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International Law

versión impresa ISSN 1692-8156

Int. Law: Rev. Colomb. Derecho Int.  no.23 Bogotá jul./dic. 2013

 

A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Ε A DISCRIMINAÇÃO RACIAL E DE GÉNERO NO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL

LA CONSTITUCIÓN DE 1988 Y LA DISCRIMINACIÓN RACIAL Y DE GÉNERO EN EL MERCADO DE TRABAJO EN BRASIL

René Marc da Costa Silva*

*Possui doutorado e mestrado em História pela Universidade de Brasília e graduação em História e Antropologia pela mesma Universidade. É professor titular do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito do Uniceub-Centro Universitário de Ensino Unificado de Brasília e Coordenador do PADE-Grupo de Pesquisa em Filosofia, Raça, Gênero e Direitos Humanos. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Regional do Brasil e História Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: raça, gênero, cidadania, identidade, desigualdade, direitos humanos e ética.


Para citar este artículo / To cite this article

Da Costa Silva, R., A constituição de 1988 e a discriminação racial e de gênero no mercado de trabalho no Brasil, 23 International Law, Revista Colombiana de Derecho Internacional, Pág: 235-266 (2013).


Resumo

O artigo apresenta as condições de inserção do elemento negro no mercado de trabalho pós-abolição, discute o papel que desempenha a educação como alavanca de melhores posições e postos de trabalho para esse segmento da população e destaca a importância que ainda tem a discriminação racial e de gênero na produção e reprodução das desigualdades no mercado de trabalho. Discute, fundamentalmente, o papel da Constituição de 1988 na consolidação de marcos jurídicos na luta antidiscriminatória no mercado de trabalho no Brasil.

Palabras chave autor: raça, gênero, desigualdade, direitos humanos.

Palabras chave descritor: discriminação no emprego, discriminação de gênero, mobilidade social, Constituição de 1988, proteção legal, Brasil.


Resumen

El artículo presenta las condiciones de inserción del elemento negro en el mercado de trabajo después de la abolición, discute el papel que desempeña la educación como palanca para obtener mejores posiciones y puestos de trabajo para ese segmento de la población, y destaca la importancia que tiene aún la discriminación racial y de género en la producción y reproducción de las desigualdades en el mercado de trabajo. Discute, fundamentalmente, el papel de la Constitución de 1988 en la consolidación de los marcos jurídicos en la lucha antidiscriminatoria en el mercado de trabajo en Brasil.

Palabras clave autor: raza, género, desigualdad, derechos humanos.

Palabras clave descriptor: discriminación laboral, discriminación de género, movilidad social, Constitución de 1988, marco jurídico, Brasil.


Sumario

Introdução.- I. abolicionismo e trabalho negro.- II. Os projetos imigran-tistas.- III. O mercado de trabalho livre no Brasil.- IV. Os anos 1940 e 1950- mercado de trabalho: industrialização e mudança.- V. O perfil atual do mercado em relação às desigualdades raciais.- VI. Homens e mulheres negras no mercado de trabalho cultural brasileiro.- Vil. Inserção atual dos negros no mercado de trabalho: uma perspectiva comparativa.- VIII. A constituição de 1988, e os marcos jurídicos na luta antidiscriminatória no mercado de trabalho no Brasil.


Introdução

O objetivo desse artigo é articular alguns elementos que permitam uma compreensão, ainda que panorâmica, do sentido dos papéis que o trabalhador negro vem desempenhando no conjunto maior da história do trabalho no Brasil. Mais do que isso, intentará uma visada mais acurada da importância da inserção do negro no mercado de trabalho no Brasil pós-abolição, do papel central que ocupa a educação na possibilidade da alocação de melhores posições, postos de trabalho e emprego para esse trabalhador e, sobretudo, dos obstáculos que o elemento negro ou não branco encontrou no passado e, mesmo com as conquistas da Constituição de 1988, ainda encontra na atualidade no âmbito da ordem social competitiva e no mercado de trabalho; especialmente por conta da forte discriminação racial ainda presente na sociedade brasileira.

Na segunda parte do trabalho, baseado em dados do ipea e do DIEESE, focaremos as dificuldades e obstáculos que encontra o trabalhador negro, especialmente a mulher negra, a trabalhadora negra no que diz respeito especialmente a sua participação no consumo e inserção no processo produtivo de bens culturais. Vítima preferencial de uma engessada estrutura de alocação de mão-de-obra, e de uma quase inflexível mobilidade social, praticamente obriga a corresponder sua força de trabalho às escalas inferiores de remuneração.

Na seção seguinte, avaliaremos comparativamente com pesquisas mais recentes, a trajetória e as eventuais transformações dos elementos e processos anteriormente analisados. E, finalmente, na última seção, trabalharemos no sentido de apontar o impacto e o papel que cumpriu a Constituição de 1988 -os avanços que permitiu, inclusive, na legislação infraconstitucional- na luta antidiscriminatória no âmbito do mercado de trabalho brasileiro.

I. Abolicionismo e trabalho negro

Muito já se escreveu ou ainda se tem escrito sobre a abolição do trabalho escravo no Brasil. O tema é, de fato, fundamental para se pensar a constituição de um mercado de trabalho capitalista e a introdução plena de uma ordem social competitiva no país. Entretanto, a literatura especializada tem enfatizado muito precariamente no âmbito desse quadro a relevância da história do trabalhador negro livre antes da abolição da escravatura. Nesse sentido, nunca é demais assinalar que a história do trabalhador negro livre começa muito antes da abolição, sendo importante recuperar o significado dessa dupla inscrição numa reflexão que se quer mais acurada sobre a importância dos papéis e da participação do negro na formação e constituição do mercado de trabalho livre no Brasil.

A abolição do trabalho escravo no Brasil não aconteceu de forma repentina: o processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre já pode ser identificado ao longo de todo o século XIX (Costa, 1998)1. É certo que o processo de coarta-ções e alforrias se faz presente em toda a história da escravidão, porém as diversas formas de liberação da mão-de-obra negra se intensifica visivelmente em seu último período. Contudo, esta situação de convivência de uma força de trabalho livre (e, sobretudo, negra livre) com uma estrutura de trabalho escravo, por seu turno, criou também, ela própria, algumas dificuldades à própria valorização, diversificação e expansão do trabalho livre no Brasil, como de resto ao próprio desenvolvimento pleno do mercado de trabalho capitalista no Brasil.

Ficava cada vez mais claro para nossas elites políticas, na medida em que corria o século XIX2 que seria imprescindível à manutenção e reprodução de sua própria condição de proeminência e poder, a necessidade de repensarem, não apenas um projeto de desenvolvimento para o país e para o Estado, como também um projeto de construção de nação brasileira. Projeto este que, certamente já não passava pela insistência ou perpetuação do trabalho escravo, mas tampouco seria compatível com a própria ordem social e política do antigo regime. Pensado desta forma, a proibição definitiva do tráfico de escravos não passava então de um momento pontual marcado no processo de desenvolvimento económico do país e nas discussões políticas que, de per si, ultrapassavam amplamente as próprias considerações sobre o futuro da mão-de-obra escrava no país. O que estava em jogo então era fundamentalmente o que se imaginava que o Brasil seria ou deveria ser, não apenas e simplesmente em termos económicos, mas também nas dimensões política e social (Azevedo, 1987)3.

Mesmo antes de decretado o fim do tráfico de escravos para o Brasil, revoltas crescentes nos campos e plantações e a disseminação do medo entre as elites brancas —que, além disso, testemunharam a revolução anticolonial Haitiana apear os brancos do controle do país— colocavam no centro da pauta de discussões não só o fim do trabalho escravo e a transição para uma forma completa de trabalho livre como a composição racial mais adequada da população

Neste sentido e diante de um Estado precariamente organizado, com uma administração incipiente e uma industrialização em estágio inicial o que se colocava na mesa de discussões como pauta essencial era, a modernização, desenvolvimento e progresso de uma jovem nação capitalista. Por outro lado também era fundamental no interior desse campo de objetivos, a preocupação com a composição étnica particular do povo, elemento a ser considerado como central no interior de um projeto de nação viável -bem entendido aqui como "viável" a manutenção particular das relações assimétricas de classe, raça e poder político vigentes para o país (Monteiro, 1996; Lima & Hochman, 1996).

É, portanto, em função disso que ganha sentido pensar não apenas ações privadas voltadas para atrair e trazer efetivamente mão-de-obra imigrante etnicamente marcada para o país, mas também implementar políticas de Estado capazes de viabilizar tais afluxos (Gebara, 1986)4.

Em função dos novos objetivos traçados para o país e para a nação pelas classes dominantes era mister resignificar não apenas o trabalho como também o trabalhador. O trabalho que durante quase quatro séculos de escravidão foi percebido como a mais vil das atividades, inscrita no corpo do mais indigno dos trabalhadores (o trabalhador negro escravizado) precisava mudar de sentido. Trabalho e trabalhador precisavam significar agora uma nova etapa constituidora do desenvolvimento, do progresso e da modernização, mas também um outro modelo político. Como já é amplamente conhecido; essa modernização foi, ao fim e ao cabo, feita pelo alto e racialmente marcada.

Tais peculiaridades podem ser verificadas nos discursos das elites dominantes do país, no pós-abolição, mas também e principalmente, no exato momento de constituição de uma ordem social competitiva e da ampliação e redefinição dos elementos de legitimidade e alargamento da capacidade de participação do modelo político. Nesse momento, trabalho escravo passava a significar atraso, latifúndio, monocultura, baixa produtividade. Vinculado a tudo isso, trabalhador negro também era percebido de foram similar: insuficiência e baixo conhecimento técnico, indisciplina, ausência de espírito de poupança, etc. Mas o pior de tudo isso, toda esta subjetividade caracterizadora do trabalhador negro lhe era atribuída como sendo intrínseca, imutável, algo próprio ao elemento negro pelo simples fato de ser negro Assim, no exato momento de redefinição do trabalho do trabalhador e do modelo político viabilizador de um novo horizonte cidadão, o elemento negro se via desqualificado como agente transformador e como sujeito de direito (Azevedo, 1987; Andrews, 1998)5.

II. Os projetos imigrantistas

O pensamento social brasileiro de fins do século XIX, entrincheirado em supostas teorias acadêmicas, embebidas ora num evolucionismo, ora num positivismo ou num determinismo calcificantes -ou, mesmo em alguns momentos, numa mistura improvável de muitas delas- refletiam e sustentavam a ideia da indiscutível superioridade civilizatória caucasiana e a consequente inviabilidade da construção e evolução de uma nação desenvolvida e próspera tanto pelo trabalho escravo, como também e, sobretudo, pelo concurso de uma população ma-joritariamente mestiça e negra (Schwarcz, 1993; Ortiz, 2003)6.

A solução, portanto, numa só tacada, tanto para o problema emergencial da constituição de um mercado de trabalho livre e progressista quanto da formação de um povo capaz de capitanear o projeto desenvolvimentista, foi a imigração europeia. A moderna fundação da nação brasileira e da formação do mercado de trabalho capitalistano Brasil nasce, portanto, sob a égide de um nacionalismo étnico em torno da ideia de raça como conceito central para pensar o desenvolvimento e o futuro do país.

Neste sentido, as escolhas em relação às fontes provedoras de mão-de-obra imigrante eram inevitavelmente feitas em função das características "negativas" ou "positivas" dos diversos grupos raciais.

Esse conjunto de ideias de desenvolvimento, progresso e modernização do país e formação da nação apresenta -se etnicamente marcado e materializa- se nas políticas imigrantistas que produziram um modelo de hierarquização racial que via o elemento negro da população destituído de quase todo valor ou papel positivo no processo de construção do país e da nação. Caracterizados como incapazes de contribuir para o sistema de livre iniciativa por insuficiência intelectual, incapacidade técnica ou debilidade moral; vistos como parte e irremediavelmente presos um passado de atraso económico e incivilidade, além de peso de retardo das novas energias progressistas da sociedade, pouco se fez em termos de políticas públicas de proteção à população negra. Tudo se passava como se esta população estivesse a caminho ou destinada a simplesmente desaparecer numa sociedade não escravista.

Assim foi que, nas primeiras décadas do século, quanto maior era a ênfase e as energias dispendidas na promoção e implementação bem sucedida da política imigratória, tanto menos importância se conferia ao elemento negro como formador do tipo humano brasileiro desejado. A mestiçagem (aproveitando o influxo crescente da imigração europeia) como ideologia oficial de embranquecimento da população em função da produção a médio prazo de um tipo humano mais claro, mais próximo do branco, surgiu neste contexto. Colocava-se sobre a mestiçagem as expectativas sobre a viabilidade ou não da nação.

III. O mercado de trabalho livre no Brasil

Decorrente desse contexto, o desenvolvimento do mercado de trabalho capitalista no Brasil andou, desde seus primeiros momentos, paripassu à ocupação majoritária dos seus postos e, principalmente dos seus melhores postos, pelo elemento branco. Segundo Andrews, nos 40 anos pós-abolição, o Brasil recebeu um contingente de mais de dois milhões de imigrantes, o impacto desse afluxo populacional na composição racial do país foi significativa. Em 1890, os brancos constituíam 44% da população brasileira, pardos e pretos participavam, nesse mesmo ano com 47% do total populacional. Todavia, de 1890 a 1940 o incremento populacional do elemento branco foi exponencial. Em 1940 a população branca contava 63.5% da população brasileira (Lima, Silva & Nogueira, 2011)7. No que tange especificamente ao mercado de trabalho, Andrews relata que:

"O censo de 1893 da cidade de São Paulo mostrou que 72% dos empregados do comércio, 79%> dos trabalhadores das fábricas, 81% dos trabalhadores do setor de transportes e 86% dos artesãos eram estrangeiros. Uma fonte de 1902 estimou que a força de trabalho industrial na capital era composta de mais de 90% de imigrantes; em 1913, o Correio Paulistano estimou que 80% dos trabalhadores do setor de construção eram italianos; e um estudo de 1912 sobre a força de trabalho em 33 indústrias têxteis do Estado descobriu que 80% dos trabalhadores têxteis eram estrangeiros, a grande maioria italianos" (1998, p. 123).

A ocupação majoritária do branco imigrante no mercado de trabalho acabou por empurrar a população não-branca para as ocupações subalternas e mais desvalorizadas (Hasenbalg & Silva, 1988). Serviços domésticos, empregos informais e biscates foram as atividades que restaram aos não-brancos, nas quais eles se encontram ainda hoje, majoritariamente8.

Por outro lado, a forte presença branca imigrante na formação do mercado de trabalho industrial, mudou também a geografia racial brasileira. Tendo basicamente como local de destino São Paulo e os estados do sul do país, centrados numa economia industrial em desenvolvimento, vemos a construção de um desenho das diferenças regionais da imigração na constituição e ocupação no nascente mercado de trabalho livre. A assimilação retardada e subalterna da população não-branca ocorreu fundamentalmente no núcleo central do desenvolvimento capitalista do país9, nas outras regiões, não só o impacto da imigração foi reduzido como também assimilação do negro no mercado de trabalho se deu de modo menos traumático e violento. A absorção do excedente da mão-de-obra não-branca foi realizada parcialmente em regiões do país mais atrasadas do ponto de vista da economia capitalista industrial, ocorrendo principalmente no ambiente rural10.

IV. Os anos 1940 e 1950- mercado de trabalho: industrialização e mudança

De maneira geral a força de trabalho brasileira, até 1940, cons-titui-se ainda majoritariamente rural, predominando de forma clara o setor primário em relação aos setores secundário e terciário. As atividades económicas tipicamente urbanas eram ainda relativamente pouco diversificadas e o próprio ambiente citadino ainda não se havia imposto na quase totalidade do país. Ainda assim é inequívoca a estrutura das diferenças raciais configuradas no mercado de trabalho, em decorrência da situação espacial e económica herdada do momento abolicionista anteriormente assinalado, a população não-branca concentrava-se predominantemente no setor agrícola enquanto a população branca era majoritária nos setores de transformação e serviços.

Se acompanharmos atentamente a dinâmica das desigualdades sociais e raciais, no momento do deslocamento do carro-chefe da economia do campo para as cidades (a partir dos anos 1950), da transferência de renda, da redução da população rural de modo geral, da prevalência do ambiente urbano e do forte impulso industrializador; a participação do elemento branco na força de trabalho rural encolhia mais rapidamente que a mão-de-obra negra. Em 1940, 77.4% da força de trabalho não-branca se encontrava no setor primário contra 65.9% de brancos. Entretanto, em 1950, os percentuais registram 68.7% de participação no setor primário da força de trabalho não-branca em relação a 55.8% da mão-de-obra branca. A força de trabalho branca reduziu sua participação no setor primário durante este período em 10.1°%, enquanto que os não-brancos se deslocavam menos para os setores dinâmicos da economia nacional em apenas 8.7 pontos percentuais.

Movimento correspondente e coerente com esse ocorria no setor industrial urbano. Neste os brancos verificavam um incremento de 3.7 pontos percentuais contra apenas 2% dos não-brancos. Mesmo no terciário, setor em que os não-brancos registraram maior crescimento percentual que os brancos, 6.7 contra 6.4 pontos percentuais, respectivamente, a diferença de participação total, porém, continuava expressiva; 29.6% de brancos contra 20.7% de não-brancos em 1950 (Lima, Silva & Nogueira, 2011)11.

Assim, partir de 1950, quando significativas transformações sociais e políticas produziram profundo impacto na estrutura do mercado de trabalho do país, o avassalador desenvolvimento industrial e urbano provocou também um não-desprezível crescimento da população economicamente ativa nos setores secundário e terciário, tendo como desdobramento um novo perfil da estrutura de emprego no país. Entre os anos 1960 e 1980, o intenso deslocamento do rural para o urbano, o crescimento do setor secundário e terciário permitiu a emergência de novos perfis de emprego e de outros atores sociais, tal como a presença maior e mais significativa das mulheres no mercado de trabalho.

Entretanto, a reprodução das desigualdades raciais permaneceu atuante como mecanismo cumulativo de desigualdade, sendo peça central de entrave de uma melhor mobilidade social da população negra o acesso assimétrico à educação formal.

V. O perfil atual do mercado em relação às desigualdades raciais

Na entrada do século XXI, as desigualdades raciais continuam se expressando exemplarmente e com particular intensidade no mercado de trabalho. Nesta esfera, mesmo com todos os avanços da Constituição de 1988, os mecanismos de discriminação permanecem operando de maneira sutil, mas eficiente.

O quadro das desigualdades distribuídas geográfica e economicamente continua seguindo as mesmas linhas de força indicadas anteriormente. Os dados apresentados pela pesquisa de Emprego e Desemprego -ped realizada pelo DIEESE em 1999 mostram que das seis regiões metropolitanas pesquisadas, le-vando-se em conta pessoas com idade igual ou superior a dez anos, no que tange à população em idade ativa- pia, os negros correspondem a 41% do total. Todavia, participam com 82,4% na região metropolitana de Salvador e apenas 10,9% na área metropolitana de Porto Alegre.

Este quadro se completa com o dado relativo à proporção de pessoas em idade ativa que ingressam mais cedo no mercado de trabalho e são obrigadas a permanecer nele mais tempo, tanto ocupadas como desocupadas. Estando a população negra localizada basicamente nas áreas menos desenvolvidas do país, a parcela dela ocupada em atividades informais12, sem direito a benefícios ou proteção social, inclusive renda previdenciária é muito grande.

Mesmo aqueles empregados formalmente, o lugar subalterno que ocupam na estrutura de distribuição de renda inviabiliza o abandono do mercado13. Mais do que isso, o ingresso precoce no mercado de trabalho dificulta uma formação escolar plena ou mesmo razoável, contribuindo para acumular prejuízos futuros, tanto para o desenvolvimento da qualificação da mão-de-obra quanto para a capacidade de mobilidade social ascendente14. Os dados da ped/pia apresentam taxas de participação muito mais elevadas para os negros do que para os não-negros15.

Acrescente-se ainda a estas estruturas geoeconômicas de desigualdades raciais uma outra, o acesso assimétrico ao sistema educacional e às oportunidades de escolarização. A substantiva importância da dimensão educacional se coloca na medida em que a educação formal se mostra essencial para os não-brancos (mais do que para os brancos, proporcionalmente) como mecanismo disparador de chances maiores de mobilidade social ascendente16. As taxas de alfabetização das pessoas de 5 anos ou mais, segundo a cor, de 1950 a 1976 indicam que as diferenças entre os dois grupos raciais diminuíram sensivelmente. Entretanto, se as distâncias diminuíram consideravelmente no âmbito do ensino fundamental e discretamente no ensino médio, o núcleo central das desigualdades se deslocou massivamente para o ensino universitário17.

Identificada, desta maneira, a dinâmica de produção e reprodução das estruturas históricas responsáveis pelas desigualdades raciais, não surpreende, portanto, que os dados apresentados pela pnad-1998, relativos à educação acompanhem o mesmo compasso18. Parece ser uma evidência para os melhores estudiosos da questão racial no mercado de trabalho que estas desigualdades no acesso á educação e ás oportunidades de escolarização se desdobram imediata e diretamente numa alocação mais consistente desses grupos raciais no mercado de trabalho e nas possibilidades de obtenção de um emprego de melhor qualidade e remuneração (Hasenbalg & Silva, 1988)19.

Neste sentido, mais difícil ainda se torna a situação do elemento negro num mercado de trabalho como o brasileiro em que profundas e significativas transformações, a partir de 1950, ocorreram no mundo da produção. O surgimento da microele-trônica e a revolução da informática, a exigência do domínio de uma língua estrangeira, cada vez mais intensa no mercado e outras novas demandas vem alterando substancialmente o perfil do trabalhador, aumentando as exigências de escolaridade da força de trabalho20.

Neste sentido, não é difícil entender porque a ponta mais visível e incontestável do racismo revela-se quando são analisados os rendimentos do trabalho. Engajados em ocupações caracterizadas pela precariedade e enfrentando maiores dificuldades para ascender em suas carreiras profissionais e condições de trabalho mais desfavoráveis que as experimentadas pela população não-negra, os trabalhadores negros têm remunerações substancialmente mais baixas, no conjunto das regiões analisadas, mesmo levando em consideração que os patamares de rendimentos da população em geral são baixos (DIEESE, 2001)21. É dentro desse quadro que se pode melhor compreender a posição e participação do negro no mercado de trabalho e de consumo de bens culturais.

VI. Homens e mulheres negras no mercado de trabalho cultural brasileiro

A breve descrição da evolução da história do trabalho negro no Brasil pós-abolição exposta acima instrumentaliza-nos no sentido de analisar e compreender o lugar ocupado pelos trabalhadores negros no mercado de trabalho cultural. Focaremos nessa seção especificamente o setor "mercado de trabalho cultural", na medida em que este nos possibilitará avaliar se a educação ou os anos médios de estudo, apresentado pelos negros ou não--brancos, particularmente para as mulheres negras, cumprem ou não (se cumprem, em que medida e até que ponto?) papel decisivo na superação dos obstáculos à ascensão social e ao incremento relativo de renda para esse segmento. Para tanto, nos debruçamos sobre os dados levantados pelo Instituto Pesquisa Económica Aplicada (ipea) divulgados em 2002. Tais dados nos permitirão, sobretudo, verificar a situação da mão-de-obra feminina e feminina negra ultrapassando assim a tradicional dicotomia homens brancos/homens negros ou homens/mulheres.

Se, até agora refletimos na perspectiva dos trabalhadores desde a categoria raça, faz-se necessário realizar algumas reflexões acerca da outra categoria estruturante das reflexões aqui desenvolvidas: o gênero. De acordo com Teresa de Lauretis, esta "tecnologia" coordena, estabelece e distribui papéis sociais e poder entre os gêneros, permitindo-nos compreender masculinidade e feminilidade, ser homem e ser mulher enquanto construtos sociais/discursivos. As delimitações de feminino/masculino instauram relações sociais de controle e poder, de hierarquia e assimetria, que De Lauretis denomina "sex-gender system"; construto sociocultural e representação de cada indivíduo em termos de relações sociais anteriores ao próprio indivíduo, cujos contornos revelam-se normativos e valorativos.

Estas relações são construídas e reconstruídas desde uma leitura fisiopsicológica que reduz as mulheres à biologia man-tendo-as prisioneiras de seus corpos. Mais próximas à natureza porque cíclicas e instintivas, as mulheres encontram-se -na perspectiva tradicional ou clássica- menos capacitadas para atuar no mundo social, o mundo construído pela cultura; daí sua maior presença em atividades e setores que impliquem cuidado/auxilio, exposição do corpo ou seu oposto, a invisibilidade, os bastidores (De Lauretis, 1994)22.

Se, as mulheres brancas sentem todo o peso das representações de gênero, as mulheres negras o sentem multiplicado. Isto por que as representações sociais que cercam e constroem as pessoas negras as situam ainda mais próximas à natureza: sendo mais primitivas, selvagens, emocionais, "corporais". Enquanto para as mulheres brancas a raça significa a possibilidade de aproximar-se intelectual e moralmente do modelo (homem branco adulto), para as negras o afastamento do mundo cultural, moral e intelectual é representado pela dupla inscrição de raça e gênero. Valerie Walkerdine (1995)23 se expressa, sobre a "submissão generizada" da mulher como "ideias que têm se tornado centraisna sua regulação" e que, efetivamente, "regulam". É nesse campo semântico que se estruturam para mulheres, crianças e povos colonizados, associados à fragilidade e à incapacidade, os significados fundamentais de sua dominação.

É, portanto, no sentido dessa brutal submissão generizada que Helena Theodoro não deixa escapar todo o peso incidente da perversa articulação de poderes e dominação, particularmente sobre a mulher negra:

"Como escrava, a mulher negra foi o grande esteio da mulher branca, pois, além de levar os recados amorosos da sinhá, criou em suas casas condições de vida amena, fácil e até mesmo ociosa. Cozinhava, lavava, passava a ferro, esfregava, de joelhos, o chão das salas e dos quartos, cuidava dos filhos da senhora branca e satisfazia as exigências do senhor (...) Contribuiu eficazmente para o desenvolvimento harmônico das famílias brancas e para a economia do pais, pois, também trabalhava na lavoura"24.

Se, durante a escravidão, as mulheres negras foram centrais para a organização familiar branca e para a economia, não menos importante foi o papel ocupado por estas mulheres para o povo negro. Helena Theodoro assinala que as negras foram "na escravidão e nos primeiros tempos de liberdade, a viga mestra da família e da comunidade negras", isto porque, as inúmeras restrições que os homens negros enfrentaram no período pós--abolição para ingressar no mercado de trabalho (conforme visto anteriormente), fizeram das mulheres negras a mão que ordenava o mundo privado negro, assim como intervia eficientemente no espaço doméstico-branco. É incontornável, portanto, que a mulher negra foi o alicerce que estruturou o mundo doméstico branco e o mundo privado negro:

"A evolução cultural brasileira e o empobrecimento gradativo das antigas famílias tradicionais levou a mulher de classe média aos bancos escolares, às universidades, bem como às repartições públicas e aos cargos políticos. A mulher negra -empregada doméstica ou babá-possibilitou epossibilita hoje ainda a emancipação económica e cultural dapatroa,em cidades como as nossas, onde a organização dos serviços coletivos de creches é deficiente. E conclui; 'até mesmo nas famílias que mantiveram a divisão de serviços entre marido e mulher, quem, em geral, executa as tarefas que caberiam à dona-de-casa é a mulher negra"25.

A análise dos dados do ipea-2002 retrata não apenas as desigualdades que marcam a presença das pessoas negras no mercado de trabalho cultural, mas ,sobretudo, como esse elemento de desigualdade se mostra articulado não apenas com a categoria raça, mas também com a categoria gênero (mulheres negras, especialmente). Desta forma, a pesquisa permite sustentar que, no quadro geral, as mulheres negras recebem majorita-riamente os menores salários, ainda que não tenham suas horas de trabalho reduzidas na mesma proporção.

Na grande maioria dos setores analisados26 (15 entre 19) as mulheres (brancas e negras) possuem mais Anos de Estudo (AE) que os homens. No setor Comunicação de Massas, por exemplo, esta diferença corresponde a 8,5 anos para mulheres de ambas as raças, entretanto são os homens (brancos e negros) que detêm a maior Renda Média (RM) e o maior número de Horas Médias de Trabalho (HMT)27.

Escolhemos como referencial absoluto para a realização da presente análise, a maior RM presente no setor ou subsetores observados, uma vez que a renda é inegavelmente determinante das condições de vida dos(as) trabalhadores(as) e daqueles(as) que dependem dos rendimentos advindos da atividade principal exercida pelo sujeito no mercado de trabalho.

À guisa de informação, o homem branco afere as maiores rm em 13 dos 19 setores objetos de análise neste trabalho, além de encontrarem-se no topo do mercado de trabalho não cultural e, obviamente também do mercado de trabalho total (soma dos mercados cultural e não cultural).

A dramaticidade da desigualdade expressa nos números analisados é gritante quando observamos as condições nas quais se encontram as mulheres negras na quase totalidade dos itens analisados no mercado de trabalho cultural (de 19 itens, em apenas 01 as mulheres negras possuem rm superior aos demais).

O gênero aparece como determinante também, quando a comparação é feita entre os não-brancos. Apesar de ter 1.7 ae a mais que o homem negro, a mulher negra trabalha 92.2% das hmt dele e recebe apenas 72.1°% da rm aferido.

Em números gerais, a diferença entre a rm de homens e mulheres (sem distinção racial) é de 69.5% para as mulheres em relação aos homens, embora tenham em média hmt equivalente a 90.8% daquela dos homens e uma média de 1.1 ae a mais.

Já as comparações entre mulheres negras e brancas não deixam dúvidas da força operativa da categoria raça, inclusive no interior do mesmo gênero. Neste caso, os números indicam que a rm das negras corresponde a somente 60.5% das brancas, com hmt de 99.1% das mesmas. A superioridade dos ae das brancas (7.4) pode ser entendida como indicativo da presença das negras em funções subalternas, logo, de menor remuneração. As diferenças nas hmt expressam facetas das práticas machistas e racistas presentes no mercado de trabalho brasileiro. Se na maioria das vezes as negras têm hmt iguais as das mulheres brancas, e se os dados indicam para as negras uma menor rm, a lacuna manifesta aponta para algumas possibilidades: a maior dificuldade de inserção das negras, sua presença em funções que exijam menor qualificação ou, porque não, exigências maiores para que tal inserção ocorra.

Ao nos debruçarmos sobre a situação do homem negro, é fácil constatar a atuação do racismo, na medida em que sua RM corresponde a 31.2%, suas hmt a 84.3%, com apenas 0.5 ae a menos, se o referencial for o homem branco. Todavia, quando o comparamos às mulheres brancas verificamos que a rm dela equivale a 69%, com hmt de 82% e ainda que ele tenha 6.2 ae a menos que elas. Estes dados indicam também as implicações do machismo no mercado de trabalho: mesmo os homens negros possuindo menos ae, têm, ainda assim, rm de quase 30% superior daquela das mulheres brancas.

Aqui se coloca uma questão fundamental. A escolaridade é inegavelmente disparadora de maiores oportunidades aos não-brancos no mercado de trabalho; entretanto é também evidente que, possuí-la, por si só, é visivelmente incapaz de garantir igualdade de rendimentos. A razão disso é inegavelmente a persistência de práticas como o racismo e o machismo, práticas que, refletidas com clareza no mercado de trabalho cultural, desafiam o discurso da "qualificação da mão-de-obra" pura e simples como garantia de inserção mais igualitária ou mesmo permanência neste mercado. Junte-se a isso, as incontáveis barreiras ao ingresso e permanência de negros e negras no ensino superior, condições que, juntamente a outras aqui desenvolvidas, nos permite perceber os obstáculos encontrados por negros e negras para reunirem melhores chances e oportunidades de galgarem melhores postos no mercado de trabalho e melhores remunerações.

Percebe-se aqui o efeito de uma sobrediscriminação na medida em que, mesmo quando tem acesso ao ensino superior, às mulheres negras se veem preteridas ou relegadas aos menores rendimentos disponíveis no mercado.

Alguns setores especificamente apresentam, entretanto, essa sobrediscriminação mais claramente. No setor Espetáculo vivo e atividades artísticas, por exemplo, a referência absoluta é a mulher branca, a rm da mulher negra é de 60.6%, com uma hmt de 96.3% e ae de 2.1 a menos; a rm do homem branco é de 84.5% daquela da mulher branca, as hmt dele correspondem a 89.3%, com 0.2 ae a mais que ela; o homem negro tem uma rm de 48.2% da renda média da mulher branca, hmt de 85.3% e 3.6 anos ae a menos. Ao desprezarmos a categoria raça, vemos que a rm dos homens equivale a 81.2% daquela das mulheres, que a hmt deles corresponde a 87.2% e que eles têm, em media, 0.7 ae a menos.

Acreditamos que estes dados apontem para a prevalência de um padrão estético-racial que, ou impede que as mulheres negras desempenhem papéis mais bem remunerados, ou faz com que recebam menos no desempenho dos mesmos papéis. Em quaisquer dos casos, vê-se a desvalorização da presença das negras, percebidas -na sociedade brasileira- como mais expostas e mais acessíveis. Pequena é a diferença entre as horas trabalhadas por homens brancos e negros (4 horas a mais para os brancos), no entanto, a renda dos brancos é 36% acima daquela dos negros, mais uma vez cabe perguntar sobre a distribuição de funções/papéis, a desigualdade na remuneração e nas oportunidades tendo como viés a categoria raça.

A comparação entre os subsetores Artes e espetáculos e Direção eprodução artística permite algumas reflexões interessantes também ao levarmos em conta as categorias raça e gênero. No primeiro, predominam com maior visibilidade as mulheres brancas, as mulheres negras, por outro lado, têm maior hmt ainda que a renda maior pertença às mulheres brancas seguidas de perto pelos homens brancos. Neste subsetor, os homens negros ficam com a pior renda. Por sua vez, as negras são as que ganham mais no subsetor Direção e produção artística, os negros que trabalham mais ficam em terceiro lugar quando consideramos a rm, trata-se de uma das poucas atividades onde os anos de estudo proporcionam as negras os melhores salários. Considerando a justeza desta última observação, podemos ainda questionar quais mecanismos atuam na delimitação destes lugares "invisíveis", numa atividade essencialmente espetacular, para homens e mulheres negras.

Não temos dúvida que as separações público/privado, visível/ invisível, atuam desde uma perspectiva racializada que define o que é desejável aos olhos, o que é belo, sadio, interessante e modelar e arrasta para as funções técnicas de dirigir/produzir, ou seja, criar as condições para que o espetáculo ocorra, uma população racialmente marcada e historicamente reservada para funções subalternas e/ou auxiliares -que em última instância -são invisíveis. De acordo com Hannah Arendt:

"Para o indivíduo, viver uma vida inteiramente privada significa, acima de tudo, ser destituído de coisas essenciais à vida verdadeiramente humana: ser privado da realidade que advém do fato de ser visto e ouvido por outros, privado de uma relação Objetiva' com eles decorrente do fato de ligar-se e separar-se deles mediante um mundo comum de coisas, e privado da possibilidade de realizar algo mais permanente que a própria vida. A privação da privatividade reside na ausência de outros; para estes, o homem privado não se dá a conhecer, e portanto é como se não existisse. O que quer que ele faça permanece sem importância ou consequência para os outros, e o que tem importância para ele é desprovido de interesse para os outros"28.

A histórica privação das mulheres negras, se as torna invisíveis também às desumaniza, daí a naturalização de sua pobreza e exploração, daí também sua presença majoritária nas funções de pior remuneração.

O setor Educação também é particularmente relevante e revelador. Neste, a maior pertence ao homem branco. Assim, com-parando-o a mulher branca, esta tem uma rm de 53.7%, a hmt dos homens brancos corresponde a 88.4% daquela das brancas que têm 0.7 ae a menos que eles; quando o defrontamos com o homem negro, vemos que este tem uma RM de pouco mais da metade (54.7%), hmt semelhante (99.4%) e 1.9 ae a menos que os brancos. A rm das mulheres negras corresponde a 33.8% (brancos), 63% (brancas) e 63.05% (negros), a hmt das negras equivale a 84% (brancos), 86% (negros) e 95% (brancas), são as que têm menor numero de ae: 0.1 (brancos), 1.8 (brancas) e 1.7 (negros). A RM das mulheres equivale a 55.2% daquela dos homens, hmt de 86.9% com 1.3 ae a mais que eles.

Alguns aspectos chamam a atenção: ainda que a educação seja uma área predominantemente feminina (15.8% de homens em 2001 para 84.2% de mulheres) as mulheres negras recebem ainda menos que todos os outros, chegando a um terço daquilo que recebe um homem branco. A educação dessa forma modulada parece incapaz de combater as desigualdades de raça e gênero. As barreiras mentais erguidas pelo racismo e pelo machismo manifestam-se na absurda subordinação presente na educação. Mais ainda -e isto é, sem dúvida- o mais grave, o sistema educacional é o lugar, por excelência, promotor de mudanças nas percepções e olhares que destinamos aos outros, porém, a presença de um curriculum machista e racista somado à ausência ou em pequeno número de negros e mulheres com formação superior ou em cargos e funções de poder nas escolas e universidades apenas reforça e alimenta aquelas práticas que, subliminarmente, mesmo o discurso hegemónico insiste em condenar.

O setor Esportes, é lugar que ressalta também essa sobre-discriminação. Aqui, a dinâmica discriminatória apresentada pelos dados acima comentados se intensifica ainda mais. Principalmente porque os dados referentes ao setor Esporte, remetem a uma série de representações sociais de raça que associam as pessoas negras ao corpo e as brancas ao espírito. Assim as pessoas negras seriam mais aptas ao exercício de atividades que exigissem força física que, ao menos em tese, dispensariam o uso de uma racionalidade mais elaborada. Esta perspectiva quando aplicada às mulheres negras, as aprisiona em uma sexualidade incivilizada e anti-higiênica, logo ameaçadora a ordem familiar burguesa. De acordo com Gloria Steinem:

"Tudo o que for característico de um grupo 'superior' será sempre usado como justificativa para sua superioridade e tudo o que for característico de um grupo 'inferior' será usado para justificar suas provações. Homens negros eram recrutados para empregos mal pagos por serem, segundo diziam, mais fortes que os brancos, enquanto as mulheres eram relegadas a empregos mal pagos por serem mais ' fracas' (...) a lógica nada tem a ver com a opressão"29.

Todos os setores e subsetores analisados apontam para a permanência de um quadro de desigualdades raciais que nem 125 anos de abolição legal do trabalho escravo no Brasil foram incapazes de suprimir/reverter, a despeito dos avanços possibilitados pela atuação incessante dos movimentos negros. Assinalam, outrossim, a persistência de desigualdades de gênero e de raça que inviabilizam o ingresso, permanência, ascensão e igualdade das mulheres (mulheres negras, principalmente) no mercado de trabalho embora devamos reconhecer as inúmeras conquistas derivadas da ação dos movimentos feministas (de mulheres brancas e negras).

VII. Inserção atual dos negros no mercado de trabalho: uma perspectiva comparativa

Em recente pesquisa publicada pelo Sistema ped (novembro de 2012) e realizada em parceria com o DIEESE, a Fundação Seade e o Ministério do Trabalho (mte/fat) para as regiões metropolitanas do Distrito Federal, de Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, Fortaleza e Salvador, mostrou que avanços foram feitos na redução das profundas desigualdades encontradas entre não-brancos e brancos no Brasil. Todavia, consolidou ao mesmo tempo, um conjunto de dados que continua apontando a persistência de significativas desigualdades nas condições de trabalho, acesso e mobilidade social de brancos e não brancos na sociedade brasileira.

Na referida pesquisa, os negros ou não brancos eram em torno de dois terços da População em Idade Ativa (PIA) e da População Economicamente Ativa (pea), constituindo maioria em relação aos brancos. No caso específico de Salvador, a participação de negros na pia e na pea é ainda a mais elevada e alcança 88.8% e 89.0% respectivamente. Apesar disso, a inserção produtiva do segmento não branco se faz mais presente nas ocupações mais subalternas, caracterizadas, sobretudo, pela ausência de proteção social, menores remunerações e jornadas de trabalho mais extensas.

Por outro lado, mesmo com forte presença no mercado de trabalho nas metrópoles, o segmento negro ou não-branco ainda apresenta patamares de desemprego mais elevado que o de brancos. Para o ano de 2012, a proporção de negros (as) no contingente de desempregados, para a maioria das regiões pesquisadas, foi superior a 60%. Nos próprios termos da pesquisa: "Em todas as regiões, independentemente do peso relativo da população negra, observa-se um padrão de inserção desse segmento na condição de desempregados, ou seja, a proporção entre negros entre os desempregados é sempre superior à parcela de negros entre os ocupados e no conjunto da população economicamente ativa" (PEA).

No que tange às taxas de participação por cor e sexo os dados revelados pela pesquisa continuam apontando taxas de participação no mercado de trabalho, para ambos, homens brancos e não brancos maiores que as verificadas para as mulheres. No caso específico das mulheres negras, sua inserção produtiva foi superior á das mulheres brancas, todavia, sua participação é maior em ocupações onde a exigência de qualificação é menor. Aliás, esse é também o caso dos homens negros. Para eles, o setor de ocupação que apresenta taxas mais elevadas é o da construção civil, para as mulheres negras o trabalho doméstico.

Nesse sentido, como apontamos mais acima, os anos de ensino são fundamentais para abertura de oportunidades para os não-brancos (ainda que, como ficou claro também, a educação e os anos de estudo para negros e, sobretudo para negras, não sejam suficientes para sobrepujar os obstáculos que o racismo e suas práticas discriminatórias impõem).

Acrescente-se a isso a menor penetração de negras e negros no âmbito do ensino superior; elemento de seleção e dispositivo de poder e oportunidades, que no Brasil atua como estreito gargalo daqueles que alcançam os melhores cargos, postos de trabalho e remuneração. Isso fica bastante evidenciado quando a pesquisa enfoca as taxas de ocupação nos setor publico. A pesquisa referida salienta que, nesse setor:

"Onde o ingresso ocorre principalmente através do concurso público, é notável a menor presença entre os ocupados negros em relação aos não negros em todas as regiões investigadas pelo Sistema ped. A explicação para essa diferença possivelmente tem origem no fato de que cerca da metade dos assalariados públicos possuírem nível de escolaridade superior"30.

Acrescenta ainda a pesquisa que, "a maior distância entre as participações de negros e não-negros assalariados no setor público foi observada no Distrito Federal, 19,8% contra 28,7%, em 2011 "31.

O quadro desenhado pelos dados levantados, tanto em relação aos estudos produzidos pelo ipea para o início da década passada quanto os do DIEESE, configurados para o início da atual, remetem à necessidade, exaustivamente demonstrada neste artigo, de percorrer os caminhos que nos trouxeram a uma sociedade erigida sobre desigualdades que insistimos em naturalizar, mas atuarmos, intervirmos, com das ações e posicionamentos que permitiriam ultrapassá-las.

A intervenção no combate a essa dinâmica de desigualdades historicamente construídas entre nós carecia, por outro lado, tanto por parte do Estado como por parte da sociedade organizada (movimentos sociais, ong, sindicatos e associações) de instrumentos jurídicos e políticos que viabilizassem maiores avanços.

VIII. A constituição de 1988, e os marcos jurídicos na luta antidiscriminatória no mercado de trabalho no Brasil

A Constituição Federal de 1988 constituiu um marco na transição democrática e na institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Como marco jurídico de uma nova etapa da vida jurídica e política da República brasileira, a Constituição de 1988 consagrou o primado do respeito aos direitos humanos, propugnado pela ordem internacional, como verdadeiro paradigma balizador do ordenamento jurídico nacional e, por consequência, orientador das relações de trabalhos, inclusive as pautadas neste artigo. Orientado por esse conjunto princípio lógico, necessário foi que se abrisse a ordem jurídica brasileira ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o que, por consequência, obrigou a toda uma nova interpretação de princípios tradicionais, tais como a soberania nacional na dimensão política, mas também no próprio âmbito das relações de trabalho, impondo a reorientação e relativização de valores implícitos.

Assim, nos moldes dessa abertura ao ordenamento jurídico internacional, dada pela Constituição Federal de 1988, o Brasil ratificou diversos instrumentos internacionais. No âmbito das relações de trabalho, destaca-se a Convenção 111 da oit que estabelece parâmetros jurídicos para matérias relativas a ausência de igualdade ou, especificamente e propriamente, relativas à discriminação nas relações de trabalho. Nos termos do artigo 1° da Convenção discriminação significa:

"a) Toda distinção, exclusão ou preferência, com base em Raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão; b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidades, ou tratamento no emprego ou profissão, conforme pode ser determinado pelo país membro concernente, após consultar organizações representativas de empregadores e trabalhadores, se as houver, e outros organismos adequados" (OIT, Artigo 1°).

Todavia, com um escopo ainda mais amplo do que o de meramente sincronizar a agenda jurídica nacional ás orientações hegemónicas da ordem jurídica e política internacional, mesmo que lastreado nele, o legislador constituinte, já no pórtico da Carta Magna, Art. 1, inciso III, determinava também como basilar à nova ordem jurídica inaugurada pela nova Constituição e coetânea aos novos valores de uma sociedade em processo de democratização, a dignidade da pessoa humana. Inovava mais uma vez nossa carta jurídico-política maior, revertendo a lógica liberal; posto que tendo a noção de dignidade da pessoa humana um caráter universal, inseri-la no ordenamento jurídico constitucional significava vinculá-la irremediavelmente não somente ás normas infraconstitucionais, como também atrelá-la inexoravelmente á experiência social concreta.

Entretanto, o significado maior dessa articulação jurídico-po-lítica certamente seria então permitir agora, tanto ao poder público quanto á própria sociedade organizada lutar, não somente pela efetivação dos seus direitos já consolidados como também ampliá-los. Constituía-se fortemente aqui e disseminava-se, por consequência, a consciência de que o formalismo natural do processo de positivação das leis poderia sim articular-se à realidade social, facultando ações, intervenções e implementações. Tornava possível, a partir de então, a execução pelo poder público de políticas públicas de combate ás desigualdades, como também aos movimentos sociais, por seu turno, desenvolver ações de combate à discriminação racial e de gênero.

Não é demais dizer, contudo, que essa nova perspectiva jurídico-política apontava também não apenas para a mera igualdade abstrata dos cidadãos perante a lei mas, sobretudo, para a necessidade de se buscar sua igualdade material. A busca por esse ideal, facultada agora pela nova Constituição, não somente entrelaçava a noção de dignidade humana com os princípio da igualdade e liberdade, como também recomendava a isonomia destes últimos como possibilidade concreta de trazer para a prática cotidiana uma igualdade material teoricamente ambicionada.

Assim, o mesmo Legislador Constituinte, que no artigo 3°, inciso IV, da Constituição Federal, estabelecia como objetivo da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; e, no artigo 4°, estipulava o princípio da prevalência dos direitos humanos, podia, fortalecido pela nova dimensão de um Estado-Social fornecedor de prestações positivas, construir condições para a consolidação do corolário do comando normativo da igualdade ou isonomia.

Finalmente, foi por conta dos desdobramentos dessas concepções acima explicitadas que se tornou possível o aperfeiçoamento das leis infraconstitucionais. A Lei 7716 do deputado Carlos Alberto de Oliveira -Lei Caó-, não apenas tipificava o racismo como delito, mas também vedava toda e qualquer forma de discriminação racial no acesso ao emprego tanto na iniciativa privada quanto na administração pública. Em 13 de abril de 1995 seria, por sua vez, promulgada a Lei 9029 proibindo a exigência de atestados de gravidez ou de esterilização no acesso ou permanência no emprego. Mais do que isso, essa Lei tipificava práticas discriminatórias em razão de raça e gênero, estipulando não só sanções civis como multas aos infratores.

No final da década de 1990, precisamente em 26 de maio de 1999, por meio da Lei 9799, introduzia-se na Consolidação das Leis do Trabalho (clt) regras claras no acesso e manutenção da mulher, especialmente da mulher negra no mercado de trabalho. Os objetivos almejados nessa Lei era construir garantias da promoção de igualdade de oportunidades na luta pelos postos de trabalho como salvaguardas contra a discriminação.

Entretanto, esses esforços encetados pelo legislador, decididamente engajado na luta pela erradicação da discriminação racial no ambiente e no mercado de trabalho culminaria; pela reforma do judiciário e através da edição da Emenda Constitucional 45/2004, na ampliação da competência da Justiça do Trabalho, possibilitando a esta Justiça Especializada julgar questões criminais referente ao trabalho.

Especificamente no Art. 114. está disposto ali:

"[que] compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 45, de 2004) I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...] VIas ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; [...] IXoutras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei"32.

A Constituição Federal de 1988 constituiu, concluímos; um marco da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Viabilizou jurídica e politicamente a construção e desenvolvimento de um Estado-social que, através de políticas de prestações positivas, possibilitou conferir materialidade e concretude aos princípios abstratos de liberdade e igualdade. Possibilitou, sobretudo, levar a incansável luta dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada a outras dimensões e outros campos de batalha. Viabilizou, especialmente, a luta antidiscriminatória no âmbito do mercado de trabalho brasileiro, onde tradicionalmente o preconceito se manifesta ainda, lamentavelmente, silenciosa e sutilmente.


Rodape

1Ε. Costa, Da Senzala à Colónia (Unesp, São Paulo, 1998).
2Especialmente o fim do antigo sistema colonial, Independência do Brasil, proibição do tráfico de escravos, industrialização acelerada nos centros dinâmicos do capitalismo, desenvolvimento tecnológico, ampliação e formação de novos mercados consumidores, etc.
3 C. Azevedo, Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites, século XIX, 35 (Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1987).
4 A. Gebara, O mercado de trabalho livre no Brasil, 15 (Brasilense, São Paulo, 1986).
5C. Azevedo, Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites, século XIX, 2425 (Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1987); G. Andrews, Negros e brancos em São Paulo, 123 (Edusc, São Paulo, 1998).
6L. Schwarcz, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 18701930, 177 (Cia. das Letras, São Paulo, 1993); R. Ortiz, Da raça à cultura: a mestiçagem e o nacional, 36-37 (Brasiliense, São Paulo, 2003).
7M. Lima, M. Silva & J. Nogueira, História do trabalho e dos trabalhadores negros no Brasil, 58 (CUT, São Paulo, 2001).
8"Há uma segunda objeção à explicação das desigualdades raciais pelas diferenças de ponto de partida em termos de processo inacabado de mobilidade social da população de cor: esta explicação não incorpora a diferença na experiência histórica entre este grupo e a maioria dos imigrantes europeus chegados ao país entre 1880 e 1930. O imigrante europeu também se integra à sociedade que o recebe a partir da base da hierarquia sócio- económica; porém sua incorporação se fez fundamentalmente por meio do sistema de trabalho assalariado nos setores económicos de maior expansão. Por isso, a posição inicial do imigrante, se bem que pouco favorável, foi estratégica para mobilizar as oportunidades de mobilidade social geradas pela abertura de posições no sistema económico". C. Hasenbalg & N. Silva, Estrutura social, mobilidade e raça, 122-123 (Iuperj, Rio de Janeiro, 1988).
9Hasenbalg e Silva, sustentam que na a região Sudeste, ou Brasil desenvolvido, inclui os Estados do Rio de Janeiro, Guanabara, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estabelecendo o Brasil subdesenvolvido como sendo todos os demais Estados. Tal estratégia é fundamental na medida em que um dos determinantes históricos mais importantes das desigualdades raciais do período pós-escravista relação direta com a maneira como o funcionamento do sistema de trabalho escravo condicionou também a distribuição geográfica da população não-branca, explicando a localização espaço-temporal dessa população. Óp. cit., pp. 123-125.
10Segundo Hasenbalg e Silva, os indicadores da pnad/76 quase 30 anos após a virada urbana brasileira, mostra claramente o perfil das desigualdades geo-econômico-raciais no Brasil. O referido autores assinalan:
"A polarização geográfica dos dois grupos raciais continua sendo acentuada, com quase 70% da população branca residindo no sudeste e idêntica proporção de pretos e pardos concentrados no resto do país, fundamentalmente nos Estados do Nordeste (47,2%), Minas Gerais e Espírito Santo ( 14,1%). Um dos efeitos da distribuição geográfica dos grupos de cor entre regiões desigualmente desenvolvidas manifesta-se no local de residência desses grupos. Neste respeito, a população branca apresenta uma proporção mais elevada de residentes em áreas urbanas". Ibídem, p. 168.
11 M. Lima, M. Silva & J. Nogueira, História do trabalho e dos trabalhadores negros no Brasil, 62 (CUT, São Paulo, 2001).
12"Uma análise mais detalhada mostra, entretanto, que são os trabalhadores não-negros que se concentram de modo mais acentuado nas situações mais formalizadas, enquanto os negros, mais frequentemente, compõem o contingente dos trabalhadores que não possuem carteira de trabalho assinada. Ademais, entre as formas não assalariadas, há proporcionalmente menos negros entre as inserções associadas a maior status, prestígio e ganhos", DIEESE, A situação do trabalho no Brasil, 137 (Autor, São Paulo, 2001).
13Focalizando a análise somente nesses postos de trabalho mais precários ou vulneráveis, é generalizada a concentração dos negros em relação aos não-negros. Esse quadro é mais acentuado em Recife e Salvador e apresenta-se com menor intensidade no Distrito Federal e Porto Alegre -acompanhando as tendências mais gerais da conformação regional do mercado de trabalho brasileiro. Óp. cit., p. 138.
14Mesmo nas situações em que os anos de escolaridade estão equiparados, mostram que os mecanismos raciais de produção da desigualdade são fluídos, variados e complexos. "Em todas as regiões em que as informações tornam possível uma comparação, é nítido que negros apresentam taxas de desemprego maiores que as verificadas para o não-negro com igual escolaridade, à exceção do Distrito Federal". Ibídem, pp. 135-136.
15Vários fatores podem interferir ou explicar o comportamento desse indicador, todavia, alguns não podem ser negligenciados.
"Este é o caso da pressão por entrar no mercado de trabalho devido às necessidades individuais de sobrevivência ou às responsabilidades com o sustento familiar. Também os fatores culturais e a demanda particular do mercado de trabalho por determinado segmento populacional determinam facilidades ou obstáculos para o ingresso no mercado de trabalho. No caso da parcela negra, a existência, por longos períodos, de taxas de participação em patamar elevado
(...) autoriza a considerar-se a maior necessidade da população negra em participar do mercado de trabalho. (...) No caso dos negros, também é relativamente maior a permanência no mercado de trabalho de pessoas com idade igual ou superior a 40 anos. Esta característica sugere que as dificuldades de arregimentar as condições para o afastamento da vida produtiva são sentidas com mais intensidade pelos trabalhadores negros". Ídem, pp. 130-132.
16"Paradoxalmente, isto é assim a despeito da discriminação na esfera ocupacional aumentar junto com o nível educacional das pessoas de cor. Simplesmente, as crescentes barreiras de entrada a empreendimentos económicos de certo porte e o declínio da ascensão social promovida através de relações clientelísticas, tendem a fazer da educação (fora as atividades esportivas e artísticas) a principal via aberta de mobilidade". C. Hasenbalg & N. Silva, Estrutura social, mobilidade e raça, 200 (Iuperj, Rio de Janeiro, 1988).
17"Em 1950, as pessoas brancas tinham umapossibilidade duas vezes maior que osnão-brancos de serem alfabetizadas, a mesma possibilidade sendo 1,3 vezes maior em 1976. Contudo, a proporção de analfabetos entre negros e mulatos é o dobro da dos brancos , destacando-se em particular a categoria de pretos, com 47, 5% de analfabetos. Entre a população urbana, os níveis de alfabetização eram 84,9'%para brancos e 72,1'%para não-brancos, enquanto que na população rural as proporções correspondentes eram de 64,5% e 41,7%. Os dados evidenciam acentuadas desigualdades de oportunidades educacionais. Em comparação com os brancos, os fatos mais notórios são: a) a elevada concentração (46°%) de não-brancos na categoria de sem instrução e menos de um ano de estudo b) a proporção significativamente menor de não-brancos que conseguem completar 5 e 8 anos de estudos; e c) a percentagem insignificante de negros e mulatos que cursaram 9 ou mais anos de estudo (...) É possível concluir que o grupo de mulatos e negros ficou praticamente excluído do boom universitário ocorrido no país nos últimos 15 anos". Óp.cit., p. 170.
18Márcia Lima aponta: "Sabe-se que as condições de educação, trabalho, moradia e renda nas áreas urbanas são muito melhores do que as condições nas áreas rurais. Além disso, os brancos pertencem a famílias cuja renda per capita é muito superior à de pretos e pardos, como também sua família é, em média, menos numerosa. Todos esses fatores contribuem para que haja uma maior probabilidade de acesso e permanência de seu grupo na escola". M. Lima, M. Silva & J. Nogueira, História do trabalho e dos trabalhadores negros no Brasil, 67 (CUT, São Paulo, 2001).
19Hasenbalg, C. & Silva, N., Ibídem., p. 171.
20"Nesse quadro, a escolaridade passa a assumir uma posição de forte centralidade no mercado de trabalho, constituindo-se em uma barreira adicional para os negros, para os quais o acesso e permanência na escola representa um dos maiores problemas (...) Análises sobre o mercado de trabalho têm sinalizado para um aspecto extremamente cruel para a população negra com relação à escolaridade. O estudo do economista Luiz Chateaubriand, demonstrou que somente a escolaridade superior é capaz de igualar as oportunidades de negros e brancos de inserir-se no mercado de trabalho em igualdade de condições, o que evidencia o quanto a universidade é um espaço estratégico para a inserção do jovem negro no mercado de trabalho". D. Queiroz, Trabalho, educação e ações afirmativas para negros no Brasil, em O negro no mercado de trabalho, 49 (Fundação Cultural Palmares, Brasília, 2004).
21DIEESE, A situação do trabalho no Brasil, 142-144 (Autor, São Paulo, 2001).
22T. De Lauretis, A tecnologia do gênero, em Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura, 208 (H. Buarque de Holanda, Org., Rocco, Rio de Janeiro, 1994).
23V. Walkerdine, O raciocínio em tempospós-modernos, 20 Educação & Realidade, 207-226 (1995).
24H. Theodoro, Mito e espiritualidade : mulheres negras, 33 (Pallas, Rio de Janeiro,1996).
25H. Theodoro, Mito e espiritualidade: mulheres negras, 36 (Pallas, Rio de Janeiro,1996).
26O ipea segmentou a pesquisa em 9 (nove) grandes setores que foram divididos em subseto-res, a saber: Comunicação de massas (rádio e T.V., industria gráfica e comércio de jornais, serviços e indústria de equipamentos), sistemas restritos de informação, artes e cultura de elite (arquiteto, desenhista/designer, artes plásticas, fotógrafo, ourives e joalheiros, escritor crítico de arte e jornal), patrimônio e cultura popular (arquivo e biblioteca, serviços religiosos, artesanato), espetáculo vivo e atividades artísticas ( músico instrumentista, artes e espetáculos, circo, direção e produção artística, cinema e áudio-visual, técnico de apoio), Educação, Esporte, não cultura e total.
27Neste artigo, utilizaremos as siglas hora indicadas objetivando tornar a leitura dos dados o menos cansativa e o mais eficiente possível.
28H. Arendt, A condição humana, 68 (Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2000).
29 G. Steinem, Memórias da transgressão: momentos da história da mulher do século XX, 416 (Record-Rosa dos Tempos, Rio de Janeiro, 1997).
30DiEESE, A inserção dos negros nos mercados de trabalho metropolitanos. http://www.dieese.org.br/analiseped/2012/2012pednegrosmet.pdf (20 de maio de 2013).
31Dieese, A inserção dos negros nos mercados de trabalho metropolitanos. http://www.dieese.org.br/analiseped/2012/2012pednegrosmet.pdf (20 de maio de 2013).
32Redação dada pela Emenda Constitucional 45, de 2004.


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