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Opinión Jurídica

versión impresa ISSN 1692-2530versión On-line ISSN 2248-4078

Opin. jurid. vol.21 no.44 Medellín ene./jun. 2022  Epub 24-Mayo-2022

https://doi.org/10.22395/ojum.v21n44a7 

Artículos

A interrupção voluntária da gestação no direito brasileiro à luz do direito da mulher à autodeterminação

La interrupción voluntaria del embarazo en la ley brasileña a la luz del derecho de las mujeres a la auto determinación

The Voluntary Interruption of Pregnancy in Brazilian Law in the Light of Women’s Right to Self-Determination

Christiane Schorr Monteiro* 
http://orcid.org/0000-0002-7520-6025

Ricardo Oliveira Rotondano** 
http://orcid.org/0000-0002-8488-1620

* Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Fortaleza, Brasil chrisschorr1207@yahoo.com.br https://orcid.org/0000-0002-7520-6025

** Unidade Universitária de Palmeiras (UEG), Palmeiras de Goiás, Brasil rotondanor@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-8488-1620


RESUMO

O presente artigo pretende descortinar o cenário do tratamento jurídico ao aborto no Brasil à luz do direito da mulher à autodeterminação. A pesquisa tem como objetivo central revelar o cenário do tratamento jurídico dado ao aborto no Brasil à luz do direito da mulher à autodeterminação. O trabalho será abordado a partir das metodologias hipotético-dedutiva e dialética, mediante as técnicas comparativa, histórica, estatística e monográfica, por meio dos métodos bibliográfico, documental, tendo como fonte de análise precípua um estudo de caso sobre as decisões mais recentes proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em relação à problemática da interrupção da gravidez. Como resultados, o presente trabalho identificou certo avanço no debate acerca dos direitos da mulher nos cenários social e jurídico, embora estes não tenham sido suficientes para amparar o direito à interrupção da gestação da mulher no primeiro trimestre de gestação de forma definitiva. O trabalho conclui que o panorama sóciojurídico brasileiro ainda está permeado por visões conservadoras, que precisam ser debidamente combatidas para que haja a efetiva conquista feminina de ampliação das hipótesis do aborto legal.

Palavras-chave: aborto; mulher; escolhas existenciais; autodeterminação; direitos humanos

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo develar el escenario del tratamiento legal del aborto en Brasil a la luz del derecho de las mujeres a la autodeterminación. El principal objetivo de la investigación es revelar el escenario del tratamiento legal que se le da al aborto en Brasil a la luz del derecho de las mujeres a la autodeterminación. El trabajo será abordado desde las metodologías hipotético-deductivas y dialécticas, a través de las técnicas comparativas, históricas, estadísticas y monográficas, a través de los métodos bibliográficos, documentales, teniendo como fuente de análisis primario un estudio de caso sobre las decisiones más recientes tomadas por el Suprema Corte Federal en materia de interrupción del embarazo. Como resultado, el presente trabajo identificó un cierto avance en el debate sobre los derechos de las mujeres en los escenarios social y legal, aunque estos no fueron suficientes para sustentar el derecho a interrumpir el embarazo de la mujer en el primer trimestre del embarazo de manera definitiva. El trabajo concluye que el panorama sociojurídico brasileño aún está impregnado de visiones conservadoras, que deben ser debidamente combatidas para que exista una conquista femenina efectiva que amplíe las posibilidades de aborto legal.

Palabras clave: aborto; mujer; opciones existenciales; autodeterminación; derechos humanos

ABSTRACT

The main objective of the research is to reveal the scenario of the legal treatment given to abortion in Brazil in the light of women’s right to self-determination. The work will be approached from the hypothetical-deductive and dialectical methodologies, through the comparative, historical, statistical and monographic techniques, through bibliographic, documentary methods, having as a source of primary analysis a case study on the most recent decisions made by Supreme Federal Court regarding the issue of termination of pregnancy. As a result, the present work identified a certain advance in the debate about women’s rights in the social and legal scenarios, although these were not sufficient to support the right to terminate a woman’s pregnancy in the first trimester of pregnancy in a definitive way. The work concludes that the Brazilian socio-juridical panorama is still permeated by conservative views, which need to be properly fought in order for there to be an effective female conquest to expand the chances of legal abortion.

Keywords: abortion; woman; existential choices; self-determination; human rights

INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi construído como um desmembramento de pesquisas anteriores das/dos autoras/es, na área dos direitos das mulheres e de direitos humanos (Monteiro e Diehl, 2009; Silva, Queiroz, Damico Junior e Rotondano, 2020). Com atuação constante no campo de direitos fundamentais e direitos humanos, as/os autoras/es perceberam a necessidade de promover debate sobre a temática do amparo institucional ao direito da mulher à interrupção da gestação no primeiro trimestre de gravidez, com o intuito de promover um debate social, jurídico e acadêmico acerca desta problemática.

A temática do aborto legal levanta invariavelmente polêmicos debates frente a sociedade brasileira. A tradição conservadora que permeia a visão de mundo patria ainda se constitui como robusto obstáculo para que as mulheres possam auferir maiores conquistas em relação a esta temática. O Congresso Nacional, de forma intencional, não se debruça sobre dezenas de projetos de lei criados e protocolados para ampliar direitos de realização da interrupção da gravidez pelas mulheres de modo seguro e amparado (DiP e Dolce, 2019; Passarinho, 2018), promovendo a continuidade de numerosas estatísticas de mortes de gestantes que acabam por realizar tais atos em meio à clandestinidade, com métodos inseguros e perigosos.

Em meio a omissão intencional do Poder Legislativo no tratamento de temas com forte viés cultural e moral, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma posição progressista, realizando sobre tais questões um pertinente debate de cunho jurídico-institucional, no intuito de garantir direitos negados para grupos oprimidos. Tal cenário pôde ser identificado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277/DF e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132/RJ, nas quais o STF declarou a constitucionalidade da união civil das pessoas homossexuais.

Com efeito, o objetivo geral da pesquisa consiste em pontuar as influências morais e religiosas que permeiam a discussão e analisar de que maneira o Supremo Tribunal Federal tem enfrentado o tema do aborto legal, em especial, de que forma tem interpretado o direito fundamental da pessoa à autonomia. Não obstante possam ser identificadas decisões judiciais que avançam no trato do tema, o Supremo Tribunal Federal ainda se recusa a analisar, de forma específica, a constitucionalidade da interrupção da gravidez das mulheres no primeiro trimestre de gestação. O presente trabalho será abordado a partir das metodologias hipotético-dedutiva e dialética, mediante as técnicas comparativa, histórica, estatística e monográfica, por meio dos métodos bibliográfico, documental, tendo como fonte de análise precípua um estudo de caso sobre as decisões mais recentes proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em relação à problemática da interrupção da gravidez.

1. A MULHER COMO SUJEITO DE DIREITO E O DIREITO FUNDAMENTAL À AUTODETERMINAÇÃO

Abordar com profundidade e respeito o tema do aborto, um dos grandes tabus da sociedade, exige, inicialmente, um mergulho no sensível universo do feminino e um sobrevoo sobre o lugar da mulher na sociedade ocidental e o contexto no qual se deu a construção dos direitos das mulheres e a conquista do status de sujeito de direitos. A dominação feminina e a histórica redução das mulheres à categoria de coisa dos outros, equiparada aos escravos, às crianças e às outras res de propriedade dos senhores de si, pode estar relacionada, segundo alguns autores que se dedicam a tal pesquisa, à gravidez. O estado gravídico sempre impôs às mulheres longos e repetitivos períodos de impotência laborativa. Nessa linha de raciocínio, o patriarcado teria sido uma corrente historicamente vencedora por conta da condição biológica superior dos homens frente às mulheres (Beauvoir, 1949).

Nas civilizações ocidentais, desde a antiguidade, as mulheres detinham como função social primordial a de gerar a prole, sendo-lhe negada a condição de cidadã e de sujeito de direitos. As mulheres gregas e romanas, por exemplo, enfrentavam exclusão de ordem social, política e jurídica; assim como os escravos e os estrangeiros das referidas sociedades antigas, as mulheres estavam absolutamente excluídas do conceito de cidadania, tendo papel subordinado aos homens socialmente (Morais, 2013).

Nem mesmo a religião do Deus do Amor acolheu as mulheres. Apesar de estudos, que ganharam recente notoriedade, demonstrarem que Jesus, o Cristo, recebeu as mulheres em seu ‘rebanho’ e que entre os primeiros cristãos havia uma infinidade delas, o Cristianismo, enquanto religião institucionalizada e dominante no imperio Romano a partir do Imperador Constantino, disseminou ideais de condenação da estética e da sexualidade feminina por seus teóricos. O rancor e o sentimento de repulsa direcionado às mulheres era um traço comum de teólogos cristãos, que associavam o feminino ao pecado, tendo os escritos acerca do chamado “pecado original” contribuído nesse aspecto:

O Cristianismo dos finais do Império Romano do Ocidente tornou-se o ponto de convergência de tradições que partilham o pensamento misógino, potenciando-se mutuamente graças ao peso da herança clássica na experiência dos apologetas e Doutores da Igreja, quase todos retores de formação. (...) A palavra escrita e a sua exegese foram marcantes na continuidade de ideias e fórmulas negativas sobre a mulher, a que a herança cultural deu maior fundamento. Mas a sua pervivência é indissociável da influência do contexto dos tempos e das sociedades humanas, onde a desvalorização e o vitupério da mulher têm sido dominantes e por vezes atingem a dimensão da misoginia - que a mesma herança clássica apontou como aegrotatio animi. (Lopes, 2012 , pp. 507-508)

Consideradas por Tertuliano (160-225) como a porta do Diabo, as mulheres e a impura dimensão do sexo e da sexualidade a elas associada eram vistos como algo nefasto e diabólico. Consideravam a virgindade como grande virtude cristã e entendiam que somente a procriação justificava a prática sexual. No mesmo tom, Lipovetsky (2000 , p. 112) elenca um dos escritos do abade de Cluny, do século X, que indica a repulsa dos teóricos cristãos ao feminino:

A beleza física não vai além da pele. Se os homens enxergassem o que há sob a pele, a visão das mulheres lhes causaria repugnância. Quando não conseguimos tocar com o dedo um escarro ou excremento, como podemos desejar abraçar ese saco de estrume?

Ainda nesta parte inicial do presente artigo, a/o leitora/or pode estar se questionando: qual a razão de abordar, em um texto jurídico de caráter científico, que se propõe a tecer reflexões acerca do aborto, temas como religião e família patriarcal? Em resposta a tal questionamento, oportuno recordar a força social determinante dos institutos religiosos, que modelam com propriedade a visão de mundo dos sujeitos, tendo por base a fé irrestrita em seus preceitos históricos que perpassam gerações.

Já o patriarcado ou patriarcalismo, segundo Castells (1999), caracteriza-se pelo estabelecimento de uma hierarquia familiar supostamente natural e divina, na qual o homem varão é o núcleo da família. Embora haja a incidência deste fator em distintas searas da vida humana, “o patriarcado familiar é em meu entender a matriz das discriminações que as mulheres sofrem mesmo fora da família, ainda que atue sempre em articulação com outros fatores” (Castells, 1999, p. 169).

Desse modo, é possível identificar no projeto moral de família cristã europeia os caracteres inatos para a prevalência do patriarcado. É justamente a partir desse formato de vivência afetiva, hierarquicamente centrado na figura do homem, que tais elementos se reproduzem (Santos, 1995), sendo transmitidos socialmente e, como consequência, levando à subalternização da mulher no ambiente social. Na organização da família patriarcal, a mulher é responsável pela reprodução da espécie e pela “reprodução funcional da unidade familiar” (Santos, 1995, p. 302), exercendo todo papel de nutrição e de organização do espaço familiar, trabalho não-remunerado que, mesmo vital, costuma ser desvalorizado. Presente nas diversas instituições da sociedade e do Estado, o patriarcado certamente representa um modelo de dominação que se apresenta nas mais variadas formas e nos mais diversos contextos sociais. Identificase, dessa forma, uma evidente ligação entre o modelo de família patriarcal e a Igreja Cristã. A caracterização do dever natural de obediência da mulher ao homem na relação familiar é tomado como um fator de “inspiração divina” (Eisler, 1989, p. 170), legitimando o processo de dominação feminina.

Nesse contexto, em que a gravidez pode estar na origem do patriarcado como instituição e em que histórica e reiteradamente se legitima um discurso que impõe a procriação como único papel da mulher na sociedade e lhe atribui um status de inferioridade e subordinação, notório que não há espaço para autonomia e para a livre disposição de si e do próprio corpo, aspectos indissolúveis da discussão atual acerca do aborto. Por tais razões justificam-se as conexões com a religião e o patriarcado que permanecem influenciando, por atração ou por repelência, as hodiernas posições dicotômicas acerca do referido tema.

No período conhecido como Renascimento, há uma transformação no olhar que é direcionado sobre a mulher, cuja figura diabólica e repulsiva passa a ser encarada como iluminada e angelical (Lipovetsky, 2000). Configura-se um cenário de intensa admiração ao feminino: “O mesmo excesso que dava o tom às acusações dirigidas contra a beleza feminina foi posto a serviço de sua exaltação” (Lipovetsky, 2000, p. 115). Os teóricos do Renascentismo e do Humanismo adotam uma caracterização benéfica do feminino, num movimento que “divulgou noções mais positivas sobre a mulher nas áreas da teoria do amor e da política” (Bellini, 2003, p. 30).

Como consequência desse processo de transição histórica, sedimentou-se “o modelo da segunda mulher, a mulher enaltecida, idolatrada, na qual as feministas reconhecerão uma forma de dominação masculina” (Lipovetsky, 2000, p. 236). A retórica dos pensadores da época acerca do feminino eram manifestados “em termos tão admirativos e tão poéticos que ficava fácil entender, por detrás desta maquiagem, a convicção de que as mulheres eram seres humanos frágeis, irracionais, mas indispensáveis ao prazer dos homens” (Touraine, 2007, p. 16). Apesar da alteração do modo masculino de identificar as mulheres, somente foi possível identificar algum avanço em relação ao modo de vida de mulheres das classes mais abastadas, permanecendo o cenário de penúria da maioria das mulheres em geral (Beauvoir, 1949, p. 133). Nessa lógica de pensamento:

as funções da mulher inscrevem-se em sua conformação: uma vagina para receber, um ventre para carregar, seios para amamentar - como os pedaços dos melões - marcam seu destino feito pelo homem e pelo filho. Nenhum lugar além do lar. (Proudhon apudPerrot, 2003, p. 173)

O panorama descrito indica haver uma inegável negação de direitos para as mulheres: “Uma mulher pode sempre ser feliz com a condição de que não seja um ‘indivíduo’, mas o ser adorável que vive ‘fora dela’ e para os outros” (Lipovetsky, 2000, p. 209). A única valorização relacionada ao feminino era do papel exercido por esta, da procriação e da organização dos serviços domésticos, mas não uma exaltação da mulher em si, como sujeito de direitos (Sarcey apudLipovetsky, 2000).

As mulheres insurgiram contra a teoria da natureza da mulher, no contexto da denominada segunda onda feminista. Não é possível definir com exatidão o marco inicial global do movimento feminista; alguns teóricos indicam que os primórdios de um movimento organizado com pautas femininas, na Europa, pode ser identificado em meio ao século XVIII (Castells, 1999, p. 170). Outra corrente, entretanto, defende que as pautas do feminismo organizado teriam se iniciado no século XIX, especialmente com a incorporação maciça de mulheres nas fábricas (Albano, 2006). Não obstante a controvérsia relativa à data inicial das manifestações feministas no período moderno, é possível dizer que os seus pleitos versam sobre questões múltiplas, como direito à educação, direito ao voto, igualdade salarial, entre outros.

Houveram muitas conquistas decorrentes do movimento feminista organizado na Europa, especialmente no que tange aos direitos políticos e sociais, tendo tais pautas sido alcunhadas como primeira onda do feminismo. A chamada segunda onda feminista (Reis, 2008; Caetano, 2017), que teve origem nos Estados Unidos, no final da década de 60, e na Europa, no início da década de 70, disseminando-se pelo mundo a partir daí (Castells, 1999, p. 210). Esse novo momento do feminismo teve como principais demandas debater o direito das mulheres sobre o seu próprio corpo, o que inclui discutir sua liberdade sexual, planejamento familiar, questões relativas à gravidez.

A temática dos direitos reprodutivos ganhou novos contornos políticos com a disponibilização dos fármacos anticonceptivos, que concediam à mulher uma real possibilidade de escolha quanto ao momento de engravidar. Nessa linha de raciocínio, o amplo acesso das mulheres a métodos anticonceptivos acabou por representar um significativo avanço no debate frente a direitos reprodutivos e, mais do que isso, sobre o direito à sexualidade feminina. Evidencia-se, no debate público, a possibilidade de escolha da mulher sobre o exercício efetivo de sua sexualidade, sem que a mesma esteja vinculada a uma finalidade de caráter eminentemente reprodutivo - como a sociedade cristã patriarcal impôs historicamente.

Mais recentemente, a partir da segunda metade do século XX, pôde-se verificar um significativo avanço em relação ao movimento feminista e às conquistas oriundas de tais pleitos sociais. Tendo como pano de fundo uma “crise de civilização” (Oliveira, 1999, p. 46) na qual os valores tradicionais historicamente compartilhados foram confrontados, o patriarcado sofreu severos retrocessos, a partir do debate público engendrado pelas mulheres. Nesse cenário, há uma reconstrução conceitual do feminino:

A nova mulher, produto dessa transformação, é um ser autônomo, autodeterminável, ou seja, a mulher alcançou, enfim, a condição de sujeito. Às mulheres, a partir de então, é permitido fazer suas opções, aventurar-se em um universo extra-lar, conquistando o espaço público, a exemplo do mercado de trabalho e da política, além de esferas de poder. Além disso, às mulheres foi garantido o direito à liberdade sexual, à separação e ao divórcio, dentre outros essenciais para o exercício de sua autonomia. (Monteiro, 2008, p. 36)

Neste novo cenário, em relação ao corpo feminino, algumas questões ainda permanecem como feridas abertas e desafios à espera de respostas efetivas da sociedade e do Direito. Dentre tais questões, destacam-se assédio sexual e a violência doméstica. Ainda nesse norte, evidencia-se o debate acerca do direito ao aborto, que no contexto jurídico brasileiro encontra severas restrições - sendo o aborto legal limitado a três hipóteses específicas. O Código Penal brasileiro de 1940 estipula, em seu art. 128, I e II, que o crime da prática de aborto não será punido nos casos em que não houver outro meio de salvar a vida da gestante e se a gravidez resulta de estupro. Mais adiante, no ano de 2012, houve o reconhecimento da hipótese legal de interrupção da gravidez em casos de feto anencéfalo, julgado pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF. Recentemente, o debate sobre a temática no Brasil foi reacendida no contexto do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da interrupção da gestação de mulheres com zika vírus, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5581.

Apesar de a disposição de si e do corpo, e, como parte dela, a discussão sobre o aborto não ser tema novo, como se discorreu supra, permanece bastante controvertido. Quando o tema é o aborto, uma das grandes questões que emergem é a seguinte: as mulheres são realmente senhoras de seus corpos e de suas vidas?

Tal questionamento tem espaço no âmbito do direito à autonomia, asociado à ideia das liberdades constitucionais, pela doutrina de Direito Público, e à ideia de direito subjetivo, como preferem os juristas mais voltados ao Direito Privado, ainda que norteados pela constitucional primazia da pessoa humana no contexto das relações privadas existenciais. Quando questionamos se somos realmente senhores das nossas vidas e dos nossos corpos, sem a pretensão de discutir a natureza jurídica do direito que une a pessoa ao seu corpo, se direito subjetivo ou natural, liberdade ou direito da personalidade, pretende-se discutir os limites das normas restritivas ou limitações sobre as disposições sobre si, no âmbito das questões existenciais mais íntimas.

Nesse ínterim, inquire-se: é possível limitar o direito do indivíduo à autonomia pessoal em nome da dignidade humana e da indisponibilidade do corpo? A autonomia, considerada como direito de autodeterminação, não seria decorrente da dignidade da pessoa humana e nela ancorada? Pode o Estado, em nome da proteção da ordem pública e amparado na Teoria do Cuidado, proteger o indivíduo de si mesmo, restringindo sua escolha a respeito de si mesmo, sua vida, sua procriação e sua morte? Qual seria o ponto de equilíbrio entre a necessária proteção estatal e o respeito à autonomia do indivíduo nas questões existenciais, a exemplo da libre disposição do corpo em situações como se prostituir, torna-se “barriga de aluguel” ou interromper a gestação?

A Teoria do Cuidado e da Proteção classicamente relaciona-se à proteção dos incapazes e dos vulneráveis. Utilizar tal teoria para proteger o indivíduo de si mesmo, em questões existenciais como manter uma gestação e tornar-se mãe, reduzem-no à condição de debilidade, retirando-lhe a autonomia. Acerca de tal questão, entendese que a proteção Estatal a título de defesa da ordem pública, contra a vontade do indivíduo, naquilo que lhe é mais íntimo, ou seja, a relação consigo mesmo e a autodeterminação da sua vida, deve ser vista com cautela e utilizada com reservas. Um uso desmedido do protecionismo estatal tem o condão de ferir a emancipação do indivíduo e retirar seu empoderamento enquanto sujeito. Nesse sentido, devem ser questionados os

argumentos contra a autodeterminação, especialmente quando se trata de proteger o indivíduo contra si mesmo, de tal modo que os direitos subjetivos e a privacidade possam ser sacrificados em nome de uma prioridade moral e contra uma suposta afirmação egoísta dos desejos individuais. (...) a ordem pública, a identidade narrativa, a função antropológica do Direito, a ordem simbólica, a comunidade de sentido, a ecologia integral ou a dignidade humana, põem fim de uma maneira paternalista à soberania individual. (Borillo, 2019, p. 3)

Em relação ao aborto, atualmente no Brasil se tem a tipificação da conduta de pôr termo à gestação, punindo-a, como regra, na esfera criminal, nos termos do artigo 124, do Código Penal. Ao tratar normativamente da matéria, a referida codificação, no artigo 128, traz as excludentes de tipicidade, quais sejam:

I. se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário) [...] II. S e a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (aborto no caso de gravidez resultante de estupro).

O STF, interpretando a norma penal à luz da Constituição, ampliou as hipótesis legais permissivas do aborto nos casos de gestação de anencéfalo e interrupção da gestação até o terceiro mês, nos casos paradigmáticos que serão apreciados no item 3 do presente artigo. Entretanto, a Corte ainda não analisou o tema do aborto de forma ampla e sistemática, à luz do direito fundamental da mulher à autodeterminação, o que será igualmente discutido no referido tópico.

Por fim, a utilização da ordem pública e o respeito à dignidade humana, tanto na sua dimensão individual, quanto coletiva, em sede de escolhas existenciais e de disposições de si mesmo e de seu corpo, fere a ideia de soberania individual e o direito à autodeterminação. Assim, limitar o direito da mulher à livre disposição de si e de todas as liberdades, a exemplo da sexual e procriativa, incluindo a de levar a termo uma gestação, em nome do cuidado, do bem-estar e da ordem pública, contra a vontade da própria mulher, apresenta-se como paternalismo estatal e conservadorismo antiliberal e, portanto, ilegítimos.

2. DIREITO, MORAL E RELIGIÃO NO ESTADO LAICO

O debate sobre o aborto no Brasil extravasa as fronteiras da discussão jurídica e a órbita do interesse público, sobretudo no âmbito da saúde pública, para abarcar, com centralidade, questões morais e religiosas. Não se constituem novidades as teorias teológicas sobre a sacralidade do corpo, no âmbito das quais são considerados atos de traição contra Deus, e por isso repudiados, atos como o suicídio e o aborto. No entanto, algumas das perguntas que se mostram pertinentes neste cenário são as seguintes: compete ao Estado laico ou não confessional, a exemplo do Estado brasileiro, missão de tornar os cidadãos virtuosos? É legítimo ao Estado Democrático de Direito assumir valores, tais como os religiosos, de determinados grupos da sociedade?

Para descortinar tal cenário, relevante trazer à baila o pensamento de Hans Kelsen (1998). Fortemente influenciado pela teoria moral kantiana, tal pensamento acerca da relatividade filosófica recai inexoravelmente sobre a teoria jurídica construida pelo teórico positivista. Segundo o entendimento kelseniano, é impossível formular indicativos do agir humano que sejam universalmente válidos, acatados de modo uníssono entre os mais diferentes povos. Isto porque a moral humana é assaz variável, respondendo a um conjunto de fatores distintos coletivos e individuais que constroem a subjetividade de cada sujeito e que, inexoravelmente, modelam a sua visão de mundo. Nesse sentido:

Um sistema positivo de valores não é uma criação arbitrária de um individuo isolado, mas sempre o resultado da influência que os indivíduos exercem uns sobre os outros dentro de um dado grupo, seja ele família, tribo, classe, casta ou profissão. Todo sistema de valores, em especial um sistema de moral com a sua ideia central de justiça, é um fenômeno social, o produto de uma sociedade e, portanto, difere de acordo com a natureza da sociedade dentro da qual ele emerge. (Kelsen, 1998, p. 11)

Embora as críticas formuladas em relação à teoria positivista kelseniana possuam significativa pertinência (Wolkmer, 2002; Lixa, 2005), as reflexões propostas em relação à relatividade de conceitos morais são bastante consistentes. Há uma variabilidade de regras e valores morais entre os seres humanos de distintos povos, cuja representação simbólica não pode ser dissociada da sua respectiva cultura. Enquanto os fatores genético-biológicos são responsáveis por grande parte da estrutura fisiológica humana, o elemento cultural fornece parâmetros que modelam o agir humano, a sua consciência ético-moral, sua visão de mundo (Laraia, 1997).

Invariavelmente, os preceitos morais de determinada comunidade se revertem em seus preceitos jurídicos, tornando-se mandamentos obrigatórios impelidos pelo Estado. As normas jurídicas possuem diferentes fontes de emergência; dentre elas, a fonte cultural é um dos elementos de maior influência para direcionar a criação das regras jurídicas em cada um dos sistemas jurídicos (Nader, 2014). Dessa forma, fatos sociais idênticos são tratados pelo direito de comunidades distintas de modo diverso, justamente pelas diferenças culturais de cada povo - o que representa, consequentemente, uma visão de mundo diferenciada no processo de ponderação sobre a justiça.

A cultura, como expressão histórica do processo cumulativo de experiências de vida coletivas, possui condicionantes diversos. A religião é um dos fatores de incidencia e de influência mais robustos, manifestando-se através de dogmas disseminados segundo a crença irrestrita e inquestionável na potencialidade da referida seita. Nesse sentido, a religiosidade detém considerável força e poder de estruturação da visão de mundo de cada sujeito, em um movimento de direcionamento dos seus valores segundo o padrão de correção cultuado pela referida seita (Rotondano, 2016).

Como elemento de influência dentro do quesito cultural, a religião manifestada pela maioria da população de determinado Estado acaba sendo um parâmetro de definição das normas jurídicas deste, direcionando a regulamentação de ações humanas segundo os dogmas cultuados pela doutrina em análise. Há, nesse cenário, uma árdua e espinhosa tarefa jurídica, no sentido de abarcar legitimamente reglamentos sociais compartilhados pela população de determinado território, afastando de modo específico a positivação de normas intrinsecamente ligadas à determinada crença espiritual.

Tal missão, entretanto, somente vigora em Estados que adotam o modelo laico - como é o caso do Brasil. O primado da laicidade estatal indica a separação entre o Estado e quaisquer religiões, editando normas e políticas desvinculadas de crenças espirituais; dessa forma, há uma transferência histórica da religião do patamar público para a esfera privada. A Constituição Federal de 1988 abarcou claramente o primado da laicidade estatal, ao dispor em seu art. 19, I, a vedação ao estabelecimento de cultos ou igrejas, além da manutenção de relações de dependência ou aliança com tais seitas ou com os seus representantes (Brasil, 1988).

Pois bem. Há, neste campo, um evidente conflito jurídico, tendo em vista que o cenário de formação pátrio foi dominado pela ideologia cristã, que desembarcou em terras brasileiras com o colonizador português. A Igreja Católica esteve presente no processo de construção da sociedade nacional em todos os seus momentos, sendo ainda na contemporaneidade organismo decisional - embora, nas últimas décadas, tal entidade tenha dividido espaço com as organizações de cunho evangélico, que estão em ampla ascensão no país, de acordo com pesquisa do IBGE, datada de 2012. Ao exercer o domínio da formação moral dos indivíduos no território brasileiro, a Igreja Católica conseguiu insculpir os seus preceitos no imaginário social da sociedade, transpassando a barreira limítrofe entre o público e o privado mesmo após o período histórico da laicização do Estado, consagrando dessa forma os ideais cristãos na legislação nacional (Rotondano, 2013).

É preciso destacar, nesse quesito, a intensidade com a qual o ideário patriarcal cristão foi veiculado historicamente e, como resultado, integrou-se ao padrão de conduta da vida humana no Brasil. A formação cultural religiosa brasileira teve, ao longo da sua história colonial e contemporânea, a incidência de dogmas e preceitos cristãos que veiculam ideais de controle dos corpos femininos na sociedade, nas mais distintas formas. Tais conceitos dão origem, consequentemente, a normas jurídicas que reafirmam tais regramentos patriarcais - como a distinção da punibilidade do adultério entre o homem e a mulher casados, ou mesmo a limitação da capacidade civil da mulher casada (Oliveira e Bastos, 2017).

Na mesma esteira, a discussão sobre a possibilidade de realização do aborto pelas mulheres encontra um forte teor argumentativo cristão no que tange à sua criminalização. O poder historicamente exercido pelo homem sobre os corpos das mulheres encontra, dentro da religião, um instrumento eficaz para a justificação do controle efetivado por intermédio do aparato legislativo estatal. A representatividade numérica cristã na sociedade brasileira é um fator determinante neste debate, posto que a representação política de grupos religiosos de ascendência cristã comporta a transposição do debate com fundamentação religiosa para o campo público institucional. Tal quadro político-social contemporâneo “dificulta os debates sobre o tema da legalização do aborto e enfatiza os processos de criminalização encobrindo a realidade de centenas ou milhares de mulheres que morrem em decorrência do descaso do Estado” (Ferrazza e Peres, 2016, p. 21).

O debate sobre o aborto promove, nesse campo, a emergência da discussão acerca do controle colonial exercido sobre o feminino na sociedade, tendo como pano de fundo todo um aparato religioso cristão. Uma gama de preceitos e estereotipos coloniais, construídos em relação à mulher - ou melhor, o que a ideología colonial cristã eurocêntrica atribui à mulher - são colocados em xeque, contestando a subalternização e opressão histórica à qual esta foi submetida (Silva, Queiroz, D’Amico Junior e Rotondano, 2020). Fica evidente, nesse sentido, a necessidade de desconstruir concepções e argumentos historicamente veiculados, fundada em preceitos culturais com larga influência religiosa patriarcal, promovendo um contexto jurídico pautado pela autodeterminação feminina.

3. ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DA INTERRUPÇÃO A GESTAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

3.1 A interrupção da gestação de feto anencéfalo: análise do julgamento do STF na ADPF 54

O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de analisar posibilidades de interrupção da gravidez em alguns casos emblemáticos nos últimos anos. Em sede de controle abstrato de constitucionalidade, destaca-se o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, julgado em 12 de abril de 2012, no qual o STF julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção de gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada pelo Código Penal brasileiro, especificamente nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II.

Na análise do caso, o Ministro Marco Aurélio, relator da ação, explicitou que o julgamento não estava se debruçando sobre a descriminalização do aborto, mas apenas sobre a necessidade prática de garantir à mulher o seu direito à dignidade da pessoa humana, entre outras garantias constitucionais. Isto porque o feto anencéfalo não poderia ser considerado, em qualquer momento da gestação ou da sua presença extrauterina, como um ser com vida. Amparado em diversos depoimentos médicos nas audiências públicas realizadas, foi possível constatar que “o anencéfalo jamais se tornará uma pessoa (...) em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura” (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF, 2012, p. 46). A Resolução 1480 do Conselho Federal de Medicina corrobora a conclusão indicada, uma vez que os indivíduos que não apresentam mais capacidade de atividade cerebral enquadram-se no parâmetro de sujeitos sem vida.

Ainda, o Ministro Marco Aurélio foi taxativo em indicar que as considerações de ordem religiosa não poderiam influenciar a avaliação jurídica da situação posta, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 adotou a laicidade estatal como um dos pressupostos do Estado (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF, 2012). O primado da laicidade estatal orienta as políticas institucionais do Estado brasileiro como um todo, afastando quaisquer possibilidades de que determinado viés religioso seja privilegiado. A interrupção da gravidez é uma temática que provoca intenso debate moral religioso; nesse sentido, diversas organizações religiosas participaram do debate público que envolveu a decisão judicial em tela. No entanto, a decisão proferida pela Corte foi pautada estritamente por razões públicas, com caráter jurídico-argumentativo, de modo a garantir a neutralidade religiosa do Estado no referido debate (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF, 2012).

A Ministra Rosa Weber, por sua vez, ressaltou como a continuidade da gestação de um feto que jamais virá a tornar-se um ser humano com vida tornar-se-á um proceso de intensa dor e sofrimento para ambos os genitores, mas especialmente para a mulher. Nesse sentido, declarar a constitucionalidade da interrupção da gravidez de feto anencéfalo é fazer cumprir os direitos fundamentais à saúde da mulher, tanto física como psicológica (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF, 2012). Não há razão sensata e nem razoável, dentro do campo de argumentação jurídica, para sustentar a obrigatoriedade da manutenção da gestação nesses termos.

Complementando o raciocínio elencado anteriormente, a Ministra Carmen Lúcia expõe que o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais que protegem os direitos humanos das mulheres, obrigando-se juridicamente a respeitar a sua integridade, sua liberdade e sua autodeterminação (Brasil, 2012). Nesse sentido, as históricas conquistas de direitos das mulheres não poderiam restar sobrestadas pela vinculação ao sofrimento obrigatório, no caso da prorrogação da gestação de feto anencéfalo. Mais do que isso, não é razoável que a interrupção da gestação de feto anencéfalo implique em sanção penal para as mulheres, posto que fica evidente a injustiça da criminalização do procedimento médico que, no caso em tela, justamente garante os seus direitos fundamentais.

Desse modo, a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 foi um marco simbólico em relação aos direitos das mulheres no Brasil, representando em certo aspecto um progresso na discussão sobre a descriminalização do aborto. Embora os Ministros do STF adotassem um discurso moderado, ressaltando não se tratar de hipótese de legalização da interrupção da gravidez in concretu, o debate jurídico apresentado pode ser considerado um avanço nessa temática, abrindo caminho para uma discussão futura sobre o tema.

Entretanto, tal decisão progressista não foi considerada como tal por todos os Ministros da Corte; em especial, o Ministro Cezar Peluso votou pela total improcedência da ação, arguindo que o STF estaria a legitimar proposta que deveria ser considerada como um verdadeiro crime. Segundo o referido Ministro, “ao feto, reduzido, no fim das contas, à condição de lixo ou de outra coisa imprestável e incômoda, não é dispensada, de nenhum ângulo, a menor consideração ética ou jurídica” (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54/DF, 2012, pp. 383-384). Para Cezar Peluso e para otros juristas, o entendimento proferido pelo STF estaria a abrir as portas para a adoção de práticas eugênicas pelo Estado (Pereira, 2016).

3.2 A interrupção da gestação no primeiro trimestre de gravidez: o caso do Habeas Corpus 124.306

Anos mais tarde, em 2016, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de progredir ainda mais no entendimento formulado anteriormente em relação à temática do aborto. Na análise do Habeas Corpus 124.306/RJ, que versava sobre o pedido de revogação da prisão preventiva de indivíduos acusados da realização de aborto em clínica especializada para tal finalidade, os Ministros do STF adotaram entendimento de vanguarda, rejeitando a criminalização da interrupção da gravidez voluntária ocorrida nos primeiros três meses de gestação (Habeas Corpus 124.306/ RJ, 2016).

Embora a posição do relator da ação, o Ministro Marco Aurélio, tenha sido a de mera confirmação de ofício da medida liminar de liberdade, tornando-a definitiva, o Ministro Luís Roberto Barroso foi além e aprofundou o debate. Após pedir vista antecipada dos autos, o Ministro Barroso também se manifestou pela concessão do mandamus, afastando a prisão preventiva dos acusados; entretanto, Luís Roberto Barroso utilizou para tanto reflexões sobre a inconstitucionalidade da criminalização da interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre (Habeas Corpus 124.306/RJ, 2016).

O Ministro Barroso expôs que haveria, em tese, um processo hermenêutico de sopesamento constitucional entre os direitos fundamentais do feto e os pertencentes à mulher, que deveriam ser avaliados para aferir a possibilidade legal de interrupção da gestação. No entanto, para Barroso, tal conflito seria apenas aparente; amparando-se em decisões tomadas por Cortes Superiores de outros Estados e em estudos científicos da área da genética e da medicina, não caberia falar em direito à vida para o feto nos três primeiros meses da gestação. Tal conclusão decorre do fato de que é após o terceiro mês de gestação que ocorre a formação do sistema nervoso central do feto, havendo efetiva viabilidade de vida extrauterina. Dessa forma, o Ministro Barroso entendeu que a interrupção voluntária da gestação até o primeiro trimestre da gravidez deveria ser amparada juridicamente pelo Estado (Silva, Queiroz, D’Amico Junior e Rotondano, 2020).

Na prática, a imposição de sanções penais para a prática de aborto não reduz em efetivo a ocorrência do número de casos de interrupção voluntária da gravidez pelas mulheres. Pesquisas da Organização Mundial da Saúde atestam que o percentual de incidência de tais práticas em Estados que proíbem a realização do aborto é maior em relação aos países que amparam legalmente tais procedimentos (Chade, 2016). Nesse sentido, a criminalização da interrupção da gestação de forma voluntária apenas impele as mulheres à realização destes procedimentos de forma não segura e precária, expondo-as a sério risco de vida.

A discussão sobre a descriminalização do aborto se constitui, assim, como uma questão de saúde pública. É possível afirmar que a legalização do procedimento abortivo teria o condão de amparar tais práticas de forma segura, evitando os riscos inerentes aos abortos clandestinos e, dessa forma, diminuindo drásticamente a incidência de mortes de mulheres por tais escolhas. Estudos estatísticos realizados na Tchecoslováquia e na Hungria na década de 1950-60, após a adoção de legislação menos restritiva em relação à interrupção voluntária da gestação, demonstram uma drástica redução da mortalidade de mulheres nesses casos. Houve uma diminuição de 63% de mortes na Hungria, entre 1958 a 1962, e um declínio de 56% dos óbitos registrados entre os anos de 1953 e 1957 na Tchecoslováquia (Souza e Silva, 1997; Henshaw, Forrest, Sullivan e Tietze, 1982).

Ainda conforme o entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso, é preciso ressaltar que “a criminalização do aborto viola a autonomia, a integridade física e psíquica e os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a igualdade de gênero, e produz impacto discriminatório sobre as mulheres pobres” (Habeas Corpus 124.306/RJ, 2016, p. 29). Nesse quadro, as mulheres negras e pobres são as principais vítimas desse cenário de opressão jurídico estatal. Estudos indicam que a incidência de mortes de mulheres negras em decorrência do aborto é duas vezes maior do que a encontrada em relação às mulheres brancas (Anjos, Santos, Souzas e Eugênio, 2013).

O voto da Ministra Rosa Weber foi categórico, no sentido de afirmar a relevancia constitucional dos direitos fundamentais da liberdade privada - que engloba a autonomia e o direito ao próprio corpo -, dos direitos sexuais e reprodutivos e do direito à saúde da mulher. Em uma perspectiva comparada da legislação e de decisões emitidas pelas Cortes Superiores de países e de organismos internacionais, a Ministra Rosa Weber pôde identificar prevalência de entendimento favorável à interrupção voluntária da gestação da mulher nos três primeiros meses, sem que tal ação implicasse em uma responsabilização penal (Habeas Corpus 124.306/RJ, 2016).

Ciente dos danos causados pela prática de interrupções voluntárias da gestação por mulheres de modo precário e inseguro, a Ministra Rosa Weber expõe o papel do Estado na formulação de políticas públicas que previnam a ocorrência destes, dentro de medidas que realizem a devida orientação sexual e o acesso efetivo a métodos contraceptivos. Nessa seara, a imposição de sanções penais para a mulher não deve ser o caminho adotado pelo Estado para realizar a diminuição da incidencia de tais práticas na sociedade, sendo que esta alternativa somente agrega fatores de opressão e de repressão às mulheres, atacando frontalmente os seus direitos à autodeterminação, à saúde e à liberdade (Habeas Corpus 124.306/RJ, 2016).

Não obstante seja elogiável a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 124.306/RJ, é preciso ressaltar alguns pontos: a) o entendimento acerca da inconstitucionalidade parcial dos artigos 124 a 126 do Código Penal, excluindo do âmbito de incidência destes a interrupção voluntária da gravidez até o primeiro trimestre, foi tomado pela Primeira Turma, e não pelo Plenário do STF; b) a decisão foi proferida em um caso concreto, tendo efeito somente para as partes do processo; c) não necessariamente a decisão final sobre a descriminalização do aborto será realizada pelo STF, sendo este um passo para iniciar o debate interinstitucional sobre o tema, segundo a Ministra Weber (Habeas Corpus 124.306/RJ, 2016).

3.3 A interrupção da gestação de mulheres com zika vírus: o julgamento processual do STF na ADI 5581

No mesmo ano de 2016, uma nova ação constitucional solicitando o afastamento da incidência dos artigos 124 a 126 do Código Penal foi proposta junto ao Supremo Tribunal Federal. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5581/DF, ajuizada cumulativamente com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep) questionou dispositivos da Lei 13.301/2016, que dispõe sobre medidas de vigilância em saúde referentes à dengue, chikungunya e zika. Os principais pontos legais combatidos pela Anadep foram a proibição de cumulatividade do Benefício de Prestação Continuada (BPC) com a licençamaternidade e a limitação do recebimento de tal benefício pelo período máximo de três anos. Ainda, a Lei 13.301/2016 determinava o gozo do benefício apenas para crianças com microcefalia, excluindo assim o seu recebimento para menores portadores de otras desordens identificadas como sinais da síndrome congênita do zika (Ação Direta de Inconstitucionalidade 5581/DF, 2020).

Adicionalmente, a Anadep pleiteia que a interrupção voluntária da gravidez em casos de infecção da gestante por zika seja amparada pelo Estado brasileiro, sendo declarada a constitucionalidade desta prática nesses casos. Isto porque estudos científicos determinaram a significativa probabilidade de má formação do feto em casos nos quais a gestante adquire a zika ao longo da gravidez (Duarte, 2017). Diversos foram os casos noticiados de bebês que nasceram com microcefalia, asombrando toda a sociedade e colocando a zika como uma enfermidade extremamente temida entre as gestantes.

A ação proposta relaciona, por um lado, a evidente responsabilidade do Estado brasileiro pela omissão em implementar políticas de vigilância sanitária que erradicassem o mosquito transmissor da zika. Por outra via, a Anadep expõe que não é razoável obrigar as mulheres a prosseguir com uma gestação que lhe traz intenso sofrimento psicológico, o que inegavelmente aflige a sua saúde mental. Nessas hipóteses, o Estado tem o dever de assegurar às mulheres o direito de optar por interromper a sua gestação. A criminalização da interrupção voluntária da gravidez no caso de infecção por zika constituiria uma afronta aos preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da proteção às integridades física e psicológica, da saúde e dos direitos reprodutivos da mulher (Ação Direta de Inconstitucionalidade 5581/DF, 2020).

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento do caso, optou por não se debruçar sobre a matéria. Seguindo o voto da Relatora da ação, a Ministra Carmen Lúcia, os Ministros julgaram prejudicada a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5581/DF, pela perda do objeto da ação, tendo em vista que a Medida Provisória 894/2019 revogou o principal ponto questionado pela Anadep. Em relação à ADPF que propunha a declaração de constitucionalidade da interrupção voluntária da gestação das mulheres que adquirissem zika ao longo da gestação, a manifestação proferida pela Ministra Carmen Lúcia foi determinante para a extinção do processo sem a resolução do mérito, alegando que a Anadep não teria legitimidade para a propositura da referida ação constitucional. Segundo a Ministra, não haveria nexo de afinidade entre os objetivos institucionais da Anadep com o conteúdo combatido em sede de controle concentrado de constitucionalidade - requisito este para a propositura da ação (Ação Direta de Inconstitucionalidade 5581/DF, 2020).

Percebe-se, dessa forma, que houve na última década avanços em relação ao tema da interrupção voluntária da gestação na seara judicial brasileira. O Supremo Tribunal Federal se manifestou, ao menos em dois momentos distintos, pelo amparo constitucional desta possibilidade de conduta interventiva. Entretanto, a temática ainda não foi enfrentada de modo direto dentro de uma ação constitucional de controle abstrato da legislação penal que criminaliza tal prática; apesar dos movimentos tendentes ao amparo do aborto legal, o amadurecimento do debate não chegou ao deslinde esperado. A luta em prol da afirmação dos direitos das mulheres neste campo é, ainda, um projeto em andamento, cuja urgência se impõe de forma evidente, vez que milhares de vidas continuam a ser ceifadas ante a realização de procedimentos precários e inseguros.

CONCLUSÕES

A história das mulheres, na sociedade ocidental, é marcada pela dominação masculina e pela negação de direitos. Nesse contexto, ocorreu a anulação da subjetividade da mulher e a atribuição de status social inferior. Destinadas exclusivamente à esfera privada, espaço sem importância e sem brilho, o único papel social reconhecido à mulher, por muito tempo, foi o de procriadora.

Hodiernamente, a ordem constitucional do Brasil e de praticamente todos os países do ocidente garantem às mulheres uma gama de direitos fundamentais, dentre eles a liberdade, que inclui a liberdade sexual, reprodutiva e de planejamento familiar. Relevante salientar que o direito à disposição de si e do próprio corpo está na pauta das sistemáticas reivindicações femininas pelo menos desde a década de 60, do século passado. Entretanto, um tema antigo, porém controvertido, é o do direito da mulher à interrupção voluntária da gestação. Tal tema chega aos nossos dias reacendido em razão do recente julgamento pelo STF do aborto em caso de gestantes com zika vírus.

O referido tema do aborto, criminalizado no Brasil, já foi enfrentado pela Corte Constitucional brasileira em outras duas oportunidades anteriores. A primeira delas, em 2012, quando admitiu a interrupção da gestação de fetos anencéfalos. O argumento central da decisão foi a inexistência de vida com potencial autónomo no anencéfalo, considerado um ser “sem vida”. Assim, não se justificaria infligir dor e sofrimento à mulher e obrigá-la a manter a gestação de um ser inviável. Dessa forma, o STF ressaltou não se tratar de hipótese de legalização do aborto, deixando tal debate para oportunidade futura.

Na segunda manifestação, em sede do Habeas Corpus 124.306/RJ, a discussão gravitou em torno do marco inicial da vida. O Ministro Barroso, aprofundando a discussão, delineou a tese da existência de conflito entre os direitos fundamentais da mulher e os do feto, apontando a ponderação ou sopesamento como solução. No entanto, deixa claro que tal conflito é apenas aparente no caso da interrupção da gestação até o terceiro mês, o que ocorre porque, também aqui, adotando a corrente teórica que sustenta o início da vida com a formação do sistema nervoso central, entende pela inexistência de vida em razão da inviabilidade de existência autônoma.

Ao analisar a ADPF 5581/DF, em que se pleiteou o reconhecimento da possibilidade de interrupção voluntária da gravidez em casos de infecção da gestante por zika, em decorrência da probabilidade de má-formação do feto, a Corte nuevamente postergou em efetivo o enfrentamento do mérito da questão do aborto e extinguiu a ação, sem resolução do mérito, por falta de requisitos formais, em uma lamentável decisão processual.

Percebe-se, dessa forma, que o Supremo Tribunal Federal conseguiu pautar a temática do aborto e produzir decisões favoráveis à ampliação de tal direito da mulher em temas onde a contrariedade popular e política é menos incidente, como no caso da interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo. Porém, não há uma iniciativa consistente da Corte em enfrentar a questão do direito da mulher à interrupção da gravidez propriamente dita, pautando-se pela liberdade de escolha sobre o próprio corpo e pela autodeterminação feminina. Em uma sociedade conservadora, na qual as instituições eclesiásticas influenciam de sobremaneira a visão de mundo da população, a função de defesa de garantias e direitos fundamentais atribuída ao STF torna-se ainda mais relevante para produzir avanços em questões jurídicas relevantes para as minorias sociais.

Em nossa opinião, o tema do aborto no Direito brasileiro há muito carece de um olhar à luz da dignidade da pessoa humana, das liberdades constitucionalmente garantidas e, sobretudo, do direito à autonomia e, em sua dimensão mais íntima, o direito à autodeterminação. Assim, à mulher deve ser garantido o direito às escolhas existenciais, o que inclui a decisão de manter ou interromper uma gestação, de transformar-se ou não em mãe.

Não se pode olvidar, em sede de tal discussão, o clamor social, com tempero religioso, que tradicionalmente embala o tema, repudiando o aborto e sua descriminalização com base em argumentos morais e religiosos relacionados, sobretudo, à defesa da vida do feto. Porém, nos parece que a incorporação de tais valores em um Estado Democrático de Direito, marcado pela laicidade, o torna patriarcalista e moralista, devendo as medidas estatais que limitam o poder da disposição da pessoa sobre si mesma e suas escolhas existenciais, minando sua autonomia, serem vistas com cautela.

Logo, assim como deve ser garantido a todos os indivíduos, na dimensão das escolhas existenciais, o direito à livre determinação do que é melhor para si, deve ser concedido às mulheres o direito de dispor livremente de si mesmas, de seus corpos, de vidas e de seu futuro, o que inclui a escolha relativa à interrupção ou à manutenção da gestação em todos os casos.

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Recebido: 22 de Outubro de 2020; Aceito: 09 de Março de 2021

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