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Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud

versão impressa ISSN 1692-715Xversão On-line ISSN 2027-7679

Rev.latinoam.cienc.soc.niñez juv v.8 n.1 Manizales jan./jun. 2010

 

 

Primera Sección: Teoría y metateoría

 

 

Educação do campo no Brasil: um discurso para além do pós-colonial?*

 

¿Campo de la educación en Brasil: un discurso más allá de lo postcolonial?

 

Education of the field in Brazil: a discouse post-colonial?

 

Sônia Maria da Silva Araújo

Professora adjunta do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará (ICED/UFPA), Brasil, Coordenadora o Grupo de Pesquisa “Constituição do Sujeito, Cultura e Educação” – ECOS. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), fez estágio pós-doutoral no Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (CES/FE/UC). E-mail: somentesonia@hotmail.com

Primera versión recibida octubre 26 de 2009; versión final aceptada mayo 21 de 2010 (Eds.)


Resumo:

O artigo identifica a educação do campo como fenômeno social que pode ser analisado com base na teoria pós-colonial. Todavia, ressalta-se que isto não é possível sem um deslocamento da matriz originária da teoria. Com base na desconstrução do discurso defende-se que a educação do campo é uma prática pós-colonial não porque no seu discurso o Brasil aparece como um país que não superou as mazelas do colonialismo ou porque continua a manifestar marcas da colonização portuguesa; nem porque o Brasil, na condição de país periferizado na ordem transnacional do capitalismo global, foi um país que se deixou subordinar. Mas porque os discursos da educação do campo manifestam resistências e enfrentamentos contra forças políticas internas e externas de seu território.

Palavras-chave: pós-colonialismo, enfrentamento propositivo, educação do campo.


Resumen:

El artículo identifica el campo de la educación como un fenómeno social que puede ser analizado con base en la teoría postcolonial. Sin embargo, se insiste en que esto no es posible sin un cambio en la matriz original de la teoría. Con base en la deconstrucción del discurso se argumenta que el campo de la educación es una práctica post-colonial, no porque el Brasil aparezca como un país que no superó los males del colonialismo o porque continúa expresando las marcas de la colonización portuguesa; ni porque Brasil, en la condición de país de la periferia en el orden transnacional del capitalismo global, fue un país que se dejó subordinar. Más allá de estos argumentos se plantea que los discursos del campo de la educación, expresan resistencias y luchas contra las políticas internas y externas de su territorio.

Palabras clave: Poscolonialismo, luchas propositivas, Campo de la Educación.


Abstract:

The article identifies the education of the field as a social phenomenon that can be particularly being analyzed on the basis of the postcolonial theory. However, it is stood out that this is not possible without a certain displacement and unfolding of the matrix derived from the theory. On the basis of the critical deconstruction of the discourse people defend that the education of the field is an after-colonial practice not because in its discouse Brazil appears as a country that did not surpass blot of the colonialism or because in it continues to reveal marks of the Portuguese settling; nor because Brazil, in the condition of a peripheral country in the transnational order of the global capitalism, was a country that let itself be subordinated or dependable. But because of the discourses of the field education reveal resistance practice and willful confrontation against forces internal and external politics of its territory.

Key words: post-colonial, willful confrontation, education of the field.


 

1. Introdução

 

Este texto estabelece relações entre educação do campo e teoria póscolonial. Ele resulta de um estudo mais amplo, que tem por objetivo compreender o lugar que a produção do conhecimento em educação do campo ocupa no contexto atual de novas construções paradigmáticas, para situar sua importância epistêmica enquanto estratégia política contra a globalização imposta pelo neoliberalismo. Nesta direção, ele responde às seguintes questões: (1) Que lugar ocupa a educação do campo no atual processo de construções paradigmáticas? (2) Que complexidades epistêmicas este lugar enseja? Por fim, com base na Epistemologia do Sul de Boaventura de Sousa Santos (2005a), identificamos a produção em educação do campo como potencialmente pós-colonial.

O texto está composto de duas partes. Na primeira, situamos a teoria póscolonial. Na segunda, apontamos, com base na possibilidade da crítica do discurso da educação do campo no Brasil enquanto experiência local, limites e alterações necessárias à própria teoria. No contexto da relação entre um e outro, questionamos o poder das teorias gerais em tentar explicar fenômenos sociais locais, sem perder de vista que o pós-colonialismo é uma teoria com certo grau de abertura e que, por isso, ajusta-se aos objetos sobre os quais tenta explicar. Em última instância, colocamos em questão as teorias euro-ocidentais tão utilizadas pelos estudiosos da educação, e que, não raro, acabam por enquadrar as experiências da educação em teorias muitas vezes articuladas a projetos econômicos, sociais e políticos que em nada contribuem para o avanço e a crítica da educação no Brasil.

2. Situando a teoria pós-colonial

A teoria pós-colonial é constituída, basicamente, por uma matriz de autores assim representados: (1) indianos, africanos e palestinianos diasporizados; (2) caribenhos; (3) europeus, especialmente ingleses e portugueses; (3) latino-americanos. Todavia, importa ressaltar, como salienta Boaventura de Sousa Santos (2002), que o pós-colonialismo é um fenômeno basicamente anglo-saxônico e, como tal, toma como realidade fundadora o colonialismo britânico.

Do conjunto dessa matriz há os que trabalham (e esta é uma vertente forte) no âmbito da teoria literária e estão vinculados à tradição anglo-saxônica, ainda que Robert Young, teórico anglicano da crítica literária, por exemplo, desenvolva sua analítica na perspectiva da crítica antropológica e da história social; há outros, localizados no âmbito das ciências sociais, que estão mais afeitos à cultura ibérica. Para Costa (2006, p. 83), “os estudos pós-coloniais não constituem propriamente uma matriz teórica única”.1 Trata-se, completa:

De uma variedade de contribuições com orientações distintas, mas que apresentam como característica comum o esforço de esboçar, pelo método da desconstrução dos essencialismos, uma referência epistemológica crítica às concepções dominantes de modernidade (Costa, 2006, p. 83).

No caso dos primeiros – os autores mais próximos da teoria literária – o pós-colonialismo (ou pós-colonialismos) emerge como uma teoria crítica que constata, no bojo da produção literária dos países descolonizados no século 20, as marcas da colonização como acontecimento e, neste caso, a história é um campo demarcatório para a compreensão do que é e do que não é pós-colonial. Também, na perspectiva política, nesse âmbito, recupera-se a “voz do silenciado” e identifica-se nesta o hibridismo inerente aos povos colonizados, daí sua aproximação com os escritos de Bakhtin e os cultural studies da Universidade de Birmingham. Para Bakhtin (1992) a hibridação é a presença simultânea de duas consciências lingüísticas diferentes em um único enunciado. Para Bhabha (2003), autor do pós-colonialismo que mais investe no hibridismo como estratégia de compreensão, o hibridismo revela, no discurso colonial, como a autoridade no discurso dominante é eivada de saberes negados, isto é, de saberes dos colonizados, revelando os entremeios das fronteiras das identidades coletivas. O hibridismo é, para este autor, um “Terceiro Espaço”: um lugar de resistência e oposição ao domínio; um lugar de contradições e ambivalências em que a diferença se constitui. Para Young (2005) o hibridismo é uma única coisa a partir de duas; uma curiosa operação binária. Em Boaventura de Sousa Santos o hibridismo é tratado como um espaço que cria abertura na medida em que descredibiliza as representações hegemônicas e desloca os antagonismos polarizantes puros que os constituem.2 Para Said (1995) todas as culturas são híbridas, heterogêneas, extremamente diferenciadas, sem qualquer monolitismo; mas, destaca, é importante que o hibridismo não apague a marca forte do imperialismo, que produziu o nativo como inferior, incapaz de ser superior e competente. Para Boaventura de Sousa Santos (2006) o pós-colonialismo deve ser entendido em duas acepções: como período histórico, que sucede a independência das colônias; como conjunto de práticas e de discursos performáticos que desconstroem a narrativa colonial do colonizador e a substitui por narrativas escritas pelo colonizado. Nesta segunda acepção inserem-se os estudos culturais, que fazem críticas aos silêncios das análises pós-coloniais na primeira acepção. O pós-colonialismo no viés dos estudos culturais pressupõe a hierarquia colonial e a impossibilidade do colonizado expressar-se em seus próprios termos no âmbito de sua produção cultural. Por esta ótica, pode-se, alerta-nos o autor, ocultar ou esquecer a materialidade das relações sociais e políticas que tornam possíveis estas produções, daí a necessidade de se operar não apenas uma análise cultural, mas também econômica, social e política. Ressalta ainda Santos que o póscolonialismo na vertente dos estudos culturais tende a minimizar as relações políticas que ele promove e as resistências delas decorrentes.

No caso dos segundos – os localizados no âmbito das ciências sociais –, o pós-colonialismo tenta se impor como uma teoria crítica que identifica, para além do processo de descolonização enquanto acontecimento, no conjunto de práticas sociais e culturais, as marcas de um colonialismo que não findou, mas que se transformou. Para estes, a economia e a cultura de um modo geral (isto é, para além da produção literária) são os grandes indicadores de domínio e subjugação e as resistências e enfrentamentos a constatação de que politicamente os confrontos ensejados pelo capitalismo e pelo imperialismo estão mais do que nunca vivos. Para Costa (2006) os estudos pós-coloniais podem vir a enriquecer as ciências sociais, já que eles põem em questão a metodologia da comparação e o tipo de narrativa histórica da sociologia moderna que coloca tudo o que está fora da Europa Ocidental, isto é, o “resto do mundo”, como um “ainda não existente”.3 Para Marc Ferro (2004), a independência fez as ex-colônias se livrarem dos colonos, mas não do imperialismo nem de certos traços do colonialismo. Hoje, diz ele, pode-se falar de um imperialismo das multinacionais ou mesmo de um imperialismo multinacional. As potências imperiais, segundo Ferro, deixaram de controlar as colônias de dentro e passaram a ser representadas, invisivelmente, por grandes bancos, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Antes, ressalta, as populações dominadas sabiam quem era o seu opressor estrangeiro, mas agora, na era da globalização, sua dependência é anônima. Para Santos (2005b), o sistema financeiro, para além do capitalismo produtivo, é o grande responsável pela geração da subjugação e da exclusão no mundo.

O pós-colonialismo de um modo geral na verdade retoma, após alguns longos anos de estruturalismo, a questão do sujeito, sua constituição, razão, resistência e ação política. Como ressalta Bhabha (2003), a pós-colonialidade é um salutar lembrete das relações neoliberais remanescentes no interior da “nova” ordem mundial e da divisão de trabalho multinacional. E isto, destaca ainda o autor, permite a autenticação de histórias de exploração e o desenvolvimento de estratégias de resistência. Sob o desafio de tentar recuperar esse sujeito, é o próprio Hami Bhabha (2003) quem assume dar ao pósestruturalismo uma proveniência pós-colonial ao enfrentar o desafio de Terry Eagleton em produzir uma teoria do sujeito capaz de apreender a transformação social ao mesmo tempo enquanto difusão e afirmação, morte e nascimento do sujeito. Para Costa (2006) os estudos pós-coloniais têm proximidade com três correntes ou escolas contemporâneas: o pós-estruturalismo, o pós-moderno e os estudos culturais. Para Said, o pós-colonialismo, diferente do pós-moderno, traz de volta as discussões sobre a resistência, o engajamento e a história local. Assim, destaca:

    Seria errado sugerir que em grande parte das melhores obras póscoloniais, que proliferam tão dramaticamente a partir do início da década de 1980, não haja uma forte ênfase no local, no regional e no contingente: ela existe, mas me parece estar conectada de forma muito interessante, na sua abordagem geral, a um conjunto universal de interesses, todos relativos à emancipação, a atitudes revisionistas para com a história e a cultura, e a um emprego difundido de modelos e estilos teóricos recorrentes. Um tema de grande importância tem sido a crítica consistente ao eurocentrismo e ao patriarcalismo. (Said, 2007, p. 464).

Dentre os autores indianos, africanos, europeus e latino-americanos há os que se aproximam mais do pós-colonialismo na vertente da teoria literária e os que se aproximam mais da crítica social e produção cultural de um modo geral, o que não significa não haver laços entre ambas e, por vezes, bifurcações. Aliás, Bhabha, como ninguém, retira das interpretações que faz da literatura a condição pós-colonial, portanto abstrai os elementos sociológicos fundamentais do pós-colonialismo. Para Gilroy (2001) e Appiah (2007) esses elementos são a transformação social e o combate à opressão. Para Mignolo (2003), os próprios loci pós-coloniais de enunciação. Para Boaventura de Sousa Santos, os saberes usurpados e negados dos colonizados que gerou uma inclassificável injustiça cognitiva e sociologia das ausências.

Dos autores pós-coloniais que temos estudado, destaco: Aimé Césaire, Albert Memmi, Ângela Prysthon, Ania Loomba, Arjun Appadurai, Aníbal Quijano, Amílcar Cabral, Bill Ashcroft, Boaventura de Sousa Santos, Paulo de Medeiros, Chinua Achebe, Dispesh Chakrabarty, Edward W. Said, Ella Shohat, Enrique Dussel, Edouard Glissand, Fernando Coronil, Franz Fanon, Gayatri Spivak, Homi K. Bhabha, Kwame Anthony Appiah, Kwame Nkrumah, Margarida Calafate Ribeiro, Maria Paula Meneses, Miguel Vale de Almeida, Omar Ribeiro Tomaz, Partha Chatterjee, Paul Gilroy, Robert Young, Stuart Hall, Thiong΄o Ngugi Wa, Ranajit Guha, Thomas Bonnici, Valentin Y. Mudimbe e Walter D. Mignolo.

Do ponto de vista literário, portanto, da construção imaginativa, pode-se compreender os autores em duas perspectivas: a da produção literária póscolonial e a da produção da crítica literária, que constitui a teoria pós-colonial e faz a análise da produção literária pós-colonial. Neste âmbito, entende-se como literatura pós-colonial toda a produção literária dos povos colonizados pelos impérios europeus entre os séculos 15 e 20, embora a crítica literária pós-colonial só tenha se constituído enquanto tal após as descolonizações ocorridas no século 20, especialmente em África e Ásia. Sob esta ótica, como defende Ashcroft (1991), a produção literária pós-colonial decorre da experiência de colonização, afirmando a tensão com o poder imperial e enfatizando suas diferenças dos pressupostos do centro imperial. Também podemos situar neste âmbito a produção de estudos sobre a produção literária de países colonizadores após a libertação das colônias, portanto sobre dados psicológicos, sociais, econômicos e políticos de países pós-imperiais, tenham sido eles de centro ou de semiperiferia. Sob este viés, destacamos, dos estudos de expressão portuguesa, os de Paulo de Medeiros.

Defende Bonnici (1998, p. 9) que a crítica pós-colonialista é uma abordagem alternativa que tenta “compreender o imperialismo e suas influências, como fenômeno mundial e, em menor grau, como um fenômeno localizado”. Diz ainda, fundamentado em Parry (1987), que esta abordagem questiona as relações entre a cultura e o imperialismo para a compreensão da política na era da descolonização e provoca o auto-questionamento do próprio crítico, além de seu engajamento. Isto porque, esclarece Bonnici (1998), o crítico se depara com as conseqüências drásticas de seus saberes eurocêntricos ao tempo em que, ao analisar o produto literário, cria um contexto favorável à manifestação da marginalização dos oprimidos. Para Said, que também trabalha no âmbito da teoria literária, a descolonização não rompeu com a dominação. Segundo Boaventura de Sousa Santos, fundamentado em Bhabha, a idéia central do pós-colonialismo é precisamente reclamar a presença e a voz dos críticos pós-coloniais que foram usurpadas pelos críticos ocidentais. Santos (2006) destaca cinco orientações temáticas e analíticas que podem ser retiradas e destacadas dos debates pós-coloniais: (1) o intelectual póscolonial; (2) hibridação nos regimes identitários; (3) diferença cultural e multiculturalismo; (4) nacionalismo e pós-colonialismo; (5) pós-colonialismo e diáspora.

O pós-colonialismo enquanto condição humana é fortemente analisado e questionado por autores africanos e antilhanos por ocasião das guerras de libertação, século 20, dos países/colônias aí localizados. Destes autores, destacamos especialmente Fanon, Césaire e Memmi. Mas, também, o pós-colonialismo fora tema de autores de países latino-americanos, cujas descolonizações aconteceram no século 19, como é o caso do Brasil. Por isso não é de se admirar a semelhança entre os escritos de Paulo Freire, que esteve exilado em África por ocasião das guerras de libertação e da ditadura militar no Brasil, com os desses autores. Mignolo (2003), particularmente, ao tratar da colonialidade, estabelece relações com a modernidade. Para este autor, a “descoberta” da América no século 16 contribuiu para a formação do mundo colonial/moderno e as independências de colônias americanas no século 19 contribuíram para a constituição do segundo estágio da modernidade/ colonialidade.

Para alguns, como David Spurr (1993), o final da década de 1940, com a independência das ex-colônias do império britânico, marca o começo do Póscolonialismo. Michel Gorra (1997) também considera este marcador temporal. Dirlik (1994), crítico contumaz do pós-colonialismo, considera, por sua vez, que ele começa quando intelectuais do terceiro mundo chegam à academia do primeiro e que a pós-colonialidade é uma condição da inteligência do capitalismo global. Mas, Ania Loomba (2000) nos alerta para este problema ao destacar que o processo formal de descolonização começou há três séculos, com a independência da América em 1776 e que ele ainda está acontecendo. Para Almeida (2000) o termo pós-colonial deve ser usado com algum limite: 1) deve ser aplicado ao período posterior ao colonialismo e após o fracasso dos projetos nacionalistas e anticolonialistas aplicados após a independência; 2) aplicar-se aos complexos de relações transnacionais entre ex-colônias e excentros colonizados; 3) que termos correntemente associados ao pós-colonial, como globalização, settler societies, neocolonialismo, colonialismo interno, etc, devem ser tratados nos seus termos próprios. Com base em tais limites, sugere o autor cautela no uso “pós-colonialismo” para o caso brasileiro.

Para Shohat (1992), os estudos pós-coloniais são política e teoricamente ambíguos e confusos nas distinções entre colonizador/colonizado, enfraquecendo a questão da resistência ao não indicar claramente quem exerce a dominação. O termo pós-colonial, afirma a autora, seria mais preciso se articulado como “teoria pós-teoria Primeiro/Terceiro Mundo” ou “pós-crítica anticolonial” e apresentasse uma idéia mais de movimento do que de lugar, como o pós indica. Ainda aponta Shohat a necessidade de uma modalidade de engajamento politicamente mais ativa.

De fato, o mote do termo pós-colonialismo não é necessariamente o pós, mas o amplo rompimento com estruturas de domínio. Para Hall (1996), as sociedades não são todas pós-coloniais da mesma forma e o pós-colonialismo pode se tornar interessante se nos ajudar a descrever mudanças nas relações globais que marcam a transição desigual da era dos impérios para a era pósindependência, o que independe de um “antes e depois de”. Reforça Hall sempre que o pós-colonial não é uma periodização. Mas, para Mignolo (2003), o pós do pós-colonialismo é o mesmo pós do pós-moderno. Isto porque para ele ambos estão amarrados à própria lógica do imaginário moderno que funciona sob a idéia de progresso, de fluxo, de cronologia. Destaca ainda o autor que estudiosos com pensamentos enraizados em histórias locais, como Dussel e Coronil, preferem o uso do termo “além” no lugar de “pós”. Mignolo, de fato, vê o pós-colonial como um novo pensamento ligado a uma gnose liminar. Nessa direção destaca:

    [um pensamento] a partir e para além das disciplinas e da geopolítica do conhecimento, embutidas nos estudos de área; a partir e para além dos legados coloniais; a partir e para além das divisões de gênero e prescrições sexuais; e a partir e para além dos conflitos raciais (Mignolo, 2003, pp. 139-149).

A rigor, a crítica literária pós-colonial nasce na Inglaterra a partir de uma forte autocrítica acerca da hegemonia da língua inglesa e das estratégias políticas de colonização do império britânico, mas alcança sua mais radical crítica com a produção de Orientalismo, do palestiniano Edward Said, e posteriormente com a produção de Gayatri Spivak e Hami Bhabha.4 Todavia, não se pode ignorar que essa possibilidade de teoria crítica da literatura é um desdobramento das reflexões que já vinham sendo constituídas pela filosofia, especialmente pelo pós-estruturalismo e pelo desconstrucionismo; nesta direção, as contribuições de Foucault e Derrida não podem ser esquecidas.

Do ponto de vista da crítica social e produção cultural não literária, os autores da crítica pós-colonial questionam o colonialismo a partir da descrição e da análise de dados psicológicos, sociais, econômicos e políticos de países colocados na condição de periféricos e semi-periféricos pela nova ordem econômica global, como é especialmente o caso dos estudos empreendidos por Maria Paula Meneses (2008),5 e a produção de autores que analisam esses dados em populações de imigrantes que se encontram na condição de exilados identitários,6 como é o caso dos estudos realizados por Sheila Khan (2008). Deslocando o debate para as novas condições emergentes de subalternização promovidas pelo neoliberalismo, a teoria pós-colonial, no rastro das discussões éticas e estéticas do pós-moderno, sob a regência de uma sociologia fortemente aliada aos movimentos sociais de resistência, promoverá outros debates que ampliarão os já colocados pela teoria literária pós-colonial e é sobre esse enfoque que nos debruçaremos, sem perder de vista as discussões originárias do pós-colonialismo, até porque no conjunto da teoria literária pós-colonial encontramos autores que operam um certo desvio em seus escritos ao estabelecerem, por vezes, análises muito mais políticas e sociológicas que literárias, como é o caso de Hall, Bhabha e, especialmente, Said. São muitas, portanto, as possibilidades de análise pós-colonial e que tem, evidentemente, como referência os desastres provocados pelo encontro entre o Ocidente e o “resto”. Como bem expõe Quijano (2005), valendo-se do pensamento análogo, o encontro colonial foi um des/encontro similar à fabulosa cena de Cerventes em que D. Quixote arremete-se contra um gigante e é derrubado por um moinho de vento: “de un lado, una ideologia señorial, caballeresca – la que habita la percepción de Don Quijote – a la que las práticas sociales ya no correponden sino de modo fragmentario e inconsistente. Y, del otro, novas práticas sociales – representadas en el molino de viento – en trance de generalización, pero a las que aún no correponde una ideologia legitimatoria consistente y hegemônica. Como dice la vieja imagen, lo novo no ha terminado de nacer y lo viejo no ha terminado de morir” (2005, p. 26).

3. O discurso pós-colonial e o discurso da educação do campo: reflexões epistêmico-sociológicas

Acreditamos que o pós-colonialismo, no âmbito das ciências sociais e da produção cultural não literária, enquanto abordagem de compreensão, pode, não sem ressalvas, nos ajudar a compreender a produção da educação do campo no Brasil, principalmente porque: a) trata-se de uma teoria que provoca a análise da realidade social a partir de um universal inquestionável: o poder, que constitui, pela política, a relação entre sujeitos, entre grupos de sujeitos, entre Estados-nação, blocos econômicos etc7; b) considerando as condições globais de existência da vida contemporânea e das diferenças que fizeram dessas condições globais, locais, o pós-colonialismo nos compele a pensar o interior pelo exterior e vice-versa;8 c) coloca em pauta aquilo que faz parte da natureza humana: dar sentido às coisas do mundo – a cultura –, e a cultura se manifesta, dentre outras formas, pelo discurso pedagógico; d) apresenta um profundo senso de responsabilidade pelo sofrimento humano e de indignidade pela sujeição, que, para alguns, pode ser definido como um novo humanismo.9

Todavia, o pós-colonialismo também está vinculado a questões muito alheias ao Brasil, o que nos compele a ter que operar alguns deslocamentos e desdobramentos, especialmente porque: a) a teoria pós-colonial, particularmente constituída por uma intelectualidade indiana, africana e anglicana, faz a hermenêutica dos textos em relação direta ao processo de descolonização, portanto, faz a interpretação com base no pós; assim, a teoria traz, no seu cerne, uma carga história em parte alheia ao Brasil, país colonizado por Portugal até o século 19; b) As marcas da sujeição e da subalternização que fazem do Brasil um país pós-colonial não são as que correntemente vemos expressas em textos analisados pela teoria pós-colonial, já que a subalternização, no nosso caso, articula-se a práticas de resistência e enfrentamento protagonizados por sujeitos sociais particulares, constituídos pelas histórias locais de nosso território;10 c) Os conteúdos analisados não apresentam o teor nacionalista dos textos considerados pós-coloniais.

Outras questões são também apresentadas por Young (2005) quando coloca em suspeição o discurso colonial como uma categoria geral verdadeira. Ao fazer isto, ele ressalta que o predomínio da Índia como objeto de atenção entre os que atuam na área promoveu uma certa homogeneização da geografia e história do colonialismo. Nessa direção, o autor faz a seguinte indagação: será que o fato de o moderno colonialismo ter sido empreendido por potências européias, ou de origem européia, implica que o discurso do colonialismo atuou em todos os lugares de modo similar para que os paradigmas teóricos da análise do discurso colonial funcionem igualmente bem para todos? E, responde Young (2005, p. 201):

    É evidente que a ideologia e os processos do colonialismo francês, baseados numa afirmação igualitária do Iluminismo, segundo a qual todos os seres humanos são fundamentalmente iguais e a raça humana una, e que visavam portanto a incorporar os povos coloniais à civilização francesa, diferenciam-se muito em substância da política de governo indireto dos ingleses, que era baseada numa admissão da diferença e da desigualdade, ou daquela dos alemães ou portugueses.

Nessa mesma obra, linhas à frente, Young reconhece que é preciso realizar estudos em espaços onde a análise do discurso colonial não tem sido predominante para, inclusive, questionar-se a teoria. Ele destaca que na Grã- Bretanha os trabalhos sobre a América Latina geralmente atuam de forma distinta e separada da maior parte das análises do discurso colonial.

Portanto, em conformidade às ressalvas anteriormente feitas por nós, o próprio Young (2005) diz que a América do Sul, onde muitos países obtiveram independência nos anos do século 19, é um exemplo óbvio de que o colonialismo ali teve uma história muito diferente da Índia, assim como outros colonialismos contemporâneos, como o da Irlanda do Norte e da Palestina. E segue Young questionando:

    Esta heterogeneidade insinua o problema da diferença. Será que podemos afirmar que o discurso colonial funciona de modo idêntico não apenas onde quer que ocorra, mas também ao longo do tempo? Em outras palavras, será que pode haver uma matriz teórica geral que seja capaz de oferecer uma estrutura bastante abrangente para a análise de cada exemplo especifico de colonialismo? (2005, p. 202).

Em concordância com Bhabha, Young (2005, p. 200) defende que “a principal tarefa do pós-colonialismo deve ser a produção de uma “etnografia crítica do Ocidente”, analisando a história de um Ocidente “assombrado pelo excesso da sua própria história”. No rastro das idéias há muito postas por Césaire (1978 [1950]), para quem a Europa é indefensável e a colonização um processo de regressão à barbárie, Young (2005) sugere que a análise do discurso colonial tome os textos como algo mais do que mera documentação ou “testemunho”. Chakrabarty, teórico do pós-colonialismo, defende que é preciso provincializar a Europa, reduzi-la ao local, retirá-la do centro. Para Chakrabarty (2000), a história encetada pela Europa, e a partir da qual as histórias do Terceiro Mundo são contadas, faz com que ela – a Europa – funcione como um silencioso referencial na história do conhecimento. Segundo Chakrabarty (2000), a naturalização dos ideais éticos da Europa do século XVIII condenaram a história do Terceiro Mundo a considerar a Europa como o lar original do “moderno”, enquanto a história européia não compartilha um predicado comparável ao olhar para o passado da maior parte da humanidade. Daí a subalternidade cotidiana das histórias não-ocidentais. Contra isto, defende Chakrabarty, provincializar a Europa pode ser uma possibilidade fundadora, pois talvez assim a sua razão deixe de parecer tão óbvia.

Hall (1996), todavia, ressalta que é preciso ir mais além e ampliar o propósito da crítica pós-colonial que se limita a desconstruir o discurso filosófico ocidental. Em verdade, ao nos debruçarmos sobre a particular produção cultural brasileira da educação do campo, vemos que ela nos ajuda a fazer a crítica do Ocidente, mas também a nos centrarmos nas condições de nossa modernidade na medida em que identificamos os problemas promovidos pela modernidade euro-ocidental, mas também os modos como o pensamento ocidental construiu em nós o seu reverso, o imprevisível, no ponto de encontro, na zona de contato, conforme nos assinala Pratt.11 Como sentencia Appiah (2007, p. 105) “os intelectuais do Terceiro Mundo são um produto do encontro histórico com o Ocidente”; encontro este, portanto, ocorrido em muitos outros lugares, o que nos leva a crer que as experiências discursivas emitidas do Brasil podem oferecer reflexões importantes para sociedades em situações similares. Como nos alerta Hall, não podemos desconsiderar que,

    embora as formas particulares de inscrição e sujeição da colonização tenham variado em muitos aspectos de uma parte para outra do globo, seus efeitos gerais também devem ter crua e decisivamente marcados teoricamente, junto com suas pluralidades e multiplicidades. Isso, a meu ver, é o que o significante anômalo colonial faz no “pós-colonial”. (Hall, 2003, p. 117).

Com base nas experiências da educação do campo defendemos, então, que o Brasil é um país pós-colonial não necessariamente porque não superou as mazelas do colonialismo e continua textualmente a manifestar as marcas da colonização portuguesa; nem porque na condição de país periférico na ordem econômica transnacional do capitalismo global deixa-se subalternizar e depender; mas, fundamentalmente, porque o Brasil manifesta coletivamente, por meio de suas populações subalternizadas, organizadas, práticas sociais de resistência e enfrentamento contra forças políticas internas e externas de seu território, que não raro manifestam formas de um colonialismo perverso.12 Desse modo, a educação do campo coloca em prática o que Spivak tanto defende: a destruição da subalternidade. Importa destacar, no entanto, que as experiências objeto de conhecimento desta autora, ligadas à cultura indiana, são bem diferentes das experiências empírico-discursivas, objetos de análise deste estudo.

Nessa perspectiva, identificamos os discursos da educação do campo no Brasil não somente como discursos de resistência e como práticas de globalização contra-hegemônicas enquanto bem público, conforme define Boaventura de Sousa Santos (2004),13 mas como de enfrentamento à tentativa de subjugação. Mais: de um enfrentamento propositivo que alia crítica e política e, assim, coloca em xeque a naturalização das diferenças e das desigualdades promovidas pela historiografia do Centro.14 Na contramão do trabalho de Said, ou para além dele, a resistência, a reivindicação e o enfrentamento são os elementos chave que nos impulsionam em direção à assertiva de que esses discursos são potencialmente pós-coloniais15 e é mais uma vez Young quem nos auxilia ao dizer, em entrevista concedida a um pesquisador brasileiro, André Cechinel, que

    o pós-colonialismo oferece uma filosofia política de ativismo que contesta a atual situação das desigualdades globais, dando seqüência às lutas do passado de uma nova maneira. O pós-colonialismo emergiu do passado, mas sua relação é com a política do presente. Ele nos permite transformar os paradigmas opressivos anteriores em preceitos progressivos do presente - isso é exatamente o que foi feito com o “hibridismo”. Pós-colonialismo é um termo amplo, certamente, mas pode representar a perspectiva política do sul; da Ásia, África e América Latina, em oposição às dominantes hierarquias de poder e dos próprios efeitos que são vivamente marcados (mas pouco articulados) nas vidas de milhões de pessoas em todo o mundo. (Young, 2007).

Têm sido essas práticas de resistência e enfrentamento propositivo, no Brasil, para além de uma prática meramente reivindicatória, transvertidas em disciplinas acadêmicas, cursos e discursos intelectuais, responsáveis por romper cânones e dar sentidos novos e críticos para as relações que o Estado brasileiro têm assumido na ordem neoliberal em curso. A educação do campo sob essa lógica, em longo prazo, acaba por se constituir em um instrumento eficaz contra o neoliberalismo, mesmo tendo que enfrentar internamente no país situações de negociação e, portanto, assumir sua autonomia relativa. Na verdade essas lutas que se transformam muitas vezes em conquistas parciais são uma demonstração de como os “indesejáveis marginalizados e/ ou subalternizados” vêm conseguindo aplicar as pressões certas à máquina governamental e assim forçar uma governação em seu favor.16 Talvez por isso no Brasil, tanto quanto na Índia (segundo nos informa Charttejee, 2004), e contrariamente a muitos países da Europa ocidental, as mobilizações em torno das eleições vêm sendo acirradamente disputadas entre os mais desfavorecidos da sociedade.

No plano, portanto, do exercício da democracia representativa, países periferizados da ordem transnacional da economia, como é o caso do Brasil, que vem se submetendo a redução do Estado, que nem chegou a ser Estado- Providência,17 o exercício da democracia participativa tem feito diferença e forçado o potencial redistributivo do Estado. Nesse caso, a participação dos movimentos sociais no processo de organização e construção de pautas muito mais propositivas que reivindicatórias, provoca o Estado, pelo seu exterior, a (re)assumir o que a política neoliberal tenta lhe eximir: reparar desigualdades historicamente construídas pelo capitalismo. Em última instância, trata-se daquilo que Boaventura de Sousa Santos (2006) vem nos propor como nova forma de regulação: a sociedade civil atribui ao Estado nacional ou às instituições políticas democráticas supranacionais o papel de definir as desigualdades de poder existentes no interior do círculo da governação como problemas políticos que devem ser tratados em termos políticos. Os movimentos sociais em defesa da educação do campo, assim como os movimentos articulados às políticas afirmativas em favor dos negros no Brasil, têm, estrategicamente, tencionado esta regulação. Todavia, não podemos deixar de reconhecer as profundas contradições existentes nesses processos de negociação onde, quase sempre, o que parece ser um avanço tem que se confrontar com processos outros que colocam em xeque sua capacidade contra-hegemônica. O apoio e o investimento do governo federal do Brasil em projetos vinculados ao agronegócio são demonstrações do quanto negociações estabelecidas pela agricultura familiar, representadas nos discursos da educação do campo, podem estar muito mais próximas de alternativas ao sistema capitalista neoliberal do que verdadeiramente a alternativas à dominação e à opressão.18

Para nós é preciso aproveitar essa autonomia, e os sujeitos do campo socialmente organizados já se deram conta disto. Não temos tempo a perder remoendo os desencantos com os efeitos perversos da modernidade, operados pelo colonialismo e pelo neocolonialismo.19 O tempo que temos, nós, os neocolonizados e quase sempre modernos invisibilizados ou marginalizados da pós-modernidade, é o de tomar com toda a força de nossa história aquilo que herdamos e com o qual temos que conviver diariamente e lutar para garantir sobrevivência digna porque, como diz Seu José, mestre carpina, de João Cabral de Melo Neto, sobre nossa miséria, “ao menos esse mar não pode adiantarse mais” (2007, p. 87).20 As reflexões de Chatterjee acerca da modernidade, ao tratar da dura luta incansável e diária dos indianos empobrecidos pelas colonizações que sofreram, servem muito para compreender-nos. Ele expõe:

    enquanto Kant, falando no momento fundante da modernidade ocidental, olha para o presente como o lugar em que se escapa do passado, para nós é precisamente do presente que sentimos ter de escapar. Isso torna a própria modalidade de nossa lida com a modernidade radicalmente diferente dos modos desenvolvidos pela modernidade ocidental (Chatterjje, 2004, p. 64).

A educação do campo no Brasil é, com sua materialização em discursos acadêmicos, exatamente esse tempo em lidar com o presente e que transforma nossa modernidade em efeitos pós-coloniais, porque carregados de vontade de poder em virar a página da subalternização desmedida. Faço minhas, mais uma vez, as palavras de Chatterjee.

    A nossa modernidade é dos já colonizados. O mesmo processo histórico que nos ensinou o valor da modernidade também nos tornou vítimas dela. Nossa atitude para com a modernidade, portanto, não pode ser senão profundamente ambígua (...) Mas essa ambigüidade não brota de nenhuma incerteza sobre ser a favor ou contra a modernidade. Antes, a incerteza é devida a sabermos que, para modelar as formas de nossa modernidade, precisamos ter a coragem de por vezes rejeitar as modernidades dos outros (2004, p. 64).

Ora, isto significa admitir que é possível fazer a crítica ao Ocidente imperial pós-colonial de hoje não por meio da análise de discursos emitidos pela cultura ocidental sobre seus domínios coloniais, mas pelos discursos de resistência e enfrentamento propositivo dos que se negam à subjugação, à subalternização, para usar um conceito tão esgotado pela teoria pós-colonial. Isto significa procurar não efetivamente identificar as marcas do colonialismo ou do imperialismo, como fez tão bem Fanon (2005 [1961]), Césaire (1978 [1950]) e muitos, mas pensar sobre os modos como os textos pós-coloniais em curso no Brasil enfrentam a realidade do neoliberalismo e do neocolonialismo que ele enseja. Trata-se, portanto, não de “dar voz aos marginalizados e/ou subalternizados”, até porque a emissão dessa voz já foi conquistada, mas de demonstrar como as experiências objetivas provocadas pelo colonialismo neoliberal promovem interpelações de resistência e enfrentamento propositivo que a lógica ocidental imperialista não consegue dar conta de traduzir, a não ser que sejam analisadas (as experiências) na sua relação com as culturas que essa lógica tentou suprimir, com o racismo que introduziu, com a desigualdade que ensejou.

Isto significa reconhecer que os discursos da educação do campo, em articulação com os movimentos sociais do campo, não são, por exemplo, em sua lógica, reprodutores de conceitos de liberdade e autodeterminação nacionais impingidos pela literatura filosófica e política euro-ocidental, e tão presentes na literatura e artes brasileiras e nos textos de educação produzidos no primeiro quartel do século passado.21 Ao contrário, reconhecemos, nos discursos dos textos de hoje, a construção nova de resistências e enfrentamentos propositivos contra os impérios em voga e os interesses econômicos transnacionais em curso, o que faz dessa construção um outro saber, muito distante dos que porventura parecem se assemelhar aos clássicos princípios morais e culturais elaborados pelo conhecimento euro-ocidental. O discurso social da educação do campo é produto de sua história e constituído de uma argumentação política que desempenha posição importante no movimento mais geral das lutas sociais no Brasil, pois foi construído a partir da articulação dos professores universitários com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), a Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), a Unefab (União Nacional das Escolas Familiares Agrícola no Brasil), a Arcafar (Associação Nacional das Casas Familiares Rurais), dentre outros movimentos sociais e organizações sindicais.

Na condição de sujeitos colonizados e periferizados, constituídos originalmente, enquanto nação, pela língua portuguesa e por uma pedagogia da obediência, nós, os brasileiros, apesar de perfilhados por Colombo, não precisamos permanecer cegamente euro-ocidentalizados. A educação colonial ainda que fortemente presente em nossos sistemas de ensino, e cada vez mais refém das reformas impostas pelo neoliberalismo, consegue oxigenar-se pela força da luta contra a opressão e a miséria e, neste sentido, promover reflexões contra o imperialismo. Valendo-nos de Appiah, diríamos que esses discursos de resistência e enfrentamento propositivo, produzidos no território brasileiro a partir de uma de suas realidades mais difíceis – os espaços campesinos –, têm uma “profunda significação política” (2007, p. 88).

Sob esta perspectiva, entendemos os discursos da educação do campo no Brasil como discursos que produzem um conhecimento instrumental contrahegemônico, protagonizado pelas vozes dos excluídos, dos sem-terra e sem teto, mediatizados e reconstruídos pelo texto acadêmico. Portanto, não se colocam, à maneira de Spivak (1993), como discursos de excluídos ou de sujeitos destituídos de voz, objetos de saberes, domínios e desejos coloniais.22 Tais discursos são centrados na perspectiva da inclusão desigual e marginal. Mais do que oculta ou silenciada, as vozes desses sujeitos ecoam no Brasil e, não raro, são manipuladas por instituições aliadas ao poder globalizado, como é o caso dos mass midia. Esses discursos, que são a tradução acadêmica das lutas, reivindicações e conquistas dos sujeitos do campo, configuram-se em textos discursivos teorizados, que acabam por constituir um arcabouço crítico sobre a educação no Brasil e, neste caso, os estudiosos da educação brasileira, longe de representarem um segmento alheio ou apartado dos sujeitos do campo, como sugere Spivak ao tratar do intelectual, são legítimos representantes destes, intérpretes no sentido de que são presentes, constroem junto o conhecimento, reivindicam, lutam e falam juntos com.

É bem verdade que o domínio colonial sempre tenta alienar, subsumir e estigmatizar a cultura do colonizado, impedir seu esclarecimento sobre sua própria condição.23 Mas também é certo que essa estrutura de domínio não consegue ser total e absoluta a ponto de impedir a insurreição ou mesmo práticas muito modestas, mas eficazes, de resistência e enfrentamento. O próprio Appiah, escritor ganês que vimos citando, cuja família submeteu-se aos domínios coloniais, reconhece:

    a maioria dos que fomos criados durante a era colonial, e por algum tempo depois dela, temos uma aguda consciência de como os colonizadores nunca detiveram um controle tão pleno quanto os mais velhos de nós deixavam-nos parecer que tinham. Todos vivenciamos o poder persistente de nossas próprias tradições cognitivas e morais (Appiah, 2007, pp. 25-26).

Sob a regência da compreensão de que os discursos da educação do campo são discursos críticos e situados em relação ao processo de dominação do neocolonialismo, destacamos um senão da teoria pós-colonial até aqui examinada: o de tratar os discursos analisados como “rastros” coloniais, vestígios imperiais, eivados de nacionalismo ou de particularismos do colonizador, apesar de retoricamente os identificar como pós-coloniais. Na perspectiva em que colocamos os discursos da educação do campo no Brasil, eles próprios são discursos pós-coloniais porque eles mesmos já fazem a crítica aos processos de subordinação e subalternização que o poder imperial vigente tenta imprimir às sociedades periferizadas, sem, contudo, se apresentarem como “rastros” do colonizador e/ou “espíritos” nacionalistas, o que não significa que eles não nos ajudem a entender o Brasil como nação. São discursos emitidos pelos explorados que foram incluídos pelas novas ordens econômica, social e política e que constituem a estética pós-moderna. Sob esta ótica, mais uma questão precisa ser posta acerca dessa possibilidade de análise pós-colonial: a de não estarmos atribuindo aos textos produzidos em nosso país periferizado, referências inferiorizadas e subalternizadas que não são atribuídas aos produzidos em espaços imperiais. Colocamos os discursos da educação do campo, na condição pós-colonial porque rompem com o imperialismo e não porque carregam a sua matriz. Não queremos reproduzir a velha estratégia de contenção, como destaca Bhabha, em que o “Outro texto continua sempre sendo o horizonte exegético da diferença, nunca o agente ativo da articulação” (2003, p. 59). Ao transformar o discurso do outro em objeto objetivado, ressalta Bhabha:

    O Outro é citado, mencionado, emoldurado, iluminado, encaixado na estratégia imagem/contra-imagem de um esclarecimento serial. A narrativa e a política cultural da diferença tornam-se o círculo fechado da interpretação. O Outro perde o seu poder de significar, de negar, de iniciar seu desejo histórico, de estabelecer seu próprio discurso institucional e operacional. (2003, p. 59).

Acreditamos, ao olhar esses discursos sob outra perspectiva, poder superar as hierarquias correntemente presentes entre os conhecimentos, e tão freqüentes na análise literária pós-colonial de textos literários produzidos em ex-colônias. Na verdade, ao analisar os textos pós-coloniais em relação direta com os matizes da cultura imperial, a análise pós-colonial torna-se refém do eurocentrismo e, neste caso, acaba por transformar-se em crítica eurocêntrica ao euroentrismo.

Pensar os discursos da educação do campo nesses termos nos ajuda a verdadeiramente colocar em questão a lógica euro-ocidental que tenta, como todos sabemos, ao se universalizar e totalizar, submeter os textos produzidos em países periferizados à condição de textos de segunda mão. Este dado é fato. O poder econômico das sociedades imperiais de hoje ampliou o seu poder de saber, que, em última instância, domina o conhecimento sobre o Outro, dissemina-o e constrói ideologicamente os “marginais indesejáveis”. Sobre isto, Said (2000) foi incansável em denunciar a maneira como os intelectuais das sociedades imperiais agiram em relação à produção cultural de seu Outro; também foi enfático sobre o quanto estes intelectuais são cooptados pelo poder político e se tornam dependentes deste, especialmente os dos Estados Unidos da América.24 Acreditamos ainda que nessa perspectiva estamos fazendo valer a tentativa fundamental do pós-colonialismo em descentrar e desbinarizar o discurso, isto é, desmantelar a relação centro imperial/margem colonial, já que centro/margem se tornou uma condição muito relativa na sociedade cultural globalizada de hoje.

A rigor, as ressalvas aqui levantadas em torno do pós-colonialismo para explicar o Brasil resultam do incômodo que qualquer teoria local provoca ao tentar-se universal. Na verdade o princípio local da teoria pós-colonial faz da sua tentativa de universalização um problema e este só pode ser posto à medida que a teoria é submetida ao escrutínio dos objetos que tenta compreender. Como diz Appiah (2007, p. 100), as “teorias modernas são excessivamente poderosas, provam coisas demais” e em seguida arrisca: “a teoria no sentido lato certamente vem-se rendendo cada vez mais a um método histórico mais particularizado” (Appiah, 2007, p. 101).

Também, regidos pela crítica ao uso a-crítico da teoria, Ramalho e Ribeiro (1998/1999) destacam, ao tratarem da concepção do uso da teoria nos cultural studies, os limites que decorrem da mera aplicação da teoria, posto que a reduz a simples método ou mesmo a mera técnica pedagógica. Como bem salientam o autor e a autora, com base em Grossberg (apud Ribeiro & Ramalho, 1998), a teoria não deve ser pensada como um cânone, mas como um recurso estratégico, enfim, como um campo de reflexão.

No caso específico dos discursos da educação do campo, sob a regência crítica do uso da teoria pós-colonial, os portadores dos discursos são os homens do campo, que também são negros, mulheres, crianças e homossexuais; são amazônidas, nordestinos, caipiras e roceiros. São, portanto, os marginais “de fora” e “de dentro”; são os duplamente marginalizados, mas que já se apropriaram da ordem vigente e que sabem muito bem o que estão dizendo, para quem estão falando, a quem querem atingir e do que querem se defender. A luta travada pelos movimentos sociais do campo é, para lém do póscolonialismo, uma luta de descolonização.


Notas:

* Uma versão deste texto foi apresentada no II Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo, realizado em 2008, Brasília-Distrito Federal, Brasil.

1 Para Mignolo (2003), o pós-colonial é uma expressão ambígua, às vezes perigosa, outras vezes confusa, e em geral limitada e empregada inconscientemente. No caso específico da América Latina ele sugere o uso do termo pósocidentalismo, criado por Retamar, no lugar de pós-colonialismo porque ele dá uma melhor idéia do discurso crítico da América Latina sobre o colonialismo.

2 Os textos “Visão do Paraíso”, de Sergio Buarque de Hollanda (1994 [1959]), e “O diabo e a terra de Santa Cruz”, de Laura de Mello e Souza (1987), revelam, com singular propriedade, as representações opostas, construídas pelo colonizador português, e ainda correntes sobre o Brasil. De um lado, o Brasil como o jardim do Éden, presente nas primeiras cartas dos “descobridores”; de outro, o Brasil como o inferno, dominado pelo demônio e o purgatório dos brancos. A maldição das origens é destacada por Mello e Souza: “natureza edênica, humanidade dominada pelo demônio e colônia entendida como um purgatório foram as formulações mentais que os homens do Velho Mundo aplicaram ao Brasil durante os três primeiros séculos de sua existência” (1987, pp. 84-85). Para Leonardi (1996) foi mesmo esta visão apresentada por Laura de Mello e Souza que predominou.

3 Inspirado em McLennan, Costa (2006) defende que os estudos pós-coloniais alvejam a sociologia clássica em três pontos: (1) deslegitimam uma certa sociologia do subdesenvolvimento, mostrando que esta insiste na representação de um outro inferior e carente de civilização; (2) atinge a sociologia multiculturalista ou pluralista ao mostrar que a idéia de um espaço imparcial de representação de diferenças culturais preexistentes é implausível; (3) se contrapõe a uma teorização generalizante. Mas, destaca Costa (2006) que o alvo mesmo dos estudos pós-coloniais é a macrossociologia da modernização e sua grande contribuição está em construir “um marco analítico que permite ao mesmo tempo estudar a relação entre sujeito e discurso e identificar o espaço de criatividade do sujeito. Esta contribuição dos estudos pós-coloniais permanece ímpar e, seguramente, ajuda as ciências sociais a, finalmente, reencontrar seu vigor criativo” (Costa, 2006, p. 109).

4 Tanto Bhabha quanto Hall farão críticas a Said. Bhabha particularmente fará criticas aos binarismos de Said (colonizador/colonizado) e inserir o conceito de ambivalência na teoria pós-colonial ao identificar fissuras existentes tanto no discurso do colonizador quanto do colonizado. Da parte do colonizado, essa ambivalência resulta da relação mimética e paródica do colonizado em relação ao colonizador. Para Hall (1992), esses binarismos precisam ser perturbados porque a transição para o pós-colonial é justamente o romper com essas demarcações que separam o dentro/fora do sistema colonial. Importa ainda ressaltar que Said, ele próprio, não se considera pós-colonial.

5 Os estudos de Maria Paula Meneses destacam as práticas e produção de saberes na periferia gerada no encontro colonial entre o Ocidente e o mundo.

6 Entenda-se por exilado identitário aquele sujeito que deixou seu país por vontade própria, mas que não se sente completamente acolhido, próximo identitariamente daquele que o recebeu.

7 Said (1995) destaca, por exemplo, não ser possível pensar a cultura exonerada de qualquer envolvimento com o poder. Ao analisar a literatura imperialista ele diz que o poder imperial é um poder que determina e que se mistura com o poder da resistência e do combate.

8 Para Young (2005) o colonialismo é o domínio de um povo pela força, domínio exercido por um poder externo. Sob essa perspectiva entendemos que todas as sociedades, em menor ou em maior medida, com base em referentes variáveis, podem estar sujeitas a condições pós-coloniais. Assim, sociedades pós-coloniais podem ser sociedades que não passaram pela experiência da independência e da constituição do Estado-nação como as sociedades dominadas desde a Era dos Descobrimentos, mas também sociedades que foram colonizadoras.

9 Boaventura de Sousa Santos ao tratar da subjetividade do Sul, isto é, do momento presente, que ele designa como transição paradigmática, em que esta subjetividade se reveste de solidariedade, e onde as diferenças são experenciadas sem subordinação, diz que ela se desdobra em três grandes momentos que captam os elos fracos da dominação imperial. São eles: o momento da rebelião, o momento do sofrimento humano e o momento da continuidade entre vítima e opressor. O momento do sofrimento humano é aquele em que este sofrimento é traduzido em sofrimento-feitopelo- homem; é o momento em que a naturalização do sofrimento é o ocultamento da opressão e da subordinação.

10 Sobre o desdobramento “a”, não podemos negar, todavia, que nos ligamos à descolonização, já que não é possível compreender o Brasil de hoje fora do contexto de seu passado colonial. A respeito do “b”, seguiremos as orientações de Hall ao trabalhar na esteira do pós-colonial atentando “mais para as suas discriminações e especificidades”, além de estabelecer “em que nível de abstração o termo está sendo aplicado” (Hall, 2003, p. 106).

11 Valendo-se do conceito de transculturação – espaço social em que manifestações de várias culturas dão lugar a um espaço cultural híbrido –, Pratt define zonas de contato como “meet, clash and grapple with each other, often in highly asymmetrical relations of dominance and subordination – like colonialim, slavery, or their aftermaths as their are lived out across the globe today” (1992, p. 4).

12 Como diz Boaventura de Sousa Santos (2006, p. 228), “o fim do colonialismo político não determinou o fim do colonialismo social, nem na ex-colônia, nem na ex-potência colonial”. É contra este colonialismo que a Educação do Campo se insurge.

13 Ainda que estas práticas sejam pressionadas de baixo e não viabilizadas por reformas nacionais implementadas pelo Estado, que revelem a democratização radical da universidade. Entendemos que as pressões da sociedade, e que tem alterado a instituição universitária, se não representam ainda o fim da história de exclusão de grupos sociais e seus saberes no interior da universidade, pelo menos dão início a esta história.

14 Sob este ângulo, identificamos aqui uma relação muito próxima dos discursos da educação do campo com as ecologias de saberes, já que tais discursos são decorrentes de relações com o conhecimento de homens, mulheres e crianças do campo, da floresta, de quilombos, de aldeias indígenas etc. Além do mais, os discursos da educação do campo, tal como a ecologia de saberes de Boaventura de Sousa Santos, pauta-se na proposição, no apontamento de alternativas.

15 Entendê-los desta forma não significa que ignoremos o quanto de Norte existe na epistemologia do Sul ou mesmo na lógica que justifica e argumenta as lutas de emancipação do Sul. Todavia, o ponto do qual partimos em direção a resistência e o enfrentamento não é o da busca da origem dos fundamentos, mas a sua existência histórica. É no existir dessa resistência e enfrentamento que o Sul constrói uma epistemologia que nada tem a ver com o Norte.

16 Como exemplos dessa experiência, cursos novos, resultantes de pressões sociais, estão sendo implementados pelo Ministério da Educação do Brasil: Pedagogia da Terra, para o MST; graduação em Educação do Campo, em diversos institutos de educação; curso de Formação de Professores Indígenas; cursos de Educação Ambiental; o projeto Educando para a Liberdade, que visa proporcionar formação escolar a sujeitos encarcerados. No plano curricular dos clássicos cursos de Educação, Saúde e Direito também tem havido mudanças, com a inclusão de novas disciplinas, no sentido de incorporar temas afeitos à cultura local e aos problemas sociais, e que foram até hoje negligenciados.

17 Segundo Santos e Ferreira (2002), quatro elementos estruturais estão na base do desenvolvimento do Estado- Providência: (1) pacto social entre capitalismo e trabalho sob a égide do Estado; (2) uma relação sustentada, pelas mãos do Estado, entre a promoção da acumulação capitalista e do crescimento econômico e a salvaguarda da legitimação; (3) um elevado índice de despesas no consumo social; (4) uma burocracia estatal que internalizou os direitos sociais como direitos dos cidadãos, em vez de benevolência estatal.

18 Para se ter uma idéia desta ambigüidade, em 2007 o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ao tempo em que lançou um edital de financiamento de projetos vinculados à agricultura familiar, também lançou outros dois relacionados ao agronegócio e ao biocombustível.

19 Para Nkrumah (1965), o neocolonialismo acontece quando um Estado teoricamente independente e soberano tem sua política dirigida a partir do exterior. Para ele, “o neocolonialismo é a pior forma de imperialismo: para aqueles que a praticam ele significa poder sem responsabilidade e para aqueles que dele são vítimas significa exploração sem reparação” (1965: xi).

20 Refiro-me aqui ao poema dramático Morte e Vida Severina, do pernambucano João Cabral de Melo Neto. Este poema está composto de dezoito partes e na décima segunda, em que Severino encontra-se com S. José, mestre carpina, Severino – cansado de ver tanta morte, miséria e fome – questiona S. José se não é “melhor saltar pra fora da vida”. S. José aconselha Severino a não fazer isto e lutar pela vida.

21 No âmbito da literatura e das artes o nacionalismo brasileiro alcançou seu mais alto nível na Semana de Arte Moderna, ocorrida em São Paulo, em 1922. No plano da produção em educação, ela se estendeu até a década de 1930, com o Manifesto da Escola Nova, fortemente influenciado pela Pedagogia de John Dewey, assinado por intelectuais situados no eixo Rio-São Paulo.

22 Ainda que Spivak defenda a idéia de um intelectual que trabalhe em prol dos subalternos, tal qual como os professores que produzem os discursos da Educação do Campo no Brasil, ela não deixa de ver este subalterno como aquele que precisa ser trazido para o circuito da democracia, da cidadania. No caso específico dos “nossos subalternizados”, são eles que “trazem” os intelectuais para a cidadania que eles reivindicam.

23 Estamos aqui nos referindo a tese do esclarecimento de Adorno (1995) contra a barbárie. Para este autor a educação deve servir à democracia, isto é, à promoção do conhecimento crítico sobre a realidade de modo a promover a emancipação dos sujeitos.

24 Em contra-posição a esta postura, Said (2000) defende a autonomia do intelectual, sua independência relativa em face das pressões do poder instituído. A esta condição, Said (2005) denomina de outsider.


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Referencia:

Sônia Maria da Silva Araújo, “¿Campo de la educación en Brasil: un discurso más allá de lo post-colonial?”, Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, Manizales, Doctorado en Ciencias Sociales, Niñez y Juventud del Centro de Estudios Avanzados en Niñez y Juventud de la Universidad de Manizales y el Cinde, vol. 8, núm. 1, (enero-junio), 2010, pp 221-242.

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