Introdução
Aresistência de bactérias contra fármacos é considerada um problema de saúde pública mundial. Isso levou a necessidade de estudos se voltarem para essa área e que com isso surgissem propostas de iniciativas de controle. Bactérias que tem se destacado por se tornarem resistentes são Staphylococcus aureus, Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa. A espécie Staphylococcus aureus é uma bactéria do grupo dos cocos gram-positivos, tem forma esférica e, geralmente são encontradas na pele e nas fossas nasais de pessoas desprovidas de qualquer doença. Contudo, ela pode causar desde infecções simples, como espinhas e furúnculos, até infecções mais graves, como pneumonia, meningite, endocardite, dentre outras. A Escherichia coli pertence ao grupo das gram-negativas é uma das principais bactérias responsáveis por doenças infecciosas, pois produz enterotoxinas e onde até se sabe tem participação efetiva em diarreias 1-6.
Já a bactéria Pseudomonas aeruginosa é um microorganismo patogênico nosocomical, pertencente à família das gram-negativas, causadora de infecções que podem se desenvolver em todo o corpo humano, sendo mais patogênica em pacientes que apresentam um quadro imunológico comprometido. A principal característica dessa bactéria, comum às outras espécies, é a capacidade de persistir em longos períodos em ambientes adversos e de desenvolver uma resistência a agentes antimicrobianos 7.
Existe um grande interesse na descoberta de compostos biologicamente ativos isolados de plantas no tratamento de doenças causadas por microrganismos. Isso se dá à grande preocupação existente no combate aos microrganismos, principalmente bactérias que tem a capacidade de mudar seu material genético e tornar-se resistente a todos os antibióticos que já foram descobertos e hoje são eficazes 8,9.
Com isso, os pesquisadores buscam através de pesquisas em laboratório novos fármacos que tenham papel antibacteriano. Essas pesquisas se voltam para as plantas medicinais, pois elas apresentam vários compostos, dentre eles os óleos essenciais. Esses são compostos voláteis formados por vários constituintes químicos, na sua maioria terpenos e fenilpropenos. Os óleos essenciais trazem características fundamentais para os gêneros e/ou para as espécies das plantas. Além disso, exercem funções indispensáveis a sobrevivência vegetal. Particularmente, a atividade antimicrobiana de óleos essenciais de vegetais tem formado a base de muitas aplicações, incluindo a utilização em produtos farmacêuticos, dentre outros 10-12.
Hyptis martiusii Benth. conhecida popularmente como "Cidreira do campo" é uma das espécies atualmente utilizadas para a extração de óleo essencial para pesquisas em laboratório. Pertencente à família Lamiaceae o gênero Hyptis é formada por cerca de 400 espécies. Várias pesquisas relatam que outras espécies do gênero Hyptis possuem várias atividades biológicas, dentre elas atividades citotóxicas e inseticidas. Além disso, também são relatadas atividades anti-séptica, antifúngica, antiinflamatória, antibacteriana, dentre outras 13-15.
Com isso, o presente trabalho teve como objetivo investigar a atividade moduladora do óleo essencial das folhas frescas de Hyptis martiusii Benth em associação com diferentes antibióticos frente às bactérias Staphylococcus aureus, Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa, como também avaliar a atividade citotóxica da espécie.
Materiais e métodos
Material botânico: o material vegetal foi coletado no mês de março de 2014, no Sítio Barreiro Grande no município de Crato-CE, Brasil, nas coordenadas 7°21'50''S de latitude e 39°28'39''W de longitude, altitude: 930m acima do nível do mar, em área de Cerrado da Chapada do Araripe. Foi preparada uma exsicata contendo o material botânico onde em seguida foi identificado e depositado no Herbário Caririense Dárdano de Andrade Lima (HCDAL) da Universidade Regional do Cariri (URCA), sob número de registro 10.185.
Obtenção do Óleo essencial: o óleo essencial de Hyptis martiusii Benth (OEHM) foi extraído no Laboratório de Pesquisa de Produtos Naturais (LPPN), da Universidade Regional do Cariri (URCA) entre os meses de março à abril de 2014. A extração do óleo foi realizada utilizando-se 250 g das folhas frescas que foram colocadas em um balão de vidro de 5 L, juntamente com 1,5 L de água e mantidas em ebulição durante um período de duas horas. Após o período de ebulição o óleo essencial fora extraído do vegetal e condensou-se formando uma mistura heterogênea com a água. A mistura constituída de água e óleo foi coletada em aparelho tipo Clevenger modificado sendo em seguida separada, seca com sulfato de sódio anidro (Na2SO4) e filtrada. O rendimento final foi de 0,72%.
Material bacteriano: foram usadas as cepas bacterianas de Staphylococcus aureus (SA-ATCC25923 e SA358), Escherichia coli (ATCC-CE10536 e CE27) e Pseudomonas aeruginosa (PA-ATCC15442 e PA03). Todas as estirpes foram mantidas em condições ideais de armazenamento, foram deixadas em ágar infusão de coração inclina (HIA, Difco Laboratories Ltda). Antes do experimento, as células foram cultivadas por 24 horas em 37°C em infusão de cérebro coração (BHI, Difco Laboratories Ltda).
Fármacos: As soluções de drogas antibacterianas foram preparadas de acordo com as indicações do fabricante (Sigma Aldrich, EUA). Para os testes prepararam-se soluções de 5000 [L/mL com os antibacterianos. Os antibióticos adotados foram: amicacina, gentamicina, ciprofloxacino e imipenem.
Atividade Antimicrobiana: a concentração inibitória mínima (CIM) foi calculado por caldo como meio de ensaio usando uma inoculação de 100 microlitros de cada estirpe bacteriana, suspendido em caldo BHI em uma concentração de 105 UFC/mL em 96 placas de microdiluição bem como diluições seriais. Para cada poço, foi adicionado 100 microlitros da solução teste com concentrações finais variando entre 512 - 8 g/mL. Antibióticos padrões foram usados como um controle (amicacina, gentamicina, imipinem e ciprofloxacino), cuja concentração final variou entre 2500 e 2,4 g/mL. As placas foram incubadas a 35° C 24h antes para leituras calorimétricas realizadas com resazurina. CIM'S foram registradas como as menores concentrações para inibição do crescimento 16.
Modulação: o óleo foi testado em uma concentração sub-inibitória (cim/8 [g) com 100 microlitros de uma solução contendo bhi a 10%, solução de teste e suspensão bacteriana. 100 microlitros de solução antibiótica foram adicionados (na proporção de 1:1) até o penúltimo. As concentrações dos antibióticos variaram entre 2.500 e 2,44 ug/mL. As placas foram incubadas a 37° C por 24 h, após o qual, colorimétricas leituras foram feitas utilizando resazurina. Testes foram realizados em triplicata.
O sinergismo foi caracterizado por uma diminuição da cim dos antibióticos enquanto o antagonismo foi definido como o aumento da cim, conforme o método proposto por Coutinho e colaboradores 17.
Teste de citotoxicidade: os ensaios citotoxicidade foram realizados in vitro utilizando a cultura de linhagem de células do tecido conectivo de camundongo (NCTC) clone 929 (fibroblastos de mamíferos atcc ccl-1), cultivada em Minimal Essential Medium (Sigma). O meio de cultura foi suplementado com Soro Fetal Bovino (SFB) inativada por calor (10%), penicilina G (100 U/mL) e estreptomicina (100 mg/mL). As culturas foram mantidas a 37° C em atmosfera úmida com 5% de CO2. A viabilidade destas linhagens foi avaliada através do uso da resazurina como método colorimétrico 18.
Fibroblastos NCTC929 foram plaqueados em placas de microdiluição de 96 cavidades a uma concentração final de 3 x 104 células/cavidade. As células foram cultivadas a 37° C em atmosfera com 5% de CO2. Após isso, o meio de cultura foi removido e os compostos foram adicionados a 200 [L, sendo realizado um novo cultivo por 24 h. Após esta incubação, 20 [L de uma solução de resazurina 2 mM foi adicionada em cada cavidade. As placas foram incubadas por 3h e a redução da resazurina foi determinada através de dupla absorbância nos comprimentos de onda de 490 e 595 nm. O valor do controle (branco) foi subtraído. Cada concentração foi testada em triplicata 18.
Fibroblastos NCTC929 foram plaqueados em placas de microdiluição de 96 cavidades a uma concentração final de 3 x 104 células/cavidade. As células foram cultivadas a 37° C em atmosfera com 5% de CO2. Após isso, o meio de cultura foi removido e os compostos foram adicionados a 200 [L, sendo realizado um novo cultivo por 24 h. Após esta incubação, 20 [L de uma solução de resazurina 2 mM foi adicionada em cada cavidade. As placas foram incubadas por 3h e a redução da resazurina foi determinada através de dupla absorbância nos comprimentos de onda de 490 e 595 nm. O valor do controle (branco) foi subtraído. Cada concentração foi testada em triplicata 17.
Análise estatística: A significância estatística foi avaliada pelo teste Anova de duas vias seguido pelo teste de Bonferroni post hoc (onde p < 0,001 foi considerado significativo). A LC50 (Concentração Letal Média) foi determinada através do cálculo realizado pelo software Probitos Tsk version 1.5.
Resultados
s resultados referentes à atividade antibacteriana do Óleo Essencial de Hyptis martiusii Benth. -OEHM- são mostrados na figura 1 e na tabela 1. O OEHM exibiu uma CIM de > 1024 [g/mL contra estirpes de bactérias multirresistentes e padrão (um valor CIM de < 256 [g/mL foi considerado clinicamente relevante).

Figura 1 Atividade moduladora da associação do Óleo Essencial de Hyptis martiusii -ÜEHM- com os antibióticos (amicacina, gentamicina, imipenem, ciprofloxacino).
Tabela 1 Porcentagem das médias geométricas da associação do ÜEHM com os antibióticos (amicacina, gentamicina, imipenem, ciprofloxacino).
E. coli EC27 | P. aeruginosa PA03 | S. aureas SA358 | ||
OEHM | + Amicacina | 75** | 50** | 50** |
OEHM | + Gentaminina | 50** | ns | ns |
OEHM | + Imipenem | 60* | 50* | 80** |
OEHM | + Ciprofloxacino | ns | Ns | Ns |
(*) Sinergismo; (**) Antagonismo; (ns) Sem significância.
Sinergismo: sir; antagonismo: ant; sem significância: ns.
Ao investigar a atividade moduladora, observou-se que quando se associou o OEHM com o antibiótico amicacina houve um efeito antagônico contra as três bactérias utilizadas no teste, Staphylococcus aureus (SA358), Escherichia coli (EC27) e Pseudomonas aeruginosa (PA03), em 50%, 75% e 50%, respectivamente. Da mesma forma o efeito antagônico foi observado em associação com o antibiótico Gentamicina, onde ocorreu uma redução no número de morte das bactérias EC27 em 50%. Por outro lado, não foi observado significância dessa associação frente à SA358, como também à PA03. Quando o OEHM foi combinado com imipe-nem, diferentemente dos resultados anteriores, apresentou sinergismo frente as cepas de EC27 e PA03 diminuindo em 60% e 50%, respectivamente, a CIM. Entretanto, frente a cepa de SA358 a associação do OEHM com o imipenem mostrou efeito antagônico aumentando em 80% a CIM. O OEHM também foi associado com o antibiótico ciprofloxacino, onde não mostrou significância em relação ao controle.
Na análise citotóxica, a LC50 apresentou um valor de 263,12 [g/ml. Com isso, sugere que doses iguais ou superiores a esta, apresentam um potencial efeito citotóxico frente aos fibroblastos de mamíferos ATCC CCL-1.
Discussão
Extratos e óleos de plantas da família Lamiaceae são descritos na literatura por possuir atividade antimicrobiana, com destaque para os gêneros Mentha e o Origanum com propriedades frente a Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa19-21.
Vários estudos com espécies do gênero Hyptis são conhecidos demonstrando a capacidade inibitória sobre o crescimento bacteriano. As espécies Hyptis pectinata (L.) Poit, Hyptis ovalifolia Benth, Hyptis passerina Mart. ex Benth. e Hyptis brevipes Poit. são alguns exemplos 22-26.
Segundo Falcão e Menezes 27 essa atividade antibacteriana é atribuída à variada constituição química do gênero Hyptis. A atividade antimicrobiana da espécie H. passerina é justificada pela presença de p-epi-acorenol, espatulenol, p-cariofileno; óxido de cariofileno. A atividade da Hyptis platanifolia é justificada pela presença de a-farneseno e a-bisaboleno, no óleo essencial extraído de suas folhas. H. suaveolens Poit. apresentam como constituintes principais os terpenos, dentre eles sabineno, a-terpinoleno, 1,8cineol, p-cariofileno, substâncias estas com atividade antibacteriana. Por fim a atividade da H. fruticosa Salzm. ex Benth. é justificada através dos contituintes marjoritários biciclogermacreno, 1,8-cineol, a-pineno e p-cariofileno 25-30.
O gênero Hyptis é composto basicamente de monoterpenos e sesquiterpenos, corroborando com resultados de Araújo e colaboradores que identificou no óleo essencial de Hyptis martiusii (OEHM) terpenos, dentre outros constituintes, bem como Oliveira e colaboradores que expressou em seu estudo a presença de 1,8 cineol e o ô-3-careno, componentes majoritários com atividade contra bactérias resistentes. Onde Coutinho e colaboradores e Araújo e colaboradores afirmam que a principal atividade evidenciada na espécie Hyptis martiusii é a antimicrobiana e que essa característica se deve a existência de diterpenos 31-32.
Toscan afirmou em seu estudo que os óleos essenciais que apresentam terpenos, atuam na célula microbiana, provocando alterações na membrana celular, levando a perda de vários componentes celulares, ocasionando, assim, a morte da célula. Além disso, esse estudo atribuiu essa desestruturação da membrana as características lipofílicas dos terpenos, logo as potencializações observadas no trabalho possivelmente estejam relacionadas às interações químicas dos constituintes do óleo com os antibióticos. Da mesma forma, as atividades antagônicas observadas se devem à essas prováveis interações. No entanto, novos estudos devem ser realizados para elucidar quais interações e, assim, possivelmente, explicar o sinergismo e antagonismo sobre os fármacos 33.
A atividade citotóxica de algumas espécies do gênero Hyptis já foi identificada em alguns estudos, dentre essas espécies as principais que apresentaram atividade citotoxica foram a H. carpitata, H.martiussi Benth, H. mutabilis, H. pectinata, H. spicigera 34-35.
Além disso, vários compostos já foram identificados nessas espécies, entre eles lignanas citotóxicas 36.
Com isso, a atividade citotóxica observada no OEHM, através da LC50 se deve, possivelmente, a relação desta espécie com outras do mesmo gênero, já que existem estudos que mostram a existência desta atividade citotóxica no gênero Hyptis. Além disso, pode-se associar essa atividade a existência de triterpenos com atividade citotóxica na espécie H. martiussi Benth, bem como outros compostos.
As folhas de Hyptis martiusii mostraram ser uma via alternativa na busca de compostos que potencializam a ação de alguns antibióticos. O estudo revelou que a espécie H. martiusii apresenta baixa atividade sinérgica associada a antibióticos contra os três tipos de bactérias analisadas e apresenta atividade citotóxica.