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Encuentros

Print version ISSN 1692-5858

Encuentros vol.12 no.2 Barranquilla July/Dec. 2014

 

Entre o Público e o Privado: Imprensa e Representação Feminina

Between Public and Private: Press and Women's Representation

Entre lo público y lo privado: la prensa y la representación de las Mujeres

Nincia Cecilia Ribas Borges Teixeira1

1 Pós- doutora em Ciência da Literatura nincia@unicentro.br

Como referenciar este artículo:
Ribas Borges Texeira, N. (2014). Entre o público e o privado: Impresa e Representacao Feminina. Revista Encuentros, Universidad Autónoma del Caribe, 12 (2), pp. 79-92.

Fecha de recibido: 26 de agosto de 2013. Fecha de aceptación: 12 de diciembre de 2013


Resumo

A pesquisa busca investigar as representações de gênero na mídia impressa. O tema abrange os espaços do gênero feminino, em que se pressupõem significativas alterações em comparação com tempos passados, focalizando a presença da mulher na imprensa. O corpus analisado será constituído por reportagens e anúncios publicitários que representem a figura feminina na Revista A Bomba veículo editado pela imprensa paranaense. Esta abordagem usa teorias ligadas à História Cultural. O objetivo é demonstrar que as revistas representam uma instância pedagógica ao produzir mecanismos ou dispositivos pedagógicos de subjetivação para as leitoras e, sobretudo, por expressar discursos vigentes e legitimados num contexto histórico-social.

Palavras-Chave: imprensa feminina, representação de gênero.


Abstract

This research investigates the gender representations in print media. The theme covers the female spaces in which significant changes are presupposed, comparing to the women representation within media in the past. The analyzed corpus will consist of reports and advertisements published at the paranaense Journal A Bomba. This approach uses theories linked to the Culture History. The goal is to show that magazines representan instructive instance, both by producing subjectivation pedagogical mechanisms and dispositives to the readers and chiefly for expressing current and legitimated speeches within a socio-historic context.

Key words: female press, gender representation.


Resumen

El estudio es una reflexión sobre las representaciones de género en publicación impresa. El tema trata de los espacios del género femenino, en los que presuponen cambios significativos en comparación con el pasado, se centra en la presencia de las mujeres en la imprenta. El corpus analizado consistirá en artículos y anuncios que representan la figura femenina en la revista publicada en Parana/Brazil. Finalmente, el enfoque demuestra que las revistas representan una instancia para producir mecanismos de subjetividad a los lectores, y especialmente por la fuerza y discursos que expresan un contexto histórico-social legítimo.

Palabras clave: Prensa femenina, la representación de género.


Introdução

Por muito tempo, a mulher foi excluída no tocante à História e às conquistas da humanidade. Por ficar restrita ao espaço privado, não teria uma História, poisso-mente o espaço público, destinado aos homens, possuía destaque. Era nesse espaço público, quase exclusivamente masculino, que ocorriam os grandes acontecimentos históricos.

Para Michele Perrot (1991), o interesse por uma história das mulheres surgiu aos poucos. Isso é devido a um lento processo que põe em destaque no final do século XIX, o papel da família como "célula fundamental" da sociedade.

A Escola dos Annales promoveu o desenvolvimento de uma história das mulheres, decorrente da ênfase dada ao cotidiano, da vida privada e dos grupos marginalizados pela história positivista. De acordo com Peter Burke (2002), a História das mulheres oferece uma nova perspectiva sobre o passado, uma vez que, anteriormente, eram invisíveis, sendo subestimado seu trabalho diário, sua influência política e económica.

A partir da década de 1980, o conceito de gênero tornou-se amplamente utilizado para caracterizar as relações entre homens e mulheres, partindo do pressuposto de que a formulação de uma história das mulheres necessita obrigatoriamente dos estudos acerca das inter-relações entre os dois sexos. A categoria gênero se reporta a uma construção social que delimita os papéis desempenhados por cada um dos sexos na sociedade. Pode ser compreendido como uma convenção social, histórica e cultural, baseada nas diferenças sexuais.

Embora a historiografia oficial omita, na maioria das vezes, a participação da mulher no processo histórico, observa-se que as mulheres não foram simplesmente um adorno no âmbito social. Nas últimas décadas, um maior número de pesquisadores voltaram-se para esta discussão na tentativa de retificar esta omissão. A pesquisa analisa a representação das mulheres entre o início do século XX e início do século XXI por meio das imagens femininas presentes nos discursos da imprensa.

Durante muito tempo, a mulher foi silenciada e esteve à mercê das decisões patriarcais. Até a segunda metade do século XIX, as mulheres mantiveram condições subalternas na maioria das situações do cotidiano. Sua participação social ficava restrita ao lar, aos afazeres domésticos. A presença feminina era reduzida no espaço público. Seu acesso a clubes, teatros, cafés só era permitido se estivessem acompanhadas. Em relação à educação formal, as oportunidades de estudos eram mínimas. Mesmo depois de 1879, quando o governo brasileiro permite às mulheres frequentarem instituições de ensino superior no país, poucas tiveram sucesso e conseguiram obter formação superior, uma vezque havia poucas escolas para moças, o que limitava ainda mais o número de mulheres que completavam o ensino secundário -essencial para a formação superior.

Norbert Elias, ao estudar a construção de identidades - dos indivíduos e das sociedades - e das representações acerca de tais construções, assevera que essas acabam propiciando modos de ação e visões de mundo, os textos expressos na Imprensa Paranaense, no começo do século XX, estabelecem suas escritas sobre questões da memória, sobre vivências individuais, mas as quais, quando relatadas, possibilitam a (re)construção de experiências da sociedade, e, por extensão, um mapa da representação da mulher no início do século XX. Sobre esta questão Norbert Elias argumenta:

Dessa interdependência de pessoas surge uma ordem sui generis, uma ordem mais irresistível e mais forte do que à vontade ou a razão das pessoas isoladas que a compõem. É essa ordem de impulsos e anelos humanos entrelaçados, essa ordem social, que determina o curso da mudança histórica, e que subjaz ao processo civilizador:

[...] A rede de interdependência entre os seres humanos é o que os liga. Elas formam o nexo da configuração, ou seja, uma estrutura de pessoas mutuamente orientadas e dependentes. Uma vez que as pessoas são mais ou menos dependentes entre si, inicialmente pela ação da natureza e mais tarde através da aprendizagem social, da educação, socialização e necessidade recíprocas socialmente geradas, elas existem, apenas como pluralidades, apenas com configurações (Elias, 1993, p.194)

A imprensa é produto de determinadas práticas sociais de uma época e se constitui um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social, dado que o jornal oferece vasto material para o estudo da vida cotidiana. Os costumes e práticas sociais, todos os aspectos do dia-a-dia estão registrados em suas páginas. Entretanto, a imprensa não deve ser vista como espelho da realidade e sim como espaço de representação de momentos particulares de realidade. Segundo James William Goodwin Jr, a imprensa proporciona:

novos enfoques, novos objetos de estudo, encontram em páginas antes esquecidas os elementos para delinear imagens do passado: modas, costumes sociais, discursos, mentalidades. A leitura dos jornais permite perceber quais são os valores hegemónicos em uma determinada época e região e a forma como esse zeitgeist vai sendo incorporado e encarnado, até se tornar o parâmetro pelo qual a realidade é medida. (2001, p.9)

A expressão verbal sobre essas vivências, a partir de valores sociais e culturais de cada povo, constrói uma identidade de gênero. O significado de como ser ou agir como homens ou mulheres é dado socialmente e varia conforme as representações presentes no imaginário de cada época. Dessa forma, surgem formas que remetem a uma espécie de Pedagogia de Gênero. De acordo com como dizLea Archanjo (1987):

Representar implica uma figura e no que ela significa, ou seja, numa forma e em seu sentido. O sentido é que dá caráter simbólico à representação [... ] nas representações sociais de gênero, existe a forma (figura) homem /mulher e o sentido (significação) do que é ser homem ou ser mulher. O que significa ser homem e ser mulher varia histórica e culturalmente.

A representação é um processo de construção de sentidos e não um reflexo da realidade. Ela se constitui partir da natureza das formações discursivas em que foram concebidas, as relações de poder, os elementos da dominação e da resistência. Ao representar, são firmadas identidades. Esta dimensão da representação torna-se ainda mais evidente ao se tratar da imprensa e seu poder de influenciar as crenças, os valores, as identidades e a memória social.

Segundo Teresa de Lauretis (1994), o conceito de gênero como diferença sexual gerou espaços "gendrados", ou seja, marcados por especificidades de gênero, como ocorre com a imprensa, em suas revistas "femininas". Esta postura é criticada pela autora porque, segundo ela, o conceito de "diferença sexual" tem algumas limitações, que realmente observamos na prática. A primeira limitação é que ele "confina o pensamento crítico feminista ao arcabouço conceitual de uma oposição universal do sexo, o que torna muito difícil, se não impossível, articular as diferenças entre mulheres e Mulher, isto é, as diferenças entre as mulheres".

De acordo com Louise Tilly (1994), as relações de gênero variam de acordo com as culturas, a religião, as classes sociais, raças e momentos históricos; formam redes de significações que se constroem e se relacionam por completo e atuam nos domínios da relevância da vida cotidiana privada e suas interações com o espaço público. As desigualdades de gênero produzem mecanismos discriminatórios que se tornam concretos nos diferentes campos da vida social pública e privada. Por isso, o conceito de gênero não permite que as diferenças sejam vistas apenas sob o aspecto biológico, uma vez que, a adoção do modelo naturalista implica na aceitação da subordinação da mulher ao homem, baseada nas estruturas biológicas de cada indivíduo.

Ao representar a figura feminina, a imprensa constrói, projeta e estabiliza identidades sociais, em processos definidos histórica e culturalmente. Assim, as representações cristalizam-se em formas textuais e se associam a outros discursos. Dessa forma, a imprensa é um instrumento poderoso na constituição da memória social, as representações do real veiculadas pelos meios de comunicação inscrevem-se na memória e fazem parte de nosso imaginário, na medida em que constroem as narrativas que sustentam a ideia de nação e de identidade nacional, pois adquiriram um status institucional que lhes autoriza a interpretar e produzir sentidos sobre o social que são aceitos consensualmente pela sociedade.

Ao considerarmos os códigos, discursos e narrativas sociais a que se está exposto e que estão representados nos registros da imprensa, é possível analisar as representações que serviram para construir a identidade e a memória do feminino nos/pelos periódicos que fundaram e constituíram a tradição da imprensa escrita no Brasil. Os registros da imprensa, portanto, fazem parte do elenco de narrativas e discursos que irão participar da constituição dos sujeitos e definir os contornos das relações sociais. Discurso é, portanto, prática social: estamos constantemente construindo a nós mesmos e ao mundo nas práticas discursivas em que nos envolvemos.

Nas páginas de muitas revistas, é possível perceber representações de feminino e masculino que retratam uma época, os modos de comportamento considerados válidos e legítimos para a parcela alfabetizada e de classe média da sociedade brasileira daquele momento, impressos nas páginas de uma revista. Por meio da associação entre imaginário e social, as sociedades traçam identidades e estruturam representações através de símbolos, imagens, ideologias, mitos e rituais. Na construção desse imaginário, são oferecidas e modeladas as condutas esperadas, bem como os estereótipos, já que nessas relações existem articulações de poder, sendo o domínio do imaginário um importante lugar estratégico. As seções femininas nas revistas paranaenses, em geral, muito contribuíram para instituírem ideais de beleza e conduta, oferecendo modelos de comportamentos, tanto masculinos quanto femininos.

Para Roger Chartier (1990, p.20), o conceito de representação deve ser entendido como um "[...] instrumento de um conhecimento mediador que faz ver um objeto ausente através da substituição por uma imagem capaz de o reconstituir em memória e de o figurar como ele é".

No início, as publicações femininas eram editadas em veículos destinados a um público pertencente a ambos os sexos, pois a ideia de público específico, como hoje se tem, não existia, porque a mulher não era sequer considerada. De acordo com a jornalista Dulcília Schroeder Buitoni, no livro Imprensa Feminina, as pessoas contrapõem a imprensa em geral e a imprensa feminina, no sentido de que o jornalismo de serviços seria mais para mulheres, enquanto assuntos como economia e política seriam voltados para os homens.

Não nos esqueçamos de que o público é uma conceituação deste século, e ligada quase sempre a várias camadas sociais. Enquanto a imprensa feminina teve em vista desde logo a mulher, a imprensa masculina, dirigida ao homem, só veio a construir-se bem depois, em função da segmentação de mercado. (Buitoni, 1990, p. 8).

Maurice Duverger (1976) subdivide a imprensa especializada em imprensa de público especializado e imprensa de assunto especializado. Ele afirma que imprensa feminina é assunto especializado, assim como periódicos esportivos, literários, revistas de TV, dentre outros, de modo que o conteúdo seria responsável pela sua classificação. Essa ponderação ajuda na sua caracterização de "imprensa feminina", sem enquadrá- la, no entanto, como imprensa de assunto especializado, argumentação legitimada pelo que nos explica Buitoni:

Imprensa de interesse geral, imprensa de público especializado, imprensa de assunto especializado, nenhuma definição é adequada ao tipo de mídia que ora analisamos. Interessegeral não seria, embora homens também sejam leitores de veículos femininos. Mulheres não constituem um público especializado; além disso, não dá para falar em especializaçãode assunto, porque a gama possível de matérias é muito grande. (1990, p.15)

Evelyne Sullerot (1963) classifica como femininos os periódicos que se proclamam destinados à clientela feminina e que foram concebidos objetivando um público feminino. Entretanto, o ser escrita para, não implica em ser escrita por mulheres. As revistas publicadas no início do século XX, isso pesa consideravelmente, pois a maioriafoi pensada e escrita, na quase totalidade, por homens, a intelectualidade brasileira do período, oriundos do nacionalismo modernista dos anos 20. De qualquer forma, isto é um reflexo da exclusão feminina da época, do afastamento das áreas da cultura e do poder; a mulher era para ser dirigida e não dirigir.

A imprensa feminina elegeu a revista como seu veículo por excelência. Revista é ilustração, é cor, jogo, prazer, é linguagem mais pessoal, é variedade: a imprensa que tem como foco a mulher utiliza tudo isso. Quanto aos temas abordados em revistas femininas, observa-se quealguns estão sempre presentes como: sentimentos, conselhos de saúde, de economia doméstica, decoração, beleza.

O desenvolvimento industrial trouxe consigo o aprimoramento da publicidade, ferramenta primordial na vendagem de revistas femininas, já que, ali, os anunciantes de cosméticos, moda, produtos pessoais, para a família e para a casa, encontraram sua fatia de mercado no mundo capitalista, criando, assim, o hábito do consumo traduzido como ideologia. Esse armazém sortido e agradável, que é a revista, sempre apresenta uma fruição; daí seu caráter de feminização do produto impresso. Acima de tudo, a leitura de uma revista parece mais gossa que a de um jornal, seja pelo conteúdo ou até pela forma como é lida. "Não se lêem revistas somente pela informação; muitas vezes, o ato de folheá-las já é um prazer." (Buitoni, 1990, p.18)

No Brasil, o primeiro jornal feminino foi o Espelho Diamantino, de 1827, em que se lia "dedicadoàs senhoras brasileiras". Nele eram publicadas notas sobre política, literatura, artes, teatro e moda, e era feito na cidade do Rio de Janeiro. O Correio das Modas, de 1839, carioca, também é o pioneiro das publicações para mulheres. Mas, a imprensa feminina do séculoXIX não se restringiu ao Rio de Janeiro e, em 1831, em Recife, foi lançado O Espelho das Brasileiras, seguido de várias outras publicações do gênero, muitas vezes de efêmera duração. Preocupavam-se basicamente com moda e literatura. Na segunda metade do séc. XIX, a imprensa se desenvolveu e estreitou seus laços com a literatura; grandes escritores, como José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedoe Machado de Assis tiveram suas obras publicadas nos jornais, sob a forma de folhetins, que estimulavam sonhos e fantasias de homens e mulheres, envolvidos em suas tramas amorosas.

A ilustração também passou a ser mais utilizada, graças a desenhistas como Henrique Fleiuss (Semana Ilustrada -1860) e Ângelo Agostini (Revista Ilustrada -1876). É nesse momento que surgem "alguns periódicos audaciosos editados por mulheres", entre eles o Jornal das Senhoras, de responsabilidade de Joana Paula Manso de Noronha, que a partir de 1852, "parece ter sido um dos primeiros a contar com mulheres na redação".

Outro jornal brasileiro que merece destaque é o A Família (1881-1897). Entre os temas abordados estavam o direito ao voto, o direito de serem médicas, advogadas, professoras ou de seguir a carreira teatral (que era associada à prostituição).

No fim do século XVIII, surgiu, na França, a primeira publicação que tratava sobre o desejo de emancipação da mulher, o L'Athénée des Dames, fechado em 1809 por ordem do imperador Napoleão. No Brasil, este tipo de publicação passa a existir no final do século XIX e sendo um expoente, "O Sexo Feminino" da professora mineira Francisca Senhorinha da Mota Diniz, lutava pela educação das mulheres.

Em 1862, também no Rio de Janeiro, um grupo de mulheres, com instrução secundária, fundou O Belo Sexo. Mais críticas quanto ao tipo de atuação social da mulher, que, segundo elas, conduzia ao tédio e solidão de uma vida improdutiva, que as privava de uma instrução mais profunda para conduzi-las ao casamento. Em nosso país, a primeira publicação de destaque foi a Revista Feminina, veiculada de 1914 a 1936, contou com a participação de escritores famosos, como Olavo Bilac. Na década de 40, surge a Página Feminina, uma publicação semanal vespertina, com colunas sobre beleza, moda e culinária.

June E. Hahner, que estudou essas publicações da imprensa feminina, refere-se ao pouco destaque que elas têm merecido por parte de estudiosos da imprensa e dos movimentos feministas. Lembra que essas mulheres, através de seus jornais, procuravamdespertar as demais para o desenvolvimento de um potencial sufocado e desconhecido. Acreditavam na educação como instrumento mais eficaz para libertar a mulher da opressão que vinha sofrendo há séculos. Algumas tiveram ideias avançadas para a época.

Coubeà imprensa feminina divulgar as novas ideias sobre oelemento feminino, que, em geral, referendava o domínio social e familiar do homem. A imagem da "nova" mulher divulgada por essa imprensa foi naturalizada e, inclusive, reproduzida poraquelas que participaram direta ou indiretamente da escrita desses periódicos, em especial, nos jornais femininos.

Entretanto, há que se registrar a existência de jornais para mulheres que se revoltaram com esta posição e tornaram--se feministas em suas causas, como aconteceu com o A Família, fundado em 1888, no Rio de Janeiro, por Josefina Álvares de Azevedo - onde ela defendeu o sufragismo e reivindicou a igualdade prometida pela República recém-im-plantada. Josefina Álvares de Azevedo, por exemplo, foi das mais vigorosas das vozes femininas surgidas nas décadas de 1880-1890. Rebelou-se contra a dominação do homem. As ideias de Josefina de Azevedo avançaram na defesa da lei do divórcio, que permitiria a dissolução legal de casamentos já desfeitos por acordos mútuos. Essas publicações críticas e conscientizadas da dominação masculina, porém, não foram as dominantes no gênero.

À medida que se caminhava para o final do século, elas rareavam e eram substituídas por outras, mais amenas, com títulos com nomes de flores, pedras preciosas, animais graciosos, todos metáforas da figura feminina: A Camélia, A Violeta, O Lírio, A Crisálida, A Borboleta, O Beija-Flor, A Esmeralda, A Grinalda, O Leque, O Espelho, Primavera.

Além dos jornais, as revistas também passaram a ter maior número de leitores, aparecendo novas publicações. Já havia público para revistas mundanas, ricas e luxuosas que, favorecidas pelo desenvolvimento das artes gráficas, apresentavam belas ilustrações e até fotografias. Essas revistas já voltavam sua atenção para o público feminino, incluindo matérias ou seções supostamente de interesse feminino. Assim faziam a Revista da Semana (Rio de Janeiro-1901), que tinha uma seção intitulada Cartas de Mulher; Fon-Fon (Rio de Janeiro -1907) e Cigarra (São Paulo-1914), que embora não fossem concebidas como revistas especificamente para público feminino, traziam informações para este público. As mulheres ganhavam espaço nas matérias e propagandas das revistas de maior circulação, mas não tinham, então, uma publicação que a elas se dedicasse exclusivamente. Esse espaço veio a ser preenchido pela Revista Feminina.

Esses periódicos, na sua maioria, tiveram vida curta. Em geral, suas edições, ao lado de assuntos sobre moda, culinária e educação dos filhos, publicavam artigos mais polêmicos, onde se discutia a condição da mulher e chegavam até a reivindicar direitos e oportunidades iguais para ambos os sexos. Entre as escritoras que mereceram presença nesses periódicos estão: Júlia Lopes de Almeida, Narcisa Amália, Amália Franco, Inês Sabino, Carmem Dolores, Corina Coaracy e Maria Amélia de Queirós.

Noinício do século XX, o crescimento da urbanização e da industrialização nos grandes centros traz a mulher para o espaço público das ruas, dos acontecimentos sociais nos teatros, cafés e ao mundo do trabalho. Neste momento, surgem em maior quantidade, textos sobre a mulher e também escritos por elas. O movimento pelos direitos da mulher começa então a se fortalecer no Brasil, principalmente entre as elites urbanas. As reivindicações dessas mulheres, ligadas a um estrato social mais privilegiado, voltavam-se principalmente para os debates que diziam respeito aos direitos de igualdade perante os homens quanto à profissionalização e ao direito de voto.

As práticas discursivas produzidas pela imprensasão formas simbólicas, que veiculam noções existentes na sociedade, reproduzindo crenças, valores e identidades sociais, retratando alterações históricas, e contribuindo para a perpetuação ou transformação das relações sociais. Parto do pressuposto de que os contextos sociais são constitutivos da produção das formas simbólicas, e dos modos pelas quais essas formas são recebidas e entendidas, contribuindo também para as maneiras pelo qual elas serão interpretadas, recebidas e valorizadas. As sociedades constroem bens simbólicos, que compõem o imaginário e formam um conjunto de representações sociais.

A partir do nascimento, ocorre uma série de ideias acerca da feminilidade e da masculinidade, por meio da transmissão/ incorporação de determinados "valores femininos e masculinos" ratificados pelas instituições: Família, Igreja, Mídia. Há a construção do senso comum que parte do pressuposto de que a sociedade compartilha de um consenso cultural. Ele é uma forma simbólica, munido de valores e significados sobre homens e mulheres existentes na sociedade. Existe, também, o emprego de um discurso normatizante, por meio de representações coletivas e classificatórias para que seja entendido por um maior número de pessoas.

O final do século XIX foi marcado no Brasil pela expansão da imprensa, graças aos avanços tecnológicos propiciados pela época. No entanto, os periódicos dependiam de colaboradores literários e financeiros para a sua sobrevivência, além de um número considerável de leitores que na época, eram as mulheres, a quem estes eram destinados, principalmente no espaço intitulado folhetim, no qual eram publicadas variedades e assuntos corriqueiros ditados pela sociedade burguesa que se encaixavam ao perfil feminino. Apesar de que nesse período apenas 20% das mulheres sabiam ler e escrever, contra 29% doshomens alfabetizados, elas eram as leitoras da época

O século XX foi um período marcado por inúmeras tensões, mas também foi um século de conquistas e de grande visibilidade, em especial para as mulheres. No Brasil, a situação das mulheres era semelhante ao que ocorria no restante do mundo. No início, apenas a elite brasileira - económica e cultural - discutiaideias feministas; depois, com a inserção de imigrantes nos espaços sociais, entre as décadas de 1920 a 1940, doutrinas e ideias libertárias estiveram acessíveis à camada das trabalhadoras. A imprensa feminina constitui-se num espaço privilegiado para que se possa desvendar esse universo. Os periódicosantigos destinadas ao sexo feminino ajudam a revelar não só o lugar que lhe era reservado naquela sociedade, mas, principalmente, o grau de conscientização das mulheres cultas quanto ao papel que ocupavam na mesma. Propomos, então, estudar mulheres daclasse dominante, por isso precisamos relativizar e redimensionar seu papel em vista de uma ideia preconceituosa a elas associada - submissa, dócil, rebelde - tão amplamente divulgada.

Imprensa Feminina no Paraná

No Estado do Paraná, localizado ao Sul do Brasil, como no restante do país, um fluxo arrebatador de transformações atinge os mais variados níveis de experiência social, no período que compreende os fins do século XIX até cerca de meados do século XX. Para Fernando Novais, a República viria "[...] para ficar e com ela o país romperia com a letargia do seu passado, alcançando-se a novas alturas no concerto das nações modernas". A partir da República tornam-se presentes no cotidiano social paranaense, ideal de urbanização e modernização às cidades. Grandes expectativas surgem perante a revolução da técnica que se assistia diante da luz elétrica, do telefone, do cinematógrafo, das estruturas de ferro pré-fabricadas. Curitiba como as outras cidades brasileiras sofre uma transformação cultural que precede as mudanças materiais. As máquinas e os artefatos da técnica fascinaram os moradores da pequena cidade de Curitiba naquele inicio do século XX.

A vida social no Paraná se intensifica a partir do século XX, reflexoda urbanização, da imigração, do crescimento populacional das cidades e a modernização geral da sociedade. Curitiba, a capital vai ser o palco da vida social e das tensões sociais do período. O crescimento urbano gera a criação de novos ambientes para o convívio social e o lazer dos paranaenses. Paralelo ao debatesobre a emancipação feminina, que se dava nos principais centros urbanos do país, e enquanto tramitavam medidas no Congresso contra ou a favor do sufrágio feminino, as curitibanas também experimentavam, nas primeiras décadas do regime republicano, mudanças concretas no seu cotidiano. Como se sabe, nesse período, Curitiba havia adquirido novas feições, perdendo sua aparência até então provinciana. Estabelecimentos bancários, armazéns e magazines, alteravam o perfil da cidade e dos seus habitantes. Despontavam, gradativamente, nesses ambientes, moças trabalhadoras exercendo atividades variadas, como balconistas, datilógrafas, auxiliares de escritório, telegrafistas, escriturárias, entre outras.

Na formação da sociedade paranaense, podem-se visualizar traços culturais variados e distintos que se mesclaram e deixaram marcas no comportamento provinciano e conservador de seu povo, especialmente, quanto se refere à conduta feminina. O comportamento da mulher paranaense, conforme o lugar que ocupa dentro dessa sociedade, é permeado de regras e traços de uma sociedade agrária, que exige um comportamento recatado e doméstico próprio dos costumes da vida nas fazendas, regras que estão enraizadas não só na classe dominante, mas que também orientam o comportamento das famílias de classe alta e média, as quais exigem que a mulher tenha uma "boa formação": escolas religiosas e façam um casamento com bons partidos. Mas, na realidade, sob o manto da permissividade ou do respeito a todas as expressões individuais e coletivas, está um Paraná austero, conservador em suas práticas políticas e sociais, um estado vigilante de seu código patriarcal. Talvez, por toda essa atmosfera, recrudesçam e se perpetuem as regras patriarcais que regiam o comportamento da mulher no século passado.

Curitiba, no início do século XX, adquiria ares cosmopolitas. Observavam-se sutis diferenças no traje, nos gestos, no comportamento da mulher curitibana no início do XX. A mulher curitibana já frequentava clubes e associações. Adquiria certa visibilidade, capaz de despertar para formas de representatividadeda esfera à que até então estava destinada - a esfera privada.

Elas reivindicavam espaço público e usavam os instrumentos que tinhamà mão para conseguir seus objetivos: administrar os bens da família; criar arte, literatura e música; exercer atividades como operárias, comerciarias e artesãs. Do lado oposto aos dogmas católicos e seguidores dos ideais de modernidade propalado pela República, surgiram grémios e associações, como a das "Livres- Pensadoras" e "As Filhas de Acácia", entre outras entidades femininas espíritas, maçons e rosa-cruz. Outras agremiações, entretanto, tinha cuja principal finalidade era praticar a filantropia e a assistência social. De leitoras de romances, nas reservas do espaço privado, à condição de escritoras de obras diversas, as mulheres se projeta-ram em direção à conquista do mundo da escrita nos jornais, nas sessões de modas e de beleza, nos conselhos caseiros e nas manifestações literárias, sendo a poesia um espaço de incidência e de revelação do interior feminino.

Na cidade de Curitiba, no Centro Paranaense de Cultura Feminina, as mulheres - advogadas, jornalistas e professoras- dedicaram-se à escrita, expressando opiniões em jornais, revistas, e publicaram obras literárias, contando com o apoio de editoras, muitas delas de tímida projeção. Dentre as escritoras feministas paranaenses, a grande maioria procedia do curso de magistério. Além do exercício desta função, elas participavam de grupos, cujos interesses estavam voltados para a escrita de poesias e contos, apresentação de recitais, "Durante muito tempo a profissão de professora foi praticamente a única em que as mulheres puderam ter o direito de exercer um trabalho digno e conseguir uma inserção no espaço público, dado que os demais campos profissionais lhes foram vedados. O fato de não ingressarem nas demais profissões, acessíveis somente ao segmento masculino, e a aceitação do magistério, aureolado pelos atributos da missão, vocação e continuidade daquilo que era realizado no lar, fizeram que a profissão rapidamente se feminizasse (ALMEIDA, 1998, p. 23-24)

Nas primeiras décadas do século XX, o fascínio pela vida pública no exercício de diferentes atividades, a autonomia e independência na aquisição do próprio sustento acenavam à mulher como possibilidades de libertação da esfera privada. No entanto, essas conquistas traziam em si o perigo de comprometer a ordem social, uma vez que os cuidados da casa e dos filhos passavam a competir com o desempenho profissional. Essas evidências se consolidaram nos anos vinte, quando a "nova mulher" passou a ocupar um lugar de destaque no trabalho e na realização pessoal. Com a fundação da Universidade Federal do Paraná (1912) e depois seu reconhecimento (1946), algumas mulheres, até então impedidas pelas regras educacionais daquele período, passaram a adquirir saberes universitários e ingressaram na vida profissional como prestadoras de serviço. E em todos esses momentos a imprensa cedeu espaço para a divulgação tanto de representações sociais que mantinham os velhos valores como esses ideais inovadores.

Durante o início do século XX e até década de 1930,nota-se o crescimento e a popularidade de revistas ilustradas. A imprensa no Brasil já estava sendo considerada empresa industrial e comercial. Surgiam, além dos jornais vespertinos já existentes, várias outras tiragens gráficas que buscavam atender às demandas da capital do país que era, então, o Rio de Janeiro. A população da cidade crescia exponencialmente, favorecendo " o surgimento dos jornais de bairro, havia também publicações luxuosas, ricas, que eram favorecidas pelo desenvolvimento das artes gráficas e apresentavam ilustrações e fotografias. Tais image ocupavam espaço cada vez maior, e os textos não contavam mais tão somente com xilogravuras e litografia. Esta prosperidade das revistas ilustradas delimita uma época em que jornalismo e literatura se fundiam nas publicações. Em seguida, começaram um processo de afastamento da literatura, transformando-se em revistas de variedades ou femininas.

Nas duas primeiras décadas do século XX foram editados cerca de sessenta títulos de revistas em Curitiba. Segundo Rosane Kaminski (2010), as revistas foram organizadas em três grupos, o primeiro grupo é o das revistas literárias, que davam continuidade a uma tradição que vinha se formando desde fins da década de 1880 na cidade de Curitiba. Eram produtos resultantes da atuação de um grupo de poetas e se fazia uso esporádico da imagem. O segundo grupo é formado pelas revistas de caráter publicitário, tanto as que promovem instituições e personalidades políticas, como aquelas que têm como foco central os anúncios comerciais. Muitos dos anúncios contêm ilustrações, representando os produtos e serviços ou, ainda, a imagem do estabelecimento comercial e da expansão urbanística e arquitetônica em Curitiba. O terceiro grupo é constituído pelas revistas de humor, de caráter declaradamente satírico e sustentado na observação de fatos corriqueiros no ambiente urbano. Elas revelam proximidade estilística com as revistas humorísticas publicadas no Rio de Janeiro, em São Paulo, e mesmo em cidades europeias.

No Paraná, as revistas dispunham de folhas femininas, inseridas nas revistas, que levavam ao público moda e literatura, tratando esporadicamente de assuntos como educação, higiene, seções de culinária e dicas de beleza. Entretanto não existia nesta época nenhuma "revista" dedicada inteiramente às mulheres. Funcionavam como manual de conduta do universo feminino da época e se ocupavam de assuntos como culinária, psicologia, beleza, notas sociais, trabalhos manuais).

A burguesia paranaense ascende e cria uma nova demanda impressa, tornando necessários produtos editoriais mais sofisticados. As capas tem apelo modernista, anúncios desenhados, belas ilustrações. As páginas femininas nas revistas parana-ensestendiam para o aspecto educativo--pedagógico, certas publicações tentam aproximar a mulher do mundo material, tratando de assuntos como sua saúde, educação, de seus direitos, do trabalho feminino, de sua conscientização, informação e contato com o mundo proletário, o modelo proposto ainda é o de uma mulher etérea, cultivadora de valores como ser mãe e dona de casa.

A Bomba

A Bomba foi uma publicação trimestral de Curitiba e tratava de temas variados, entre os quais a política, sobretudo local, e o esporte. Seu principal objetivo, porém, era a crítica de costumes. Marcelo Bittencourt era o proprietário, Rodrigo Junior e Clemente Rite os redatores e Félix cuidava das artes. A redação funcionava na rua Marechal Deodoro, n° 36. A assinatura anual custava 14$000, semestral 8$000, avulso $400 e o numero atrasado $500. O humor, a ironia, a piada eram a principal marca da publicação, como anunciava a apresentação do primeiro número:

Declaramos positivamente que 'A Bomba' é inteiramente independente em suas feições religiosas politicas. É por esta razão que todos os dias filamos café no palacio Rio Branco, o chá no tugurio do Caio, o almoço em casa do Bispo, e o jantar no honrado lar do pastor protestante da Egreja Evangelica Persbyteriana Independente (A Bomba, n° 3, 1 jul. 1913)

A revista se interessou por retratar o novo papel da mulher no início de século XIX. Algumas das colunas permanente do jornal eram: "Portico", "Notas Sportivas", "Coisas da Política (mas coisas... serias)", "O Batates", "Paraná Intellectual", "Notas elegantes", entre outras.

No contexto do advento da República, das reformas urbanas e das inovações técnicas, a imprensa investiu num novo horizonte de imagens e o humorteve um papel importante nesse processo. A figura feminina era muito constante nas charges e, ainda que não fosse a maioria, nem por isso a presença das mulheres era menos instigante ou polêmica.

Para Maria Angélica Zubaran (1993), a caricatura servia para ridicularizaro comportamento "desviante", daquela que se afastava da moralidade vigente. As caricaturas reforçavam a exigência da preocupação feminina com a estética e a moda. Ao mesmo tempo, o olhar masculino ridicularizava o excesso de vaidade feminina, representando-a como exagerada, passageira, inconstante, banal, fortalecendo assim a imagem ideal da mulher pura e contida através da sátira de seu contratipo, a mulher a oportunizou a aparição da mulher na cena pública, por outro lado, revelou uma percepção hierárquica e moralizadora do feminino, contribuindo para reforçar a normalização do outro.

As mudanças relacionadas ao novo comportamento feminino, nas primeiras décadas do século XX, anunciavam a disseminação da tecnologia, de novos meios de transporte, de novos espaços de lazer e de trabalho. Isso vai acarretar alterações no modo de agir e de pensar. De acordo com Marina Maluf:

Era nas cidades, as quais trocavam sua aparência paroquial por uma atmosfera cosmopolita e metropolitana, que se desenrolavam as mudanças mais visíveis. Através de um processo diagnosticado por vários críticos temerosos como imperfeito e desorganizado, a nova paisagem urbana, embora ainda guardasse muito da tradição, era povoada por uma população nova e heterogênea, composta de imigrantes, de egressos da escravidão e de representantes das elites que se mudavam do campo para as cidades (1998, p. 371)

Na cidade moderna, a distânciaentre o público e o privado, que demarcava o espaço que separava homens e mulheres, tornou-se tênue. Para Aparecida Bahls (2009), os homens reuniam se reuniam em bares e cafés, as mulheres se compraziam em apreciar as vitrines das lojas, seduzidas pelos ditames da moda, e a frequentar os teatros para assistir à ópera e ao moderno cinematógrafo. A evolução dos meios de transporte, com o uso do bonde e do automóvel, encurtando as distâncias e aproximando as pessoas, também favoreceu essa modernidade.

Na ilustração, destaca-se atuação feminina no espaço público, sugere-se a mudança de padrões. A mulher coloca-se à frente das iniciativas, causando um certo espanto. No entanto, isso é construído de forma ambígua: se por um lado, ela tem o direitoa expressar o que pensa, de outro, constrói-se a imagem da mulher interesseira, superficial e frívola. A charge parece ridicularizar as conquistas femininas e reforçar o ideal masculino de dominação e exclusão da mulher, mas também, pela própria ironia e ambiguidade, revelamudanças nos padrões de comportamento e de sentimentos frente às novas experiências urbanas. Entre o preconceito e o espanto, traçam-se nas páginas das revistas as interações e redefinições dos papéis masculinos e femininos.

Na charge, observa-se que as novas condutas femininas são ironizadas , há nas ilustrações um universo de exuberância e abundância da sensualidade da mulher em que as relações privadas são retomadas e os valores, sentimentos e ideais revisitados.

Publicações como essa, mesmo quando não propunham alterações radicais do lugar social das mulheres, participaram da construção de uma nova relação da mulher com a leitura e com a escrita, bem como da redefinição da figura feminina em um momento de discussão de sua cidadania e de sua participação na vida pública.

"Precocidade moderna"

Ele - Então a senhorita não pretende casar?

Ela (15 anos) - Talvez, mas tenho medo de uma coisa...

Ele - Do que?

A ilustração representa o desfazer de um sonho: o da moça casadoira, ou seja, não há mais o desejo pelo casamento, agora a mulher tem receio de que possa não dar certo, há, portanto, um confronto com o ideal de que o casamento é uma instituição eterna. O próprio títulochama a atenção para o fato de que essa cena é vanguardista para a época. Observa-se, também, que a jovemtransita desacompanhada pelo espaço público, sinais da modernidade "precoce".

 

 

O questionamento da instituição casamento feito é o que sobressai. Mesmo em meio a um ranço patriarcalista, o direito à contestação é dada às mulheres. Ao zombar do espaço almejado pela mulher e do espaço que ela realmente ocupa na sociedade, a ilustração deixa entrever as instâncias de luta, as sutilezas dos discursos, ao mesmo tempo em que dão voz, criam / integram novos espaços. Uma das principais indagações do movimento feminista dizia respeito aos direitos da mulher no casamento. O esforço para a igualdade de direitos entre os sexos se constituía em uma evidência.

No início do século XX no Paraná, começaram a aparecer as primeiras instituições destinadas a educar as mulheres. Ao sexo feminino cabia, em geral, a educação primária, com forte conteúdo moral e social, dirigido ao fortalecimento do papel da mulher como mãe e esposa. A educação secundária feminina ficava restrita, em grande medida, ao magistério, isto é, à formação de professoras para os cursos primários. Esse aumento de oportunidades na educação rompe com certos estigmas femininos, como a falta de capacidade da mulher casada para atuar nessas áreas.

- Que esquecimento o teu, Xandoca !Vaes para a Escola Normal e não levas os livros! Ora, eles não são precisos, mamãe: eu estudo nas carteiras....

Na figura 8, está presente o discurso, da época, regido pelo pensamento positivista referente à educação feminina, que estimulava a educação das mulheres, desde que esta, não trouxesse prejuízos para a mente da mulher e nem para sua família. A educação dentro deste contexto era articulada de acordo com a vontade masculina, visando que a mulher fosse preparada para o cuidado da casa, do marido e dos filhos. Logo, a instrução liga-se indiretamente ao desejo de casamento.

Observa-se que nas páginas na qual a mulher é representada na revista A Bomba, vislumbram-se relações de poder, elementos da dominação e resistência. Ao representar, a mídia estabelece identidades e relações. Esta dimensão da representação torna-se ainda mais evidente quando lidamos com produção linguística de natureza jornalística e com seu poder de influenciar as crenças, os valores, projetam e forjam as identidades e a memória social e propiciam a mudança social e cultural. É fundamental, portanto, entrever nos textos de A Bomba, não apenas os vestígios da cristalização, mas também as transformações históricas, os processos mais amplos de mudança nas práticas discursivas.

Considerações Finais

A investigação da história da imprensa no Paraná, a partir das contribuições da análise da revista A Bomba, demonstra como as mulheres são construídas pela mídia e também o modo como se constroem por meio dela. A revista é portadora de discursos que articulam diferentes representações de feminilidade. São textos que configuram visões do que é ser mulher: como se comportar, como se vestir, como agir em relação aos homens - na maioria das vezes seu companheiro - cuidar de seus filhos, preocupando-se sempre com uma educação adequada e ainda cuidar de si mesma.

A representação social, por meio das páginas de A Bomba, propõequais as necessidades, os projetos, os desejos da mulher no início do século XX, ou seja, o que é preciso almejar em nome de uma suposta "felicidade". Essa oferta de sentido está condicionada à sua ressonância no imaginário da sociedade.

Os estudos acerca da imprensa feminina têm como objetivo central provocar algumas reflexões sobre a representação da mulher, buscando o levantamento de conceitos e estereótipos que buscam enraizar padrões estéticos e comportamentais idealizados no público feminino. Esses estudos atuam como um marco significativo da história contemporânea, que documentam tanto a evolução da imprensa na modernidade, quanto da história social da mulher.


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