopsíquico. Ou seja, ao investigar o conceito de risco isolamos um fator, ou um grupo de fatores de risco em relação a um desfecho- uma doença, por exemplo. Já, ao investigar as CT, teremos que analisar o processo de trabalho de um grupo e, a partir dele, especificar suas inter-relações, pois um ruído, por exemplo, além de ser uma carga física, poderá se apresentar como uma carga psíquica, contribuindo exponencialmente para o desgaste17. Sendo assim, na análise do risco29 ou dos fatores de risco, ou grupos de risco, se analisa elementos isolados entre si e sua contribuição para o desfecho, enquanto que ao empregar esta compreensão de carga de trabalho estaremos nos referindo a elementos que interatuam entre si, dando outra qualidade ao desgaste (ou desfecho). Daí a importância da compreensão de como se dá a orga­nização (fluxo, interdependência de outros profissionais, relações de autoridade e poder, uso de tecnologia) e a divisão do trabalho (quem faz o que) no processo de trabalho, pois esses elementos são componentes fundamentais para a análise das cargas de trabalho. Eles podem compor, por exemplo, cargas de trabalho fisiológicas, mecânicas, psíquicas.

IMPLICAÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS DO USO DE CARGAS DE TRABALHO NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NA ENFERMAGEM

Tendo em conta as colocações acima é pertinente que consideremos algumas implicações teórico-práticas da escolha por essa forma de compreensão das cargas de trabalho para seu uso em pesquisa.

Considerar o ambiente de trabalho como objeto de pesquisa não é novidade. A inovação talvez seja compreender que esse espaço é compartilhado por vários trabalhadores e que, dado o tempo despendido pelas pessoas no trabalho, entramos em uma esfera de problemas compartilhados, com implicações na causalidade dos adoecimentos. A superação do paradigma mais tradicional na pesquisa em saúde, ou seja, aquele em que os adoecimentos poderiam ser analisados deixando de lado o contexto social dos seus portadores, está superado. Nem mesmo as doenças tumorais podem ser estudadas sem levar-se em conta que, para melhor compreender o processo saúde e doença e escolher as melhores medidas terapêuticas, há que se levar em conta a inserção social do indivíduo, no âmbito do que ele tem acesso na sociedade. O trabalho faz parte dessa inserção social e os profissionais da saúde e pesquisadores precisam valorizar essa dimensão.

Os enfoques da sociologia médica30 e da medicina social31 incluem elementos importantes na análise do processo saúde e doença, contribuindo para ampliar nossa percepção dos objetos em estudo.

O estudo aprofundado da teoria do processo de trabalho e seus componentes alargam os horizontes de compreensão epistemológica da nossa atividade. Ajudam-nos a definir mais e melhor nossos objetos epistemológicos, contribuindo para o desvendamento da trama de relações que o mundo da prática nos desafia a aceitar, compreender e contribuir com conhecimento, ciência. Assim, a ciência faz-nos perceber que às vezes é nosso objeto de trabalho um problema a superar - precisa ser mais bem conhecido, às vezes, necessitamos de mais fundamentos teóricos para compreender o mundo a nossa volta, ou então, nossos instrumentos de trabalho estão defasados, não nos ajudam mais como precisaríamos.

Investigar a relação saúde e doença na perspectiva teórica das cargas de trabalho impõe a quem se interessar superar alguns métodos aí já colocados, aperfeiçoando as deficiências que ainda existem


Conflito de interesse. Declaramos não haver conflito de interesse com a instituição que patrocinou a pesquisa, nem com as instituições dos autores do estudo.


AGRADECIMENTOS

Estamos muito agradecidas a Fundação Araucária do Estado do Paraná, Brasil, pelo financiamento e ao Programa de Pos Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Paraná por seu apoio.


REFERENCIAS

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