SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 issue2EDITORIALYouth and Politics: from formal participation to informal mobilization author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud

Print version ISSN 1692-715X

Rev.latinoam.cienc.soc.niñez juv vol.13 no.2 Manizales July/Dec. 2015

https://doi.org/10.11600/1692715x.1321300514 

 

Primera sección: teoría y metateoría

 

DOI: http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.1321300514

 

Teorias pós-críticas da juventude: juvenilização, tribalismo e socialização ativa*

 

Post-critical theories of youth: juvenilization, tribalism and active socialization

 

Teorías post-críticas de la juventud: juvenilización, tribalismo y socialización activa

 

 

Luis Antonio Groppo

Universidade Federal de Alfenas, Brasil. Brasileiro. Professor da Unifal-MG (Universidade Federal de Alfenas), Brasil. Pesquisador do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Mestre em Sociologia pela Unicamp. Bacharel em Ciências Sociais pela USP (Universidade de São Paulo). Correio eletrônico: luis.groppo@gmail.com

 

 

Artículo recibido en abril 9 de 2014; artículo aceptado en mayo 30 de 2014 (Eds.)

 


Resumo (analítico):

Por meio de uma revisão analítica da bibliografia fundamental sobre sociologia da juventude, objetivou-se compreender as concepções sociológicas de juventude na contemporaneidade. Elas podem ser descritas como teorias pós-críticas da juventude, destacando-se duas tendências. Primeiro, aquela influenciada pelas correntes pós-modernistas e pós-estruturalistas, que geraram noções como "tribos juvenis" e "juventude-signo". Segundo, aquela influenciada pelas teorias da segunda modernidade, que refletem sobre a quebra na linearidade das transições juvenis e sobre as socializações ativas. Estas teorias implodem a concepção tradicional de juventude, do estrutural-funcionalismo, tornando a sociologia da juventude uma especialidade em que é necessário paciência e habilidade para lidar com imprecisos e flexíveis referenciais, como socialização, moratória, transição e tribos.

Palavras-chave: juventude, sociologia, socialização (Tesauro de Ciências Sociais da Unesco).

 


Abstract (analytical):

By means of an analytical review of the fundamental bibliography of the sociology of youth, this study had the objective of understanding the sociological concept of youth in contemporary society. These can be described as post-critical theories of youth, highlighting two main trends. First, the trend influenced by the post-modernist and post-structuralism movements that generate concepts such as "youth tribes" and "youth-sign". Second, the trend influenced by theories from the second modernity, which is reflected in the rupture of the linear nature of young people’s transitions and in their active socialization. These theories are challenging the traditional structuralfunctional conception of youth, converting the sociology of youth into a specialty that requires patience and skill in the use of flexible frameworks such as socialization, moratorium, transition and tribes.

Key words: youth, sociology, socialization (Unesco Social Sciences Thesaurus).

 


Resumen (analítico):

Por medio de un examen analítico de la bibliografía fundamental sobre sociología de la juventud, este estudio tuvo como objetivo comprender los conceptos sociológicos de la juventud en la sociedad contemporánea. Pueden ser descritos como teorías postcríticas de la juventud, destacando dos tendencias. En primer lugar, la tendencia influenciada por las corrientes post-modernista y post-estructuralista, que genera conceptos tales como "tribus juveniles" y "juventud-signo". En segundo lugar, la tendencia influida por las teorías de la segunda modernidad, lo cual se ve reflejado en la ruptura de la linealidad de las transiciones de los jóvenes a la socialización activa. Estas teorías están derrumbando la concepción tradicional de la juventud, del estructural-funcionalismo, haciendo de la sociología de la juventud una especialidad en que es necesaria paciencia y habilidad para tratar con marcos flexibles, como la socialización, la moratoria, la transición y las tribus.

Palabras clave: juventud, sociología, socialización (Tesauro de Ciencias Sociales de la Unesco).

 


 

1. Teorias sociológicas da juventude

 

A trajetória da sociologia da juventude contemporânea é bastante complexa. Mas penso ser possível uma síntese, considerando o tema da reconstrução da noção sociológica de juventude. A palavra-chave desta síntese é implosão. Os edifícios que implodem são a estrutura social moderna, o eixo paradigmático da sociologia clássica e a estrutura moderna das categorias etárias.

E a própria concepção sociológica de juventude implode. Um a um, os elementos tradicionais desta concepção são colocados em causa: a transição linear da juventude à idade adulta, a socialização como obra das gerações mais velhas que integra o sujeito jovem em uma estrutura social consolidada, a moratória social como postergação do direito ao exercício da sexualidade, do consumo e da participação social pelos jovens, a associação clara entre cada categoria etária e determinadas funções e instituições sociais, entre outros.

As teorias da juventude, desenvolvidas desde os anos 1970, encaminham a sociologia da juventude para uma posição dita "pósmoderna", cada vez mais relativizando e até negando a proposição original da sociologia funcionalista -a juventude como transição à vida adulta, por meio da socialização secundária. (Feixa, 2006). Tomando de empréstimo os termos de Silva (2010), tratam-se de teorias pós-críticas sobre a juventude. Nem todas, entretanto, adotam a ideia de que transitamos à pós-modernidade.

Dois movimentos teóricos se destacam entre estas teorias pós-críticas da juventude. O primeiro movimento é oriundo da ruptura da noção de totalidade: contesta-se a possibilidade de conceber a realidade social como um todo, um sistema, mesmo que contraditório. A fonte desta ruptura é a aplicação das concepções pósmodernistas e pós-estruturalistas à teoria social e à sociologia da juventude. Por meio desta aplicação se afirma que já não há uma real ou possível integração social a realizar, pois em vez de uma sociedade unitária, há uma série de redes e fluxos de pessoas e objetos, de caráter múltiplo, aberto e mutante (Latour, 1994). Homens e mulheres circulam por entre grupos, redes e massas, assumindo e recriando papéis em diversos momentos do dia, do ano e da vida. Se o curso da vida não caminha mais para uma integração plena a uma estrutura social dada, ainda que contraditória e incoerente, os sujeitos circulam por entre tribos, criando e recriando inúmeras identidades fluidas e transitórias (Maffesoli, 1987).

O segundo movimento é oriundo da ruptura da noção tradicional -mantida pelas teorias críticas- de socialização, tida como uma via de mão única, ao menos desde Durkheim (1978), em que gerações adultas educam as novas gerações. Este movimento, a princípio, é menos radical que o anterior, já que, tipicamente, concebe menos uma mudança civilizacional absoluta (da modernidade à pós-modernidade), e mais uma mudança profunda no interior da própria modernidade. A sociedade moderna torna-se flexível - em vez de rígida ou fordista (Harvey, 1992), líquida - em vez de sólida (Bauman, 1999), reflexiva - em vez de se manter por resquícios das tradições (Beck, Giddens & Lash, 1997) etc. Nesta outra modernidade, a socialização se torna mais plural, tem participação mais ativa dos sujeitos e admite até reversibilidades - são as socializações flexíveis e ativas.

 

2. Valor-signo e juvenilização

Baudrillard é uma ponte que liga os estudos sobre a relação juventude/cultura de massa (de meados do século passado) às mais recentes teses sobre a implosão das categorias etárias, principalmente pelo que seus intérpretes conseguiram pensar a partir dele, como a ideia da transformação da juventude em juvenilidade (Santos, 1992) e a emergência da juventude como signo (Liberato, 2006).

A massificação -da escola, do consumo, das mídias etc.- teria sido a resposta às demandas dos movimentos daqueles grupos inicialmente "excomungados" da sociedade dita industrial: classes trabalhadoras e mulheres. Segundo Liberato (2006), a cultura de massa seria, supostamente, lugar de apagamento das distinções. E a juventude veio a ser uma das categorias usadas para encobrir as diferenças sociais. Ela, a juventude, deixa de ser (apenas) uma categoria etária e se torna uma "representação social", um "modo de ser", um "modo de existência" ou uma "forma signo": a saber, a "forma-juventude".

Liberato (2006) afirma que os movimentos sociais (operários, depois juvenis) obrigaram o capital a definitivamente se assumir como um sistema ou código, como um conjunto de signos. O capital deixa a esfera restrita da economia, em especial da produção industrial, e ganha a esfera ampliada da sociedade ao se realizar, a partir de dado momento, especialmente pelo consumo.

Se a massificação foi a resposta do capital à revolta operária, o consumismo teria sido a resposta à revolta juvenil, instituindo a sociedade de consumo (Baudrillard, 1991). A sociedade de consumo obriga o capital a desvelar a sua face mais essencial: um código abstrato ou um sistema de signos virtuais que regem o real (Baudrillard, 1972). O processo de significação ou comunicação, expresso fielmente nas trocas simbólicas, plenas de reciprocidade e autenticidade e típicas das sociedades não modernas, como as indígenas, é convertido em código, em um sistema de signos. O signo, distintamente do símbolo, descola-se do representado e do momento criativo imediato. é ele, o signo, a verdadeira natureza do capital e da mercadoria, para além do valor de uso (cuja subsunção ao valor de troca já havia sido descrita por Marx), mas também para além do valor de troca (o valor de um bem no mercado econômico). Hegemônico passa a ser o valor-signo, subsumindo agora a utilidade e o valor de troca das coisas. O valorsigno se realiza no consumo, que persegue menos a utilidade intrínseca das coisas, mas antes as formas e imagens de sucesso, prazer, distinção e mesmo juvenilidade que parecem prometer.

Nesta sociedade de consumo, os possíveis elementos simbólicos são rapidamente convertidos em signos: a rebeldia juvenil, típica dos movimentos estudantis e das contraculturas, torna-se elemento de consumo, como signo da revolta -como uma calça jeans que se faz signo da liberdade (Santos, 1992)- cada vez mais longe da subversão real. Segundo Liberato (2006), juventude e revolta tornam-se signos, e signos um do outro, ambos perdendo o referente, deixando de ser símbolos e de propiciar autênticas trocas simbólicas e criadoras. Substituem-se relações espontâneas por relações mediadas pelo sistema de signos -ensejando o consumo.

Ainda no que se refere à juventude, pode se considerar, com base em Baudrillard, que ela foi convertida em "juvenilidade" ou "juvenilização". Ou seja, a juventude torna-se signo para o consumo, e se realiza pelo consumo. A juventude passa a ser a "idade", ou melhor, o estilo de vida ou modo de ser mais desejado, mais querido, denotando outros signos, cada vez mais esvaziados de significados reais, tais como rebeldia, novidade, audácia, liberdade, prazer, descompromisso, beleza, sedução e poder.

Por um lado, busca-se associar aos bens de consumo os signos da juventude, tornando estes bens valiosos - repletos de valor-signo. Por outro, os consumidores buscam, por meio da aquisição de um bem ou serviço, a realização da promessa da eterna juventude. O que se consome é o signo da juventude, a juvenilidade, por meio de bens e serviços como motocicletas, automóveis, roupas, tênis, bonés, viagens turísticas, lazeres noturnos, esportes radicais, academias de ginástica, cosméticos, cirurgias plásticas etc. Bens e serviços que simulam o que seriam as atitudes juvenis, tais como intrepidez, experimentação, ironia, irreverência e irresponsabilidade. Neste consumo, há um relativo descolamento em relação à realidade concreta: o consumo de bens, de serviços e a exibição de certas atitudes substitui o "significado" da idade e do corpo jovem para aqueles que desejam se representar como jovens. Nos termos de Margulis e Urresti (1996), o consumo da juventude-signo, da juvenilidade, relativiza a moratória vital e torna possível a presença de "jovens não-juvenis".

A juvenilização é processo que ajuda a explicar alguns dos fenômenos descritos por Debert (2010), em especial a terceira idade. A juventude como signo, presente nos corpos e atitudes de pessoas em idades diversas, passa a ser mesmo uma exigência aos que estariam na suposta terceira idade -em um processo que tenta negar a velhice e as experiências reais que costumavam ser associadas aos idosos, como a doença e a morte.

Adotar a juventude como signo pode ser algo buscado também por outros sujeitos, em outras idades, como adultos e até mesmo crianças -na verdade, até mesmo os jovens, que assim se tornariam "jovens juvenis" em vez de "jovens não-juvenis". Chega até a ser celebrado por alguns esta potencialidade pós-moderna de escolher a "idade" que vai se ostentar, vestir ou consumir, em dados momentos do curso da vida, do ano, da semana ou mesmo do dia.

O que nem sempre é devidamente apresentado, é que há muito de coação nesta suposta escolha das identidades pelo consumo. As desigualdades, em especial aquela desigualdade entre classes sociais de que tanto se desconfiou nas teorias pós-críticas, revela-se como grave limitação aos que desejam assumir os signos valiosos muitas vezes associados à juventude. Em uma era em que, em parte relevante, se reprivatizou a gestão sobre o curso da vida, é preciso ter os capitais econômicos, culturais e sociais necessários para realizar o consumo ostentador dos valores-signos mais preciosos. é preciso ter também tempo, muito tempo liberado daquele necessário para a reprodução de si - o tempo do trabalho. Custa cara a eterna juventude. Nos dias que correm, quem não pode comprar ou viver o signo da juventude torna-se "velho" (Debert, 2010, Park & Groppo, 2009). Inclusive as limitações físicas ligadas ao próprio envelhecimento podem ser negadas, abstraídas. Quando elas aparecem, pode se culpabilizar o próprio sujeito por seu envelhecimento, que sempre será visto como precoce. A juvenilidade também exige esforço hercúleo.

 

3. Tribalismo e subjetivação

O segundo autor a ser aqui destacado, como importante influência para as teorias pós-críticas da juventude, é Michel Maffesoli, dada a sua noção de tribalismo. "O tempo das tribos" (Maffesoli, 1987) recupera interessantes tradições sociológicas para tratar, a seu modo, do "declínio do individualismo nas sociedades de massa". A lógica expositiva apresenta diversas dualidades básicas: socialidade, potência, cultura e criação versus social, poder, econômico-político e civilização. A história é apresentada como uma sucessão entre estes dois pólos, sendo que o primeiro é o criador do segundo, a civilização. A pós-modernidade configura-se como um novo desabrochar do primeiro pólo, o da potência criadora das socialidades e do reino da cultura, prometendo uma nova (e melhor) civilização no lugar da moderna.

Outra dualidade fundamental é a que opõe a tríade individualismo/ função/grupos contratuais (típica da sociedade moderna) à tríade tribos/papel/ massas (marca do momento pós-moderno). Maffesoli é congruente com a ideia de que, na pós-modernidade, a ilusão do indivíduo como eu autocontrolado, racional e senhor de si se finda. Em seu lugar, assume a pessoa, o eu formado por uma multiplicidade de papéis e pertencimentos.

As massas, tribos e pessoas valorizam o afetivo, o criativo, a agregação e o estético. A reemergência delas indica que vivemos uma nova era de efervescência, de reagrupamentos e de fervilhamento. Os grupos juvenis são apontados como o principal exemplo destas novas tribos. Maffesoli e outros intérpretes do tribalismo pensam menos nos movimentos juvenis dos anos 1960, e mais nas subculturas juvenis "espetaculares" que, originadas nos anos 1950, já haviam chamado a atenção dos estudos culturais: teddy boys, skinheads, mods, rockers, rastafaris, entre outros (Hall & Jefferson, 1982). Nos anos 1970 e 80, estes estilos espetaculares se multiplicam, desde a partir dos punks, aos quais vêm se somar os metaleiros e os darks (Abramo, 1994). Tribos se formam também a partir das tradições afroamericanas do hip hop, incluindo os grafiteiros e dançarinos de break, em torno de esportes radicais que reocupam as metrópoles, como os skatistas e adeptos do parkour, sem contar a recente onda de grupos que se organizam por meio das redes sociais da Internet.

Para Maffesoli (1987), em vez de adoção de funções estáveis e marcadas por tarefas econômico-políticas, as socialidades exercidas nas tribos, redes de tribos e nas massas (nas quais as tribos se reúnem ou se dispersam) são marcadas pela fluidez, ajustamentos pontuais e condensações instântaneas frágeis, mas de grande envolvimento emocional. As socialidades referendam a concepção pósmoderna da livre composição de fragmentos das categorias etárias, discutida acima, que marca a juvenilização, pois, segundo Maffesoli, na socialidade "A pessoa (persona) representa papéis, tanto dentro de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa. Mudando o seu figurino, ele vai, de acordo com os seus gostos (sexuais, culturais, religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do theatrum mundi" (Maffesoli, 1987, p. 108).

Nas pesquisas que adotam a perspectiva do tribalismo, por vezes é presente também uma relevante noção, que ajuda a endossar o chamado fim da ilusão do indivíduo moderno: a subjetivação. Tal noção leva grande influência dos autores associados ao pós-estruturalismo, em especial, Michel Foucault (1999) e Deleuze e Guattari (1997) -enquanto o tribalismo se filia melhor ao pós-modernismo.

Esta noção tem enorme e complexo desenvolvimento teórico. Peço licença para seguir os argumentos de um entre inúmeros dos seguidores desta perspectiva, que bem a usou para tratar das sexualidades juvenis. Peres (2013) assim descreve a noção de "linhas de subjetivação": "modos de produção de sujeitos que ora são configurados em consonância com os modelos e discursos normativos, ora são configurados por discursos de resistência a estes processos regulatórios" (p. 52). Além de produzida socialmente, a subjetividade é processual, heterogênea e polifônica. A expressão destas linhas de subjetivação se faz por meio de "discursos", que buscam dar coerência e inteligibilidade aos enunciados e ações que movem os sujeitos.

Neste sentido, para Peres (2013), a juventude não é "etapa de desenvolvimento com estrutura fechada", mas sim "território de passagens, de experimentações" (p. 54), que pode levar à condição adulta ou não. Neste território que é a juventude, diferentes linhas de subjetivação percorrem e concorrem entre si. Nele, podem ser vividas diferentes experiências.

Em geral, os sujeitos são orientados pelos poderes disciplinares e regulatórios. (Alvarado, Martínez & Muñoz, 2009). No entanto, podem haver dissidências e estas precisam ser valorizadas, ter visibilidade e voz. Só assim pode se realizar aquilo que Foucault e Deleuze tanto prescrevem: a amplificação da multiplicidade que faz e atravessa os sujeitos. Só assim pode se romper com a tendência principal que é a de "[…] subjetivação de jovens dóceis, úteis, submissos e coniventes com as biopolíticas regulatórias que incidem sobre seus corpos, desejos e prazeres […]" (Peres, 2013, p. 58). Há de se fazer o estímulo às singularizações, promovendo as variações e descontinuidades nos processos de subjetivação, permitindo a emergência de novos sujeitos e outras posições éticas, estéticas e políticas que favoreçam a multiplicidade.

Penetrante e sedutor discurso se firmou entre as pesquisas sobre juventude orientadas pelas teorias pós-estruturalistas, ao lado da noção de tribalismo, esta outra expressão do otimismo para com a fragmentação (ou implosão) da sociedade contemporânea: uma dualidade que opõe um pólo negativo a outro positivo. No pólo negativo, as linhas de força, valores e ideais do modernismo e da modernidade, tais como padrões universalizantes, noção de normalidade e anormalidade, poderes disciplinares, normatização. No pólo positivo, as dissidências, a multiplicidade, as singularidades e o hibridismo. Os corpos juvenis e suas expressões de tribalismo aparecem como excelentes territórios para as subjetivações dissidentes.

As teorias pós-críticas inspiradas pelo pós-modernismo e pós-estruturalismo realizam duas radicalizações e uma atenuação em relação às teorias críticas. Primeiro, elas reforçam a tendência de certa corrente "classista", especialmente os estudos culturais em seus inícios, de valorizar a diversidade quanto se trata de pesquisar a juventude. Tornase mais preciso falar de juventudes, assim no plural, a se considerar os diferentes modos de viver a condição juvenil e a experiência geracional, não apenas pelas desigualdades de classe, mas também pelas desigualdades e diferenças étnico-raciais, nacionais, regionais, de gênero, de opção sexual, religiosa etc. As teorias pós-críticas radicalizam a valorização da diversidade.

Segundo, elas radicalizam o dito sociologismo, relendo a socialização como "subjetivação". O sociologismo radicaliza o reconhecimento da importância da construção social da pessoa, em detrimento de uma suposta essência universal e "natural" do indivíduo. Teorias tradicionais e teorias críticas falam da socialização como a integração do indivíduo nas estruturas sociais dadas. Já estas teorias pós-críticas falam da construção do próprio sujeito por meio das linhas de subjetivação - que envolvem discursos e dispositivos de poder. Por meio da noção de subjetivação, o sujeito não é o ponto de partida (como era na noção de socialização), mas sim o ponto de chegada: ilusão do indivíduo racional e autocentrado na modernidade, ou o alvo de inúmeras linhas de força (discursos e poderes-saberes) que se multiplicam na pós-modernidade.

Terceiro, elas atenuam ou modificam a dialética da condição juvenil, flagrada pelas teorias críticas da juventude. Não se trata da contradição entre as vivências juvenis e as instituições de socialização, a primeira aparecendo como a possibilidade de superação da segunda, como na concepção dialética da juventude (Groppo, 2000). Em vez de superação ou crítica, o que estas teorias pós-críticas apresentam é o reconhecimento da convivência entre distintos discursos, dispositivos de poder e linhas de subjetivação, que atravessam os corpos e constituem seres, relações e produtos culturais híbridos. Por vezes, quando politicamente radicais, as teorias pós-críticas valorizam não apenas a ironia e elogiam a multiplicação, mas ponderam favoravelmente sobre a estratégia do abandono e da dissidência daqueles que são diferentes, múltiplos e híbridos (Hardt & Negri, 2001) -em vez da revolução e superação. Outras vezes, as teorias pós-críticas se contentam em celebrar o real como uma platitude imensa de diversidades e misturas. Em vez da resistência, valorizam-se mais, das juventudes, sua potência irônica, sua capacidade de realizar misturas, de produzir hibridismos e de negar purezas, e a diversidade de suas práticas locais e cotidianas, capazes por vezes de se espalhar por contágio, de se multiplicar tal como um rizoma. Tornase generalizada a expressão "cartografia" (Deleuze & Guattari, 1997), como sinônimo de investigação sociológica inspirada pelo pós-estruturalismo. A cartografia tenta mapear os estilos que se criam, as misturas que se insinuam, as linhas de subjetivação que atuam e os dispositivos de poder-saber que se impõem, inúmeras fontes que riscam um dado território da vida social.

 

4. Tempo e espaço na segunda modernidade e as socializações ativas

Liquidez dos padrões de convivência e das instituições de proteção social (Bauman, 1999), flexibilidade que leva à fluidez nas relações e imprevisibilidade constante na vida profissional e pessoal (Sennet, 2005), precariedade nas condições de trabalho e nos recursos para viver dignamente (Harvey, 1992), riscos múltiplos e imprevisíveis que dificultam projetos de vida e obrigam ao constante labor reflexivo dos sujeitos (Beck, Giddens & Lash, 1997). Estes são alguns dos elementos detectados pelas teorias da outra modernidade, elementos que tornam tão difíceis, arriscadas e instáveis as experiências dos sujeitos nos tempos que correm. Dificuldades que parecem ter os jovens como aqueles mais atingidos, desafiados e, ao mesmo, tempo, como aqueles mais capazes de criar soluções e respostas criativas. Enquanto isto, juventude começa a se tornar sinônimo da experiência de viver na segunda modernidade: instabilidade, reversibilidade, precariedade e transitoriedade.

Os autores tratados neste item falam destas dificuldades, mas também daquelas possibilidades residentes na multiplicidade das juventudes contemporâneas. Encaminham a sociologia da juventude, enfim, a proposições de estratégias e ações -por vezes, diretamente aos próprios jovens, outras às instituições e ao Estado- para contornar os riscos da precarização da experiência da juventude. Penso que suas obras tendem a conceber a socialização como um processo com ativa participação dos sujeitos jovens. Em contrapartida, os caminhos da socialização são múltiplos mas reversíveis, mutantes e difíceis. Estes autores propõem uma teoria das socializações flexíveis e ativas.

Por exemplo, tanto em textos de autores latino-americanos (Krauskopf, 2004, Abramo, 2005), quanto de autores europeus (Calvo, 2005, Pais, 1993), se apresenta a constatação de que os marcadores tradicionais da entrada na idade adulta implodiram. Ou seja, constata-se que, na primeira modernidade, havia certo padrão -ao menos ideal- que afirmava que a juventude terminava com a saída da escola, a entrada no mercado de trabalho, a união conjugal, a saída da casa dos pais ou responsáveis e a experiência de paternidade ou maternidade. Estas experiências, que marcavam a entrada na maturidade, aconteciam mais ou menos ao mesmo tempo, simultaneamente.

Segundo Krauskopf (2004), a maior imprevisibilidade vivida em um era de flexibilidade, com mutações muito velozes, leva à priorização do presente e dificulta estabelecer metas para o futuro. As transições deixam de ter caráter irreversível e tornam necessária a preparação permanente e a flexibilidade diante das mudanças constantes. Para os jovens, o fator "presente" passa a ser predominante, em detrimento do "futuro". A identidade não se constrói de uma vez por todas e nem para toda a vida. é necessário incorporar a flexibilidade, a criatividade e a multiplicidade ao desenvolvimento. Ao viver a fase juvenil, o indivíduo necessita realizar sua própria síntese de modelos e ideais oferecidos, via participação real positiva, de modo comprometido.

Abramo (2005), sintetizando os resultados de pesquisa nacional sobre os jovens brasileiros, indica duas grandes transformações na vivência da juventude - na verdade, não exclusivas do Brasil. A primeira é oriunda da extensão, no tempo e no espaço, da juventude, a qual valoriza a juventude como algo importante em si mesma (e não apenas como preparação ao futuro). A segunda é oriunda das transformações sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que geraram a outra modernidade, tais como nova revolução tecnológica, desemprego estrutural, globalização, crescente exclusão social e regressão de direitos sociais com reformas neoliberais. Elas acarretam dramáticas mudanças nos processos tradicionais de transição para a vida adulta. Em relação a trabalho, casamento, formação de residência própria e ter filhos, fica mais difícil de realizar isto simultaneamente e a entrada na vida adulta vai ficando cada vez mais tardia. Tais "marcos" da entrada no mundo adulto ocorrem de modo não simultâneo e não linear, e nem sempre significam a saída da etapa juvenil.

Talvez o mais dramático relato sobre a mutação na transição à maturidade seja o do sociólogo espanhol Calvo. Adotando o ponto de vista europeu, aponta 1975 como o ano chave para o processo que chama de "desfamiliarização" ou individualização, por meio do qual a estrutura da construção biográfica deixa de "[…] depender da rede familiar ou comunitária para passar a ser um processo cada vez mais individual ou personalizado" (Calvo, 2005, p. 11). 1975 é o ano que marca a quebra da política keynesiana de pleno emprego e bem-estar social. Doravante, a fluidez e instabilidade dos mercados implodem aquela grande margem de segurança que possuíam as famílias, especialmente nas classes médias profissionalizadas, para garantir uma estratégia sucessória segura aos seus descendentes -por meio do patrimônio material e simbólico controlado pelo chefe da família.

Para Calvo (2005), no que se refere à juventude, três foram as principais mutações oriundas deste processo de desfamiliarização ou individualização. A primeira foi o bloqueio da emancipação juvenil por meio do prolongamento do período da juventude. Este prolongamento se deveu à exigência de alongar os anos de formação escolar e de profissionalização, dadas as exigências oriundas das mudanças tecnológicas. Ele se deveu também ao encarecimento dos recursos para formar e manter uma família e se deveu, enfim, à dificuldade das famílias em apoiar a emancipação juvenil. A juventude se torna a "nova idade estável", permanente e duradoura, "da qual não se pode sair facilmente" (Calvo, 2005, p. 14).

A segunda mutação foi a dissolução dos limites da juventude: por um lado, a precocidade das relações sexuais é exemplo da dissolução entre as fronteiras da infância e da juventude, por outro, o retardo do início da aprendizagem laboral é exemplo da dissolução dos limites da juventude em relação à idade adulta.

A terceira mutação, segundo Calvo, é a perda do sentido da própria juventude. Outrora, em tempos da moratória social, como diriam as teorias críticas da juventude, este momento da vida era representado como uma luta heroica -diante da repressão sexual, da autoridade familiar vigilante e do esforço profissionalvencida com a conquista da integração social, quando a pessoa se tornava "madura, adulta, responsável". Esta vitória era associada à conquista do amor (por meio de um casamento duradouro) e do trabalho (um emprego estável).

Hoje, para Calvo, a juventude é uma transição interminável. Na verdade, a idade adulta também virou uma etapa precária, semelhante à própria juventude, vivida em meio a emprego flexível ou precário, a matrimônios instáveis e sob a certeza de que a formação profissional recebida na juventude logo se tornará obsoleta, obrigando à formação continuada. Até antes da crise da sociedade keynesiana, a juventude era representada como momento definidor da trajetória biográfica, como momento das decisões mais estratégicas e irreversíveis do curso da vida. Os jovens detinham as decisões cruciais para seu futuro, ainda que à custa de um enorme poder dos adultos, que reprimiam a sexualidade juvenil e restringiam o consumo dos jovens. Nos dias atuais, em contrapartida, segundo Calvo, os jovens aumentaram seu poder nos conflitos geracionais, bem como sua capacidade de consumo e gratificação sexual, mas perderam muito da capacidade decisória sobre seu futuro. As escolhas relativas à carreira, ao emprego e ao lar são precárias, provisórias e incertas.

Pais (1993), para caracterizar a perda da linearidade do processo de transição à vida adulta, afirma que esta transição é do tipo "Io-iô", portanto reversível e até labiríntica. Segundo Carrano (2011), "nem todos os jovens vivem a sua juventude como uma situação de trânsito e preparação para as responsabilidades da vida adulta" e, principalmente para as classes populares, certos "marcos da vida adulta" (p. 245) -como a entrada no mundo do trabalho e a maternidade/paternidade- chegam enquanto ainda vivenciam certas experiências juvenis. Na verdade, a própria vida adulta passa por uma metamorfose, já que ela também passa a ser composta de indefinições e reversibilidades -em especial para as classes médias profissionalizadas.

Há muitas ambiguidades nesta eternização da juventude. Aparentemente, rege o prazer de prolongar a irresponsabilidade e a fruição do lazer e consumo. Em geral, contudo, o que abunda é uma grande dificuldade de realizar a passagem para um modo de vida autônomo, em que se pode assumir responsabilidades relacionadas à idade adulta. Ou, então, abundam jovens destinados a serem trabalhadores precarizados (como seus pais, no caso das camadas populares), ou a viverem uma condição de constante instabilidade e flexibilidade (como os filhos e pais das classes médias profissionalizadas urbanas). Ou seja, em muitos casos, a juventude prolongada é vivida como pena, frustração e fracasso de realização profissional e mobilidade social.

Uma expressão desta frustração diante de um status social indesejado -precário e transitórioforam os recentes movimentos sociais dos "indignados" na Espanha e Portugal em 2011. O texto de uma das faixas criada por uma das "indignadas" afirmava: "com licenciatura, com mestrado, com namorado/ sem emprego, sem casamento, sem futuro" (citado por Pais, 2012, p. 269).

Outro tema revelador desta tendência pós-crítica da sociologia da juventude, ao lado do tema da transição não-linear e reversível à idade adulta, é o da socialização ativa ou flexível.

Segundo Peralva (1997), a modernidade (ou primeira modernidade) assentouse sobre uma tensão, ou conflito, entre a "modernização" (orientada ao futuro, à renovação) e a "ordem moderna" (orientada à normatização e privilegiando o passado como referência para o futuro). A ordem moderna é quem deu os contornos à educação moderna, de tom conservador. Tal educação conservadora, que impõe os padrões tidos como básicos da modernidade, deu origem à noção tradicional de socialização -originada em Durkheim e fundamento da sociologia da juventude tradicional, preocupada, sobretudo, com o perigo de desvios pelos jovens.

Contudo, no que se chamou aqui de segunda modernidade, a aceleração do tempo histórico levou a uma ruptura da noção tradicional de socialização e da sua preocupação em opor a ordem aos desvios. Peralva (1997), com base em Margareth Mead, explica: o tempo acelerado da primeira modernidade permitia a criação de fossos entre gerações, acarretando a tensão geracional entre jovens e adultos. Entretanto, quando as mudanças são muito lentas (como nas sociedades tradicionais) ou excessivamente rápidas (tal qual na segunda modernidade), a tensão geracional é impedida ou dissolvida, já que não se conseguem cristalizar identidades geracionais diferentes. Neste sentido, assiste-se a uma obsolescência do modelo "moderno" de socialização, em que as gerações mais velhas transmitiam experiências passadas às mais novas para ordenar e domesticar o futuro. Em seu lugar, aparece um modelo mais "configurativo" (nos termos de Mead) de socialização, baseado no aprendizado comum pelos diferentes grupos etários, diante de um mundo mutante.

Dayrell (2002) apresenta outras concepções contemporâneas de socialização que vão ao encontro do modelo configurativo. Por exemplo, a do sociólogo francês François Dubet. Nas sociedades em constante mutação, contemporâneas, os atores e as instituições não se reduzem a uma lógica única na programação de condutas. Há grande heterogeneidade de princípios na organização das condutas, de modo que os atores podem adotar vários pontos de vista ao mesmo tempo. A socialização do ator, neste sentido, não ocorre apenas segundo as orientações das instituições, assim como a identidade do sujeito não se constrói apenas nos marcos do sistema. Neste contexto, a socialização deixa de ser mero recurso do sistema em prol da reprodução social e se torna, antes, "processo mediante o qual os atores constroem sua experiência" (Dayrell, 2002, p. 120). Ou seja, os indivíduos se constroem e são construídos ao mesmo tempo, diante do confronto entre as diferentes lógicas sociais, em especial a lógica da integração (oriunda da comunidade), a lógica da estratégia (operando nos mercados) e a lógica da subjetivação (operando no sistema cultural).

Se Dayrell foca a heterogeneidade do espaço social, o sociólogo italiano Alberto Melucci destaca a maior diferenciação nas experiências do tempo. Há uma clara separação entre tempos interiores (da experiência interna do indivíduo) e tempos exteriores (do trabalho, igreja, consumo, política, educação, saúde, direito, ciência etc.) -com ritmos diferentes e "regulados pelas múltiplas esferas de pertencimento de cada indivíduo" (Melucci, 1997, p. 7). Esta convivência entre tempos distintos não é uma novidade. O que é novo, sim, é a falta de integração entre tempos interiores e exteriores, a descontinuidade entre eles. A necessidade de integrar as diferentes temporalidades se torna um dos grandes problemas de nossa época, uma época cujo tempo não tem história, ou em que convivem muitas histórias relativamente independentes entre si. E é a juventude o grupo social mais exposto aos dilemas do tempo.

Para Melucci (1997), os estudos sobre a juventude e suas experiências com o tempo são fundamentais nesta época em que as biografias se tornam menos previsíveis, em que os projetos de vida tornam-se ainda mais dependentes das escolhas feitas pelo próprio indivíduo. As características da juventude parecem ter se ampliado para toda a cultura, toda ela em constante estado de "transição": incerteza, mobilidade, transitoriedade, abertura para a mudança. Há a ameaça da experiência perderse em um "presente ilimitado", desenraizado, sem memória, com pouca esperança no futuro: no teste da realidade, frustram-se os anseios excessivos e o imaginário aberto dos jovens. Há uma aparente abundância de possibilidades que é contradita por um real vazio e repetitivo.

Para Pais (2012), há um curioso paradoxo em nosso tempo, entre o real e o ideal: ele estandardizou a representação ideal das fases da vida, reconhecendo o modelo tradicional de cronologização do curso da vida, fundado na democratização do ensino; mas, na prática, nas experiências concretamente vividas, houve uma desestruturação das trajetórias de vida, que leva os sujeitos a se frustrarem diante do fracasso na realização profissional e na mobilidade social. A esta dissociação entre o idealizado e o vivido, Pais (2012) chama de disritmia. A sua principal consequência é a entropização etária, ou seja, a "combinação heterogênea ou indesejável de status sociais -transitórios e precários" (Pais, 2012, p. 268).

Novos sofrimentos e patologias apresentam-se aos jovens, diante da dificuldade de atribuir sentido as suas ações e conectar tempos e espaços de experiência diversos. Os jovens tendem a responder com o teste dos limites, na luta pela sobrevivência do sentido, pois só assim haverá comunicação e experiência. Ao longo deste esforço, os jovens vão pertencer a uma "pluralidade de redes e de grupos" (Melucci, 1997, p. 6), nos quais entram e saem com muita frequência, investindo pouco tempo em cada um. Debilitam-se os pontos de referência para construir identidades, fica difícil construir uma biografia contínua.

Os pesquisadores ligados ao Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ao Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (UFF) são bons exemplos de investigações sobre as socializações ativas. Por exemplo, Carrano (2011) afirma que é preciso reforçar a ideia da juventude como tendo valor em si mesma, superando a noção da juventude apenas como "etapa de transição". A juventude deve ser vista como "momento do ciclo da vida, com uma finalidade intrínseca", "lugar e tempo social" que deve ter os jovens como agentes diretores de seus destinos e capazes de realizar "escolhas biográficas" (Carrano, 2011, p. 240).

Valorizar o que vivem e pensam os jovens, concretamente, aqui e agora, é um dos motes das pesquisas sobre as socializações ativas. Também, valorizar os jovens como atores, como sujeitos capazes de resolver problemas imediatos que aparecem diante de si e da coletividade a que pertencem. As pesquisas desejam não apenas produzir conhecimento, mas também atuar como instrumentos que contribuam para que os jovens signifiquem suas trajetórias e suas experiências, por meio de histórias de vida e até mesmo de documentários. Abundam nelas análises que denunciam a precariedade das instituições e a criatividade das práticas concretas dos jovens e seus grupos. Como exemplo, a pesquisa de Dayrell (2003) em que dois jovens das camadas populares de uma grande cidade puderam contar suas histórias de vida.

No acompanhamento de trajetórias biográficas, as pesquisas sobre a socialização ativa analisam percursos individuais, singulares, únicos. Mas anseiam revelar tensões mais gerais, repressões e preconceitos institucionais, assim como fontes de sobrevivência e resistência no emaranhado da vida contemporânea. E, para além da análise, suas linhas arrolam recomendações para que as instituições e seus profissionais aprendam um pouco mais sobre estes dilemas e enfrentamentos.

Constrói-se uma nova concepção de socialização, que é considerada ativa, mas também flexível, que corre o risco da precariedade e da reversão de conquistas. Por meio desta concepção, esta sociologia da juventude pós-crítica que deriva das teorias da segunda modernidade parece propor, primeiro, o enfrentamento da precariedade da condição juvenil contemporânea. Endereçam esta proposta tanto aos jovens quanto às instituições sociais, defendendo o que se convencionou tratar de "políticas públicas para a juventude".

Segundo, desejam contribuir para que os jovens façam a gestão do presente, por meio da aquisição de dados recursos, informações e habilidades. Gerir o presente significa contornar os riscos associados à juventude -desemprego, evasão escolar, gravidez precoce, maternidade e paternidade indesejada, doenças sexualmente transmissíveis, violência, drogadição etc. Significa também ser capaz de dar sentido a um conjunto muito heterogêneo de experiênciasna busca de pertencimentos a grupos ou estilos, bem como no tráfego por campos sociais organizados por lógicas contraditórias. Gerir o presente significa, enfim, ser capaz de elaborar identidades, suficientemente coerentes para dar certa estabilidade ao sujeito, mas suficientemente flexíveis para permitir alterações em uma era de grande mutação tecnológica e social.

O terceiro elemento propositivo desta sociologia da juventude é assunção de projetos de vida pelos jovens. O tempo acelerado da segunda modernidade é grande adversário do planejamento pessoal do futuro, confinando os jovens -e mesmo os adultos- no presente. Esboçar um projeto de vida e uma noção de futuro parecem ser atos de resistência e afirmação necessários, nestes dias intempestivos.

 

5. Considerações finais

As teorias pós-críticas implodem a concepção tradicional de juventude, firmada pelo estrutural-funcionalismo. Elas tornam a sociologia da juventude uma especialidade em que é necessário paciência e habilidade para lidar com referenciais imprecisos e flexíveis. Referenciais como socialização, moratória, transição, identidade e tribos. Dois caminhos parecem ser oferecidos.

O primeiro caminho é o das teorias pós-críticas inspiradas pelo pós-modernismo e pós-estruturalismo. Elas tendem a fazer a leitura dos processos de flexibilização e desinstitucionalização da vida social como a privatização e a descronologização do curso da vida, de modo que relativizam e até negam o caráter transitório da condição juvenil. A condição juvenil continua a ser interpretada como uma forma de relacionamento experimental com a realidade, bem como uma posição social ou status de menor independência. Outrora, a sociologia da juventude afirmava que esta condição juvenil -o "direito à juventude"- costumava ser negada a muitos sujeitos das camadas subalternas da sociedade de classes. Hodiernamente, a novidade é o reconhecimento de que esta condição juvenil não apenas se generalizou, mas pode se perpetuar, tipicamente, de modo precário, ou ser intermitente na vida do sujeito -ou seja, a pessoa se vincula à condição juvenil em dados momentos do curso da sua vida, ou ainda em alguns momentos do dia, semana ou do ano.

Entretanto, no interior das teorias póscríticas da juventude, outro caminho ou movimento se destacaria. Este movimento, por um lado, radicaliza menos a ruptura entre o moderno e o contemporâneo -tratando o contemporâneo como uma segunda modernidade (líquida, reflexiva, pós-fordista, etc.) De outro, traz à baila a noção de socializações ativas. Por meio desta noção, descreve e denuncia a precarização das juventudes, não apenas as das classes populares. Mas também analisa e propõe saídas criativas, tendo os próprios jovens como sujeitos ativos no enfrentamento da precariedade, na lida com os riscos do presente e na assunção de projetos de vida.

 

 


Notas

* Este artigo de revisão do assunto é resultado final da primeira etapa da Pesquisa "Juventudes e Educação Sociocomunitária: Os jovens das camadas populares e as relações educacionais sociocomunitárias e não formais na Região Metropolitana de Campinas", amparado por Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico), Brasil, Processo: 302408/2012-6. Nesta primeira etapa foi feita uma revisão analítica da bibliografia fundamental sobre sociologia da juventude, focando as concepções sociológicas de juventude. A pesquisa foi iniciada em março de 2013 e se encerrará em fevereiro de 2016. área do conhecimento: Ciencias Sociais. Subárea: Educação.

 


 

Referências

 

Abramo, H. W. (1994). Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta.         [ Links ]

Abramo, H. W. (2005). Condição juvenil no Brasil contemporâneo. En P. M. Branco (ed.) Retratos da juventude brasileira. Análise de uma pesquisa nacional, (pp. 37-72). São Paulo: Perseu Abramo, Instituto Cidadania.         [ Links ]

Alvarado, S. V., Martínez, J. E. & Muñoz, D. A. (2009). Contextualización teórica al tema de las juventudes: una mirada desde las ciencias sociales a la juventud. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 7 (1), pp. 83-102.         [ Links ]

Baudrillard, J. (1972). Para uma crítica da Economia Política do signo. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Baudrillard, J. (1991). A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Bauman, Z. (1999). Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

Beck, U., Giddens, A. & Lash, S. (1997). Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora da Unesp.         [ Links ]

Calvo, E. G. (2005). El envejecimiento de la juventud. Revista de Estudios de Juventud, 71 (1), pp. 11-19.         [ Links ]

Carrano, P. (2011). Políticas públicas de juventude: desafios da prática. En F. Papa & M. Freitas (eds.) Juventude em pauta: políticas públicas no Brasil, (pp. 235- 249). São Paulo: Petrópolis.         [ Links ]

Dayrell, J. (2002). O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, 28 (1), pp. 117-136.         [ Links ]

Dayrell, J. (2003). O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, 24 (1), pp. 40-52.         [ Links ]

Debert, G. (2010). A dissolução da vida adulta e a juventude como valor. Horizontes Antropológicos, 16 (34), pp. 49-70.         [ Links ]

Deleuze, G. & Guattari, F. (1997). Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 43.         [ Links ]

Durkheim, é. (1978). Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos.         [ Links ]

Feixa, C. (2006). Generación XX. Teorías sobre la juventud en la era contemporánea. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 4 (2), pp. 21- 45.         [ Links ]

Foucault, M. (1999). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Groppo, L. A. (2000). Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro: Difel.         [ Links ]

Hall, S. & Jefferson, T. (eds.) (1982). Resistance through rituals. Youth and subcultures in post-war Britain. Londres: Hutchinson. Birmingham: Universidade de Birmingham.         [ Links ]

Hardt, M. & Negri, A. (2001). Império. Rio de Janeiro: Record.         [ Links ]

Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola.         [ Links ]

Krauskopf, D. (2004). Comprensión de la juventud. El ocaso del concepto de moratoria psicosocial. JOVENes, 8 (21), pp. 26-39.         [ Links ]

Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia Simétrica. Rio de Janeiro: Editorial 34.         [ Links ]

Liberato, L. V. M. (2006). Expressões contemporâneas de rebeldia: poder e fazer da juventude autonomista. Tese (doutorado em sociologia), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.         [ Links ]

Maffesoli, M. (1987). O tempo das tribos. O declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense-Universitária.         [ Links ]

Margulis, M. & Urresti, M. (1996). La juventud es más que una palabra. Buenos Aires: Biblos.         [ Links ]

Melucci, A. (1997). Juventude, tempo e movimentos sociais. Revista Brasileira de Educação, 5 (1), pp. 5-15.         [ Links ]

Pais, J. M. (1993). Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional.         [ Links ]

Pais, J. M. (2012). A esperança em gerações de futuro sombrio. Estudos Avançados, 26 (75), pp. 267-280.         [ Links ]

Park, M. & Groppo, L. A. (eds.) (2009). Educação e velhice. São Paulo: Setembro.         [ Links ]

Peralva, A. (1997). O jovem como modelo cultural. Revista Brasileira de Educação, 5 (1), pp. 15-24.         [ Links ]

Peres, W. (2013). Juventudes, diversidades sexuais e processos de subjetivação. En Pessini & R. Zacharias (eds.) ética teológica e juventude, (pp. 51-84). Aparecida: Santuário.         [ Links ]

Santos, R. (1992). A publicidade e a representação da juventude. Dissertação, Mestrado em Antropologia Social, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.         [ Links ]

Sennet, R. (2005). A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record.         [ Links ]

Silva, T. T. da (2010). Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica.         [ Links ]

 


    Referencia para citar este artículo: Groppo, L. A. (2015). Teorias pós-críticas da juventude: juvenilização, tribalismo e socialização ativa. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 13 (2), pp. 567-579.