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Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud

versão impressa ISSN 1692-715X

Rev.latinoam.cienc.soc.niñez juv vol.11 no.2 Manizales jul./dez. 2013

 

Segunda Sección: Estudios e Investigaciones

Adolescentes em privação de liberdade: as práticas de lazer e seus processos educativos*

Adolescents deprived of liberty: the practices of leisure and its educational process

Adolescentes en la pérdida de libertad: las prácticas de ocio y sus procesos educativos

Willian Lazaretti da-Conceição1, Elenice Maria Cammarosano-Onofre2.

1 Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Campinas / Unicamp-Brasil, São Paulo, Brasil. Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Coordenador Pedagógico na Fundação Casa. Endereço eletrônico: will_lazaretti@hotmail.com

2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, Brasil. Doutora em Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de São Carlos. Endereço eletrônico: linocam@uol.com.br

Artículo recibido en septiembre 12 de 2012; artículo aceptado en enero 28 de 2013 (Eds.)


Resumo (analítico sintético):

O presente artigo busca contribuir com as discussões existentes em relação ao lazer de adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação na Fundação Casa, em São Paulo/Brasil. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa e os dados foram coletados utilizando análise documental, observação participante e entrevistas semiestruturadas com cinco jovens. Identificaram-se três focos de análise: concepção de lazer; atividades de lazer; processos educativos. Para tal, tomou-se o foco atividades de lazer, sendo analisado antes da privação, durante a internação e durante o cumprimento de sanção disciplinar. O estudo evidencia a relevância da prática social do lazer como possibilidade objetiva de (re)inserção do jovem à vida cotidiana, uma vez que se reveste de processos educativos que contribuem com a inclusão social.

Palavras-chave (DeCS-Descritores em Ciências da Saúde): lazer, processos educativos, adolescentes em privação de liberdade, Fundação Casa.


Abstract (synthetic analytical):

This article seeks to contribute to existing discussions regarding the leisure of adolescents who are deprived of their liberty in the CASA Foundation in Sao Paulo/Brazil. This is a qualitative study and data was collected using document analysis, participant observation and semi-structured interviews with five young people. We identified three areas of analysis: design of leisure, leisure activities, and educational processes. To this end, educational processes became the focus of leisure activities, being analyzed before deprivation, during detention and during the implementation of disciplinary action. The study highlights the importance of the social practice of leisure as objective possibility of (re-) integration by youth into everyday life, since educational processes contribute to social inclusion.

Key words (DeCS-Descritores em Ciências da Saúde): leisure, educational processes, adolescents in deprivation of liberty, Fundação Casa.


Resumen (analítico sintético):

Este artículo pretende contribuir a los debates existentes sobre el ocio de los adolescentes que cumplen medida socioeducativa en internación en la Fundación Casa en Sao Paulo, Brasil. Se trata de un estudio cualitativo y los datos fueron recolectados a través de análisis documental, observación participante y entrevistas semi-estructuradas con cinco jóvenes. Se identificaron tres áreas de análisis: diseño de ocio, actividades de ocio, los procesos educativos. Para ello, se tomaron como foco las actividades de ocio, antes de la privación, durante la internación y durante la ejecución de la acción disciplinaria. El estudio pone de relieve la importancia de la práctica social del ocio como posibilidad objetiva de (re) integración de los jóvenes en la vida cotidiana, ya que apoya los procesos educativos que contribuyen a la inclusión social.

Palabras-clave (DeCS-Descritores em Ciências da Saúde): ocio y tiempo libre, procesos educativos, adolescentes en privación de la libertad, Fundação Casa.


1. Introdução

As práticas sociais relacionadas à garantia de direitos a crianças e adolescentes devem ser respeitadas em suas diversidades culturais e de acordo com o contexto social onde vivem, garantindo a liberdade da criação e o acesso a fontes de cultura.

O acesso a espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas ao público infanto-juvenil é um desses direitos assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 58 e 59 (Brasil, 2008) e os adolescentes em situação de privação de liberdade não devem ser excluídos ou sofrer prejuízo no atendimento dessas práticas.

Neste sentido, o presente artigo tem a intenção de apresentar as atividades de lazer oferecidas em um espaço educativo específico - um Centro de Internação da Fundação Casa - Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, que apresenta em seu regimento interno a assistência educacional, cultural, esportiva e ao lazer como assistências básicas ao adolescente, com vistas à inclusão em atividades físicas, aliadas ao conhecimento do corpo e à socialização.

Por considerar a importância dessas atividades na educação dos jovens, o Regimento Interno publicado na Portaria Normativa 217/2011 (São Paulo, 2011) assinala que ficam proibidas a incomunicabilidade e a suspensão de visita, ou qualquer sanção que prejudique as atividades obrigatórias voltadas para a educação escolar e profissional, atividades de arte e cultura, atividades esportivas ministradas no ensino formal e com as medidas de atenção à saúde.

A partir dos apontamentos expostos, este estudo foi norteado pela seguinte questão de pesquisa: como as atividades de lazer dentro do contexto da privação de liberdade de um Centro de Internação podem contribuir com a educação dos adolescentes? Para atender à questão formulada, o objetivo geral da investigação consistiu em compreender os processos educativos decorrentes do lazer para a educação de adolescentes em situação de privação de liberdade.

2. O lazer e a animação sociocultural

A trajetória histórica do lazer apresenta polêmicas quanto ao seu surgimento, concepções e compreensão do tema entre teóricos da área como apresenta Gomes (2003). Segundo a autora, é difícil definir com precisão o momento histórico em que o lazer se configura na sociedade ocidental e ressalta que teóricos como Dumazedier (1979), Marcellino (1983), Melo e Alves Junior (2003), relacionam o surgimento do lazer às transformações decorrentes do processo da Revolução Industrial.

O sociólogo Dumazedier (1973) resume sua compreensão sobre o lazer da seguinte forma:

    [...] um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou, ainda, para desenvolver sua informação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçarse das obrigações profissionais, familiares e sociais (p. 34).

Para o autor, as atividades que podem ser consideradas como lazer são aquelas realizadas nos momentos em que se pode estar livre das obrigações relacionadas a trabalho, família, religião e compromissos sociais de um modo geral e envolvem três fatores peculiares: a) descanso, b) divertimento, recreação e entretenimento; c) desenvolvimento como uma possibilidade de transcendência que direciona para uma formação crítica, na qual a reivindicação social e o resgate da cidadania possam ocorrer por meio da participação cultural.

Segundo Dumazedier (1973, p.32), o descanso tem como objetivo libertar o indivíduo da fadiga. Neste sentido, o lazer pode ser compreendido como reparador do cansaço físico provocado por tensões típicas das obrigações cotidianas, particularmente as do trabalho enquanto o divertimento, a recreação e o entretenimento estão diretamente ligados à busca de atividades compensatórias que provoquem prazer e satisfação.

O autor "esboçou uma leitura das alienações do homem contemporâneo, que levam a um sentimento de privação e a necessidade de ruptura com o universo cotidiano" (Dumazedier, 1973, p. 33). Assinala que esta ruptura pode exteriorizar-se de diversas maneiras, como por exemplo, por infrações às regras jurídicas e morais, sendo considerada uma patologia social.

Dentro de outras circunstâncias, ela poderá ser um fator de equilíbrio, um meio de suportar as disciplinas e as coerções necessárias à vida social. Daí a busca de uma vida de complementação, de compensação de fuga por meio de divertimento e evasão para um mundo diferente, e mesmo diverso, do enfrentado todos os dias (Dumazedier, 1973, p. 33).

Pode-se encontrar, em Marcellino (2006), considerações relevantes sobre as condutas consideradas patológicas, quando afirma que algumas atividades realizadas no tempo disponível não são desejadas socialmente, e, nessa perspectiva, vão de encontro aos valores estabelecidos, colocando em risco a qualidade de vida do praticante e de outros membros da comunidade, caracterizando-se, portanto, como uma conduta patológica.

3. Duplo processo educativo

O fato de aprender por meio de vivências que geram prazer o processo educativo se torna mais significativo e é possível considerar que muitas atividades de lazer culminam em um aprendizado interdisciplinar.

Na educação pelo lazer faz-se necessário estar atento para transcender um possível caráter funcionalista e considerá-lo como uma possibilidade de educar para a conscientização das responsabilidades. Nessa perspectiva, o papel educativo do animador cultural1* não está restrito à liderança das práticas de lazer, mas em poder mostrar as infinitas possibilidades de participação social e de autorrealização através do lazer (Camargo, 1999).

Outro aspecto pode ser identificado quando se pensa em educação pelo lazer: há a necessidade de explicitar o significado, incentivar a participação e propiciar espaços de cooperação.

Nesse sentido, Marcellino (2010) defende que a prática positiva das atividades de lazer implica na necessidade de aprendizado e estímulo de modo a possibilitar a evolução de níveis simples para os mais complexos, com enriquecimento crítico, tanto na prática quanto na observação.

Nesta prática social, é possível, no decorrer da experiência, aprender a educação para o lazer, que deve servir como um instrumento de defesa contra a homogeneização e internacionalização dos conteúdos veiculados pelos meios da comunicação de massa (Marcellino, 2006).

A ação conscientizadora da prática educativa, inculcando a idéia e fornecendo meios para que as pessoas vivenciem um lazer criativo e gratificante, torna possível o desenvolvimento de atividades até com um mínimo de recursos, ou contribui para que os recursos necessários sejam reivindicados, pelos grupos interessados, junto ao poder público (Marcellino, 2006, p. 51).

Na perspectiva de Lombardi (2005), as vivências dos conteúdos culturais do lazer podem contribuir para a formação do homem integral, crítico e criativo, capaz de participar culturalmente, vivenciando e gerando valores questionadores da ordem social vigente e que prepara mudanças na sociedade como um todo.

As vivências podem ser realizadas mesmo diante da falta de equipamentos específicos, mas, com a superação do conformismo e o desenvolvimento do senso crítico, é possível que as pessoas em um movimento de resistência, venham a reivindicar melhores e mais diversificados espaços dos quais possam usufruir.

Para se alcançar os objetivos propostos por Lombardi (2005), a educação pelo e para o lazer deve necessariamente contar com um animador sociocultural. No entender da autora não basta pensar que as pessoas em um movimento de resistência reivindiquem, pois estas necessitam de educação para o lazer que sinalize as demandas desta área para que tenham consciência de que a resistência pode, em alguns casos, gerar resultados positivos.

Além disso, nesse movimento de educação, o animador sociocultural deve apresentar as possibilidades de lazer existentes, não se restringindo apenas à utilização de equipamentos, que por vezes, encontra-se apenas na esfera privada. Nesse sentido, o agente cultural será orientador dos cidadãos, para que, além de reivindicarem a manutenção da qualidade, tenham também uma participação ativa no controle do uso dos equipamentos públicos.

Para Almeida (2003a, 2005), não é possível considerar apenas a relação trabalho versus lazer. Segundo o autor, é possível apontar teorias que emergem discutindo o prazer, considerando o corpo como um meio de transformação junto à expressão individual, como tendências que devem ser valorizadas no lazer contemporâneo, transcendendo a esfera econômica e de produção para a elucidação do mundo. Sendo assim, o trabalho deixa de ser ponto de partida para a compreensão do que seria lazer uma vez que a prática estaria vinculada ao prazer.

Tendo em vista que o trabalho não é ponto de partida para definir o que seria lazer buscase a compreensão de Almeida (2003b) para elucidar o lazer no sistema penitenciário que é próximo ao dos adolescentes que se encontram em privação de liberdade.

Almeida (2003a, 2003b) apóia-se em Habermas (1987) para apresentar a superação da compreensão de que o trabalho é o único viés para se pensar o lazer. Inicia explicitando que a emancipação é alcançada mediante a formação de consensos e pautada no diálogo intersubjetivo no qual os envolvidos buscam se entender, e essa ação comunicativa está no interior das relações, na gama de saber acumulado no mundo da vida.

A esfera econômica não mais serve como única maneira de esclarecimento do social, ela representa uma face da sociedade, e neste sentido, novas teorias aparecem com o objetivo de separar trabalho e obrigações, colocando diferentes instituições sociais para a explicação do contemporâneo, juntamente com as inúmeras possibilidades que os indivíduos possuem para a elas se integrar (Almeida, 2003a, 2005).

O lazer encontra-se no mundo da vida, no qual o território de troca simbólica e aprendizado se referem tanto às relações pessoais, interpessoais como na construção da própria sociedade através da fala (linguagem), e segundo Gutierrez, (2001a) o lazer é formado e construído.

Desse modo, o trabalho ou o não trabalho, não é entendido com um aspecto limitante do lazer, tendo em vista que o lazer é definido pelo mundo da vida e não pelo sistema econômico. De tal modo, o lazer, o lúdico e o prazer são encarados como características sociais não podendo estar restritos pelo tempo de trabalho. Para Almeida (2005),

    [...] o prazer é característico de qualquer tempo e lugar, encontrando-se no mundo da vida e no sistema, deste modo o lazer é determinado historicamente e possui característica material imutável que é a busca do prazer como elemento fundamental e distintivo (p. 3).

De acordo com esta perspectiva, o lazer caminha juntamente com a evolução social, a transformação do mundo da vida e a inovação do sistema. Sendo assim, o lazer de consumo encontra-se no sistema, enquanto outras formas de lazer ligadas à cultura popular encontram-se no mundo da vida (Almeida, 2003b).

Nessa perspectiva de compreensão do lazer, Gutierrez (2001b) discute o lazer a partir da busca individual do prazer, sendo o elemento fundamental e distintivo, o prazer como um elemento intrínseco do homem e inserido na construção histórica. Para o autor, é possível o lazer no sistema de privação, porque a busca do prazer é própria de qualquer tempo e lugar, tendo como base a formação cognitiva humana e por isso é determinado historicamente. Desse modo as práticas de lazer dos internos não são restringidas pelo sistema, não possuem somente uma formação imposta pelo governo, e assim como identificado por Almeida (2003b, p. 17), "... as práticas superam as imposições institucionais e são desenvolvidas por um conjunto de ritos e símbolos próprios da reclusão".

Para analisar o lazer dos privados de liberdade, Almeida (2003b) utilizou teorias que valorizam diferentes esferas: as normativas, as sociais, as simbólicas, juntamente com a possibilidade de projeção do agente social. Desse modo, as dificuldades no campo metodológico existentes nas teorias ligadas ao trabalho e obrigações deixam de existir, visto que os indivíduos que estão em privação e não trabalham também possuem lazer.

O autor sinaliza que as atividades que ocorrem no pátio e mesmo em um espaço e tempo limitado, as organizações de festas e comemorações internas, os campeonatos de diferentes modalidades esportivas e coletivas, evidenciam tal espaço de reclusão.

Neste sentido, Almeida (2005) entende "que o sujeito inserido no sistema prisional não perde seu caráter histórico, humano e transformador e o lazer no presídio é fator de formação social como em qualquer meio social organizado (p. 6)".

Isto significa que mesmo quando a pessoa encontra-se em privação de liberdade, não deixa de ser humano, possui sua dimensão social e faz uso dela. Como sinaliza Almeida (2005),

    O preso é histórico, transformador e comunicativo, buscando auferir prazer como qualquer outro, por isso existe o lazer no presídio e o lazer na reclusão determina a situação do preso e grupo que o sujeito representa, fazendo, desta maneira, parte da cultura prisional (p. 6).

Não se pode desconsiderar que existe um código interno dos que estão privados de liberdade, que assim como no sistema penitenciário, seguem um diverso arsenal cultural que é desenvolvido entre os cativos devido a sua situação. Assim também acontece com os adolescentes e tem o mesmo objetivo, pois serve de ferramenta para o entendimento, a segregação, a construção e/ou proteção das relações entre internos e a instituição (Almeida, 2003b).

No decorrer das observações realizadas no cotidiano dos adolescentes em privação de liberdade é possível identificar que os adolescentes possuem uma linguagem peculiar de sinais. Os sinais são ensinados de uns para os outros quando chegam à internação, como uma forma de comunicação que dificulta a compreensão por parte dos funcionários. Outro aspecto relevante é que alguns apostam quantidades de drogas e dinheiro como beneficio da vitória nos mais diversos jogos, prática esta que é supervisionada pela equipe multiprofissional da instituição.

    Desse modo, o lazer do preso é prisionizado e as características discutidas do prazer, do lúdico e do individuo, deverão ser intermediadas com o intuito de decodificar os códigos presentes no espaço de reclusão. Aproximando o lazer encarcerado ao lazer do encarcerado. Isto é, todas as atividades desenvolvidas passam por um filtro simbólico dos detentos que necessariamente reproduzem a sua linguagem, os seus ritos e as formas de poder e submissão, tanto entre os detentos e instituição como entre eles (Almeida, 2005, p. 8).

As atividades como dominó, futebol, atividades físicas, jogos ilícitos, jogos de mesa, assistir televisão (canais não autorizados) são lazeres e tem um grande papel na cultura dos internos.

Almeida (2003b) identificou que a atividade de lazer serve como controle da massa encarcerada por parte dos profissionais, porque as primeiras sanções coletivas atuam diretamente nas atividades de lazer. Como herança cultural ou como falta de reflexão sobre o tema, a Fundação Casa adota o mesmo procedimento quando do cometimento de falta disciplinar. A primeira atividade a ser suspensa são as atividades de recreação e lazer e educação física, na verdade como punição, tendo em vista que muitos adolescentes tem prazer ao realizar tais atividades.

Portanto, considerar a inexistência do lazer na privação é concordar que o adolescente está fora das relações sociais, intersubjetivas devido à situação de privação, e neste sentido, estando afastado da vida social.

Sendo assim, deve-se compreender que o adolescente vem da sociedade "livre", com suas regras de convivência incorporadas e o lazer faz parte do seu cotidiano. Afirmar que não existe o lazer na privação de liberdade é dizer que o interno, ao entrar no Centro de Internação, retira toda a sua vivência no mundo social e incorpora as novas regras intramuros, o que de fato não condiz com a realidade, até mesmo porque um dos objetivos é que as regras sociais sejam revistas e os adolescentes constantemente orientados.

4. Percurso metodológico

Para Minayo (2004, p. 22), o termo metodologia inclui "[...] as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade e também o potencial criativo do pesquisador". Para a autora, a metodologia pressupõe a ação criativa do pesquisador e não apenas a junção e utilização de técnicas.

Optou-se pela perspectiva de investigação qualitativa e descritiva, a partir dos estudos de Lüdke e André (1986), tendo em vista que o caráter qualitativo da pesquisa implica contato direto do pesquisador com o ambiente e a situação em estudo. Além disso, nesse tipo de investigação os dados coletados são predominantemente descritivos, o interesse fixa-se no processo e na perspectiva dos participantes, e a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo, no qual o conhecimento é fundamentado especialmente na experiência.

    De acordo com Minayo (2004), [...] as ciências sociais trabalham com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (pp. 21- 22).

Nessa perspectiva, a interpretação dos dados coletados transcende a uma tabulação que quantifica as informações, de modo que são considerados os motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes dos colaboradores, e as observações realizadas, valorizam as palavras, as imagens e os processos que se dão no decorrer do processo investigativo. É necessário buscar compreender a visão dos participantes sobre o fenômeno em estudo de forma a considerar as experiências e aprendizados do ponto de vista deles.

O estudo de caso focaliza, portanto, um fenômeno particular, realizando uma densa e completa descrição da situação investigada. Ele evidencia a complexidade do objeto de investigação, retratando suas inúmeras dimensões. Como afirma André (2005, p. 18), "espera-se que relações e variáveis desconhecidas emerjam dos estudos de caso, levando a repensar o fenômeno investigado".

Sendo assim, o estudo de caso do tipo etnográfico constitui o conhecimento do singular, de uma unidade em profundidade, levando também em conta os princípios e métodos da etnografia. Os requisitos advindos da etnografia referem-se à relativização e estranhamento da realidade, bem como a observação participante, buscando um distanciamento da realidade investigada para apreender a forma de pensar, hábitos, valores, normas das pessoas envolvidas (André, 2005).

Nesse sentido, optou-se pelo estudo de caso do tipo etnográfico, havendo uma preocupação em estudar em profundidade uma unidade particular, levando em conta o contexto e a complexidade, ou seja, o foco de estudo incide no significado que um grupo específico (os jovens em conflito com a lei que estão cumprindo a medida de Internação) atribui à prática social do lazer. A sua singularidade reside no fato de se tratar de uma população com algumas especificidades, no tocante ao seu modo de vida, às práticas sociais as quais vivenciam e as implicações do sistema de privação de liberdade.

A investigação foi desenvolvida junto a adolescentes que cumprem medida de internação em um Centro de Atendimento Socioeducativo que atende até sessenta e quatro adolescentes do sexo masculino, localizado no Vale do Paraíba, região metropolitana do estado de São Paulo.

Os adolescentes possuem idade entre 16 e 20 anos, a escolarização predominante do nível II (ensino fundamental de 6º a 9º ano) e o tipo de delito predominante é o roubo. Conforme se identificou ao realizar a leitura do Plano Político Pedagógico do Centro, e após dialogar com a equipe multiprofissional, ficou evidenciado que a maioria dos adolescentes não denota estruturação delitiva, porém o que favorece o seu envolvimento é a falta de oportunidade no mercado de trabalho, ressaltando-se que, para se conseguir uma colocação, é necessária uma formação qualificada, fator que coloca os jovens em condições desfavoráveis.

Após efetuar os procedimentos para a autorização da pesquisa, realizou-se um diálogo individual com cinco adolescentes convidados a participarem do primeiro momento. A escolha dos colaboradores levou em conta o tempo de internação na instituição e o fato de já terem cumprido alguma sanção por falta disciplinar, pois assim, seria possível ouvir sobre as vivências que tiveram em decorrência do cumprimento da conduta inadequada, ou seja, a restrição de atividades recreativas e de lazer, e a consequente restrição de participação em algumas práticas sociais.

Vale ressaltar que o estudo de caso do tipo etnográfico apresentou-se apropriado aos objetivos do estudo, pois as informações advindas dos colaboradores da pesquisa não foram julgadas pela sua veracidade ou falsidade, mas considerando a credibilidade junto ao grupo pesquisado, uma vez que a investigação buscou a compreensão do significado do lazer relacionado às práticas sociais dos adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa de internação.

5. Resultados

Os dados coletados através da entrevista foram analisados utilizando-se a técnica de análise de conteúdo. Esta forma de análise das informações obtidas utiliza procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens. O objetivo da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos presentes na comunicação do interlocutor.

Segundo Franco (2007), toda mensagem, falada ou escrita, contém uma grande quantidade de informações sobre a pessoa que a produziu, podendo evidenciar crenças, representações e significados atribuídos pelo sujeito a um determinado fato ou situação. O autor da mensagem é, antes de tudo, um selecionador do que ele fala e/ou produz, e essa relação não é arbitrária. Ao contrário, possui uma lógica que exprime o modo como o interlocutor significa alguns fenômenos.

Após a realização das entrevistas e suas transcrições, os dados foram organizados, lidos e relidos, a fim de que primeiras impressões, conhecimentos e comentários pudessem emergir. No decorrer deste processo, trechos e frases significativas dos adolescentes, diante dos objetivos do estudo, foram selecionados. Posteriormente, a partir das falas expressivas dos participantes, procedeu-se a uma busca pela delimitação dos temas aos quais elas se referiam, definindo-se os focos de análise.

Dessa agregação e classificação das falas dos jovens a partir de temas comuns foram agrupados três focos de análise: concepção de lazer; atividades de lazer; processos educativos, sendo que o foco atividades de lazer desdobra se em três perspectivas: as atividades de lazer antes da privação, durante o cumprimento da medida e também as realizadas, ou não, durante o cumprimento da sanção disciplinar.

As expressões mais recorrentes neste foco de análise foram práticas de esportes, jogos e brincadeiras, passeios que vivenciaram antes e durante a privação, tais como: futebol, ping pong (tênis de mesa), elementos da cultura hiphop (break, grafite, Dj e o Mc), passeios com amigos a bares, praças e shows que variam de rock a funk, considerando os estilos apreciados pelos adolescentes.

    Eu gosto exercícios, de jogar bola, essas coisas, dá pra distrair a mente né, coisas que são cortadas também que poderiam ajudar também igual que eu pedi também pro senhor o livro, e ajuda também a distrair a mente (Noel).

Dentre as falas dos colaboradores, apenas um mencionou o livro como uma atividade de lazer, variando então, para o interesse intelectual. Mas mesmo assim, o objetivo retoma ao distrair a mente, esquecer por alguns momentos a privação de liberdade.

Um dos aspectos que contribui efetivamente para o distanciamento entre adolescentes e o hábito de ler é a dificuldade decorrente do abandono escolar. Segundo Dias (2011), as experiências escolares dos jovens em conflito com a lei são marcadas por constantes mudanças de escolas, expulsões, conflitos com professores e colegas, discriminação, rotulação e violação dos direitos individuais. Esse fator contribui para a diversidade restrita dos interesses culturais do lazer desses adolescentes. Os interesses práticos vinculados ao esporte também foram apontados e quando questionados sobre as atividades de lazer antes e em privação, os adolescentes enfatizaram o conteúdo esportivo.

    Aqui dentro, futebol, basquete, e quando eu tava lá no mundão mesmo eu já fiz natação também, o esporte que eu mais gosto é futebol, é natação... Tem outras coisas também, que nem os cursos porque é um alívio é uma distração também, nesse de técnica de pintura que to fazendo, to gostando pra caramba, porque tava no mundão não queria saber dessas coisas, e agora aprendi diversas coisas, até no grafite também (Emanuel).

    Ler um livro, deixa eu ver, depende muito da hora, tem vez que futebol aqui mesmo tem ping pong (Noel).

    Ah o hih hop, é capoeira, e mais outros curso ai também, Pintura em madeira é colocação de piso... a educação física também... Ah tem vôlei, futsal, basquete e handebol....ping pong também (Flamengo).

Quando perguntado ao adolescente como ele identificava uma atividade de lazer a resposta foi:

    Porque você num vai tá, tipo no lazer você não vai ta com a mente voltada só pro negócio é a cadeia certo? Ai da pra diferenciar que é o seguinte, na pintura é lógico que é o lazer porque se tando parado pintando sua mente vai fugir daqui rápido, jogando bola também nós é o que você vai ta fazendo exercício, correndo se mexendo (Joãozinho).

Os interesses manuais e físicos estão presentes nos discursos apresentados. Vale ressalvar que a limitação no acesso aos interesses também está relacionada às limitações que a instituição tem quanto aos materiais disponibilizados para atividades.

Um dos adolescentes antes da internação praticava natação em um equipamento do município, mas em situação de privação perdeu esta possibilidade, uma vez que a Instituição não possui espaço para a prática da natação, enfatizando a incompletude institucional, ainda que a modalidade conste nas olimpíadas da Fundação Casa.

Outra prática diferenciada e impossível de realizar em privação de liberdade é a que Otávio vivenciava com sua família.

    Tudo, jogava uma bola, vídeo game, final de semana ia pro campo pescar, tudo isso era meu lazer (Otavio).

A pesca é uma prática que entra nas limitações da instituição, mas as demais apresentadas pelo adolescente já foram contempladas. No decorrer das observações foi possível identificar que estes jogavam games no período de férias escolares nos computadores disponibilizados para o curso de educação profissional de informática, assemelhando-se aos games que jogavam antes da privação.

    Ah! Não igual era antes né, mas algum momento tem o lazer sim, que é distrair jogando uma bola, conversando com o próximo, porque tem dia memo que pra ta com a mente boa é difícil memo, mas o lazer que eu queria mesmo era ta com a minha família (Otávio).

O adolescente aponta para a dificuldade que é cumprir medida de internação, sendo possível identificar que em alguns casos, a distância da família torna-se um agravante.

Ao analisar as vivências de lazer anterior à privação constatou-se que os adolescentes não tinham como prática a realização de atividades opostas às permitidas pelas regras sociais, tendo em vista as identificadas em seus discursos como a pesca, a natação, os bailes funk entre outros.

    Ah, geralmente eu saia pra algum barzinho, um som tipo, aqui eles falam baile eu ia pra outro role, então ia pra um show, barzinho, alguma praça (Noel).

Quando o adolescente diz "tipo, aqui eles falam baile", denota ter dificuldades em participar com os demais nas atividades, pelo menos no nível cultural, sendo este o adolescente que tem como opção de lazer a leitura de livros, mesmo quando em cumprimento de sanção disciplinar.

Os adolescentes entrevistados já haviam cumprido sanção disciplinar na Fundação Casa por terem cometido faltas disciplinares. Como sanção, ficaram privados das atividades de lazer, que na visão da instituição, é toda atividade realizada sem orientação profissional.

Quando em cumprimento de sanção disciplinar os adolescentes deveriam realizar atividades que remetessem a uma reflexão sobre a conduta indevida, mas nem sempre é o que acontecia, como se pode verificar nos discursos a seguir.

    Praticamente nada. A gente se distraia entre nós mesmo, tipo normal, entre nós, conversando (Noel).

A restrição na participação de atividades como punição decorrente da análise feita pela Comissão de Avaliação Disciplinar (CAD), de acordo com o Regimento Interno implicaria somente em atividades de lazer, e mesmo nos dormitórios, os adolescentes deveriam desenvolver atividades que visassem a reflexão sobre suas ações. Entretanto, esta prática não foi observada e quando questionados sobre o que faziam, responderam.

    Ah! Na primeira vez eu fiquei eu acho que nem pensei muito, porque se tivesse aprendido não tinha feito a segunda vez, mas deixa eu falar pro senhor também. Dessa última vez que fiquei de sanção que foi a dez dias, que vim a desrespeitar funcionário, até mesmo a técnica, também acho que fiquei pensando muito assim, se eu tivesse no lugar dela, se fosse a minha família que tivesse aqui trabalhando pra sustentar a minha família também, acho que fiquei arrasado. Também lá no quarto no barraco lá, dessa última agora que nóis fico por causa do tumulto na Casa que teve ai com os funcionários, ai eu parei pra pensar mais um pouco e to até mais bem agora porque eu penso cada vez que faz bagunça pode ficar mais tempo preso ai, ai eu penso agora em primeiro lugar em mim, mas depois não tem como eu penso na minha família também penso em tudo que eu já fiz (Emanuel).

    Ah eu memo vou falar pro senhor, tinha uns menino que ficava falando das histórias do mundão, mas eu durmo na cama de cima pro lado da rua,ai fiquei deitado refletindo no que eu fiz pra ta aqui ,fico refletindo mais na minha vida sabe o que q eu fiz de errado lá, o que me dói mais ainda é quando eu lembro como eu tava bem lá fora, e agora que sei o que fiz pra ta aqui é que não tem como, quando eu fico no barraco até conversei com minha técnica que eu choro mesmo pra desabafar (Emanuel).

Tendo em vista que no trecho do discurso de Emanuel, mais de um adolescente estava envolvido na falta disciplinar, eles permaneceram no mesmo dormitório e tinham o diálogo e a reflexão como passa tempo. Em parte pode-se dizer que Emanuel refletiu sobre a sua conduta quando menciona o colocar-se no lugar da técnica que fazia seu atendimento.

    Na primeira uns cinco dias, na segunda uns um mês e na terceira uns dois dia, na última uns dois meses (Flamengo).

    Na verdade trancado a maior parte do tempo né, só descia pro formal e depois subia de novo, porque teve um tumulto na unidade e acabou alguns lugares sendo danificado ai num deu pra nóis ficar lá e utilizar as salas (Flamengo).

    Algumas vezes levavam atividade pra nóis, uns caça palavra, algumas atividade pra nóis pintar, tem vez que bate a rebeldia né, mas às vezes era bom pra distrair a mente (Flamengo).

O adolescente Flamengo foi um dos que mais cumpriu sanção, considerando que tem múltiplas internações, ou seja, esteve mais de uma vez internado, e também cometera falta disciplinar nas passagens anteriores.

Quando menciona que descia para o "formal" refere-se às atividades escolares, por serem obrigatórias, e só não realizava as demais, pois o prédio estava sem estrutura física devido à destruição causada por rebelião. Nesse sentido, além das tarefas que fazia na escola, os agentes educacionais levavam atividades com um único objetivo de passar o tempo no dormitório.

Em outro momento, Joãozinho relata como foi o cumprimento de sanção.

    Ah eu vim pros curso que é colocação de piso e azulejo, ah técnica de pintura de caixinha lá, no hip hop também, ah também eu comecei o que da um pouco de valor, porque é ruim ficar na tranca só tranca ai deram oportunidade pra eu ta descendo estudando (Joãozinho). Ah eu ficava pensando, levava os pensamentos nas alturas, falando com Deus também porque, mas na primeira tranca eu falei, vou sair mol revoltado não queria saber de mais nada com nada, ai depois que eu parei pra pensar memo, pra perceber ta ligado, falei não, vou ficar firmão, comecei a pedir a Deus ai pra me ajudar a melhorar me da um incentivo de melhora, entendeu, eu vou ficar firmão, se acha que agora eu vou fazer por onde pra ficar trancado, eu não vou fazer por onde é o que ficar no convívio ae trocando umas idéia da hora assistindo uma televisão ou me entretendo com outros negócio (Joãozinho).

Na verdade, a equipe não ofereceu um incentivo ao adolescente quando o deixou descer para as atividades, mas apenas cumpriu com o Regimento Interno, que determina que mesmo em cumprimento de sanção, as atividades pedagógicas devem ser mantidas.

6. Considerações finais

As reflexões a que nos propusemos neste artigo tiveram a intenção de contribuir para o repensar das atividades de lazer que são retiradas como sanção, aos jovens em espaços de privação de liberdade, tendo em vista que tais práticas sociais devem ser tomadas como possibilidade em sua essência transformadora, embora inserida em um espaço caracterizado pela repressão, ordem e disciplina. Portanto, a prática educativa ali desenvolvida, em muitos momentos, revela-se uma prática que desconsidera os saberes e experiências dos adolescentes que já tiveram momentos significativos de lazer em suas vidas.

Considera-se que as práticas sociais em situação de privação se dão num contexto complexo, pois envolvem interação entre os envolvidos (adolescentes x adolescentes, adolescentes x funcionários, funcionário x família, adolescentes x família), e deles com o ambiente que é, em muitos momentos, hostil e repressivo. Além disso, os adolescentes estão restritos do direito de ir e vir, o que é um fator agravante nessas relações, que transmitem valores, significados e que ensinam a viver e a controlar o viver.

É possível identificar que os adolescentes significam o lazer como momento de interação com os demais adolescentes, educadores e profissionais parceiros, tendo como objetivo vivenciar manifestações da cultura corporal, o aprendizado de novas habilidades que poderão subsidiar seu engajamento no mercado de trabalho e na própria superação da condição de privado de liberdade.

Tomando-se por essa perspectiva podese compreender que a prática social do lazer apresenta inúmeros processos educativos que se relacionam com as atividades de Educação Profissional, de Arte e Cultura, de Educação Física e Escolares e se dão no mesmo contexto, embora cada um dos adolescentes signifique tais atividades de maneira singular.

Os adolescentes compreendem como atividades de lazer o break e o grafite que fazem parte da cultura Hip-Hop, e de acordo com Castells (2000), esta vivência pode ser avaliada como movimento de resistência, que tem origem com pessoas que se encontram em condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas, criando espaços de resistência, baseados em valores diferentes ou opostos aos da sociedade.

As práticas sociais como o break e o grafite estão fortemente atreladas com a conceituação utilizada, visto que as "falas", apresentadas pelos participantes do movimento de hip-hop, e as roupas, discursos, linguagem corporal, podem ser entendidas como um "estilo de vida", indicador de uma individualidade e, ao mesmo tempo, de pertencimento a um grupo (Stoppa, 2005).

As falas que representam o pertencimento a um grupo se fazem presentes nesse contexto, pois mesmo os adolescentes que chegam ao Centro e que não tem por hábito se expressar utilizando gírias, acabam aprendendo, diante da necessidade da comunicação com os demais. É relevante enfatizar que como são orientados a não falar com os profissionais utilizando gírias, conseguem estabelecer uma linguagem paralela, e no caso, a norma padrão acaba sendo paralela à linguagem que faz parte de sua cultura.

No tocante às falas no decorrer das entrevistas, expressões como "senhor", "mano" e outras gírias foram comuns. Pode-se inferir que os adolescentes que ao remeterem o discurso ao entrevistador chamando de "senhor", assumiam uma postura de distanciamento do mesmo ou da institucionalização, pois estavam cumprindo as normas que foram a eles passadas, ainda durante a internação provisória, local onde as regras são mais rígidas. Já os adolescentes que se expressaram chamando o entrevistador de "mano" ou algo do gênero, demonstram certa relação de proximidade, como se um vínculo tivesse sido criado, facilitando a comunicação, pois estavam mais à vontade para falar e não demonstravam receio de errar durante as falas.

Ainda na seara de manifestações corporais e culturais, a capoeira também foi identificada nos discursos como uma das práticas de lazer, como sendo um momento em que conseguem pensar em outras coisas, que não somente a instituição, embora não se possa ignorar o "lazer prisionizado" dos jovens, tendo em vista que estão em situação de privação de liberdade e as características peculiares desse contexto.

As situações de aprendizagem transcendem os conteúdos e ensinam valores, crenças e atitudes. Os educadores, parceiros e demais profissionais que estão engajados nas práticas sociais, preocupam-se em ensinar os conteúdos propostos, mas também dialogam sobre as condutas inadequadas, respeito, dignidade e os que perpassam pelas relações interpessoais, para que os adolescentes possam ser inseridos na sociedade, com algumas garantias de construir um novo projeto de vida.

Além dos aprendizados oriundos das práticas sociais asseguradas em seus direitos, como as culturais, profissionais, escolares e esportivas, as relações com os adolescentes ensinam novas regras de convivência, novos significados às expressões e outras formas de se expressar.

Tendo em vista, que os colaboradores já haviam cumprido sanções por faltas disciplinares, foi possível identificar que alguns deles concordam com as ações tomadas pela equipe e outros sugerem alterações. Os adolescentes relatam que compreendem que as faltas disciplinares acarretam a suspensão de algumas atividades e em dado momento, colocam-se no lugar do outro, pensando que poderiam ser as vitimas de suas ofensas e/ou agressões, bem como a ampliação no tempo de cumprimento de medida socioeducativa, caso o poder judiciário julgue como uma falta grave.

Os adolescentes que discordam da aplicação da sanção apontam para um possível diálogo e um processo de reflexão em que o autor da falta disciplinar deveria reconhece a inadequação de seu ato e se desculpar, podendo nesse caso, não ser sancionado, tendo em vista o diálogo estabelecido com a equipe e a conquistar a remição. Nesse sentido, é possível estabelecer um diálogo com Freire (2005) que menciona que a revolução pode ser vista de duas maneiras, como forma de dominação ou como um caminho de libertação, e para que esta seja de libertação, o diálogo com as massas é uma exigência radical de toda revolução autêntica.

Tal encaminhamento pode ser considerado pertinente, pois se avaliou que a submissão à Comissão de Avaliação Disciplinar e a aplicação de sanção podem prejudicar o andamento do processo judicial do adolescente, ampliando o tempo de permanência na instituição, o que não consubstancia o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, quando trata da importância da brevidade da medida.

Outra reflexão que cabe, refere-se à compreensão do conceito de lazer da instituição de privação, uma vez que entende que as atividades sem orientação, enquadramse como atividades recreativas e de lazer. A ação pedagógica complementada pelo desenvolvimento de conteúdos obrigatórios, assegurada no Estatuto da Criança e do Adolescente é desenvolvida na perspectiva de preparar os adolescentes em privação de liberdade para a vida, incluindo o lazer neste processo formativo, devendo ser educados tanto pelo lazer, quanto para o lazer.

Considera-se que este estudo não conclusivo, sinaliza a relevância de se adotar um olhar atento e uma escuta sensível às falas dos adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa de internação, pois tais atitudes podem favorecer a compreensão dos atos cometidos antes e durante a privação. Tratase de tarefa complexa, pois se faz necessária uma compreensão do espaço institucional e dos adolescentes que cumprem a medida, suas histórias de vida e sua visão de mundo, com vistas a um entendimento dos processos educativos que ali ocorrem, seu significado, traçando possibilidades e caminhos que possam contribuir com a (re)inserção e volta à vida cotidiana dos jovens em situação de privação de liberdade.


Notas:

* Este artigo de pesquisa científica e tecnológica apresenta os resultados da pesquisa de Mestrado denominada "Lazer e Adolescentes em situação de privação de liberdade: um diálogo possível? apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, 2012. Enviado ao Comitê de ética da Universidade Federal de São Carlos e autorizado pelo Diretor do Centro. Início da pesquisa março de 2010, conclusão em fevereiro de 2012.


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    Referencia para citar este artículo: Lazaretti da-Conceição, W. & Cammarosano- Onofre, E. M. (2013). Adolescentes em privação de liberdade: as práticas de lazer e seus processos educativos. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 11 (2), pp. 573-585.