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Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud

versão impressa ISSN 1692-715X

Rev.latinoam.cienc.soc.niñez juv vol.10 no.1 Manizales jan./jun. 2012

 

Segunda Sección: Estudios e Investigaciones

 

Os sentidos da escola pública para jovens pobres da cidade do Recife*

 

El sentido de la escuela pública para niños pobres de Recife

 

The meaning of public school for poor children from Recife

 

 

Rubenize Maria dos Santos1, Maria Aparecida Nascimento2, Jaileila de Araújo Menezes3

 

1 Grupo do Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas (GEPCOL/UFPE). Recife, Brasil. Graduada em Pedagogia - Centro de Educação - UFPE. florzinhacida@hotmail.com

2 Grupo do Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas (GEPCOL/UFPE). Recife, Brasil.Graduada em Pedagogia- Centro de Educação - UFPE. rubenizemaria@hotmail.com

3 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.Mestre e Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora do Programa de Pósgraduação em Psicologia do CFCH e do Departamento de Psicologia e Orientações Educacionais do Centro de Educação da UFPE.jaileila@ terra.com.br

 

Artículo recibido en noviembre 28 de 2011; artículo aceptado en marzo 7 de 2012 (Eds.)

 


Resumo:

O presente artigo reflete sobre os sentidos da escola para jovens pobres no contexto da educação pública no nordeste do Brasil. A literatura sobre juventude comumente relata um encontro tenso entre os jovens e a escola. Em uma perspectiva qualitativa, observamos uma sala de aula do Ensino Médio e convidamos os/as estudantes para produção de narrativas sobre a escola real, ideal e possível. A análise desdobra-se a partir de cinco eixos: Organização e disciplina; Infraestrutura; Qualidade de ensino e profissionalismo dos professores; Interações sociais; e Escola e projeto de vida. Apesar das dificuldades que vivenciam os jovens consideram o processo de escolarização importante para a realização de seus projetos de vida e valorizam a escola pela sociabilidade que lá experimentam.

Palavras-chave: jovens pobres, escola pública, projetos de vida.

 


Resumen:

En este artículo se reflexiona sobre el significado de la escuela para niños pobres en el contexto de la educación pública en el noreste de Brasil. La literatura sobre la juventud comúnmente reporta una tensa relación entre los jóvenes y la escuela. Desde un punto de vista cualitativo, se observó un grupo de un aula de escuela secundaria y se invito a los estudiantes para la producción de narrativas sobre la escuela ideal. El análisis se desarrolla a partir de cinco áreas: organización y disciplina, infraestructura, calidad de la educación y la profesionalidad de los docentes, las interacciones sociales, y la escuela y el proyecto de vida. A pesar de las dificultades que los jóvenes encuentran el proceso de la experiencia educativa es importante para la realización de sus proyectos de vida y por la sociabilidad que experimentan allí.

Palabras clave: jóvenes pobres, escuela pública, proyectos de vida.

 


Abstract:

This article reflects on the meaning of school for poor children in the context of public education in northeastern Brazil. The literature on youth commonly reports a tense relationship between the young and the school. From within a qualitative perspective, we observed a high school classroom and invited students to produce narratives about an actual school, as real as possible. The analysis unfolds in five areas: organization and discipline, infrastructure, quality of education and professionalism of teachers, social interactions, and school and life project. Despite the difficulties experienced by young people, they find the educational process important for the realization of their life projects and value the school by its sociability experience.

Key words: young poor, public school, life projects.


 

Introdução

O interesse pelo tema juventude pobre e escola pública surgiu de uma experiência das duas primeiras autoras do artigo com a educação de jovens na rede de ensino da Prefeitura do Recife, no Projeto Alfa Letramento. O propósito do projeto era sanar o alto índice de defasagem em que se encontravam os alunos do 3º. e 4º. ciclos, e voltava-se para pré-adolescentes e adolescentes com dificuldade na aquisição da leitura e escrita. Na ocasião chamou-nos a atenção o quão discrepante é a relação entre o jovem e a escola, e a falta de comunicação entre ambos.

Mediante isso, mobilizou-nos a necessidade de conhecer as demandas da juventude contemporânea, particularmente, da juventude das camadas populares, imersas em redes específicas de simbolizações, bem como o desejo de verificar o que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) assegura acerca da juventude circunscrita na condição de pobreza e o que ocorre na prática, na realidade dos jovens alunos. Consideramos importante conhecer como esses jovens encaram a escola; os sentidos que lhe atribuem; e os instrumentos, mecanismos, de que a escola dispõe para atender às demandas juvenis.

O presente artigo objetiva refletir sobre os sentidos da escola para jovens das camadas populares, a partir da investigação dos aspectos positivos e negativos de suas vivências em contexto escolar; conhecer e analisar o lugar atribuído à escola para a realização de seus projetos de vida; identificar espaços e situações que existem para a participação do/a jovem na vida escolar; e como eles/elas entendem que poderiam participar da escola, de modo a contribuir para sua transformação.

 

1. Referencial teorico

1.1. O processo de escolarização dos jovens das camadas populares

A escolarização de grande parte dos jovens das camadas populares passa por entraves e dificuldades, conforme expõem Corbucci, Cassiolato, Codes e Chaves (2009), de modo que esses jovens são marcados por baixos níveis de escolaridade, motivados por falta de condições de acesso e permanência no ensino infantil e fundamental, o que resulta em sucessivas reprovações e evasão escolar, temporária ou definitiva. O capital cultural, conceito abordado por Bourdieu (1998), representa um divisor de águas entre a juventude rica e abastada, que consegue retardar a entrada no mercado de trabalho –muito frequentemente chega à faculdade– e a juventude pobre e excluída, que mal consegue concluir o ensino médio, por conta de sua entrada cada vez mais precoce no mercado de trabalho.

Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas (Ibase, 2005) intitulada “Juventude Brasileira e Democracia” mostra que, de fato, dos oito mil participantes, cujas maiores concentrações se dão nas regiões metropolitanas de Belém, Rio de Janeiro e Recife, o maior número de jovens das classes populares têm nível educacional aquém do que se esperava, e índice de defasagem na aquisição do ensino-aprendizagem altíssimo. A maior parte dos entrevistados (42,5%) têm o ensino médio incompleto, 33,2%, ensino médio completo e 24,3% nem concluíram o ensino fundamental.

Segundo o relatório de monitoramento global da Educação para Todos da Unesco (2005), a taxa de alfabetização entre jovens de 15 a 24 anos é variável e representa, por mais ínfima que seja, um progresso na educação para todos. Ainda assim, é preciso avançar mais, pois se estima que existam no mundo 137 milhões de analfabetos, e 85 milhões (63% deles) são do sexo feminino. Além das desigualdades de gênero, é interessante destacar as disparidades existentes entre a zona urbana e rural, como também das diferentes regiões do planeta.

A escolarização é um espaço de significados, com múltiplos sentidos, que evidencia as desigualdades e oportunidades limitadas, que marcam profundamente os grupos de jovens brasileiros, e, ao mesmo tempo, constitui espaço de reflexão e lutas por direitos. A família, de modo geral, ocupa importante papel na vida do jovem e na maneira como ele passa a ver a escola e seu processo de escolarização.

Segundo Leão (2006), nas famílias pobres os pais almejam que seus filhos cumpram todas as etapas da escolarização oficial, pois querem para eles um futuro melhor, diferente do que tiveram, embora esse desejo concorra com condições concretas e imediatas que exigem a entrada de crianças e adolescentes na economia doméstica. Muitos pais e mães valorizam a escola em razão da ampliação do repertório de sociabilidade que esse contexto oferece (Dayrell, 1996; Marques, 1997), pois por vezes figura inclusive como uma das poucas opções em meio a territórios/bairros/comunidades marcadas pela precariedade de equipamentos de cultura e lazer.

A escola tem assim diversos sentidos para os jovens pobres: lugar de lazer, ambiente onde várias atividades podem ser feitas, lugar da obrigação e lugar da “salvação” ou meio de ascensão social, esperança de futuro melhor. Existem aqueles, porém, para quem a escola é impessoal, desvinculada de sua realidade – a escola é concebida como puro acontecimento em estado bruto, impessoal e neutro, sem afetação (Pelbart, 2003).

No entanto, a escola, como construção histórico-cultural e político-econômica, está longe de ser uma esfera neutra no processo formativo da juventude. O sistema de seletividade em seu interior é perverso, como bem explana Bourdieu (1998), e poucos são os que conseguem sobreviver a ele. Desse modo, é preciso repensar as bases políticas da escola pública brasileira, no sentido de dialogar com a juventude que consegue chegar –embora nem sempre se mantenha– em seus bancos escolares. Afinal, o que querem os jovens da escola e o que esta pode lhes ofertar?

1.2. Culturas juvenis: possibilidades de encontro entre o jovem e a escola

Entender as culturas juvenis e o que elas representam é imprescindível para ultrapassar as barreiras do discurso retórico e verticalizado do que vem a ser a juventude. Os professores possuem uma ideia ou concepção de juventude que norteia sua prática pedagógica, e, segundo Silva (2005), ainda predomina uma visão negativizada sobre a juventude pobre. Ocorre que, ao chegar à escola, o jovem pobre se depara com um cenário de outras tantas dificuldades que desafiam seu desenvolvimento cognitivo, humanístico e cultural. Problemas de ordem estrutural das escolas, formação deficitária dos professores, currículo desatualizado e descontextualizado vão compondo um cenário de distanciamento entre juventude e escola.

Um estudo de Gilroy (2001), na contramão da descontextualização, demonstra, a partir do hip hop (movimento estético caracterizado pela combinação verbal e musical e pelo break –dança de rua, e o grafite– pinturas de muros), possibilidades de considerar a cultura juvenil e dialogar com ela. Essa manifestação, a exemplo de tantas outras, aparece na vida de alguns desses jovens estudantes como motor de mobilização social e notoriedade, principalmente para os jovens pobres e negros das camadas populares, e representa esperança, emancipação e ganhos econômicos (Zeni, 2004). Esse movimento cultural, dentre outros, destaca-se pela facilidade com que envolve os jovens e pelo uso da linguagem aproximada da realidade de que fazem parte.

Segundo Maia (2008), que trabalhou com um grupo de capoeira, a relação arte-ciência é fundamental para uma significação positiva da escola e do processo de escolarização, pela via da valorização do universo cultural dos/das estudantes. Nessas situações de aprendizagem, os jovens sentem-se laborativos. A cultura científica é importante, mas não é suficiente, é necessário relacioná-la com o conhecimento de cunho popular, com os saberes que os jovens trazem para as salas. Os alunos participantes da pesquisa disseram não encontrar no bairro onde residem muitos espaços públicos para o lazer e também quase nenhuma opção educativa de arte ou esporte, então, tinham na escola a expectativa de um espaço para estas práticas.

Os professores atentos a isso, de maneira sistêmica e holística, podem trabalhar interdisciplinarmente em suas matérias de ensino, valendo-se da cultura do jovem estudante. Os alunos, por meio de suas diversas formas de compreensão de mundo e expressões culturais (reggae, rock, hip hop, funk, pop, capoeira, maracatu), estão falando em política, crítica social, história, geografia, língua portuguesa, sexualidade, violência, negritude, preconceito e discriminação, custo de vida, gravidez na adolescência. Mesmo conhecimentos matemáticos podem ser construídos a partir da realidade deles, de suas línguas e rede de simbolizações.

Weller (2000), que estudou o hip hop e sua repercussão na vida da juventude paulistana, constatou que a influência do gênero musical foi decisiva na formação da consciência social e política dos jovens, bem como no desenvolvimento da própria história e cultura afro-descendente.

Considerando a realidade de jovens pobres de uma escola pública da cidade do Recife, quais os aspectos que se colocam como mais desafiadores às significações positivas para a escola e o seu processo de escolarização?

 

2. Metodologia

A pesquisa em tela foi realizada em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio, localizada em Recife, em um bairro da região oeste da cidade, que atende a 11 turmas, nos turnos da manhã, tarde e noite. O trabalho foi desenvolvido em uma turma de 3º. ano do Ensino Médio, composta por 27 estudantes, na faixa etária entre 17 e 20 anos, de ambos os sexos. O corpo docente que trabalhava com essa turma era composto por: um professor de Língua Portuguesa, um docente para as disciplinas de História e Geografia, outro de Matemática, um de Inglês e um docente para ministrar Biologia e Química. Mesmo constando na grade de horário as disciplinas de Física, Sociologia e Filosofia, durante nossas visitas à escola, não nos deparamos com esses professores.

Embora não tenhamos perguntado explicitamente sobre a renda familiar, a percepção e escuta de conversas informais ao longo das observações permitem afirmar o pertencimento dos jovens às camadas populares. Os estudantes fazem “zoação” de sua condição social, por exemplo, quando afirmam ter de vender muito doce e picolés na praia para ir a shows de bandas de rock. A inferência da condição socioeconômica dos jovens também tem por base comentários dos professores, que registramos em diário de observação, sobre a comunidade na qual os jovens estão inseridos. A comunidade do entorno da escola é considerada de risco social ou, conforme dito por um professor, “comunidade necessitada”. A insuficiência de políticas públicas efetivas comprometidas com a revitalização das áreas pobres da cidade colabora para a situação de vulnerabilidade da juventude desses territórios.

Nossa aproximação do universo escolar e da turma especifica ocorreu por meio do procedimento de observação – devidamente registrado em diário de campo– das aulas de Língua Portuguesa, História, Geografia, Matemática, Inglês, Biologia e Química. De acordo com Morin (1997), esse procedimento possibilita ao pesquisador dar significado ao contexto integral em que acontecem as tramas e relações sociais. Nos quatro últimos dias de nossa presença na escola, solicitamos aos estudantes a escrita das cartas, que foi o procedimento escolhido para registro das vozes juvenis sobre suas experiências no contexto escolar.

Foi proposta a produção de três cartas pelos jovens estudantes acerca de suas próprias impressões e sentidos, a respeito da escola real, da escola que gostariam de ter (ideal) e da escola possível. A preferência por esse instrumento metodológico teve por base a experiência de Esteves (2005), registrada no Livro Estar no Papel, sobre a maneira como os jovens retratavam e valoravam o ambiente escolar em que estavam inseridos.

As situações de escrita das cartas a ser elaboradas compreenderam o uso de estímulos artísticos. Para a carta 1, sobre a escola real, aquela que os alunos tinham como realidade imediata, utilizamos o filme Escritores da Liberdade, que conta a história de jovens em condição de risco psicossocial, que viviam no limite da vida, com seus problemas de ordem social e econômica, seus conflitos étnicos e raciais, mas que superaram suas dificuldades, quando receberam atenção diferenciada de uma docente que atentou para suas necessidades, deu-lhes voz e atenção, além de trabalhar sua disciplina de maneira mais significativa, inovando em sua abordagem didática, dialogando com a realidade dos jovens. Para esse momento, utilizamos a sala de vídeo da escola, onde a princípio tivemos um pouco de dificuldade, devido às condições precárias do espaço, pois nem pilhas havia no controle remoto, e tivemos de providenciá-las. A sala estava suja e mal arejada, situação que levou os alunos a reclamar bastante. Todos assistiram ao filme até o fim, e essa atividade foi acompanhada pela docente de Língua Portuguesa, que nos cedeu o tempo de sua aula.

Na ocasião de produção da carta 2, no nono dia de visita, sobre a escola ideal procedemos à leitura do poema de Clarice Lispector1 sobre sonho. Os jovens demonstraram grande interesse e gosto pelo poema, pediram para que o lêssemos duas vezes, e no final ficaram com cópia dele para si.

Para a escrita da carta 3 sobre a escola possível, já no décimo primeiro dia de observação, levamos a canção Só depende de mim, um rap de um grupo de jovens da cidade do Recife. Os estudantes ficaram surpresos por levarmos um estilo musical que comumente não é utilizado para atividades de sala de aula. Eles participaram cantando a música, acompanhando a letra com a cópia dela na mão e seguindo a cadência da batida. Mais uma vez, recorremos a um recurso da escola, o som, para a leitura do CD. Nessa carta, a mobilização para sua escrita, apesar da empolgação com a música, foi menor, muitos desistiram da produção. Acreditamos que o fato em si esteja associado à natureza da questão suscitada na carta, à escrita sobre a escola possível, a relatar como sua contribuição pode ser dada no sentido da transformação da realidade de que tanto reclamam. Pensamos que o sentimento de impotência e de incapacidade por parte de alguns jovens possa explicar essa “desistência”, por acreditar que como alunos e jovens não podem fazer nada para mudar a sua realidade.

Os alunos e alunas foram orientados a escrever as cartas e entregá-las a nós pesquisadoras, de modo que ficamos com esse registro para análise. Vale ressaltar que a identificação do/a autor/a era voluntária, e os orientamos para que direcionassem o texto a um/a amigo/a imaginário/a. Tivemos a seguinte produção por carta: 25 da escola real (carta1), 25 da escola ideal (carta 2) e 17 produções sobre a escola possível (carta 3)

Procedemos à análise de conteúdo, na qual o foco é a mensagem, e devem ser considerados os aspectos contextuais de seus produtores, assim, o pesquisador deve estar atento não apenas à etimologia e à semântica da língua, mas à interpretação, à hermenêutica do texto, ou seja, são importantes os significados e sentidos que os atores da pesquisa atribuem à escrita.

 

3. Resultados

Considerando-se os objetivos da pesquisa e os aspectos orientadores da análise de conteúdo, estabelecemos cinco eixos para a abordagem dos principais aspectos presentes nas narrativas dos/as jovens. São eles: organização e disciplina, infraestrutura, qualidade de ensino e profissionalismo dos professores, interações sociais, escola e projeto de vida. Refletiremos sobre cada um desses eixos, conforme aparecem em cada uma das três modalidades de carta.

3.1. Eixo 1 – Organização e disciplina

Está presente nas cartas sobre a escola real o anseio dos jovens de ter uma escola organizada e mais bem preparada em termos de disciplina, em que o respeito mútuo seja constante entre professores, alunos e direção, como exemplificam os extratos: “A escola (...) se tornou uma escola sem equilíbrio, não há organização...”; “Tentamos estudar, mas não conseguimos, pois há uma diretora muito desorganizada”; “[Há] falta de organização nos horários...”.

Os alunos denunciam uma escola permissiva, em que “rola de tudo”, inclusive drogas, e onde as turbulências estão presentes cotidianamente:

    Mas realmente a escola se chama cabaré, porque rola de tudo; Às vezes escondido da diretora, drogas, confusão diária (...); Os alunos dominam a escola o que não deve acontecer alunos fazendo outros brigarem, pratos, copos, talheres voam pelas nossas cabeças.

Os alunos solicitam limites que deveriam ser impostos a eles mesmos. Suas falas sugerem uma situação de abandono do espaço escolar, onde se encontram entregues à própria sorte. Uma possível explicação para a falta de gerência efetiva nas instituições públicas de ensino pode ser encontrada na reflexão de Aquino (1996) sobre o despreparo para lidar com essa clientela. A escola idealiza um tipo de sujeito e é ocupada por outro, com carências muito concretas. A indisciplina encenada pelos alunos vem justamente denunciar a indisciplina da escola, sua omissão, sua indiferença para com o futuro dessa juventude pobre: “Eu queria que a escola fosse melhor em termos de disciplina. Que na escola entrassem os alunos mais selecionados, com bom desempenho, porque assim não teríamos mais barulho”.

Os alunos atribuem a disciplina ao interesse pelos estudos, expresso no desempenho cognitivo dos colegas. O que eles deixam de considerar é justamente o fato de que a falta de disciplina pode estar ocorrendo justamente porque eles não conseguem aprender, e aqui haveriam de ser considerados aspectos como a proposta pedagógica e as reais condições de ensino nesse contexto. Como aponta Silva (2005), os professores que trabalham com a juventude pobre costumam ter uma concepção negativa dela, associada à marginalidade, o que desmotiva os jovens na prática pedagógica.

Enquanto essa concepção acerca da juventude pobre estiver contaminando as formas de pensar a educação – mesmo que o discurso diga outra coisa, em pautas de políticas públicas, projetos diversos e na construção do currículo, na formulação do Projeto Político Pedagógico – a educação não melhorará, porque continuamente as vozes juvenis serão silenciadas, e tudo o que for adotado e produzido será numa visão profilática e sanitarista, higienizante, e não pelos jovens ou com a participação deles, num processo dinâmico, dialogal e interativo de produção.

Os alunos participantes também cobraram, nas cartas da escola ideal, rigidez por parte das autoridades, para enquadrar os alunos indisciplinados no regimento da escola, criticaram o hábito dos colegas de ficar nos corredores na maior parte do tempo e as brigas constantes, a mistura com os alunos da Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac)2 como claro sinal de descontrole, portanto, forte evidência de desordem, falta de organização e disciplina. Os alunos exigem regularidade, rigor e maior severidade na implantação das normas da escola, mesmo sob pena da austeridade, à qual ficariam assim submetidos, mas que se torna preferível à liberdade absoluta, licenciosidade, que denota falta de compromisso com a proposta educativa, com o fazer pedagógico. É interessante observar a ausência de reflexão por parte dos alunos no que tange à participação que eles poderiam ter na elaboração das regras da escola. Em nenhum momento eles se colocam como capazes de empreender uma ação transformadora dessa realidade.

O incômodo causado pelos assim denominados “alunos da Fundac” também evidencia o quanto os jovens estão despreparados para lidar com o campo dos direitos, assim, acabam segregando ainda mais quem já está em situação de discriminação social. A própria denominação de “alunos da Fundac” demonstra o quanto a escola mantêm um apartheid, aumentando o estigma dos jovens que se envolveram em situação de infração. Nesses termos, uma política de inclusão, nos moldes de sua operacionalização, não consegue ser efetiva. Os jovens não estão preparados para essa convivência, e durante a realização do trabalho não observamos iniciativa da escola para promover a inclusão, de fato, dos alunos da Fundac entre os demais.

Na narrativa da carta sobre a escola possível, os jovens evidenciam alguns acontecimentos em que a preocupação com a organização e disciplina é levantada como importante para o bom funcionamento das atividades escolares, melhor desempenho das obrigações e responsabilidades diárias dos atores presentes na escola, de maneira que seja efetiva a promoção da educação, sem os impedimentos que a má organização e indisciplina possam provocar. Ainda, na linha de argumentação de que o foco da intervenção deve incidir sobre os próprios alunos, eles sugerem aumento da vigilância: “Pois sabemos que muitos alunos só vêm para bagunçar e não respeitam os professores na sala de aula (...) A diretora poderia colocar um inspetor para sempre estar de olho nos alunos (...)”.

Chamamos atenção para o fato de que o conteúdo da carta da escola possível tem como referência a implicação dos jovens na resolução dos problemas escolares. Nesse momento, mostrou-se significativa a convocação da figura do inspetor e a não-referência a algo que os próprios jovens pudessem fazer, para ajudar a resolver a situação. O chamamento a uma figura de autoridade externa remete a um estado de heteronomia preocupante, é como se os jovens estivessem impossibilitados de agir em favor próprio, de convocar as próprias forças. Parece que o estado de caos e desagregação é tão severo e que os alunos estão tão acostumados à situação de subjugados que, mesmo quando podem, não conseguem se envolver na resolução dos problemas que vivenciam.

3.2. Eixo 2 – Infraestrutura escolar

Em relação à infraestrutura da escola foco de pesquisa, as queixas reveladas nas cartas da escola real se concentram na inadequação dos equipamentos e recursos oferecidos e na falta de instrumentos que por certo elevariam as condições de ensino e aprendizagem. É notório o descaso no tocante aos aspectos estruturais das salas, pois há má ventilação, poucas entradas de ar, as salas são compactas, há cadeiras quebradas e já desgastadas, o prédio está em más condições de uso.

Os jovens estudantes reclamam, de modo geral, das condições físicas da escola, evocam, por meio de seus relatos, a questão da merenda de qualidade, que não há, além da quantidade insuficiente de cadeiras, pois alguns alunos se chegam tarde, ficam em pé. Os banheiros são sujos e fétidos; os alunos não têm acesso à sala de informática; a água não é boa; o acesso à biblioteca é ruim e dificultoso e o espaço dela não lhes oferece conforto; as lousas das salas de aula são pequenas, o que obriga os professores a escrever rápido. Os alunos exigem mais espaço de lazer e esportes, com uma quadra maior, conforme escrevem:

    Não podemos pegar livros na biblioteca, pois vive fechada; O banheiro não tem papel higiênico e está faltando torneiras no banheiro para lavar as mãos e fede, amigo, e não tem descarga; Não temos direito a merenda e bebemos água da Compesa; Não temos direito a internet. De acordo com a teoria Broken Windows

(teoria das janelas quebradas), elaborada por James Q. Wilson e George Kelling e citada em Andrade (2011), diante de ambientes depredados, que não oferecem as devidas condições de uso, há maior tendência para os que ali circulam de continuar o ciclo de depredação. Isso demonstra certa reprovação e revolta em relação aos recursos desvalidos que são oferecidos, associam o valor que lhes é atribuído pelo tipo de recurso, atendimento e atenção que lhes dispensam os responsáveis pela administração e alocação dos investimentos e verbas dirigidos à educação.

A escola dos sonhos seria perfeita, “(...) com boa estrutura... limpa e sem pichações”. Os jovens enfatizam por vezes a necessidade de um espaço físico melhor e maior, com banheiros limpos e com armários. Os estudantes também sonham com uma quadra maior, uma biblioteca em boas condições de uso e acessível, sala de computação que possam usufruir sem ter de concorrer com professores e funcionários. Quando os jovens reivindicam com tanto fervor a sala de informática, em útlima instância, estão reivindicando o direito de participar da sociedade contemporânea e, uma vez que estamos falando de uma juventude pobre, o lugar hipoteticamente de mais fácil acesso a esse meio é justamente a escola.

Ainda sobre a escola dos sonhos, chama atenção o desejo de uma escola de tempo integral, onde houvesse todas estas coisas:

    Queria que ela fosse assim, maior com 1º., 2º., 3º., andar e fosse integral, com banheiros maiores como daqueles filmes que têm vestiário... Que tivesse três quadras enormes, uma de futebol, vôlei e basquete, natação, biblioteca, sala para computação e um espaço para dormir na escola... Porque assim não ia nem pra casa.

Os alunos querem estar na escola, valorizam-na, isso se manifesta de forma patente em suas narrativas, quando dizem que querem uma escola bem preparada para acolhê-los, o que contraria a opinião corrente de repulsa à escola. Conforme afirma Leão (2006), a escola para o jovem e seus familiares é um importante pilar, seja porque tem um valor em si, seja por conta das sociabilidades ou por capacitá-los, em seu entender, para ascensão ao mercado de trabalho.

Em relação aos aspectos físico-estruturais, nas cartas da escola possível predomina a culpabilização das autoridades competentes, por ser omissas quanto às demandas juvenis. Atentemos para uma fala que demonstra essa inquietação ou insatisfação por parte do jovem estudante em relação a sua escola:

    Uma escola tem que ter uma merenda melhor, ter água para a gente beber, precisa ter uma cadeira nova para a gente se sentar, ventilador novo, o que tem já tá quebrado, um banheiro limpo porque o banheiro é (...) muito sujo, ter uma sala de filme maior pra caber mais gente, ter porta na sala porque só tem grade, parece que a gente tá no presídio e ter uma diretora que prometa e cumpra a palavra.

Um ambiente desestruturado é pouco estimulante e atrativo. Então, prédio em decadência, cadeiras quebradas, espaços com grades por todos os lados e muros muito altos denotam que esse espaço mais parece que remonta à privação e à tortura do que a um lugar que prima pela educação, o prazer e o lazer, a satisfação de ser feliz no ambiente em que se estuda: “O que nós alunos podemos fazer é zelar pelas nossas cadeiras, quadros, livros, paredes, pelo que nela está, vim sempre com fardamentos (...)”.

A fala acima sugere o que está ao alcance dos alunos como implicação com o ambiente escolar. Os alunos querem educação de qualidade, e o que eles mais pontuam de forma predominantemente negativa são as más condições físico-estruturais da escola. A desvalia não é em relação à escola em si, mas por conta das condições deficitárias e pouco adequadas para se desenvolver a educação e do meio pouco estimulante e atrativo.

3.3. Eixo 3 – Qualidade do ensino e profissionalismo dos professores

Os alunos, nas cartas sobre a escola real, fazem alusões à má qualidade do ensino, ao descompromisso dos professores e à falta de aulas de algumas disciplinas em certos horários, que faz com que eles voltem para casa mais cedo, ao invés de estarem na sala de aula. Aulas vagas e ensino fraco não os motiva nem os engaja no processo de aprendizagem. Reivindicam ensino de qualidade para poderem competir em base real de igualdade com os alunos da rede particular, por estudos posteriores e ascensão financeira e profissional, “Pois essa [escola] aqui não dá nenhuma oportunidade para melhorar nossos conhecimentos... Eu quero ser conhecida profissionalmente e fazer faculdade pública e melhorar de vida...”.

Os jovens enfocam a questão da qualidade de ensino em relação ao conteúdo – que não se baste somente à aula, que englobe outros aportes e recursos didáticos que despertem seu interesse e que haja relação com seu cotidiano. Os alunos “sonham” com uma escola de referência, com o ensino bom, de qualidade, e que ofereça, além das disciplinas comumente dadas, outras que façam da escola um espaço mais significativo e atraente. Nesses termos, os jovens apelam para uma escola de tempo integral, no sentido mais amplo do termo: “Ela possui aulas que já existem, como Português e Matemática e etc. Mas possui muitas outras coisas para aprender como aulas de dança, aula de canto, ensino religioso puxado...”.

Na escola ideal, eles requerem ensino de qualidade, que prime pela excelência, e cujos professores sejam dedicados e exempláveis: “Com professores mais qualificados e preocupados com a situação do aluno”.

Ainda, mais uma vez, destacam a necessidade de um ensino mais afeito, com aplicação prática, com usos no cotidiano: “Ela é uma escola em que todas as disciplinas têm laboratórios, pois não há coisa tão chata quanto ficar somente na teoria. Iríamos ter aulas práticas”.

Percebemos nas cartas da escola possível que os jovens querem aulas de qualidade, que não fiquem só na teoria, mas que sejam associadas a suas vivências e tenham ligação com a prática. Durante as observações, notamos que as aulas de História, Geografia, Biologia e Inglês eram convencionais, desmotivantes e não promoviam a criatividade nem o desenvolvimento da autonomia. Para quebrar com o ciclo vicioso de um ensino excessivamente conteudista é preciso, explorar outras potencialidades em que podem se desenvolver as aptidões e habilidades humanas, para além do aspecto cognitivo e do puramente racionalista. É possível aproveitar esse potencial dos jovens, e fazer ligações com suas culturas, como o Hip Hop, o Maracatu, o Brega, a capoeira, assim, abre-se a possibilidade de mobilizar o jovem e engajá-lo no processo educativo (Giroy, 2001).

3.4. Eixo 4 – Interações sociais

Um dos mais importantes aspectos levantados nas cartas da escola real é em relação à importância atribuída às interações sociais no âmbito da instituição. Para os alunos, a escola é um ambiente valorado, tendo em vista a ampliação de seu repertório de sociabilidades, em que os vínculos socioafetivos com seus pares e demais membros da escola encontram espaço para ser desenvolvidos. Apesar de todas as dificuldades acima descritas, os jovens consideram que existe clima favorável, espaço e atividades que estimulam as relações interpessoais. (...)

    A escola sempre me deu apoio e meus professores também e vou sentir muita falta dos meus amigos, da diretora e de todos que eu conheci nesses 9 anos; A escola é boa, eu faço amizade, os professores são ótimos, e a diretora também...; Eu não saí ainda porque gosto dos meus professores e também dos meus amigos (...) Sendo que esta escola e os alunos têm que ajudar para essa escola ser melhor um dia.

Na escola ideal, os alunos ressaltam a importância das interações para a construção de um trabalho efetivo, para a realização dos fazeres pedagógicos e da gestão escolar, sob uma ótica democrática, assim como uma boa relação com todos os segmentos envolvidos, de modo a formar uma rede de interações sociais numa visão sistêmica, em que haja a ligação da escola e de toda sua comunidade, interações no sentido da melhoria, da mudança, da colaboração e do espírito de coletividade: “A escola onde eu estudo é diferente, um lugar que pode ser até chamado de casa, é como uma família, todos nós somos unidos e amigos”.

A importância das interações sociais foi bem destacada nas cartas da escola possível, na qual as mudanças a ser operadas precisam envolver os amigos. Sabemos da importância do grupo de amigos para os jovens, o espírito gregário, o valor das turmas com suas particularidades, seus próprios códigos e rituais. Eles interagem, criam redes, teias de socialização e buscam firmar identidade e demarcar território (Menezes, Arcoverde & Libardi, 2008). Dessa forma, é inteligível que desejem estabelecer relações, principalmente com seus semelhantes, ou seja, para simples descontração, conversas casuais, para reflexão ou para reivindicar direitos: “Para melhorar minha escola, primeiramente, não iria conseguir um resultado tão bom, teria de ter ajuda dos meus amigos, pois se nós batalharmos juntos conseguiremos”.

A ideia de interações aqui trabalhada é segundo a concepção vygotskiana, ou seja, aquela em que a produção do conhecimento depende do outro, do grupo, da coletividade, Martins (1997) ressalta que a escola disciplinada, onde todos devem ouvir uma só pessoa, o professor exigindo silêncio absoluto e sem sentido, transmitindo informações que são reservadas em caderno, mortifica um processo mais rico de produção de conhecimento, que seria um processo interativo.

Sem dúvida, isso fica aquém de o que de fato ocorre na escola. Os alunos são, na maioria das vezes, violados em sua autonomia e em seu direito de usar a fala para alcançar suas metas e planos. Mesmo assim, conseguem entre pares forjar momentos de sociabilidade e convivência, como nos intervalos entre aulas e no recreio, daí gostarem tanto do espaço dos corredores, que acaba sendo o espaço de liberdade.

3.5. Eixo 5 – Escola e projeto de Vida

Em relação ao projeto de vida dos jovens estudantes, os anseios por uma escola apta e capaz aparecem preponderantemente na escrita da escola dos sonhos. Na escola real, não aparecem menções nessa vertente.

    Eu sonho com a vida estabilizada onde eu ganhe meu dinheiro com o suor do meu rosto e satisfação do meu trabalho... E para que tudo isso aconteça tenho que começar agora! Aqui na minha escola... Isso acontecendo agora futuramente eu poderei realizar alguns dos meus sonhos, que é ser enfermeira, ser professora de Biologia e escrever um livro; Cursos profissionalizantes para os alunos se formarem para o mercado de trabalho; (...) sabendo que a escola tem um papel fundamental na nossa formação acadêmica e em nosso crescimento intelectual, sem contar que precisamos dela para ter um bom emprego.

A maioria dos jovens tem um projeto de vida, que também é destacado nas cartas da escola possível, trata-se de um parâmetro que norteia sua existência e seu modo de ser, um referencial para o futuro, e inerentemente a isso a escola, apesar de todas as dificuldades que os jovens vivenciam nesse contexto, é vista como um dos instrumentos que podem tornar realidade esse projeto. Conforme destaca Dayrell (1996), a escola é essa esfera política, social e econômica validada pelo jovem como meio termo entre a vida adulta e a juventude vivenciada. No ínterim, constroem seus projetos, dando fôlego e impulso a suas expectativas de uma vida melhor, em que seus planos e anseios possam ser assegurados.

É muito significativo o fato de o projeto de vida não aparecer nas cartas da escola real. Isso pode ser entendido como uma denúncia de que a escola, como se apresenta atualmente, não consegue sustentar um sonho, um projeto para os jovens. Eles trazem entendimento de que, para as coisas mudarem, precisam eles mesmos fazer o melhor que podem, mas também é preciso acionar outros atores sociais: “Essa escola vai ser uma escola possível, porque eu vou fazer o melhor, não só eu, mas o governo, diretores, professores e alunos”.

Sobre esse mesmo tema da mudança, surge uma fala contrária, em que se destaca a desmotivação ou sentimento de impotência e incapacidade para contribuir, colaborar com a melhoria das condições: “Para melhorar a escola, eu não posso fazer nada”.

O jovem sente-se inerte e desmobilizado. Nesse sentido, fala Freire (1987) sobre a força da interiorização da opinião dos opressores pelos oprimidos, ou seja, os jovens já estão de tal forma acostumados a ouvir que são incapazes e inoperantes, que terminam por incorporar isso como verdade e passam a acreditar que são incapazes, que efetivamente não podem fazer nada para mudar sua realidade. No geral os alunos têm ciência de seus problemas e das necessidades suas e da escola, porém, não sabem como mudar tal realidade, e sentem que não dispõem dos instrumentos para tal, sentem que esse feito, esse empreendimento, não só depende da força de vontade e do desejo deles, pois mais do que isso é necessário que o poder constituinte e constituído, relacionado à escola e a educação, assuma a causa, disponha-se a ouvir seus clamores, suas vozes, que faça com que seus requerimentos sejam acolhidos, cumpra seu dever, e não se omita da responsabilidade para com o ato educativo em seu sentido mais amplo.

 

4. Considerações finais

Os jovens, apesar de apontar as deficiências e fragilidades presentes na escola, não parecem desvalorizá-la, apenas querem um ambiente mais bem estruturado, em condições de uso, com mais espaço, qualidade de ensino, com recursos pedagógicos, financeiros e técnicos, para garantir o bom funcionamento da instituição. Ao destacar essas questões, não estão denegrindo a imagem da escola ou o ambiente em que passam boa parte de seu tempo, mas trazendo à tona o que os inquieta e o que gostariam de que melhorasse, no sentido do atendimento de suas necessidades e seus interesses.

Os jovens revelam vivências ambivalentes na instituição escolar, pois, ao tempo em que valorizam as experiências prazerosas e o engajamento em atividades que lhes são significativas, também demarcam o desprazer e o descontentamento, por conta das dificuldades que lá vivenciam. Efetivamente, desejam uma escola melhorada, com a qual possam se identificar e na qual sejam reconhecidos. Apesar de tudo, consideram a escola um suporte para enfrentar os embates e obstáculos da vida e do mundo do trabalho, e nela depositam confiança, expectativas, sonhos e esperanças, com relação à execução de seus projetos de vida.

Eles estão na escola todos os dias, às vezes otimistas, outras vezes nem tanto, mesmo numa situação pouco estimulante, em condições precárias, que denotam descaso para com as juventudes. Ainda assim, eles arranjam formas de ressignificar e valorizar esse território de aprendizagens. Os jovens marcam em seus relatos a ineficiência da instituição para promover aproximação entre a cultura jovem e a da escola, para construir mecanismos eficazes para essa interlocução.

O veículo institucional mobilizador das culturais juvenis na instituição escolar é a rádio, porém, ela é parcamente aproveitada. Não notamos na escola manifestação cultural (movimentos culturais) de origem alguma, nem nas comunidades no entorno. A instituição oferta o programa Escola Aberta, mas ele não é suficiente para estreitar e fortalecer os laços da escola com a comunidade, em geral, e com os jovens estudantes, em particular. Os alunos sequer citam o programa Escola Aberta em suas cartas, por que será? A ausência de iniciativas que colaborem para constituir uma cultura política nos moldes almejados por uma sociedade democrática se destaca como lacuna significativa no processo de formação da nossa juventude, e repercute na execução de seus projetos de vida.

É interessante criar e oportunizar maneiras para inserção do jovem estudante na cultura escolar, como meio de transformação e mobilização social. No resgate da autoestima e da própria identidade, os movimentos culturais são mecanismos que buscam aperfeiçoar e aprofundar a paz, a tolerância, a harmonia, o conhecimento e vínculo de família e de grupo. Também são ótimos meios de ampliar o círculo de amizades e de lidar com conflitos, por vezes, transformam o que seria motivo para confusão e violência em elementos a ser trabalhados e canalizados para produção artística. São maneiras também de ligar as vivências da sala de aula, o saber fazer, o saber ser e o saber saber, a partir das produções e conhecimentos do jovem estudante, de relacionar o conhecimento de cunho próprio e o popular com o conhecimento científico da escola, a fim de estabelecer pontes, e assim contribuir para o enriquecimento do processo de ensino-aprendizagem. Nesses termos consideramos que a juventude pobre conseguiria vincular-se por mais tempo com a escola pública elaborando roteiros alternativos à profecia auto realizadora do fracasso e evasão escolar.

 


 

Notas:

* Artigo de reflexão produto de pesquisa de Conclusão de Curso de Graduação em Pedagogia das duas primeiras autoras sob orientação da terceira autora. Pesquisa realizada no período de agosto de 2010 a junho de 2011.

1 Escritora e jornalista, nascida na Ucrânia (em 1920) e naturalizada brasileira. Faleceu em 1977 deixando uma vasta e reconhecida obra, tanto nacional quanto internacionalmente.

2 A Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac), integrante da Administração Indireta do Poder Executivo Estadual, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, tem por finalidade promover, no âmbito estadual, a política de atendimento à criança e ao adolescente abandonados na forma da lei, bem como aos envolvidos e aos autores de ato infracional, visando a sua proteção integral e à garantia de seus direitos fundamentais, mediante ações articuladas com outras instituições públicas e a sociedade civil organizada, nos termos de o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Pernambuco, 2007).

 


 

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Referencia para citar este artículo: Dos Santos, R. M., Nascimento, M. A. & Menezes, J. de A. (2012). Os sentidos da escola pública para jovens pobres da cidade do recife. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud. 10 (1), pp. 289-300.