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Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud

Print version ISSN 1692-715XOn-line version ISSN 2027-7679

Rev.latinoam.cienc.soc.niñez juv vol.19 no.3 Manizales Sep./Dec. 2021  Epub Dec 07, 2021

https://doi.org/10.11600/rlcsnj.19.3.4220 

Estudios e Investigaciones

Jóvenes inmigrantes en la ciudad de São Paulo: acciones político-culturales, vida cotidiana y resistencias

Jovens imigrantes na cidade de São Paulo: ações político-culturais, vida cotidiana, resistências*

Immigrant youths in São Paulo City: political-cultural actions, everyday life, resistances

Ph.D. Silvia H. S. Borelli1 

Ph.D. Rosana L. Soares2 

Mg. Maria Claudia S. Paiva3 

Mg. Priscila Klaus4 

1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. Doutorado e Livre Docência em Antropologia pela PUC-SP. Professora Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, PUC-SP. 0000-0003-3510-6625. H5: 21. Correio eletrônico: siborelli@gmail.com

2 Universidade de São Paulo, Brasil. Universidade de São Paulo, Brasil. Doutorado e Livre Docência em Comunicação pela USP. Professora Departamento de Jornalismo e Editoração e Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais, USP. 0000-0003-4250-9537. H5: 8. Correio eletrônico: rolima@usp.br

3 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP. Pesquisadora na Coordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais, PUC-SP. 0000-0001-8798-461X. H5: 0. Correio eletrônico: mcspaiva@pucsp.br

4 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP. H5: 0. Correio eletrônico: priscila.klaus@gmail.com 0000-0002-0460-275X


Resumo (analítico)

Este artículo es derivado de una investigación más amplia enfocada en cuatro colectivos de jóvenes inmigrantes en la ciudad de São Paulo y sus acciones político-culturales en la metrópoli. Basado en metodologías cualitativas, la investigación se construyó bajo el supuesto de entender las dimensiones históricas, políticas, antropológicas y comunicacionales que cruzan sus vidas. Los resultados contribuyen para la identificación de prácticas elaboradas y tejidas en la cotidianidad de sus productores y sus luchas por existencia, resistencia y re-existencia: a) las formas en las cuales ellos transforman, a través de acciones político-culturales, territorios, espacios y lugares cotidianos, desplazando prejuicios; b) los nexos entre pertenencia, inclusión, integración y relaciones interculturales y trans-fronterizas; c) la contribución de los colectivos en el enfrentamiento de exclusiones y desigualdades en sus vidas cotidianas.

Palavras-chave: Juventud; inmigrante; cultura; política; vida cotidiana

Resumen (analítico)

O artigo é decorrente de uma investigação mais ampla, focada em quatro coletivos juvenis de imigrantes na cidade de São Paulo e suas ações político-culturais na cena metropolitana. Baseada em metodologia qualitativa, a pesquisa foi construída sob o pressuposto da compreensão de dimensões históricas, políticas, antropológicas e comunicacionais que atravessam as vidas imigrantes. Os resultados do estudo contribuem para o mapeamento das práticas tecidas nas vidas cotidianas de seus produtores e suas lutas por existências, re-sistências e re-existências: a) as formas pelas quais jovens imigrantes de coletivos urbanos transformam, por meio de ações político-culturais, territórios, espaços e lugares cotidianos, deslocando preconceitos; b) os nexos entre pertença, inclusão, integração e relações interculturais e transfronteiriças; c) a contribuição dos coletivos no enfrentamento das exclusões e desigualdades em suas vidas cotidianas.

Palabras clave: Juventudes; imigrantes; cultura; política; vida cotidiana. Thesauro Tesauro de Ciencias Sociales de la Unesco

Abstract (analytical)

This article results from a broader investigation focused on four immigrant youth collectives in São Paulo city, and their political-cultural actions in metropolitan scenarios. Using qualitative methodologies, the research was focused on understanding historical, political, anthropological and communication dimensions that take part in their lives. The results contribute to the mapping of these actions, and also addresses their struggles for belonging, inclusion and integration as ways of existing, resisting and re-existing, such as: a) the ways in which immigrant young people from urban groups trans-form everyday territories, spaces and places; b) the links between belonging, inclusion, integration, interculturality and cross-border relationships, marked by their experiences between two contexts; c) the contribution of collectives to facing exclusions and inequalities in their daily lives.

Keywords: Youth; immigrant; culture; policy; everyday life

Introdução

Um dos pilares fundamentais de definição do contexto de globalização (Appadurai, 2004) está ancorado nos contínuos e crescentes fluxos migratórios que atravessam os continentes, desterritorializam comunidades e grupos populacionais, criam dimensões espaço-temporais, ampliam os contingentes de excluídos e tornam-se tema prioritário na pauta contemporânea. As imagens e as pessoas circulam e estão em movimento; afetos, potências, medos são compartilhados; vivências e experiências são sentidas; mundos são imaginados (Anderson, 2008) e recriados por meio de significações interculturais (García-Canclini, 2004; Valenzuela-Arce, 2014). Os processos vividos nos momentos de deslocamento atravessam as vidas dos que se movem e chegam a um lugar de destino, assim como impactam os que já se encontram nesse local. São experiências sociais, culturais e políticas -distintas e compartilhadas- que se entrecruzam nos variados cantos, esquinas e territórios do mundo.1

Pensar deslocamentos internacionais é também refletir sobre suas multiplicidades e complexidades; não se trata de processos homogêneos ou estáticos e estão relacionados às transformações mundiais que ressoam em questões econômicas, sociais, culturais, que alteram dinâmicas tanto globais, quanto locais. De acordo com Baeninger (2012), «nas condições sociais contemporâneas, a complexidade, a importância, as novas rotas e direções coexistem com processos migratórios antigos (internos e internacionais), que se redefinem na composição de um movimento mais amplo de transformação social» (p. 8).

A ONU, por meio de sua Organização Internacional para as Migrações (OIM, 2019), tomando por base processos globais, estima que no ano de 2019 o número de imigrantes internacionais foi de 272 milhões (3.5 % da população mundial) e, desse total, 52 % eram homens e 48 % mulheres; e 74 % do total referem-se à população em idade economicamente ativa (entre 20-64 anos). A organização afirma que, mesmo contando com essa estimativa de dados, é muito difícil mensurar e/ou organizar com exatidão as escalas migratórias internacionais, assim como pautar o ritmo dessa circulação, pois as referidas escalas estão relacionadas a acontecimentos pontuais ou de duração limitada, como mudanças demográficas, desenvolvimento econômico, avanços tecnológicos e comunicacionais, transporte, entre outros (OIM, 2019, p. 2).

Nas últimas décadas, o Brasil tem experimentado mais ativamente esses fluxos migratórios, uma vez que passou a fazer parte das rotas de migrações internacionais contemporâneas e tornou-se um país de crescente acolhida aos imigrantes (Bógus & Fabiano, 2015). Sua inserção marca mudanças importantes tanto no perfil, quanto nas dinâmicas de acolhimento e apoio a essas populações:

De início, o fato que mais chama a atenção no discurso da população em geral é a desconexão entre as migrações do passado (de portugueses, alemães, italianos, japoneses, libaneses, entre outros), intensas no fim do século XIX e início do século XX, e as migrações de sul-americanos, haitianos e africanos que têm ocorrido ao longo dos últimos 30 anos para o Brasil. (Bógus & Fabiano, 2015, pp. 132-133)

É notável a dificuldade para encontrar dados estatísticos atualizados e consolidados sobre o total de imigrantes internacionais residentes no Brasil ou informações mais detalhadas sobre o perfil dessas populações. A dificuldade na compilação desses dados reside na limitação da disponibilidade de fontes de informações, somada ao desafio no desenvolvimento de metodologias para a construção de indicadores eficazes e aptos a descrever a dinâmica migratória, com base na entrada, saída e rotatividade desses trânsitos ao longo dos processos (Baeninger et al., 2018). Além disso, não há sistematização suficiente de informações mais precisas sobre as condições das vidas imigrantes.2

Novos fluxos e trajetórias são construídos nesses deslocamentos; com base em análises de cunho qualitativo, torna-se possível encontrar algumas informações relacionadas a outras experiências migrantes. Observa-se a ampliação do número de mulheres (Alles & Cogo, 2018), o crescimento da migração de africanos e haitianos (em sua maioria negros e negras), bem como de latino-americanos (muitos com fenótipos indígenas), assim como o aumento de jovens, que migram sozinhos ou com suas famílias. Outras investigações, entre elas a de Buriticá (2017), reiteram a mesma dificuldade:

São escassas as pesquisas orientadas para os/as jovens, que aparecem, de modo geral, representados( as) como um apêndice dentro de uma estrutura mais ampla de estudos sobre migração (…). Perpetua-se assim uma abordagem adultocêntrica e economicista das migrações, que reflete a comum concepção dos/das jovens, como sujeitos levados à força pelos adultos (…), sendo ignorados os autônomos e diversos projetos migratórios que, cada vez mais, são realizados pela população jovem migrante. (p. 10)

É possível observar a presença de juventudes imigrantes na cidade de São Paulo: jovens de diferentes origens, que ocupam espaços e lugares (Certeau, 2014) em bairros e ruas da cidade, organizam-se coletivamente e desenvolvem ações para o enfrentamento das múltiplas estruturas de exclusão, marcadas por estigmas e pela presença hegemônica de práticas xenofóbicas de violência nos cenários metropolitanos.

Vale ressaltar que, no âmbito dessa reflexão, a concepção de juventude é tratada de forma qualificada ao se considerar múltiplas dimensionalidades, tais como condições/ situações de classe, gênero, etnia, cultura, região de origem e moradia, contexto sócio-histórico, entre outros (Reguillo, 2000).3 Parece haver, atualmente, um consenso nas ciências sociais sobre a necessidade de desconstrução da juventude como categoria homogênea e universal, e de construção de outras referências para analisar os jovens, tomando por base a diversidade de suas vidas cotidianas, comportamentos e universos simbólicos. Juventude, portanto, é uma categoria que adquire significado quando situada historicamente no contexto social em que se insere.4

Tomando por base fluxos migratórios concretos, concepção de juventudes e protagonismo crescente de jovens imigrantes na cidade de São Paulo, algumas indagações orientam a investigação e permitem o delineamento de critérios: como esses jovens imigrantestransformam e ressignificam territórios, espaços e lugares? Como redesenham e repensam fronteiras sociais, físicas e simbólicas? Quais as maneiras que encontram para lutar contra estereótipos e preconceitos que lhes são designados e impostos cotidianamente? Quais os caminhos percorridos na construção de formas de existir, resistir e reexistir? Qual o papel das ações político-culturais na transformação da sociedade que os cerca? Como alterar paisagens e cenários de vulnerabilidade e desigualdade em que se encontram inseridos?

Os objetivos propõem avaliar as relações entre cultura e política, e a forma pela qual a cultura ora se manifesta como elemento de mediação de práticas políticas, ora se caracteriza, ela mesma, como ação política em si. Propõem, ainda, responder como jovens imigrantes se apropriam de territórios oficiais, redesenham fronteiras, lutam contra esteriótipos e preconceitos e buscam dirimir situações de exclusão relacionadas à classe social, ao gênero, à raça e a sua própria condição de migrante.

Método

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa5 está ancorada em métodos qualitativos e em perspectiva multidisciplinar, construídos sob o pressuposto da compreensão das dimensões históricas, políticas, antropológicas e comunicacionais que atravessam as vidas migrantes. Baseada em etnografias on-line e off-line (Amaral, 2010), foram privilegiadas a observação da cotidianidade, a apreensão de narrativas e o acesso a relatos, vivências e representações que os jovens fazem de suas vidas. Trata-se de uma investigação que tem como foco coletivos de jovens imigrantes, entre 15 e 29 anos,6 que vivem na cidade 6 de São Paulo e suas ações político-culturais na cena metropolitana.

O trabalho de campo, realizado entre 2016 e 2018, privilegiou instrumentos de coleta, como observação etnográfica7 e entrevistas em profundidade8 (ambas com roteiros 7 8 semiestruturados), e análise de dados por meio do software MaxQda, conforme consta na tabela 1.

Tabela 1 Descrição da coleta e perfil dos entrevistados 

Nota. Basado en Borelli et al. (2018)

Refere-se, assim, ao compartilhamento e interação com os jovens em seus próprios contextos culturais -por eles denominados lugares meus- e em situações especialmente organizadas para coleta de informações :9

Estes lugares meus revelam a ação empreendida na transformação da cidade em um lugar reconhecido como seu, em estratégias simbólicas e corporais de mobiliamento do espaço urbano, de ocupação de seus territórios e de impressão, na temporalidade metropolitana, de uma experiência temporal tipicamente juvenil. É ainda nesses campos de encontro que os jovens também se desencontram e se enfrentam, entre si e também com aqueles que julgam diferentes, sejam outros jovens, os adultos ou, em alguns casos, a própria cidade de São Paulo. (Borelli et al., 2009, p. 17)

Além das observações etnográficas, o trabalho de campo esteve centrado no acompanhamento dos coletivos em redes sociais e na realização de entrevistas em profundidade, entre 2016 e 2018. A investigação privilegiou coletivos juvenis voltados às questões raciais, de gênero e às condições imigrantes, eixo destacado no artigo. Após a realização de um amplo mapeamento de grupos juvenis com atuação na cidade de São Paulo, quatro coletivos de jovens imigrantes destacaram-se: Sarau das Américas, Visto Permanente, Equipe de Base Warmis-Convergência das Culturas e Muxima na Diáspora.

O Sarau das Américas, composto em sua maioria por imigrantes latino-americanos, tem por objetivo a produção e disseminação de poesia, literatura e arte:

Nasce da vontade de transcender as fronteiras das línguas que habitam este continente, de vivê-las na interação poética, e de percorrer o caminho de seus poetas e poetisas, num presente criativo, imediato, que coexiste nesta megalópole paulistana. Mensalmente, numa terça-feira, organizamos o encontro poético para atravessar essas fronteiras e cultivar este Encuentro. Organizamos outros eventos que dialoguem com as culturas que nos representam nesta terra Americana. (Sarau das Américas, s. d.)

O coletivo Visto Permanente foi criado em 2015 com o objetivo de construir «um espaço virtual vivo, no qual se representam as comunidades imigrantes de São Paulo, por meio da sua expressividade artística e cultural», estabelecendo interlocução com agentes culturais e artistas imigrantes, «muitas vezes invisibilizados pelas grandes mídias ou, até mesmo, por mídias alternativas» (Visto Permanente, s. d.). Com a crescente manifestação da cena cultural imigrante, sua ação expandiu-se em direção a outras áreas: exposições, debates, festivais, organização dos Territórios Artísticos Imigrantes (TAIs) e intervenções performáticas em espaços públicos.

A Equipe de Base Warmis-Convergência das Culturas, uma organização de mulheres imigrantes de diversas nacionalidades, propõe ações político-culturais mediadas por debates, danças e oficinas:

Faz parte do Organismo Internacional Convergência das Culturas, tem por missão facilitar e estimular o diálogo entre as culturas e denunciar e lutar contra toda forma de discriminação e todo tipo de violência, através da promoção e a proteção dos Direitos Humanos, do apoio à integração social e comunitária, da promoção da intermulticulturalidade na vida social, da promoção da Metodologia da Não Violência Ativa, promovendo ações para orientar mudanças positivas nos indivíduos e na sociedade. (Equipe de Base Warmis-Convergência das Culturas, s. d.)

O Muxima na Diáspora, por sua vez, é «um coletivo de jovens angolanos residentes no Brasil» (Muxima na Diáspora, s. d.). O grupo é «formado por jovens com trajetórias de vida distintas, mas que se (re)encontraram na cidade de São Paulo. Decidiram atuar juntos em busca da reconstrução tanto da sociedade que os recebeu quanto do país que deixaram» (Paiva, 2018, p. 27).

Resultados

Ocupação dos espaços da cidade: de fronteiras a etnopaisagens

É possível perceber diferentes formas pelas quais jovens imigrantes buscam múltiplas pertenças no tecido social local. Essa busca perpassa suas vidas, misturando-se à ocupação dos espaços da cidade, sejam eles públicos, privados ou comunitários:

(…) é muito impressionante quando você se vê imigrante e passa por algumas situações que você pensa que só acontecem contigo, tipo ‘só eu que estou super sem grana, que estou querendo voltar para casa, que não consigo parar de chorar, que tenho saudade da minha mãe’ e, de repente, você encontra com outros imigrantes e as histórias são parecidas, os problemas são parecidos, as carências são parecidas, a língua é parecida. Então criase uma irmandade e uma identidade muito grande, um espelho muito forte. Já que estamos passando pela mesma coisa, vamos nos unir e nos amar, e se apoiar e se ajudar. (EP. Sarau das Américas, S. 18 abr., 2018) 10

Ocupar a cidade simboliza e codifica a presença dessas vozes e corpos, que se articulam com o objetivo de estar juntos e de construir pertenças comuns. Por meio de ações culturais coletivas, esses jovens ressignificam espaços e lugares (Certeau, 2014) e os transformam em territórios ocupados (Santos, 2009), que se convertem em lugares nossos e em possíveis etnopaisagens (Appadurai, 2004), fundamentais na construção de vínculos e afetos, assim como de algum tipo de conforto/acolhimento longe de casa. As etnopaisagens -entre outras paisagens- transformam o mundo, e as relações entre as pessoas que nele habitam, em cenários fluidos nos quais os olhares e os ângulos de visão capturam imagens de forma perspectivada, em «múltiplos universos que são constituídos por imaginações historicamente situadas de pessoas e grupos espalhados pelo globo» (Appadurai, 2004, p. 51).

Por etnopaisagem designo as paisagens de pessoas que constituem o mundo em deslocamento que habitamos: turistas, imigrantes, refugiados, exilados, trabalhadores convidados e outros grupos e indivíduos em movimento constituem um aspecto essencial do mundo e parecem afetar a política das nações (e entre as nações) a grau sem precedentes. (Appadurai, 2004, p. 51)

Trata-se de um processo de globalização com características disjuntivas atravessadas pela cultura, por ações políticas, por conflitos de classe, étnico-raciais, de gênero, geracionais, e pela circulação de imagens e imaginários que configuram uma ordem complexa, estratificada e contraditória. Globalização que não nega as comunidades ou redes de afeto já estabelecidas em suas formas mais estáveis, concebidas em seus lugares de nascimento (parentesco, amizade, trabalho, lazer), e as insere em processos que implicam em intensos deslocamentos, problematizando dicotomias entre local-global, nacional-internacional, periferia-centro.

Os desafios da globalização e o enfrentamento de situações provocadas pelos fluxos migratórios em países como o Brasil -e metrópoles como São Paulo- não estão localizados apenas na esfera econômica, mas nas realidades das vidas cotidianas de imigrantes.

Tais desafios compõem, hegemonicamente, as agendas políticas, sociais, culturais e comunicacionais de governantes, organizações da sociedade civil e agências internacionais; demandam do Estado, governos e demais institucionalidades a proposição e execução de políticas que possam resultar no acolhimento, acesso à informação e integração a outros serviços capazes de garantir condições dignas de vida a sujeitos que aqui chegaram fugindo de guerras e de contextos adversos em seus próprios países ou em busca de oportunidades.

A intensa circulação de pessoas cria cenários diferentes nos países de origem e destino, pois migrar implica na busca por melhores ou novas possibilidades, em sair de onde não se quer ou não se pode mais estar (Paiva, 2018). Desse modo, as etnopaisagens permitem a criação de substratos importantes para se repensar as identidades culturais. Ao revés de concepções acerca da identidade como uma categoria fixa e homogênea, relacionada sempre à nação de origem dos sujeitos, por meio da reformulação de espaços e lugares (Certeau, 2014), novas formas de conceber e experimentar as identidades são escritas e desenhadas. São múltiplas as maneiras de ser, estar e pertencer desenvolvidas nesse processo; e diversas as formas de se perceber as nuances de relações que se entrecruzam e dialogam com experiências individuais e coletivas desses jovens. D. do coletivo Visto Permanente, relata:

A gente fez uma pesquisa há alguns meses por conta de um projeto que estamos pensando e está em processo de formulação. Então, fomos pesquisar exatamente essa relação dos imigrantes com os bairros na cidade de São Paulo. Achamos alguns dados interessantes: em Guaianazes, um bairro da Zona Leste, tem muita presença de grupos africanos, haitianos, bolivianos, mas mesmo quando o bairro é central tem uma periferia social, como no bairro do Bom Retiro, por exemplo, atrás da ponte da Santa Cecília. Eu brinco porque para mim esse bairro vai nessa descida desde Higienópolis, passando novamente pelo bairro hipster, que é a Santa Cecilia, e pela estação Marechal, até chegar do lado oposto da ponte ou do outro lado do muro, como se fosse uma Alemanha do leste e a outra do oeste. Por ali tem uma concentração de paraguaios também. A gente foi conhecer e trocamos umas ideias, aos poucos a gente quer que o projeto consiga fazer essa identificação dos bairros, é um dos planos para o futuro. Queremos saber onde os imigrantes estão e vão, porque muitas vezes os imigrantes vêm na procura da família e de amigos, e vão criando essas redes entre eles. É muito comum isso. (EP. Visto Permanente, D. 13 mar., 2018)

Essa noção trazida por D., sobre o «outro lado do muro», manifesta uma das contradições existentes no mundo globalizado: de um lado, ele aparenta ser mais fluido, ter fronteiras mais flexíveis ou menos identificáveis; de outro, intensifica desigualdades e impõe barreiras geográficas, simbólicas e físicas aos sujeitos em deslocamento. Uma metrópole como São Paulo vivencia diariamente essas contradições e os jovens imigrantes experimentam e ressignificam muitas delas.

Pensar as fronteiras em tempos de deslocamentos e fluxos é refletir sobre as dimensões concretas e imaginárias, pois ambas existem e residem nas experiências migrantes. É possível perceber que os limiares configuram algum tipo de duplicidade, pois são ao mesmo tempo capazes de incluir e excluir; de marcar similitudes e ressaltar diferenças. É nesse entre-dois (Agier, 2015) que as vidas imigrantes se estabelecem: algo como ser de lá e estar aqui (Gusmão, 2011). Nessa relação, os jovens aprendem a existir, resistir e a re-existir aos processos sociais, culturais e políticos de um país que delimita fronteiras e impõe barreiras a seus movimentos de integração. Os jovens imigrantes dos coletivos experimentam, assim, diversas situações de fronteira (Agier, 2015). São inúmeros os relatos trazidos sobre essas condições, que revelam experiências distintas, porém similares, sobre como viver em circunstâncias limítrofes.

Os jovens latino-americanos, por exemplo, relatam o que é fazer parte da América Latina, um vasto e plural continente. Entre dificuldades e facilidades, eles descrevem os desafios enfrentados para fazer parte dessa complexa irmandade, como alude S. ao problematizar a ideia de que o Brasil não faz parte desse todo latino: «Tem muito esse mito de que os brasileiros não se acham latinos, não se acham da América Latina, ou que têm certos preconceitos. Na minha experiência, eu percebi que tem muito mais coisas que nos aproximam do que nos distanciam» (EP. Sarau das Américas, S. 18 abr., 2018).

São essas percepções e imaginários que operam nas rupturas e consolidações de fronteiras que separam, objetiva e subjetivamente, os de dentro e os de fora -estabelecendo quem tem direito a entrar em certos territórios-, e que também integram esses mesmos sujeitos (Valenzuela-Arce, 2014). A questão simbólica que envolve o interno e o externo cria espaços e lugares; torna-se necessário, portanto, pensar desde e além de seus limites fronteiriços, no sentido de perceber quem está do outro lado e o que este outro carrega consigo. Para tal, Valenzuela-Arce (2014) sugere o termo transfronteira, a fim de elucidar os espaços nos quais as vidas desses jovens imigrantes se refazem, se cruzam e se interpelam, recriando sentidos, subjetividades, afetos e sentimentos.

Nesse cruzar de fronteiras ocorre justaposição, disjunção e reformulação de identidades. Além disso, cartografias de resistências são construídas no sentido de caminhar para uma sociedade econômica e socialmente justa e equitativa (Belausteguigoitia, 2009).

Por vezes é complicado, principalmente quando a gente chega. Eu acho que toda pessoa que sai do seu país para começar uma vida nova em outro lugar tem aquele medinho... e isso é coisa de pessoas corajosas, e quando se consegue fazer isso tem que enfrentar algumas coisas difíceis: a burocracia, a dificuldade para arranjar emprego, a coisa da língua -é muita coisa que se junta, mais a história que a gente carrega. No meu caso, que sou cubana, quase todo mundo quer saber as mesmas coisas... então eu não sei quantas vezes eu já contei se eu gosto ou não de Fidel, se eu fugi, se é realmente tão difícil viver em Cuba. Quase sempre são as mesmas dúvidas. (EP. Sarau das Américas, L. 18 abr., 2018)

As transfronteiras produzem lugares para existir, resistir e re-existir, e nesses espaços corpos, memórias e experiências situam-se como contranarrativas (Paiva, 2018). As construções coletivas de caminhos e a busca por pertença configuram-se como práticas emergentes na atualidade. As redes formadas geram possibilidades de ser e estar repletas de solidariedade, afetos e oportunidades de visibilizar tanto as ausências -de direitos, de condições básicas de vida- quanto as potências -de visibilidades, de representatividade, de participação- edificadas nesses trajetos. Trata-se de processos ao mesmo tempo plurais e singulares, coletivos e pessoais, culturais e políticos:

Eu acho que todo ato humano já é um ato político. Acho que desde os primórdios do Visto [coletivo Visto Permanente], quando surge a necessidade, a premissa de dar visibilidade à questão e aos novos imigrantes que estão chegando, o que fazemos já é uma luta política, já é um fazer político. O fato de no Brasil só serem reconhecidos os imigrantes esbranquiçados, os alemães e os italianos. Tentar fazer com que esses novos fluxos migratórios sejam reconhecidos como parte integrante da cidade de São Paulo e da cultura da cidade me parece ser um ato político. (EP. Visto Permanente, D. 13 mar., 2018)

O relato de D. traz reflexões sobre invisibilidades e representatividades no Brasil. As práticas político-culturais, os ativismos e as maneiras encontradas por imigrantes para resistirem às mazelas e às exclusões instigam e provocam alguns questionamentos de estruturas e bases nas quais relações raciais, culturais e políticas são sustentadas e reproduzidas no Brasil. Mas quem são, afinal, os sujeitos com direito à vida, à participação política e à integração social, e de que forma são reconhecidos ou não como sujeitos de direitos?

Estereótipos, preconceitos e estigmas sociais

A questão que envolve o duplo movimento implicado nas migrações -ser de lá e estar aqui- abarca inúmeros significados. Em seus relatos e ações, jovens imigrantes contam sobre as experiências dessa condição que os atravessa. A temática, que toca tanto estigmas quanto estereótipos e preconceitos, é constante em suas denúncias e lutas cotidianas. Os jovens imigrantes apresentam, assim, histórias e trajetórias particulares e não lineares, e carregam experiências ancestrais que podem ser reformuladas para contrapor imaginários de marginalização do outro e contestar narrativas hegemônicas (Williams, 2011) ou consolidadas em relação aos fluxos na história migratória brasileira. Uma delas está relacionada às estruturas racistas tão presentes nessa sociedade e ao fato de imigrantes europeus e norte-americanos -os brancos em geral- receberem tratamento diferenciado em relação aos latino-americanos, em especial aqueles com fenótipos indígenas, ou aos africanos negros, alvos prioritários de ações xenofóbicas.

Os jovens, assim como muitos imigrantes, são alvos de preconceito e colocados em posição de subalternidade e vulnerabilidade social. Estão sujeitos a distintos modos de discriminação e, por vezes, segregação. As jovens do coletivo Equipe de Base Warmis Convergência das Culturas pontuam em suas falas as dificuldades que encontram no mercado de trabalho, na saúde e na educação, por trazerem traços indígenas. J. é boliviana e está no Brasil há alguns anos, mas em todos os debates que organiza ou participa, faz questão de deixar registrada sua memória ancestral; essa mesma ancestralidade, entretanto, é alvo de práticas preconceituosas e racistas. Segundo J.:

Acho que foi difícil a adaptação porque eu não tinha ideia de que migrar implicava perda de direitos, que você não era mais um cidadão. Até agora eu não sinto que tenho uma cidadania plena, então também foi difícil porque ao vir de um país onde você tem 37 nações [Bolívia], um país plurinacional, venho aqui e eu, que nunca tinha sofrido discriminação racial, começo a sofrê-la. Eu sempre brinco que eu me dei conta aqui de que eu era indígena, de que eu tenho traços indígenas, porque na Bolívia nunca tinha me acontecido isso. Então acho que isso foi difícil -o tema racial, o tema de língua, o tema de emprego, a dependência econômica, porque se você não fala português, não consegue emprego. (EP. Equipe de Base Warmis-Convergência das Culturas, J. 8 jul., 2018)

O preconceito que sofrem está ancorado em um imaginário dominante e hegemônico que subjuga e inferioriza quem é diferente, o outro. Ele toma forma quando irmãos e irmãs11 latino-americanos ou quando africanos e africanas fazem do Brasil sua nova casa e padecem, cotidianamente, as consequências de tais estruturas. Ainda que identidade e diferença constituam, simultaneamente, identidades sociais (Hall, 2000; Silva, 2000), a construção simbólica desses sujeitos está centrada na diferença, na qual a relação com o outro é estabelecida pela separação daquilo e daqueles que se encontram fora de lugar:

A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e de excluir. Afirmar o que somos significa reiterar o que não somos. A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. (Silva, 2000, p. 82)

As perspectivas que contribuem para manutenção e reprodução dessas práticas reforçam estereótipos atribuídos aos de fora, àqueles que são estrangeiros e exóticos: a cubana comunista e fugitiva, o africano que veio para o Brasil roubar, a boliviana que veio ser escravizada.

Os imigrantes que chegam ao Brasil carregam, consigo e em si, representações advindas de discursos que os antecedem, isto é, a construção do outro está imbuída de estereótipos que representam pouco ou quase nada da realidade encontrada (Paiva, 2018). Os jovens angolanos do coletivo Muxima na Diáspora convidam, nas ações político-culturais que promovem, à reflexão acerca das concepções comumente atribuídas à África -muitas vezes referida como exótica, genérica, selvagem e longínqua, sem percebê-la em sua origem ou na contemporaneidade. Para tal, promovem eventos que mesclam elementos ancestrais e outros mais globais: misturam rap com danças africanas tradicionais, mostram tecidos em desfiles de moda no centro da cidade de São Paulo. São formas de aproximar alternativas de ser e estar, e de ressignificar séculos de construções narrativas nas quais suas histórias foram silenciadas e apagadas.

Mais do que modos de exclusão e produção de desigualdades, a complexidade da relação entre identidade e diferença, no caso desses imigrantes (especialmente latino-americanos e africanos), mobiliza diversos conceitos. Entre eles, destacamos os estigmas sociais e os termos a ele associados, tais como estereótipos, preconceitos e dominação, que podem gerar ações e efeitos sociais perversos e, muitas vezes, violentos. O deslizamento entre esses termos relaciona-se àquilo que o estigmatizado, colocado no lugar do outro, evoca naquele que, supostamente, ocupa uma posição hegemônica. Ainda que o estigma seja definido como uma marca, uma condição de ser e estar, trata-se sempre de uma construção social inscrita em um processo histórico determinado, construção essa relacionada à dominação e ao poder. Ou seja, a criação coercitiva das marcas do outro está baseada em processos ideológicos que respondem a determinados discursos e hierarquias.

As recentes migrações de latino-americanos e africanos para o Brasil posicionam o país em uma nova condição social, política, cultural e, principalmente, na constituição de relações raciais brasileiras. Vive-se sob o espectro de imaginários construídos com base em distinções e, mais ainda, sob resíduos (Williams, 2011) de colonização e escravização de negros e indígenas. Essas edificações imaginárias ressoam nas vidas de brasileiros e brasileiras, mas também dos imigrantes que trazem essas marcas estampadas em seus corpos. São heranças inscritas de forma subjetiva, que posicionam esses sujeitos em uma condição de subalternidade e estigmatização (Paiva, 2018). Em seu relato, J., da Equipe de Base Warmis-Convergência das Culturas, diz:

Por exemplo, uma anedota: os quéchuas utilizam cabelos compridos (os homens) e aqui em São Paulo os jovens equatorianos, especialmente, sofrem muita discriminação. Meu filho, que tem 4 anos, sofreu discriminação na escolinha por ter cabelo comprido, e foi superdifícil. Eu fiquei falando com outras mulheres, com educadoras, para tentar entender o que se podia fazer. Aí claro, óbvio, não tem uma formação continuada, as professoras não têm ferramentas, é bem complexo. São mal pagas, muitas vezes não têm sensibilidade nenhuma, porque muitas são racistas, são discriminadoras, mas você encontra de tudo, encontra pessoas maravilhosas e pessoas que não são. (EP. Equipe de Base Warmis Convergência das Culturas, J. 8 jul., 2018)

Os estigmas, portanto, são marcas visíveis, sinais naturais ou simbólicos do corpo, e estão na base de estereótipos e preconceitos (Soares, 2009). Segundo Mazzara (1999), tais mecanismos de discriminação tenderiam a diminuir conforme os avanços tecnológicos ocorridos em décadas recentes e o aumento da tolerância e expansão dos valores democráticos. Entretanto, observa-se na atualidade a persistência e, muitas vezes, o aumento tanto de estereótipos quanto de preconceitos, como se pode notar em relação aos fenômenos migratórios. Nesses contextos, processos de exclusão se instauram e assumem uma nova lógica, adaptando-se para conviver com valores atualizados, passando de explícitos e ostensivos a implícitos e escondidos. Isso pode ser notado em diversas ações ancoradas em termos politicamente corretos para se referir às minorias sociais, sem que isso interfira, de fato, no circuito de discriminação e marginalização em que se encontram.

De acordo com Mazzara (1999), «os termos preconceitos e estereótipos estão carregados de um significado muito negativo, tanto que é difícil encontrar quem reconheça abertamente que pensa e atua com base neles» (p. 7, tradução nossa). Para o autor, é sobretudo em relação às questões étnico-raciais que estereótipos e preconceitos se afirmam com maior força, tanto que não raramente a palavra preconceito é utilizada para se referir, justamente, a essas minorias. Nos fluxos migratórios recentes no Brasil temos, portanto, a combinação conflituosa da relação com o outro que, no entanto, não se constitui como um outro qualquer: é justamente aquele passível de ser hostilizado devido a sua origem distinta, marcada muitas vezes na cor de sua pele e em seus traços físicos.

Nesses fluxos migratórios, portanto, os deslocamentos e a interculturalidade (García Canclini, 2004) por eles produzidos intensificam as relações e as percepções acerca de preconceitos e estereótipos. De acordo com Soares (2009), os preconceitos operam como uma espécie de julgamento a priori de grupos ou indivíduos que, após serem socialmente incorporados e individualmente internalizados, passam a circular de forma independente dos estigmas que eventualmente os tenham originado, manifestando-se em expressões naturalizadas. Já os estereótipos funcionam por meio de intolerâncias já existentes e enquadram as pessoas em categorias prévias. Desse modo, corroboram a manutenção de sistemas já instituídos por meio de estruturas de diferenciação de grupos e indivíduos, reproduzindo suas relações de poder.

Se os estereótipos refletem e confirmam o senso comum, produzindo interpretações unívocas, os preconceitos indicam a formação de juízos de valor não fundados na experiência, e sim em crenças, consolidando essas interpretações que, invariavelmente, não correspondem a percepções objetivas da realidade. Nessa dinâmica, considerando as vidas migrantes aqui relatadas, torna-se imprescindível compreender tais processos e refletir criticamente sobre os modos de inclusão e exclusão a que esses sujeitos, subalternizados e estigmatizados -posto que não são quaisquer migrantes, e sim aqueles vistos não apenas como diferentes, mas também como inferiores-, estão expostos.

De alguma forma, esses sujeitos carregam em seus corpos marcas visíveis e/ou simbólicas que os diferenciam e os distinguem de um imaginário previamente construído do que significa e representa ser um imigrante -referências edificadas sob as bases das migrações europeias no pós-abolição da escravização de negros africanos. Os traços visíveis são remetidos diretamente aos fenótipos de negros e indígenas, marcados por cor, marcas e sinais corporais. Os integrantes do coletivo Muxima na Diáspora tocam no cerne da questão que envolve o preconceito de traços e cor. Em suas ações político-culturais, debatem e denunciam práticas racistas sofridas no Brasil, questionam e confrontam a ideia de um Brasil cordial/acolhedor, onde a miscigenação, supostamente, impera e o racismo é quase inexistente. Por meio de apresentações e debates, inserem seus corpos -negros e retintos- em ambientes majoritariamente brancos, transformando-os em espaços de luta: antirracismo e antixenofobia.

Das marcas simbólicas, destacam-se línguas, roupas, hábitos alimentares, músicas ou cultos religiosos. Nos eventos que promovem, as jovens do Equipe de Base Warmis-Convergência das Culturas ressaltam a importância dos saberes indígenas diretamente relacionados à questão da saúde feminina, defendendo o direito de escolha da mulher -em especial às imigrantes com ancestralidade indígena- em optar por partos realizados de forma natural. Entretanto, relatam o preconceito que essas mesmas mulheres sofrem em hospitais no Brasil, principalmente os da rede pública, nos quais a grande maioria das imigrantes buscam tratamentos, por serem gratuitos. A todo tempo relatam que mulheres são submetidas a cesáreas ou maus tratos durante o pré-natal, problemática que retoma e reafirma o preconceito que envolve certos traços culturais.

As maneiras pelas quais estigmas, estereótipos e preconceitos se expressam são variadas e de diferentes naturezas; trata-se de uma questão complexa e, por vezes, difusa e porosa, até mesmo no reconhecimento dessas práticas e ações por aqueles que a sofrem. Em seu depoimento, D., integrante do coletivo Visto Permanente, afirma:

Pra mim, desde as conversas para começar a escrever o projeto, essa ideia é totalmente intrínseca à questão política e à questão de militar por um espaço dentro da cidade através da arte, do audiovisual e dos encontros para reconhecimento dos imigrantes. E pode ser um papo muito manjado, mas também para que se desestigmatize essa visão que há dos imigrantes, que mesmo tendo esse boom de imigração muito forte em São Paulo (não falo do Brasil porque não conheço), ainda tem muita xenofobia, ainda tem muito preconceito, não só da língua e das piadas infames, como o pessoal do Haiti é o negro que veio roubar, o boliviano veio roubar nosso trabalho, o outro para traficar, a colombiana trouxe pó, coisas que em pleno 2018 ainda não mudaram. (EP. Visto Permanente. D. 13 mar., 2018)

Nota-se, no depoimento acima, uma articulação entre cultura e política, e a forma pela qual a cultura ora se manifesta como elemento de mediação das práticas políticas, ora se caracteriza como ação política em si. Essa articulação tem se colocado como um grande desafio, tanto no dimensionamento teórico-conceitual, quanto no equacionamento no contexto da pesquisa de campo: de Gramsci (2000, 2002) e Williams (1992, 1997) restituise uma concepção de cultura como forma particular de vida e de conflito, como práticas simbólicas de resistência e contestação (e também de consentimento), presentes em todos os aspectos da vida cotidiana.

Nesse âmbito incluem-se atividades artísticas e intelectuais, produções culturais em seus processos de criação e apropriação, negociações e disputas. Cultura não como sinônimo de erudição, nem como campo cindido entre dimensões populares, massivas, ilustradas, mas como lugar de mesclas conflituosas que resultam de processos complexos (materiais e simbólicos -e de interesses diversificados- individuais e coletivos), entre classes sociais, fragmentos de classes e hegemonias (Borelli & Aboboreira, 2011).

Retomando o depoimento de D., é possível perceber essa aparente contradição: quase todos os elementos trazidos pelo jovem fazem referência a estereótipos atribuídos a grupos específicos. Para além de um preconceito existente, alguns imigrantes -mais que outros- são caricaturados ao longo de suas permanências em fluxo. Na esfera do conflito, a fala do integrante converge diretamente para a mudança de posição dos estereótipos, uma vez que as práticas e as ações político-culturais por eles produzidas impulsionam o deslocamento de estigmas e preconceitos ou, até mesmo, criam novas formas de pensar as múltiplas condições imigrantes no Brasil.

Discussão

Entre resistências e re-existências

Como demonstrado, as presenças imigrantes são importantes para o redesenho de mapas culturais nos territórios da cidade, para reformular paisagens que extrapolam fronteiras concretas -nacionais ou internacionais-, assim como para alcançar diferentes lugares, transformando percepções e sentidos individuais e coletivos. Entre os resultados mais significativos, destaca-se a análise das formas pelas quais jovens imigrantes de coletivos urbanos transformam territórios, espaços e lugares de suas vivências e experiências cotidianas, enfrentando contextos de exclusões e desigualdades sociais e, ao fazê-lo, desconstruindo preconceitos e deslocando estigmas e estereótipos.

Cabe ressaltar que a noção de estigma se mostrou importante na compreensão de tais dinâmicas sociais e suas hierarquias, pois pressupõe o conflito e encontra-se na esfera da disputa por discursos em circulação e narrativas hegemônicas. É também esse conceito que possibilita a ressignificação de traços e signos atribuídos a determinados grupos, como se pode perceber na luta travada pelos jovens imigrantes. Se os estereótipos permitem a reapropriação positivada de uma marca gerada de modo depreciativo, os preconceitos estão mais naturalizados e enraizados em estruturas coletivas; sua reprodução acontece de modo muitas vezes automatizado, gerando reações não racionais.

Ainda como resultados alcançados, vale acentuar que a busca desses jovens por pertença articula o desejo de integração e inclusão com a possibilidade de ser quem são, mesmo longe de casa (Paiva, 2018). São interações e conexões estabelecidas nos percursos, nos quais as pessoas se relacionam entre si e com objetos, imagens e narrativas criadas ao longo dos trajetos. Esse movimento é capaz de gerar nexos interculturais e transfronteiriços, já que diferentes culturas se encontram e se refazem no cotidiano, por meio de experiências singulares e, muitas vezes, conflituosas. As práticas de resistência afetam e são afetadas pelos fluxos existentes; e categorias identitárias ora são suspensas, ora reivindicadas nesses compartilhamentos e justaposições.

Em decorrência da investigação com os coletivos de jovens imigrantes, pode-se concluir que os processos vividos por esses sujeitos se situam, também, no entre-dois (Agier, 2015), pois deparam-se com receptividade e repulsa (Farias, 2012): entre ser e dever ser. Os pressupostos de existência, resistência e re-existência, portanto, estão ancorados em diálogos, repertórios e memórias construídos por entre os rastros e as descobertas desse viver intercultural e transnacional. Desse modo, os significados transformados e recombinados, tanto por brasileiros como pelos imigrantes nessas zonas de contato (Hall, 2003) não são perdidos, mas codificados em outras maneiras de ser e estar, no sentido das trocas e dos compartilhamentos, do fazer cotidiano, de representações e visibilidades.

Evidencia-se também como resultado a importância da poesia, da música, do audiovisual, da dança, entre outras modalidades culturais situadas em espaços da metrópole, produzidas e difundidas pelos jovens imigrantes que propiciam momentos de extrema potência. Com essas ações político-culturais, os jovens se encontram na dinâmica dos ativismos urbanos e nas ressignificações desses lugares. Por meio de suas práticas, constroem redes de articulação, afetividade e solidariedade; revivem e edificam outros cenários e territórios. As narrativas, trajetos e memórias de tantos jovens imigrantes confluem, assim, para a construção de novas formas de existir, resistir e re-existir na sociedade brasileira, desafiando limites e alargando fronteiras. Nesse sentido, é plausível enfatizar que os coletivos, pelas ações político-culturais, contribuem para o reposicionamento das formas de exclusão e desigualdade em suas vidas cotidianas tornando-se, assim, possíveis molas propusoras de transformações sociais.

Cabe observar, finalmente, que qualquer resultado de pesquisa é incompleto, porque abre brechas a novas perguntas e desafios de investigações. Uma delas, que merece relevo -Infancias y juventudes latinoamericanas en migración: derechos y prácticas políticas y culturales de resistencia y re-existencia- vemsendo desenvolvida no contexto dos grupos de pesquisa do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, GT Clacso Infancias y juventudes (2019-2022), e está localizada no eixo Infancias y juventudes: hegemonías, violencias y prácticas culturales y políticas de resistencia y re-existencia.12

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*Este artigo faz parte de um projeto de investigação amplo, chamado Jovens urbanos: políticas públicas, ações culturais, políticas e comunicacionais em São Paulo. Pesquisa vinculada ao GT Juventud e Infancia: prácticas políticas y culturales, memorias y desigualdades en el escenario contemporáneo da Clacso, e teve auxílio financeiro do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Área: antropología. Subárea: antropología urbana.

1São também significativas, para uma reflexão mais recente sobre fluxos migratórios e vidas migrantes, as seguintes referências: Baeninger et al. (2020), Cruz-Sierra e Nateras (2019), Gil-Araujo e Santi (2020), Herrera (2020), Jiménez-Zunino e Trpin (2021), Rosas e Gayet (2019), Valenzuela-Arce (2019a), Valenzuela-Arce (2019b).

2Destaca-se que, no Brasil, seria possível construir cruzamentos com outros dados secundários, coletados periodicamente, tais como Pesquisa por Amostra de Domicílios (PNAD), Censo Escolar, Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros (Sincre), Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), informações dos serviços que atendem à população imigrante, pastorais, entre outros. Entretanto, nem todos esses dados resultam de uma metodologia comum, em especial aqueles relacionados especificamente à questão migratória. Além disso, o obstáculo é maior neste momento (governo Jair Bolsonaro), pois o acesso se encontra dificultado em função, por exemplo, da suspensão do Censo Demográfico previsto para 2020 (último realizado, em 2010), da instabilidade no acesso a informações no Portal da Transparência do Governo Federal (inclusive com a suspensão, em junho de 2020, de dados nacionais consolidados sobre a pandemia da Covid-19).

3Para um panorama mais amplo sobre a diversidade e potência da reflexão sobre juventudes, ver o estado da 3 arte das produções referentes às juventudes, entre os anos 2010 e 2020: Borelli et al. (2020). Esse levantamento foi atualizado para a elaboração do artigo Alvarado et al. (2021).

4Relatório. Políticas públicas e participação juvenil no Brasil e na Argentina: inovações e apropriações. Prorama Capes-Mincyt. Edital nº 029/2012.

5Este artigo baseia-se em resultados de pesquisa mais ampla, Jovens Urbanos: Políticas Públicas, Ações Culturais, 5 Políticas e Comunicacionais em São Paulo, realizada na área de Antropologia do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Vincula-se à Red Iberoamericana de Posgrado em Infancias y Juventudes —RedInju—, ao GT Clacso —Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Juventud e Infancia: prácticas políticas y culturales, memorias y desigualdades en el escenario contemporáneo (2016-2019)— e ao Grupo de Pesquisa CNPq (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq —Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico—. Brasil) Imagens, Metrópoles e Culturas Juvenis (http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0071703WGPZ2 ). Realizada entre março de 2016 e dezembro 2018, a pesquisa obteve financiamento do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq/ PUC-SP. Brasil). Res-saltase que a pesquisa foi realizada em consonância com critérios estabelecidos pela Comissão de Ética da PUC-SP.

6A faixa etária se constitui como um referencial definido pelas políticas públicas no Brasil; é aqui assumida como tendência e articulada a uma concepção estendida das juventudes.

7A observação etnográfica (16 realizadas, especificamente com coletivos de jovens imigrantes, entre 26/8/2016 e 7 3/12/2017) foi um recurso adotado em, pelo menos, duas situações de pesquisa de campo: a) para observar características, formas e alternativas de sociabilidade, sensibilidade e visualidade manifestadas nos territórios juvenis e realizar entrevistas em profundidade individuais e em grupo; b) como recurso complementar de captação de informações nos locais de origem dos jovens.

8Entrevistas em profundidade, realizadas entre 13/3/2018 e 25/6/2018, e utilizadas em três situações: i) como resultado do levantamento prévio estabelecido durante as observações etnográficas, foram selecionados 12 jovens visando o aprofundamento referente aos eixos norteadores da pesquisa (faixa etária, locais de moradia, condições sócio-econômicas, gênero, raça/etnia, migração); ii) como instrumento de coleta para a busca intencional em territórios juvenis (pontos de encontro e de sociabilidade dos jovens, objetivando o adensamento dos dados resultantes da observação etnográfica); iii) em situação de abordagem de lideranças e formadores de opinião.

9A conjunção entre dados coletados, on-line e off-line, de observações etnográficas e de entrevistas em profundidade torna-se uma potente ferramenta para a análise qualitativa.

10As informações de identificação das narrativas dos jovens entrevistados respondem pela seguinte padronização: Instrumento de Coleta de Dados (EP-Entrevista em Profundidade). Nome do Coletivo, inicial da pessoa entrevistada. Data de realização da entrevista.

11Em diálogo com a denominação em espanhol hermanos, comumente utilizada por latino-americanos entre si.

12Como parte integrante de GT e do Eixo, o Grupo de Pesquisa CNPq (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Brasil) Imagens, Metrópoles e Culturas Juvenis contribui com a investigação: Ativismos juvenis urbanos: questões culturais, migratórias e étnico-raciais (2020-2023).

Para citar este artículo: Borelli, S. H. S., Soares, R. L., Paiva, M. C. S., & Klaus, P. (2021). Jovens imigrantes na cidade de São Paulo: ações político-culturais, vida cotidiana, resistências. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 19(3), 1-23. https://dx.doi.org/10.11600/rlcsnj.19.3.4220

Recebido: 08 de Outubro de 2020; Aceito: 09 de Fevereiro de 2021

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