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Opinión Jurídica

versão impressa ISSN 1692-2530

Opin. jurid. vol.16 no.32 Medellín jul./dez. 2017

https://doi.org/10.22395/ojum.v16n32a6 

ARTIGOS

Circulação de modelos, direitos e garantias fundamentais: o caso do “Amparo” mexicano*

Circulation of fundamental models, rights and guarantees: the case of the Mexican “shelter”

Circulación de modelos, derechos y garantías fundamentales: el caso del “Amparo” mexicano

Luís Fernando Sgarbossa** 

Geziela Iensue*** 

** Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil. Mestre em Direito pela mesma universidade. Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil, e professor adjunto da Faculdade de Direito da UFMS. E-mail: lfsgarbossa@uol.com.br

*** Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Professora adjunta do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil. Pesquisadora bolsista do programa Desenvolvimento Científico Regional (DCR) da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT) em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: igeziela@gmail.com


RESUMO

O direito comparado estuda, entre outros aspectos, a circulação de modelos entre diferentes sistemas jurídicos. Aspecto relevante em tal análise, ainda carente de estudos mais aprofundados, é a circulação de modelos entre ordenamentos jurídicos nacionais e o ordenamento jurídico internacional, o que pode ocorrer em ambos os sentidos. O presente artigo examina um caso de circulação de modelos jurídicos entre sistemas nacionais e entre um sistema nacional e o direito internacional dos direitos humanos, a partir do instituto denominado amparo, oriundo do direito constitucional mexicano. Propõe-se, assim, examinar como aquele sistema constitucional influenciou inúmeros outros sistemas jurídicos não apenas na América Latina, mas também em outros continentes, e como influenciou, ainda, o direito Internacional, por meio do referido instituto, deixando sua marca em importantes documentos e instrumentos internacionais de proteção integrantes do Sistema Global e do Sistema Regional Interamericano de proteção dos direitos humanos.

Palavras-chave: amparo mexicano; circulação de modelos jurídicos; direito internacional; sistemas jurídicos nacionais

ABSTRACT

Comparative law examines, among other aspects, the circulation of models between different legal systems. An interesting aspect in this analysis, still lacking further study, is the circulation of models between national legal systems and the international legal system, which can occur in both directions. This article examines a case of circulation of legal models between national systems, and between a national system and the International Law system on Human Rights, in the light of the concept of “shelter”, which originates from Mexican Constitutional Law. It is proposed therefore to examine how that constitutional system influenced a number of other legal systems, not only in Latin America but also in other continents, and how it influenced also international law through the concept of “shelter”, leaving its mark on important international documents and instruments of integral protection of Global and Inter-American Systems of protection of Human Rights.

Keywords: circulation of legal models; Mexican shelter; national legal systems; international law

RESUMEN

El derecho comparado estudia, entre otros aspectos, la circulación de modelos entre diferentes sistemas jurídicos. Aspecto relevante en tal análisis, que aun necesita de estudios más profundizados, es la circulación de modelos entre ordenamientos jurídicos nacionales y el ordenamiento jurídico internacional, lo que puede ocurrir en ambos sentidos. El presente artículo examina un caso de circulación de modelos jurídicos entre sistemas nacionales y entre un sistema nacional y el derecho internacional de los derechos humanos, desde el instituto denominado amparo, proveniente del derecho constitucional mexicano. Se plantea, así, analizar cómo aquel sistema constitucional influyó inúmeros otros sistemas jurídicos no solo en Latinoamérica, sino también en otros continentes, y cómo influyó, incluso, el derecho internacional por medio de tal instituto, dejando su huella en importantes documentos e instrumentos internacionales de protección integrantes del Sistema Global y del Sistema Regional Interamericano de protección de los derechos humanos.

Palabras clave: amparo mexicano; circulación de modelos jurídicos; derecho internacional; sistemas jurídicos nacionales

INTRODUÇÃO

O presente estudo abordará um fenômeno que é objeto do direito comparado, a saber, a denominada circulação de modelos - tendo por referência um instituto que se caracteriza por uma garantia fundamental ou remédio constitucional o “amparo” mexicano. Tal instituto, tendo nascido no direito constitucional mexicano do século XIX, como se verá, revelou-se muito influente, tendo sido transplantado para diversos outros sistemas jurídicos nacionais ou tendo neles inspirado instituições jurídicas.

Um aspecto relevante de tal instituição jurídica é o fato de ter influenciado também o direito internacional dos direitos humanos e ter marcado diversos documentos e instrumentos internacionais de diferentes sistemas de proteção, como se verá. Adota-se aqui, ademais, perspectiva defendida pelo professor Hector Fix-Zamudio, segundo a qual os direitos fundamentais são direitos humanos constitucionalizados (Fix-Zamudio, 1993a) e, portanto, as garantias fundamentais - ou remédios constitucionais -, como é o caso do amparo, são institutos de proteção de direitos humanos e de direitos fundamentais.

Inicialmente, o artigo explorará o fenômeno denominado circulação de modelos e o fenômeno correlato da recepção de direito, ambos objetos do direito comparado. Em seguida, examinará em que consiste o instituto do amparo mexicano, historiando brevemente suas origens e evidenciando algumas de suas características principais no ordenamento jurídico em que surge.

Após, será objeto de breve exploração o processo de difusão do instituto, ou seja, a circulação de tal modelo jurídico, a partir do direito mexicano, para outros sistemas jurídicos da América Latina e de outros continentes. O último tópico, por sua vez, terá por objeto um relevante fenômeno de circulação do modelo em questão do direito mexicano para o direito internacional dos direitos humanos.

Ao final, serão evidenciadas algumas peculiaridades demonstradas pelo fenômeno da circulação do modelo em referência tanto no que diz respeito à relação entre ordenamentos jurídicos nacionais quanto à relação entre os ordenamentos jurídicos nacionais e o ordenamento jurídico internacional.

1. O DIREITO COMPARADO E A CIRCULAÇÃO DE MODELOS

A despeito de a disciplina do direito comparado contar com mais de cem anos de existência - eis que suas origens no sentido contemporâneo remontam ao século XIX -, ainda são mais ou menos difundidos alguns equívocos a respeito da temática. Um erro comum é considerá-la como mero método, e não como ramo da Ciência Jurídica (Agostini, 1988; Ancel, 1980; Sgarbossa & Iensue, 2008).

O melhor entendimento, contudo, é o de que esta ostenta o caráter de verdadeira disciplina científica, uma vez que goza de autonomia científica e didático-pedagógica, possuindo objeto e métodos próprios, além de já constituir um corpo sistematizado de teorizações bastante abrangentes (Dantas, 2010).

Outro equívoco comum é o de considerar-se o direito comparado como simples comparação de textos legais. Contrariamente, a disciplina atualmente é dotada de uma razoável sofisticação metodológica (Constantinesco, 2000) e há muito já não se reduz à comparação de textos normativos, abrangendo também o recurso à doutrina, à jurisprudência e a outros elementos (Dantas, 2010).

Há que se destacar aspecto conexo com tal ponto, a saber, o fato de que nem todo Estudo juscomparativo consiste em uma comparação mais ou menos estática de institutos ou normas jurídicas equivalentes em dois ou mais ordenamentos jurídicos (Sgarbossa & Iensue, 2008).

Muitos estudos juscomparativos se valem de uma perspectiva ao mesmo tempo histórica e comparativa, e evidenciam, assim, o desenvolvimento dos sistemas cotejados no tempo e em sua dinâmica, traduzida em suas modificações.

Nesse contexto, há que se ressaltar existir importante objeto de investigação do direito comparado, consistente no fenômeno denominado de circulação de modelos (Sacco, 1980).

Tal expressão refere-se ao amplo e disseminado processo de propagação ou difusão de instituições jurídicas que existe no mundo desde tempos imemoriais e que constitui parte importante na construção de todo e qualquer sistema jurídico e de toda e qualquer tradição jurídica.

A circulação de modelos é expressão que designa, portanto, o amplo processo de exportações e importações de modelos jurídicos - sejam eles normas ou institutos - entre diferentes sistemas jurídicos1.

O fenômeno evidentemente é de grande complexidade e reclama esforço teórico importante para sua compreensão, sendo que uma teoria bastante sofisticada vem se formando por força dos estudos da circulação de modelos (Grande, 2009)2. O elemento central do processo globalmente referido como circulação de modelos é o processo denominado recepção de direito. A expressão recepção de direito faz referência à recepção material, inconfundível com a recepção formal ou reenvio (Bobbio, 2010)3.

A recepção, aspecto parcial do fenômeno mais amplo da circulação de modelos, pode se dar por diversos motivos, como por imposição - caso dos países derrotados após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo - ou por imitação espontânea - que são os casos mais frequentes. A recepção de direito pode, ainda, ser global ou parcial, conforme se transponha a integralidade de um ordenamento ou apenas alguns elementos dele (Sgarbossa & Iensue, 2008).

A circulação de modelos e a recepção de direito são constitutivos de boa parte dos ordenamentos jurídicos, como comprova a história do direito e o direito comparado, especialmente quando analisa as famílias ou grandes sistemas do direito.

Assim, os ordenamentos jurídicos nacionais, no todo ou em parte, exportam e recebem elementos dos mais variados entre si. É o caso da recepção de direito inglês pelo direito norte-americano, do direito norte-americano na América Latina, do direito francês na América Latina, na África e na Ásia, e assim por diante (Miranda, 2003).

Não é preciso muito esforço para perceber a complexidade desses processos e os problemas que deles podem decorrer. É evidente que uma norma ou instituição jurídica oriunda de um sistema jurídico nacional específico parte que é de um sistema social mais amplo (Raz, 1986) para a ambiência deste; isso pode gerar diversos problemas se aquela for transplantada para contextos diversos, tais como pouca ou nenhuma funcionalidade, operação contrária à intenção do legislador, entre outros4.

Convém observar que historicamente a circulação de modelos ocorreu com determinadas características predominantes. Durante muito tempo, a direção da circulação de modelos se deu no sentido Leste-Oeste, ou seja, da Europa para a América, ou do velho para o novo mundo. Em período histórico mais recente, no entanto, houve exportação de modelos no sentido inverso, notadamente quando o direito norte-americano passou a exportar seus modelos para o velho mundo (Grande, 2009).

Outra direção tradicionalmente adotada pela circulação de modelos é a que vem do hemisfério norte no sentido do hemisfério sul, ou do mundo desenvolvido para o mundo subdesenvolvido/em desenvolvimento.

De todo modo, parece existir um elemento que envolve o prestígio de cada sistema - sua imagem ideal - para explicar a dinâmica de determinados sistemas serem exportadores mais do que importadores ou vice-versa, bem como da variação desse papel (Grande, 2009)5. Diversos outros aspectos dos fenômenos da circulação de modelos e da recepção de direito poderiam ser aqui abordados. Porém, o aqui registrado parece suficiente para adentrar no objeto de estudo propriamente dito, a saber, o remédio constitucional mexicano denominado amparo, para, após, examinar seu processo de difusão.

2. O AMPARO MEXICANO E SUAS ORIGENS

O amparo consiste em um amplo mecanismo de proteção judicial de direitos fundamentais e caracteriza-se como remédio constitucional ou garantia fundamental. Embora a terminologia seja vacilante e apareçam termos equívocos e plurívocos (tais como recurso de amparo, juízo de amparo e outros) (Ferrer Mac-Gregor, 2013), e apesar de certa discussão doutrinária sobre sua natureza jurídica (Fix-Zamudio, 1993a; Pizzolo, 2006), perfilha-se aqui entendimento no sentido de tratar-se de uma ação constitucional de tutela de direitos fundamentais (Ferrer Mac-Gregor, 2013)

No sistema constitucional mexicano, a ação é uma garantia universal que cumpre as funções do habeas corpus, do habeas data, de outras ações mandamentais de tutela de direitos fundamentais - como o mandado de segurança brasileiro - entre outros writs constitucionais (Pizzolo, 2006).

Assim, Héctor Fix-Zamudio (1993b), Calogero Pizzolo (2006) e outros estudiosos identificam pelo menos cinco dimensões no instituto mexicano, em sua configuração atual: amparo-liberdade, amparo contra decisões judiciais, amparo contra leis, amparo contencioso administrativo e amparo social.

O amparo-liberdade corresponde, grosso modo, ao instituto do habeas corpus. O amparo contra decisões judiciais é um instituto que visa proteger a legalidade, cassando atos judiciais reputados ilegais. O amparo contra leis é remédio contra leis inconstitucionais. O amparo contencioso administrativo é o instrumento hábil para a proteção de direitos fundamentais em relações de direito administrativo e/ou fiscal. E, por fim, o amparo social é instrumento de defesa de camponeses e de populações rurais (Fix-Zamudio, 1993a)6.

Tal mecanismo de proteção foi fruto de longo processo de desenvolvimento, surgindo originariamente no século XIX, mais precisamente em 1841, tendo sido consagrado na Constituição do Estado de Yucatán daquele ano e tendo sua criação atribuída ao jurista mexicano Manuel Crescencio García Rejón y Alcalá (Ferrer Mac-Gregor, 2006).

A fonte de inspiração comumente indicada é o Habeas Corpus Act de 1679, a constituição estadunidense de 1787 e ainda o emblemático precedente Marbury v. Madison, de 1803 (Ferrer Mac-Gregor, 2013), restando evidente a influência do sistema constitucional norte-americano sobre o homólogo mexicano. Apesar de tais origens, há que se observar, com Fix-Zamundio (1993b), que o instituto possuiria antecedentes ibéricos mais antigos, presentes especificamente no direito castelhano e no direito aragonês, notadamente no processo foral de proteção das liberdades dos súditos em face do soberano7. O instituto passou a integrar o direito constitucional federal mexicano com as reformas constitucionais de 1847 e, posteriormente, foi mantido pela Constituição mexicana de 1917, em seus artigos 103 e 107.

É relevante observar o surgimento de instituições paralelas na Europa Central, mais ou menos no mesmo período histórico em que surge o amparo mexicano. Com efeito, no século XIX, começam a surgir institutos de proteção política ou judicial de direitos fundamentais na Áustria e nos Estados alemães que, posteriormente, irão desembocar nos célebres “recursos constitucionais” ou “recursos de direito público” (Staatsrechtlichesbeschwerde e Verfassungsbeschwerde) até hoje existentes nos sistemas constitucionais suíço, austríaco e alemão (Cappelletti, 1961)8.

Ainda quanto a este aspecto, interessante paralelo consiste no fato de que, em alguns casos pelo menos, o instituto conheceu positivação primeiramente em nível estadual e apenas posteriormente em nível federal, tal como ocorreu com o amparo mexicano. O exemplo mais notável é o da reclamação constitucional federal alemão, oriundo do direito constitucional do Länd da Bavária ou Baviera (Cappelletti, 1961).

De maneira geral, a partir de uma perspectiva comparativa, constata-se que podem ser objeto do amparo todo ato ou ameaça de violação concreta de direitos fundamentais, sendo cabível, em alguns casos, até mesmo contra atos normativos dotados de eficácia geral (Ferrer Mac-Gregor, 2006). Podem figurar no polo ativo dos processos de amparo as pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou privado, que sejam titulares de direitos ameaçados ou violados por ato de autoridade pública ou de particular. Há casos de legitimação extraordinária, contemplando instituições como o Ministério Público, o Ombudsman ou entidades associativas (Ferrer Mac-Gregor, 2006).

A legitimidade passiva é reservada aos responsáveis pela violação alegada, pouco importando se tratar de pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, sendo o remédio oponível, portanto, inclusive em face de particulares9. O instituto mexicano possui diversas características típicas dos remédios constitucionais, como, por exemplo, a gratuidade, a celeridade, o cumprimento imediato dos atos, a oralidade, a publicidade, a informalidade, a desnecessidade de capacidade postulatória, entre outros (Pizzolo, 2006).

Outro aspecto digno de nota é o fato de que o caráter da ação popular do instituto, em sistemas constitucionais como o mexicano, que acarreta a dispensa até mesmo da capacidade postulatória, deu lugar à denominada suplencia de queja deficiente - baseada no princípio iura novit curia -, mediante a qual pode o juiz de ofício corrigir equívocos do impetrante na propositura da ação (Fix-Zamudio, 1993b).

Há que se observar, no entanto, que o instituto é regido por um princípio de subsidiariedade. Isso significa, em termos práticos, que sua utilização é inviável quando se fizer presente outro recurso jurídico eficaz para sanar a situação de alegada violação de direitos fundamentais ou ainda que se exija o prévio esgotamento dos recursos para que seu manejo seja viável (Fix-Zamudio, 1993a). De todo modo, o requisito da subsidiariedade não é absoluto e a jurisprudência de diferentes países registra hipóteses de sua relativização.

O exercício do direito de amparo não raro se encontra sujeito a prazos decadenciais, de modo análogo a instituições paralelas no direito estrangeiro e ao mandado de segurança brasileiro. Existem, ainda, eventualmente, condições para seu exercício, tais como a demonstração de ocorrência de lesão grave ou de arbitrariedade quanto ao ato impugnado, além de outros requisitos materiais que podem ser limitativos do instituto (Pizzolo, 2006).

Há farta literatura sobre o amparo latino-americano, por alguns denominado de amparo ibero-americano, de modo que esta visão geral, ainda que superficial, parece suficiente para os fins do presente artigo. Este estudo tem por objeto privilegiado não a formação de um quadro geral comparativo do instituto, objeto, aliás, de obras já publicadas, mas sim examinar mais detidamente sua circulação, como já anunciado, o que se passa a fazer nos itens a seguir10.

3. O AMPARO MEXICANO E SUA CIRCULAÇÃO NO ÂMBITO DOS ORDENAMENTOS NACIONAIS

O instituto do amparo, após sua criação no direito constitucional mexicano, conheceu um amplo processo de difusão, com o qual se verificou uma intensa circulação do modelo entre diversos ordenamentos jurídicos nacionais. A doutrina aponta que, em um primeiro momento, o amparo foi recepcionado por ordenamentos jurídicos da América Central e da Espanha, o que ocorreu por volta da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século X X (Ferrer Mac-Gregor, 2006).

Nesse primeiro momento, o instituto foi introduzido em sistemas jurídicos como os da Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá (Ferrer Mac-Gregor, 2013). Posteriormente, o amparo foi recepcionado por diversos ordenamentos jurídicos da América do Sul, o que se verificou entre as décadas de cinquenta e noventa do século XX. Entre os ordenamentos que o recepcionaram nesse momento, encontram-se os da Argentina, da Bolívia, do Chile, da Colômbia, do Equador, do Paraguai, do Peru, da República Dominicana, do Uruguai e da Venezuela (Ferrer Mac-Gregor, 2013).

No final do século XX, o instituto circulou para sistemas jurídicos da Europa, da África e da Ásia, sendo recepcionado em países como Albânia, Alemanha, Andorra, Áustria, Cabo Verde, Coreia do Sul, Croácia, Eslováquia, Espanha, Eslovênia, Geórgia, Hungria, Macedônia, Macau, Montenegro, Polônia, República Tcheca, Rússia, Sérvia, Suíça (Ferrer Mac-Gregor, 2013).

Héctor Fix-Zamudio identificou o amparo nos ordenamentos jurídicos da Argentina, da Bolívia, da Costa Rica, de El Salvador, da Guatemala, de Honduras, do México, da Nicarágua, do Panamá, do Paraguai, do Peru, do Uruguai e da Venezuela (Fix-Zamudio, 1993a). Um caso que merece observação é o brasileiro. Muitos autores consideram que o direito brasileiro recepcionou o amparo a partir da Constituição de 1934, com a criação do mandado de segurança11. No entanto, não são poucas as diferenças existentes entre o instituto brasileiro e o amparo, conforme consagrado no ordenamento jurídico mexicano e em vários outros ordenamentos latino-americanos12. Desse modo, reputase aqui mais acertado o entendimento de que o direito brasileiro não contempla o remédio, cujas funções são aqui desempenhadas por um conjunto de outras garantias fundamentais, notadamente o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de injunção, o direito de petição, por exemplo13.

Cabe observar, ainda, que o amparo foi recepcionado em diferentes países em regra por via legislativa, seja em nível constitucional, seja em nível infraconstitucional, mas, em alguns casos, foi recepcionado por outros processos, notadamente pela via pretoriana (Ferrer Mac-Gregor, 2006)14.

Como se pode perceber do breve escorço histórico ora esboçado, o amparo conheceu grande sucesso em termos de acolhida ao redor do mundo, tendo atingido virtualmente todos os ordenamentos jurídicos da América Latina, bem como alguns ordenamentos jurídicos da Europa e, ainda, da África e da Ásia.

Há que se observar, desde logo, que o amparo foi um modelo jurídico que circulou inicialmente no sentido norte-sul, espalhando-se pelas Américas do Norte, Central e do Sul, e posteriormente no sentido oeste-leste/sul-norte, cruzando o Atlântico para ser recepcionado na Península Ibérica pelo direito espanhol e no Leste Europeu, em diferentes momentos históricos, continuando sua expansão nesse sentido posteriormente ao atingir a África e a Ásia.

Observe-se, por fim, que a recepção do instituto não se deu por imposição, como ocorreu em alguns casos de recepção de outros institutos constitucionais de origem norte-americana, por exemplo. Pelo contrário, o processo de difusão do amparo se deu por imitação espontânea, o que indica o prestígio alcançado por ele aos olhos dos sistemas que decidiram incorporá-lo.

Examinada, ainda que sumariamente, a difusão do amparo entre sistemas jurídicos nacionais, cabe estudar, ainda, a sua recepção pelo direito internacional, o que se passa a fazer no próximo item.

4. O AMPARO MEXICANO E SUA CIRCULAÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Normalmente, o foco da atenção no que tange à interação entre direito internacional e direito interno é a influência do primeiro sobre o segundo, e não o contrário.

Por isso, um aspecto adicional de interesse sobre o instituto do amparo é o fato de este ter sido objeto de circulação não apenas entre ordenamentos jurídicos nacionais diversos, mas, inclusive, entre ordenamento jurídico nacional e ordenamento jurídico internacional.

Héctor Fix-Zamudio narra o esforço mexicano, por ocasião da participação das delegações daquele país em conferências internacionais para a elaboração de documentos e instrumentos de proteção de direitos humanos, para introduzir o amparo em vários deles (Fix-Zamudio, 1993b). Tal atividade resultou frutífera e culminou na introdução de dispositivos inspirados no remédio constitucional em estudo em importantes documentos e instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos.

Esse fenômeno ocorreu tanto no âmbito do Sistema Regional Interamericano de Proteção quanto no âmbito do Sistema Global de Proteção, sob a égide, respectivamente, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU). Fix-Zamudio (1993b) se refere à influência do instituto mexicano sobre pelo menos dois documentos e dois instrumentos internacionais de proteção da maior importância. São eles, respectivamente, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, também de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, e, ainda, a Convenção Americana de Direitos do Homem, de 1969 (Ferrer Mac-Gregor, 2013).

Com efeito, todos esses documentos e instrumentos contêm normas que são inspiradas no instituto mexicano em comento e, ainda, que foram introduzidas por iniciativa da delegação mexicana (Fix-Zamudio, 1993a).

A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem estatui em seu artigo 18, além do direito de acesso à justiça, a garantia, para toda pessoa, de um processo judicial simples e breve para proteção contra a violação de seus direitos fundamentais constitucionalmente consagrados por ato de autoridade. Já a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão estabelece, em seu artigo 18, que todo ser humano tem direito a um remédio judicial efetivo contra atos violadores de direitos fundamentais constitucional ou legalmente reconhecidos.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, por sua vez, determina em seu artigo 2º, item 3, a garantia de recurso eficaz contra a violação de direitos e liberdades previstos no dito instrumento, mesmo quando a ofensa for proveniente de atuação oficial. Por fim, a Convenção Americana de Direitos do Homem prevê, em seu artigo 25, o direito de toda pessoa a um mecanismo judicial simples, rápido e efetivo, perante órgãos jurisdicionais competentes, contra atos violadores de direitos fundamentais estabelecidos pela constituição, pelas leis ou pela própria convenção, inclusive em caso de ofensa no exercício de funções públicas.

Esses fatos demonstram outra singularidade do instituto mexicano em análise, uma vez que se revela caso atípico no qual um elemento oriundo de ordenamento jurídico nacional influiu sobre o direito internacional, e não o contrário, como costuma ocorrer com maior frequência, ao que parece.

CONCLUSÕES

Como se pode perceber, o estudo do fenômeno de circulação de modelos que abrangeu o remédio constitucional mexicano denominado de amparo é de relevância por diversas razões. Uma delas é o fato de que um sistema jurídico latino-americano, normalmente importador ou imitador de modelos estrangeiros, revelou-se, neste caso, exportador - e em larga escala - de um modelo jurídico importante.

Além desse primeiro aspecto, já digno de nota em si, há outros. Sabidamente, a tendência do sentido na circulação dos modelos se deu, historicamente, do velho mundo para o novo mundo. O amparo, no entanto, é um exemplo notável de circulação de modelos jurídicos em sentido inverso, na medida em que inclusive o direito da ex-colônia - no caso, o México - atingiu o ordenamento jurídico da ex-metrópole - a Espanha.

No mesmo sentido, a circulação que, durante tanto tempo, se verificou no sentido Leste-Oeste inverte-se em casos como o do amparo, que não apenas cruzou o oceano Atlântico para desembocar na Península Ibérica, como também em outras paragens, como na Europa Central, na África e na Ásia.

Isso é particularmente notável quando se verifica a diversidade de posição do México comparativamente aos Estados Unidos da América no âmbito internacional, posto que a posição destes pode explicar, em boa medida, seu papel de exportador de modelos, sem negar a originalidade e a importância de suas instituições.

Outros aspectos merecem ser sublinhados. Um deles é o de que, embora não seja rara a influência entre direito internacional e direito interno, esta normalmente parece se dar do primeiro para o segundo.

Quanto ao fenômeno da circulação do amparo mexicano, no entanto, verifica-se, como visto, um movimento no sentido contrário, tratando-se de relevante caso de circulação na qual o direito nacional influencia o direito internacional e, mais especificamente, o direito internacional dos direitos humanos, tanto no âmbito do sistema regional quanto no do sistema global de proteção.

Por todas estas razões, e pelas peculiaridades do instituto protetor de direitos de origem mexicana, o estudo do fenômeno da circulação dele e de sua recepção por diversos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais é valioso, ao ilustrar aspectos nem sempre óbvios do processo de construção de sistemas jurídicos e da interação entre eles.

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* Artigo de revisão bibliográfica que tem por objeto o fenômeno da circulação da garantia fundamental do amparo de origem mexicana

1Sobre a importância do fenômeno, basta recordar que é por força deste que o sistema jurídico de tipo romano-germânico se difundiu por inúmeros países da Europa Continental, inclusive os da Península Ibérica e, daí, para outros lugares do mundo, como para os países da América Latina. É, ainda, por força dele, que o Common Law, surgido na Inglaterra, difundiu-se pelas ex-colônias britânicas e por outros países ao redor do globo. Sobre o tema, consultar as obras de René David e Camille Jauffret-Spinosi (2010). É, ainda, por força da circulação de modelos, que surgiram sistemas jurídicos mistos em diversos lugares, como na Louisiana, no Quebec, na Escócia ou na África do Sul. Do mesmo modo, a difusão de instituições jurídicas as mais diversas — como as constituições escritas e rígidas, os modelos de controle de constitucionalidade em suas diversas variantes, os remédios e as garantias fundamentais, entre inúmeros elementos, difundiram-se entre as mais diversas experiências jurídicas em todo o mundo. Sobre o tema, consultar a obra de Jorge Miranda (2003).

2A circulação de modelos jurídicos parece assemelhar à difusão cultural, estudada na Antropologia Cultural, o que, inclusive, aproxima tais disciplinas e aumenta a interdisciplinaridade dos estudos no campo do Direito comparado incrementando-o analítica, teórica e metodologicamente.

3Com efeito, na recepção, o ordenamento jurídico nacional incorpora, em seu conjunto de normas —pela via legislativa, pela via jurisprudencial ou, ainda, por influência da doutrina —, elementos oriundos de sistema jurídico alienígena. A incorporação referida é feita materialmente e reproduz, com ou sem alterações, normas ou institutos jurídicos oriundos do direito estrangeiro no direito pátrio, diversamente do que ocorre no reenvio, técnica pela qual o legislador se limita a estabelecer, por meio de regra de conexão, o ordenamento jurídico no qual deverá o aplicador encontrar a norma para solução de determinado caso.

4Naturalmente, a introdução de uma norma ou instituição jurídica em ambiência jurídica, social, política, econômica e cultural diversa daquela na qual surgiu pode causar os mais variados efeitos imprevistos ou indesejados, fenômeno este cujo estudo merece ser aprofundado. Não são poucos os exemplos disponíveis a partir da História do Direito. Basta lembrar, por exemplo, os problemas da introdução de instituições parlamentaristas na França da III e IV Repúblicas ou da introdução do controle difuso de constitucionalidade em sistemas romanistas (como no Brasil a partir de 1890/1891) ou, ainda, a introdução das medidas provisórias (provvedimenti provisorii) oriundas do direito italiano em um sistema presidencialista (novamente, o caso do Brasil em 1988).

5Além dos problemas referidos ao eventual funcionamento anômalo do elemento de importação em um processo de recepção de direito estrangeiro, outros existem. Não raro ocorre a denominada importação ou recepção simbólica, na qual o que se importa não é exatamente o instituto, mas sua concepção ideal, de modo que muitas vezes a recepção do instituto não ocorre substancialmente. São exemplos a difusão da noção de rule of law ou a difusão da noção de due process of law, entre outros, como observam Elisabetta Grande (2009) e Vincenzo Zeno-Zencovich (2011).

6Em outros sistemas jurídicos, a tendência tem sido servir o amparo de mecanismo de proteção de direitos fundamentais ou direitos humanos não tutelados pelo habeas corpus ou pelo habeas data (Ferrer Mac-Gregor, 2013).

7Quanto a este aspecto, convém observar que, devido ao prestígio, costumam ser mencionados apenas as declarações de direitos e os documentos do constitucionalismo medieval britânico, como a Magna Carta de 1215. No entanto, registram-se precedentes tão antigos quanto estes e até mais antigos no direito francês ou no direito da Península Ibérica, como chama a atenção Canotilho. Com efeito, a literatura identifica três grandes tradições ocidentais no que se refere às declarações medievais de direitos, a saber, a hispânica, a anglo-saxônica e a francesa, como ensina Lima Torrado (2015) com base em De La Chapelle e Hübner Gallo. São exemplos de tais documentos o Pacto Celebrado nas Cortes de Leão em 1188, o Privilégio Geral de Aragão de 1283, os Privilégios da União Aragonesa de 1286, o Acordo das Cortes de Burgos de 1301, o Acordo das Cortes de Valladolid de 1322, o Foro de Vizcaya de 1452 e as Partidas do Rei Afonso X, o Sábio, do século XIII. Sobre a temática, consultar a obra de Victor Fairén Guillén (1971) sobre os antecedentes do amparo no direito aragonês.

8Como se sabe, ao longo dos séculos XIX e XX, surgem na Europa instrumentos de proteção de direitos fundamentais que foram paulatinamente se desenvolvendo até darem origem ao “recurso” ou reclamação constitucional — ou de direito público — (Staatsrechtslichesbeschwerde ou Verfassungsbeschwerde), em países como a Suíça, a Áustria e a Alemanha. Sobre tais temas, a obra de referência é, sem dúvida, a de Cappelletti (1961). Importante não confundir com o instituto homônimo brasileiro da reclamação constitucional, que não é primariamente mecanismo de tutela de direitos fundamentais, mas instituto processual constitucional de origem pretoriana, baseado no direito de petição e no princípio da competência da competência, des tinado a assegurar a competência dos tribunais e a autoridade de suas decisões. Sobre o Verfassungsbeschwerde, ver ainda a contribuição de Leonardo Martins na obra de Schwabe (2005).

9A Argentina registra um interessante caso de oponibilidade de Direitos Fundamentais contra atos de particulares, o famoso caso “Samuel Kot” de 1958.

10Para outros aspectos, consultar Sgarbossa e Iensue (2015).

11Anteriormente, inexistia um mecanismo célere de tutela de direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro além do habeas corpus, o que deu lugar a algumas teses e práticas alternativas, como a doutrina da tutela possessória dos direitos subjetivos e a doutrina brasileira do Habeas Corpus (Ferrer Mac-Gregor, 2013).

12Diversas parecem ser as distinções possíveis, a depender do sistema jurídico cotejado, com o brasileiro. Cabe frisar algumas delas. No direito mexicano, registra-se o amparo contra leis, como visto, mecanismo de proteção da constitucionalidade, instituição sem paralelo no direito brasileiro. Na Argentina e em outros países, o remédio pode ser manejado contra atos do poder público ou de particulares, ao passo que o mandado de segurança brasileiro somente é passível de ter por objeto atos do poder público, admitindo apenas em situações muito excepcionais a impugnação de atos de particulares, como se depreende do artigo 5º, LXIX, da Constituição brasileira de 1988 e do artigo 1º, § 1º, da Lei 12.016/2009, que regula o remédio brasileiro.

13Há alguns paralelos importantes entre o instituto do amparo e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental conforme concebida originalmente pelo legislador ordinário, ao editar a Lei 9.882/1999, que regulamenta o parágrafo 1º do artigo 102 da Constituição da República de 1988, bem como entre esta e o Verfassungsbeschwerde alemão. No entanto, os vetos executivos apostos ao regime jurídico inicialmente previsto desfigurou o instituto.

14Assim, embora constitucionalizado ou estabelecido por legislação infraconstitucional, em alguns países, como no Uruguai e na República Dominicana, não foi regulado por legislação, tendo sido introduzido pela jurisprudência (Ferrer Mac-Gregor, 2013).

Recebido: 09 de Março de 2016; Aceito: 13 de Junho de 2017

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