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Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud

Print version ISSN 1692-715X

Rev.latinoam.cienc.soc.niñez juv vol.9 no.2 Manizales July/Dec. 2011

 

 

Editorial

 

Editorial

 

Editorial

 

Apresentação do Volume 9 Nº 2 de julho-dezembro de 2011, número monográfico em pesquisas em infância e práticas de criação na América Latina.

Este conjunto de textos acadêmicos inéditos que esta nova edição da Revista Latino-Americana em Ciências Sociais, Infância e Juventude, a linha de pesquisa em políticas públicas e programas em infância e juventude, a linha de pesquisa em criação, família e desenvolvimento do Doutorado em Ciências Sociais, Infância e Juventude, e o Grupo de Trabalho em Infância: Ciranda Latino-Americana, estão nos oferecendo é oportuno para exercitarmos o nosso “lugar de fala”. Afinal, uma revista, seja ela na forma impressa ou digital, é sempre um canal de expressão e por tanto expande e amplifica as vozes que lutam e se articulam na polifonia da vida social. E nós, da América Latina, precisamos muito de espaços como este para dar visibilidade ao pensamento que se gesta em nosso continente. Trata-se de uma condição fundamental na construção de um pensamento alternativo à “visão universalista” promovida pela ciência moderna e que conflita com uma nova compreensão que seja pautada pela diversidade e complexidade. Não se trata de defender a perda de referências já construídas ou de textos clássicos, mas sim de valorizar um novo lugar de fala. E o lugar de fala dos autores que aí se expressam é um signo importante para compreendermos o lugar que ocupamos no debate internacional das ciências sociais e humanas.

Outra questão que nos parece fundamental é o tema, ou seja: o recorte da reflexão que se dedica a olhar, problematizar, criticar e lutar pelos direitos das crianças e dos jovens. O debate sobre a situação social de crianças e jovens em todo o mundo precisa do nosso investimento criativo. Pois, se é que somos herdeiros de um “modelo universalista” que foi promovido pela ciência moderna, é certo afirmar que o fazer científico hegemônico foi estruturado em boa medida pela visão positivista dominante, o funcionalismo teórico-metodológico e um lugar privilegiado do “cientista” de nomear o “outro”. Assim que definir como tema a presença social das crianças e dos jovens significa atar o laço com aqueles outros colegas das ciências sociais e humanas que desejam construir um novo fazer científico que seja dialógico. Mais do que nunca precisamos de um novo fazer científico no âmbito das ciências sociais e humanas que dê a oportunidade aos jovens e às crianças de que se expressem, que sejam ouvidos e mais radicalmente, que a humanidade se volte a eles como condição mesma para pensarmos o futuro e “um outro mundo possível”.

 

Teoria, identidade e luta

É difícil definir alguma identidade latino-americana. O fato de, por exemplo, o Brasil não ter sido colonizado pelos espanhóis e não compartilhar do mesmo idioma que a maioria dos outros países da América Latina já é um dado básico que não nos permitiria qualquer tentativa de totalização em torno do conceito de identidade. Nosso continente é palco também de tamanha diversidade étnica em termos de diferentes grupos indígenas e pretos que coexistem com todos os diferentes grupos de imigrantes europeus chegados no século XIX que, como destaca García-Canclini (1998), somos um espaço social em que se gesta uma cultura híbrida. Esta tradução, da realidade cultural em hibridez, parece oferecer um excelente conceito para se pensar qualquer identidade para a América Latina. Se é que existe alguma, ela precisa ser pensada em termos de diferenças, desigualdades descontinuidades e intertransculturalidades.

Mas, por outro lado, os povos latino-americanos compartilham alguma identidade se pensarmos nos processos de luta social que marcam suas trajetórias socioculturais. Lutas que foram, em vários sentidos (ainda que muito diferentes em seus contextos reais de ocorrência) vividas como conseqüência dos processos de colonização desde o século XVI. Também, no passado recente (especialmente a partir década de 60 do século passado) com as tentativas de construção de democracias socialistas que foram duramente massacradas pela Guerra Fria através da imposição das ditaduras militares apoiadas pelos Estados Unidos com o uso do autoritarismo e da violência. Na esteira desta trajetória destacam-se também os modos de respostas populares e movimentos sociais que caracterizam ações de resistência aos múltiplos processos de exclusão social desencadeados pelo modelo neoliberal de gestão da economia em todo o nosso continente, sobretudo em meados dos anos 80 do século passado.

Uma das grandes contribuições que esta Revista Latino-Americana em ciências Sociais, Infância e Juventude é a contribuição que traz ao articular um pensamento emergente que é ele próprio um signo da mudança que vivemos em nosso continente.

Afinal a produção intelectual criativa na America Latina tem sido foco de resistência merecedor de atenção, pois se estende desde outros momentos anteriores seja na teoria social ou nas produções culturais e artísticas.

Para tanto talvez seja oportuno recuperar brevemente esta trajetória para que possamos localizar melhor o momento presente da nossa produção intelectual e acadêmica.

Como estabelecer possíveis conexões entre alguns eventos políticos mais recentes (como as experiências políticas das ditaduras militares e aos modos de repressão subseqüentes às suas implantações) e a produção de teoria social? Em especial as teorias críticas que foram desenvolvidas nestes países, sobretudo na Colômbia, Argentina, Chile e Brasil? Um breve olhar para a história política em nosso cenário social pode ser interessante neste momento, afinal nunca é inoportuno narrar a luta social em busca da democracia.

 

A teoria crítica sob o vento forte de ditaduras

A violenta atmosfera que cobriu a grande maioria dos países latino-americanos no início dos anos 60 e mais intensamente nos anos 70, forçou ao silêncio grande parte da produção cultural e acadêmica que vinha florescendo naquele período. No Brasil, por exemplo, a cena político-intelectual se caracterizava pela efervescência de movimentos e formações em diferentes campos da produção cultural que podem ser facilmente identificados ao lembrarmos do trabalho teórico de Paulo Freire com a Pedagogia do Oprimido; das tendências progressistas da Igreja através da Teologia da Libertação, da reflexão sociológica com as Teorias da Dependência, da música com a Tropicália e a Bossa Nova e ainda o Teatro do Oprimido e o Cinema Novo, etc., etc. Não apenas em Brasil, mas em vários locais do continente, uma verdadeira antropofagia intelectual explodia em cores, ritmos e tons deixando marcas da imaginação criativa latino-americana nos registros históricos. A literatura latinoamericana (sobretudo no trabalho de Jorge Luis Borges e Gabriel García Márquez) desafia a razão moderna, a chamada racionalidade tecno-instrumental, com alegorias de realismo mágico que subvertem os modos dominantes do pensamento hegemônico.

Porém a história traria o golpe. No Brasil a implantação do regime autoritário ocorre em 31 de março de 1964 o que vai se estender a vários países da América Latina nos anos subseqüentes, de modo que: “em 1976, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e toda a América Central (com exceção da Costa Rica) estavam sob ditaduras” (Fox, 1997, p. 186) trouxe perseguição, prisão e exílio de intelectuais críticos e a conseqüente tentativa de silenciar suas produções.

Cabe destacar aqui que as perspectivas funcionalistas tornaram-se dominantes na pesquisa de social sobretudo com influência da sociologia estadunidense (Talcott Parsons e Robert Merton). Esta orientação epistemológica se manteve hegemônica até o final dos anos 80, período em que a abertura democrática tornou-se viável.

A partir dos anos 80 um intenso processo de redemocratização se estende por quase toda a América Latina. Apesar de todas as estratégias de coerção realizadas pelos governos militares as vozes dissidentes na academia não silenciaram. Assim como não silenciaram nas outras esferas da produção cultural.

Em várias cidades do continente a população veio às ruas reivindicar abertura política e eleições diretas para a Presidência da República. Na Argentina, as Mães da Praça de Maio pedem o retorno de seus filhos e filhas desaparecidos. A ação de novos movimentos sociais ganha força e visibilidade, sobretudo o movimento ecológico, feminista e de construção de identidades étnicas e raciais. Os estudos sociais críticos dialogam com esta efervescência sociocultural e política redirecionando o foco das análises para os movimentos populares e para os mecanismos de resistência que as culturas locais produzem na rearticulação das estruturas de dominação. Sobre este período Lopes (1993) explica que no início dos anos 80 que se dá a emergência de novas abordagens teórico-metodológicas na América Latina, no âmago de um forte movimento teórico-crítico que procurava fazer uma reflexão alternativa. É sobretudo dentro da temática das culturas populares que uma teoria social e cultural complexa e multifacetada começou a se desenvolver.

Segundo Mattelart (1995) se os anos 70 foram marcados pelo desenvolvimento de estudos críticos que enfatizavam processos de desterritorialização (com ênfase para as estratégias dos macro-sujeitos, isto é, estados-nacionais, organismos internacionais e corporações multinacionais), os anos 80 em contrapartida, passam a enfatizar os processos de territorialização. Isto é, a ênfase recai sobre processos de negociações, resistências e mediações entre fatores externos e realidades particulares. Ao discutir a produção de teoria crítica em nível internacional, os autores identificam na América Latina o deslocamento. Eles explicam:

    “O fato de a concepção essencialista do universal e do logos ocidental ter sido posta em questão atrai outros atores para a produção de conceitos e teorias. São disso testemunho os estudos antropológicos sobre as culturas transnacionais e sobre as identidades confrontadas com os fluxos da modernidade global, que tanto na Ásia como na América Latina, se questionam sobre os processos complexos de apropriação e reapropriação, de resistência e de mimetismo. Novos conceitos exprimem esse desejo de uma melhor abordagem dessas articulações finas: crioulização, mestiçagem, hibridação ou modernidade alternativa [Martín-Barbero, 1987; Ortiz, 1988; García-Canclini, 1990; Appadurai, 1990]. O mesmo desejo inspira as investigações sobre a genealogia dos gêneros das indústrias audiovisuais locais, que suscitam em territórios específicos a adesão do grande público” (Mattelart, 1995, p. 143).

No âmbito da teoria social contemporânea assistimos à emergência de novos estudos que se caracterizaram pelas estratégias de metodologia qualitativa e etnográfica e cujo foco é compreender os modos como os sujeitos sociais narram e traduzem seus contextos particulares de experiências. Caracterizaram-se também como um movimento intelectual, notadamente teórico-metodológico que se efetivou em diferentes países latino-americanos.

Deste modo, a edição desta revista é sempre oportuna pois se caracteriza como um espaço de resistência em que os sujeitos silenciados dos modos hegemônicos de narrar a historicidade social.

 

Esta edição

O conjunto de textos apresentados por esta edição se constitui como polifonia, no seu melhor sentido. São 29 artigos de autores de diversos países latinoamericanos que falam de seus contextos particulares e em grande medida comprometidos com metodologias que problematizam o fazer instrumental na produção do conhecimento.

A primeira parte reúne textos teóricos e metateóricos que recorrem ao referencial dialógico e assim criticam “diferentes métodos de pesquisa e as limitações de uma visão reducionista” e trazem reflexões sobre o cuidado, a proteção e a orientação do desenvolvimento das crianças

A segunda parte dedicada a estudos e investigações o conjunto reúne artigos que tratam de assuntos variados sobre as práticas sociais e culturais relacionadas com as crianças e jovens, em situações particulares, em diversas localidades do continente. Desde uma discussão mais centrada nas dimensões estruturais da sociedade, que passam por estudos relativos às obrigações do Estado, a formulação de novas políticas públicas, ao fortalecimento do espaço escolar com a promoção da educação integral, na luta pelos direitos das crianças e adolescentes.

Até dimensões da ordem da cotidianidade, do mundo vivido, das identidades e das subjetividades. Aqui o foco incide na luta pelo “desenvolvimento pleno da criança, em toda a sua capacidade e de maneira equilibrada”. Porém a riqueza do conjunto está justamente na diversidade de contextos uma vez que as pesquisas qualitativas foram realizadas nos mais diferentes cenários da América Latina. É como se tomássemos a realidade como um prisma, um fractal multifacetado para enxergar a exclusão, a pobreza, a opressão, as desigualdades tão diversas e plurais e tão “iguais” em termos de sentido e significado social, por mais diferentes que sejam estes contextos. E que por mais diversos que sejam, os sentidos sociais da exploração da mão de obra infantil; do abuso sexual, da fome, da doença, da poluição, do preconceito e da exclusão são tão próximos.

Nossa America Latina das hibridações do arcaico e do ultramoderno. Das grandes metrópoles e dos recantos de campesinos e populações indígenas. Do rico artesanato e da alta tecnologia. Como captar os deslocamentos “promovidos pela tecnologia nos modos de subjetivação: aprendizagem, concentração, tempo/espaço e esforço/prazer”? Como avançar em termos de relações éticas no fazer científico?

Além de todas estas reflexões voltadas ao questionamento das estruturas e das leituras de contextos particulares de experiência; esta edição oferece também um conjunto de artigos que discutem a produção cultural. Desde reflexões sobre apoio educacional para o esporte, há estudos sobre representações sociais e códigos hegemônicos na fotografia; sobre usos sociais das linguagens de sinais com não-ouvintes; o desenvolvimento da educação musical; dos hábitos alimentares; como uma reflexão sobre a compreensão do conceito de tempo pelos meninos e meninas.

A reunião de todos estes artigos por tanto é mais do que um aporte para nossas pesquisas, é também um convite para investirmos em novas práticas de educação, em seus vários contextos. E acima de tudo práticas que sejam democráticas e participativas e que incluam a participação social das crianças e dos jovens como um signo de mudança para a construção de uma educação do futuro.

Neste número, os índices por autores e temático da Terceira Seção estão atualizados até o Volume 9 Nº 1 de Janeiro-Junho de 2011. Também podemos ler nesta seção o Boletim Nº 69 da Década por uma Educação para a Sustentabilidade, com interessantes temas sobre o meio ambiente; depois informa-se sobre o V Simpósio Internacional sobre a Juventude no Brasil que se realizara em Recife, na Universidade Federal de Pernambuco do dia 4 ao dia 6 de setembro do ano 2012. Igualmente anunciamos que em Lomas de Zamora, Argentina, se realizará o IV Congresso Latino-Americano e do Caribe sobre Desenvolvimento Humano e a Abordagem de Capacidades Humanas no mês de maio do ano 2012.

Na quarta seção continuamos publicando entrevistas à pessoas destacadas do mundo, neste caso Valeria Llobet responde um questionário sobre o tema da primeira infância. Finalmente dois ensaios inserem-se nesta Quarta Seção e refletem pontos de vista ideológicos, políticos e históricos sobre temas importantes que afetam sensivelmente a América Latina e o Caribe. Em primeiro lugar Áurea Verónica Rodríguez Rodríguez e Yurama Cardet Chaveco, desde a Cuba, realizam uma análise crítica em torno à pergunta: Há neoliberalismo no capitalista?; enquanto que o Professor chileno José Alberto de la Fuente Arancibia retoma uma figura central do socialismo contemporâneo em “Salvador Allende, pela democracia e o socialismo”.

Nós finalizamos nossos relatórios para este semestre com a apresentação da revista para a reindexação por parte de Publindex de Colciencias, Colômbia, e que aspiramos dê como resultado o ingresso dela na Categoria A2.

 


 

Lista de referências

García-Canclini, N. (1998). Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp.

Lopes, M. I. V. (1993). Estratégias metodológicas da pesquisa de Recepção. Revista Brasileira de Comunicação, 2(XVI), pp. 78-86.

Mattelart, A. (1995). História das Teorias da Comunicação. Lisboa: Campo das Letras.


 

A editora convidada,

Isabel Orofino
ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing)
São Paulo
Brasil

 

O diretor-editor,

Héctor Fabio Ospina