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Eidos

Print version ISSN 1692-8857On-line version ISSN 2011-7477

Eidos  no.11 Barranquilla July/Dec. 2009

 

A PESSOA E OS VALORES PARA AS SOLIDARIEDADES : SIGNIFICADOS AXIOLÓGICOS

PERSON AND VALUES FOR SOLIDARITY: AXIOLOGICAL MEANINGS

Ramiro Délio Borges de Meneses* y Maria Clara Simões*

* Instituto Politécnico de Saúde do Norte - Famalicão. dr.ramiro@sapo.pt

Fecha de recepción: mayo 13 de 2009
Fecha de aceptación: julio 13 de 2009


RESUMEN

Según Max Scheler, el descubrimiento de la persona designa, por supuesto, la entrada axiológica al mundo de los valores, que se organiza según categorías.

Siendo la persona una actividad, M. Scheler la considera de acuerdo a su aspecto relacional. El progreso del valor interpersonal se encuentra en la comunidad, al ser una persona total y valiosa.

Luego, el valor del amor se considera como intrínseco, siendo el amor de la persona un valor per se como persona en totalidad. Pero, la solidaridad representa un momento valioso de la persona, como cordis ordo, dado que manifiesta su participación activa en la promoción del Otro.

PALABRAS CLAVE
Valor, ética. cordis ordo, persona, solidaridad, axiología y Max Scheler.


ABSTRACT

This paper focuses on Max Schelers idea of person and its meaning in terms of values organized according categories.

The work of Scheler on ethics expands the solidarity of the person as cordis ordo by the construction of a hierarchical system of values.

Therefore, the recognition of the realm of universal values, a sector of which forms the ethos of a given age, has to be supplemented by that of the order of the time with its individual values and claims.

There are many lectures of values in axiological philosophy, as we explain in this paper according to material-values ethics, and they are very important in the revelation of the Other.

KEYWORDS
Value, ethics, cordis ordo, person, solidarity, axiological philosophy, and Max Scheler.


INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da vida exige actividade e esta requer como seu "digno" incentivo o Wert (valor), palavra introduzida por Kant. (Kant, 1911)

Deste modo, vemos introduzida a noção de "valor", como implicação da actividade na Filosofia dos Valores. Assim, nasceu num ambiente de anti-intelectualismo, em que a ânsia de actividade leva naturalmente à supremacia das faculdades apetitivas do ser humano, que são as potências operativas por excelência.

Segundo a Psicologia e em linguagem vulgar, o"valor" significa o resultado de uma avaliação (Geltung). Porém, na linguagem filosófica, Wert refere-se, fenomenologicamente, como princípio da avaliação.

Os modernos axiologistas confundem estas duas acepções, pretendendo falar do "valor ontológico", ao atribuir-lhe características psicológicas. Segundo este domínio, o valor aparece como relativo, variando com as pessoas e com as circunstâncias.

Em sentido ontológico, não parece haver uma tal relatividade, dado que o valor intrínseco da coisa mantém-se inalterável. Apesar do mesmo objecto ser avaliado de modo diferente, nem por isso, deixa de ser aquilo que é, e a coisa em si, vale porque é, daqui que a sua hierarquia axiológica corresponder ao seu grau na escala dos seres.

Assim, seguiremos as ideias gerais da "filosofia dos valores", que se poderão apontar nos pontos seguintes: que características possuem os valores, considerados em si mesmos; como se apreendem os valores e como se fundamentam. Serão estas as questões axiológicas que consideramos ao longo deste estudo.

Segundo a perspectiva filosófica, pela análise das nossas atitudes práticas e pela reflexão das mesmas, conseguimos atingir a consciência do Valor.

Os valores são, no aspecto formal, positivos e negativos, pessoais e reais (de coisas), autónomos e dependentes. Pelo aspecto material, são sensíveis (hedónicos, vitais e utilitários) e espirituais (lógicos, éticos, estéticos e religiosos). Do mesmo modo, em M. Scheler, os critérios para a "hierarquização dos valores" são a maior duração, a menor divisibilidade, o facto de servirem de fundamento a outros pela maior proximidade da sensibilidade espiritual. Os mais altos de todos são os religiosos, os do heilig (santo).

Para Kant, a revolução crítica estabelece o privilégio ontológico da razão prática. O valor, na perspectiva do deontologismo kantiano, é deslocado do "cosmos" para o domínio da consciência moral -Bewusstsein-, porque a -Guter Wille- pode, sem restrições, ser julgada boa e ser o fundamento da obrigação moral (Verbindlichkeit).

Não obstante, a metafísica moral de Kant estabelece que a realidade é dominada pelos valores da consciência moral, acabando por coincidir o ser e o bem, na orientação de Hessen. O idealismo transcendental kantiano acentua a tendência para considerar o valor como um princípio supremo da vida prática.

Lotze é considerado, stricto sensu, o fundador da "filosofia dos valores" por ter introduzido o conceito de "valor". Na sua obra Mikrokosmos, distingue entre conexões causais, de sentido e de fim e estuda a relação do homem para estes três círculos, considerando a relação do homem a Deus, como uma "ética", tal como em Kant. Assim, distingue rigorosamente o ser das coisas do valor.

Todavia, tal como Kant, está convencido de que ser e valor acabam por ter uma raiz comum. Objectivamente, o Valor é aquilo que fundamenta uma avaliação determinante de que um querer certo pela bondade transforma o essente num bem: bonum.

Será , na verdade a avaliação da bonitas,o problema da ontologia medieval, que está por detrás da filosofia moderna do Valor. Mas, será Lotze que torna autónoma a percepção espiritual do Valor. Na verdade, procura uma demonstração análoga ao argumento ontológico, baseada na consciência do valor (Valere), para refutar o panteísmo e provar a existência de Deus.

Um filósofo profundamente influenciado por Lotze foi Brentano, que, em Von Ursprung sittlicher Erkenntnis (1889), destaca a importância do "sentimento" para o Valor, apreendendo-se este numa forma específica do amor.

Ao Valor atribui-se formalmente o valere, isto é, o quid em virtude do qual este objecto diz alguma coisa ao nosso sentimento dos valores. A objectividade só se oferece em função de um sujeito dotado com uma certa "consciência".

Diferentemente, da neo-escolástica, Hessen, como estudaremos neste artigo, considerou que Aristóteles confundiu o conceito de ser com a ideia (conceito do "dever ser"), o que esteve na ordem da incorporação do Valor na realidade - omne ens est bonum -. Geralmente, a neo-escolástica fundamenta o bonum no ser e a Bona (valores particulares) nos aspectos diferentes do ser, interpretando, deste modo, a célebre e concisa frase do De Veritate de S. Tomás de Aquino: essentialis bonitas non attenditur secundum considerationem naturae absolutam, sed secundum esse ipsius humanitas enim non habet rationem boni vel bonitatis nisi in quantum esse habet.

De facto, a hierarquia de valores depende dos seres ou da sua perfeição. Segundo a perspectiva neo-escolástica, Rintdem considera o Valor como um conteúdo de sentido em que o ser realiza um fim (finis), porque: omne ens agitpropter finem. Esta concepção de valor é apoiada numa interpretação da história pelo desenvolvimento da consciência moral, tal como surge em Kant.

Para terminar esta introdução, poderemos terminar com o pensamento de Antero de Quental, para quem os valores do "santo", caminham à frente de todos os outros, no progresso da Humanidade.

Aqui, neste texto, desenvolveremos o sentido e evolução do valor nas suas concepções e evolução.

AXIOLOGIA: OS ELEMENTOS ATRIBUÍDOS

Lotze frisara que os seres são, mas não valem, enquanto que os valores valem, mas não são, não possuindo realidade objectiva e são como "dignidades do ser". Os valores são imaginários e "valem" independentemente da sua realização. Todos nós consideramos a amizade como um "valor", dado que esta ut sic não existe. Mas, vivemo-la e dignificamo-la. Para prova desta acção temos o pensamento de M. Scheler, quando diz que ela não sofre quebra, porque um amigo meu me traiu (Scheler, 1966).

Com efeito, Hessen acrescenta: os valores estéticos perdurariam, mesmo que fossem destruídos todos os objectos de arte, através dos quais se tornam visíveis (Hessen, 1944 ).

Igualmente, Hessen refere que os valores dão sentido e bem à existência do homem, quer em relação ao próprio indivíduo, quer à comunidade e demonstra-o a partir do estudo do sentido da vida e do sentido da cultura.

Segundo Scheler, de acordo com os princípios fenomenoló-gicos, o "valor" (Wert) é uma qualidade inerente aos objectos, não uma qualidade real, mas algo de "irreal", que corresponde ao "estado afectivo"e que acompanha os objectos ou fenómenos apresentados na consciência pura (Ortega y Gasset, 1943).

Assim, Scheler considera o "objectivo", porque não é uma produção do sujeito, mas corresponder-lhe-á algum objecto extrínseco.

Hessen não reduz o valor a um puro fenómeno da consciência pura, admite o mundo irreal de Hartmann, irredutível ao mundo dos valores. Todavia, segundo Hessen, os valores não são absolutos, mas essencialmente relativos. Não há valores em si, mas só valores para alguém (Hartmann, 1948).

Com efeito, estes, sem deixarem de ser aquilo que são, na ordem ideal, podem realizar-se, ao incarnar num objecto real, numa obra de arte. Será só através dos valores realizados, que descobrimos o mundo dos valores ideais.

Será pelo culto prestado aos valores espirituais, que o homem se personaliza. Logo, a personalidade será a realização de valores. Procuramos realizar os valores espirituais, colocando-os ao seu serviço e procura dar-lhes realidade, tanto quanto couber, tão abundante e absolutamente quanto for possível. Apesar de tudo, neste aspecto concordam Hartmann e Scheler, o valor realizado não se identifica com o objecto ou com o ser em que se realiza. Este é apenas o seu portador, podendo variar, permanecendo o mesmo valor, como pode ser também portador de diferentes valores. Consequentemente, o valor artístico pode ter como suporte uma estátua, uma pintura, uma paisagem e a mesma estátua é susceptível de valores estéticos, econômicos e religiosos (Fragata, 1946 ).

Esta radical distinção não impede uma íntima relação entre valor e ser, que se completam mutuamente. Isto porque qualquer ser encerra algum valor e qualquer valor tende a realizar-se num ser. Segundo Hessen, os valores pertencem à ordem ideal do valor intemporal. Contudo, acham-se numa certa relação com a ordem real (Hessen, 1974 ).

Por uma ontologização axiológica teríamos, além dos princípios clássicos, essência e existência, a um terceiro que dele dimana, denominado "valência". Esta funcionaria como uma síntese.

Tal será a opinião dos axiologistas da Escola de Baden (W. Willelband, Rickert, etc.), para quem o valor (Wert) se identifica com o pensamento lógico, será valor tudo quanto for pensado como tal, como impressão agradável ou desagradável, vivida pelo sujeito (Ribot, (s.f.)).

O valor não apresenta existência objectiva, na perspectiva de Ehrenfels, sendo determinado pelo desejo que se deve unir ao sentimento. Dizemos que as coisas têm valor, porque as desejamos, logo o valor da coisa consiste no desejável (Ribot, (s.f.)).

Não queremos uma coisa porque a conhecemos como boa ou útil, mas conhecemo-la boa ou útil, porque a queremos. Na verdade, se desejo um objecto, então tem valor; se o não desejo, não tem valor.

Daqui que o valor seja essencialmente relativo. Só existirá se existir um sujeito, que actualmente deseja.

Com efeito, como desejamos o que é útil ou deleitável, segue-se que a sua essência consiste no prazer que originam no sujeito ou na satisfação de uma necessidade. Os valores, pela leitura de Croce, são os sentimentos orgânicos, enquanto acompanham a actividade espiritual (Donat, 1921, p. 118).

Estas reflexões, segundo Hessen, mostram bem como o sentido da vida está dependente dos valores. O sentido da vida alcança-se tanto melhor, quanto maior for a capacidade do homem para realizar os valores, para os quais nasceu e aos quais está subordinado.

Hessen afirma que há valores espirituais e não-espirituais. Os espirituais são aqueles que constituem a cultura; os outros, especialmente os utilitários, são o substrato daquilo a que se chama de "civilização". Todo o acto da cultura consiste na realização de um valor, que pode ser na forma de valor científico, estético ou ético. Todo o processo cultural é um processo condicionado e definido por valores (Coreth, 1988).

A sua actuação obedece a um "deve ser" que a cultura assume. Este é o apelo que os valores dirigem ao homem e que ele tem de realizar, se quiser obedecer à lei da sua própria autorealização na perspectiva de Hessen.

Sendo o mundo dos valores uma produção do espírito, dependente dos sentimentos excitados no sujeito, segue-se logicamente o relativismo. O valor é relativo como o conhecimento. Mas, o valor ontológico, do mesmo objecto, pode ser diferente para várias pessoas ou ainda para a mesma, noutras circunstâncias.

Uma característica, relacionada com as anteriores, será considerar o valor dotado de graus, ou seja, há várias qualidades de valores. Será preocupação de todos os axiologistas formar uma "escala ascendente" (Marquez, 1942).

As escalas de valores, normalmente, vão subindo dos valores económicos, passando pelos intelectuais, até aos religiosos, que são os mais elevados.

Como escreve Hessen, na ordem do ser, não se dá tal hierarquia: há o mundo inorgânico, o psíquico, o espiritual, etc., mas estes degraus da realidade não correspondem aos graus do ser.

Não se pode afirmar que qualquer deles possua mais ser do que o outro. A única alternativa, que, neste caso, se impõe, é ser ou não ser, existir ou não existir, não havendo meio termo (Hessen, 1974).

Para cada degrau das escalas, os valores são aos pares, dado que a um sentimento agradável corresponde um valor positivo, a um sentimento desagradável deve corresponder um valor negativo. Esta qualidade, denominada -polaridade- é exclusiva do mundo dos valores; os seres são todos positivos; o ser negativo; o não-ser; o puro nada. Embora como verdade, o desvalor não elimina inteiramente o valor, mas apenas a sua positividade.

Assim, escreve N. Hartmann: existem no mundo a imperfeição, o mal, o desvalioso. Sem dúvida, o Mal existe. Ele não tem menos realidade do que o Bem e a perfeição (Hessen, 1974, pp. 80-81).

Hessen acrescenta que negar a realidade do Mal ou considerá-lo um simples ens privatum, será o mesmo que fechar os olhos à evidência.

A escala axiológica comprova a irredutibilidade entre ser e valor. Teoricamente, construímos esta escala, que poderemos considerar fixa, em determinado grau, será fundamentação exclusiva do sujeito e portanto "relativa". Com efeito, por esta razão, Küppe escreveu: toda a determinação do valor fundamenta-se no subjectivismo, isto é, na aprovação ou reprovação do sujeito.

SENTIDO E EVOLUÇÃO DOS VALORES

Os valores bastam-se a si mesmos, afirmam alguns. Naturalmente, não se apoiam no ser, são não-seres, absolutos, eternos, necessários e valem porque valem. Existe o valere e o desvalere, que, na parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37), tem duas metáforas vivas: o "semi-morto", como "desvalido no caminho" da dor e do sofrimento e, finalmente, o Samaritano que se "comove" e presta auxílio. Um representa o "valor" e o outro o "contra-valor", respectivamente.

Os valores são activos e passivos, simultaneamente, sendo representados linguisticamente pela "voz média". Teologicamente, pela parábola do Homo Viator, os valores fundamentam-se nos rahamim ou pela "comoção das vísceras". Toda a conduta do Bom Samaritano foi de um Samaritano bom, porque reveladora de um comportamento axiológico e digno.

Fenomenologicamente, Scheler fundamenta o valor no próprio ser. Segundo a parábola do Desvalido no Caminho, os valores da conduta exemplar do Samaritano fundamentam-se na "comoção poiética", determinante de nova forma axiológica poiética (Borges de Meneses, 2005).

Se Scheler afirma que o valor se funda no ser é só porque requer necessariamente um portador, como o líquido exige um recipiente para se transportar. O valor está intrinsecamente no esse, como um corpo no lugar do qual se distingue realmente.

Segundo Hessen, que adequadamente impugna o subjectivismo puro e o relativismo, existe um reino supra e trans-individual de valores, que não pode ser apenas referido a um sujeito humano. Este pensador conclui pela necessidade de admitir um correlativo subjectivo de um tal mundo num sujeito supra e trans-individual, isto é, sobre-humano e supra-terreno. Estes valores terão de ser pensados e vividos por nós na forma de conteúdos mentais de um Espírito absoluto (Hessen, 1974).

Segundo os sequazes do subjectivismo, o fundamento ontológico do valor aparece ou manifesta-se num sujeito que deseja satisfazer um sentimento ou uma necessidade. Esta satisfação seria a essência do valor. Tal aparece metaforicamente, pela "fruição" dos salteadores, segundo a parábola do Desvalido no Caminho.

Com efeito, se determinada coisa é para mim, um valere, objectam outros axiologistas contra esta opinião, o sentimento colectivo vem aumentar ainda em mim esse valor. A origem ontológica do valor não é a sociedade, dado que o valor colectivo é um novo valor, que se vem juntar ao que eu já possuía.

Evitam estas dificuldades os que, mais imbuídos do espírito de Kant, fundamentam o valor na "obrigação" (Verbindlichkeit), onde se fundamenta o "dever" (Pflicht). Qualquer acto humano será bom, então terá valor, se satisfizer uma obrigação. Segundo o idealismo transcendental de Kant, a "obediência" ao dever constitui o verdadeiro valor (valere) (Leguam, 2001). Como conhecemos os valores? In genere, os valores são a-lógicos, uma vez que incluem uma relação essencial, não ao entendimento, como o ser, mas ao sentimento. Para a sua apreensão não é necessário raciocinar, basta o sentir. Definem-se na "ordem do coração", de que nos fala Pascal.

De acordo com a fenomenologia axiológica de Scheler, a apreensão dos valores, em harmonia com os princípios fenome-nológicos e a faculdade de apreensão será o "sentimento". Se o homem fosse só entendimento, então não conheceria os valores. O acto fundamental, correspondente a esta apreensão, é o sentir intencional, intuitivo e a priori.

Os valores são qualidades, que se tornam presentes directamente no nosso sentir intencional. O a priori tem por objecto, não a coisa que existe fora do sujeito, mas unicamente o fenómeno ou vivência, que se apresenta na consciência pura (Scheler, 1941).

Scheler assinala o "sentir intencional" como um estado afectivo do sujeito. Logo, a objectividade do valor identifica-se com o "estado afectivo" e o conhecimento deles com o sentir deste estado afectivo (Scheler, 1941).

Hessen dá mais realce à actividade intelectual, apesar de a conservar ainda num estado secundário. Assim, opõe-se ao "sentir intencional" fenomenológico, que Scheler apresenta como acto de nova faculdade, e admite uma intuição emocional semelhante à "ordem do coração", como um misto de sentimento e de intelectualidade, com preponderância exagerada do sentimento, o que o leva também a certo alogicismo. Se ser e valor se convertem, e se todo o ser vale e todo o valor existe, então é evidente, que a resposta tem de ser negativa.

O valor supõe uma tendência, pois amamos e buscamos o que vale e como podemos desejar e tender para aquilo que não existe? Será verdade que reconhecemos à amizade um valor, independentemente da sua realização actual, mas daqui não se segue que estes valores não sejam seres.

Todo o ser tem valor, ou seja, todo o ser é bom; pois se é bom, é conveniente; se é conveniente pode aperfeiçoar e o que pode aperfeiçoar vale.

Que todo o ser é conveniente não o podemos negar, se consideramos que, para cada ser, é melhor existir, que não exista. A existência, pela qual está constituído, em determinado grau de perfeição, convém-lhe a ele um valor. Tudo o que existe ama a sua perfeição e emprega todos os esforços para a conservar (Aquinatis, 1985).

O valor não é mais que o próprio ser, enquanto diz relação a outro, que o pode apetecer. Também, o valor não prescinde do ser, pois, o valor é, necessariamente, o valor de alguma coisa, como a subida é subida do caminho. Será impossível conceber o valor (valete) sem o ser.

Na ordem ontológica, nem o ser prima sobre o valor, nem o valor sobre o ser, visto que ambos se identificam (Aquinatis, 1985).

O valor das coisas é que se impõe e atrai a si o sujeito que apetece, de tal modo que este só não é arrastado necessariamente, porque o valor se lhe apresenta como imperfeito, e, portanto, outro pode ser preferido.

O Bom é, segundo S. Tomás de Aquino, o "ser", enquanto apetecível: bonum est aliquid in quantum appetibile est (Aquinatis, 1985). Logo, a nota essencial do valor é ser apetecível, o que supõe necessariamente uma relação ad aliquid.

O valor avalia-se pela relação do ser a determinado apetite, que actualmente deseja, e na medida em que deseja; por isso, o ser pode ter em si valor, sem ser actualmente um valor para mim, ou possuir um valor diferente daquele de que desfruta e um apetite determinado pode atender só a um aspecto da perfeição total do ser.

Necessariamente, o valor ontológico mede-se pela relação, não actual, mas possível a qualquer apetite, que pode desfrutar da sua perfeição, segue-se que o valor ontológico corresponde à perfeição total, ao passo que o psicológico pode corresponder a um aspecto dela.

Naturalmente, o ser é desejado, por que vale - bonum est in rebus -.23 O ser vale porque é desejado, dado que o ser tem ontologicamente valor fixo, independentemente do próprio desejo, pela colocação de determinado ser na escala dos valores, não é uma função subjectiva.

Como o valor varia com a perfeição, o ser ocupará um degrau mais ou menos elevado, segundo for mais ou menos perfeito, isto é, segundo for mais ou menos ser (Aquinatis, 1985).

Como ser e valor se identificam, o valor será tanto mais elevado, quanto mais alto degrau ocupar na escala dos seres, quanto mais plenamente possuir o ser. As coisas criadas possuem mais ou menos plenamente o ser, conforme a livre determinação da vontade criadora é evidente que só em relação a Ela a colocação de determinado ser na escala dos valores é total e subjectiva a priori. O verdadeiro fundamento tem de se buscar no próprio ser, visto que a perfeição existe nele, sendo o ser perfeito, pelo simples facto de existir e, portanto, não havendo distinção real entre perfeição e ser, o fundamento próximo do valor é o próprio ser.

Vemos quanto difere esta opinião da de Scheler, para o qual o ser é apenas um fundamento, isto é, uma pura condição necessária do valor, que realmente se distingue do ser. Admitimos que o ser é o suporte do valor, enquanto concebemos o valor inerente ao ser; mas, na realidade, é inadmissível a distinção entre valor e fundamento.

Assim, a afirmação de que o ser vale per se, ou seja, não tem fundamento, é ainda mais insustentável, se atendermos a que todo o valor existe e tudo o que existe de um modo finito, não pode ter em si a sua autossuficiência.

Hessen e alguns neo-cantistas de Baden que, dos valores contingentes, sobem até Deus, suprema realidade valiosa procedem ilogicamente ao estabelecer uma relação essencial entre o valor que qualificam de irreal e um Ser transcendente, que apresentam como realidade infinita.

Aproxima-se da verdade M. Scheler e J. Hessen, bem como alguns neo-kantianos que, dos valores contingentes, sobem até Deus, suprema realidade valiosa. Contudo, quando se verifica uma relação essencial do valor, que se qualifica de irreal, e um Ser transcendente, que se apresenta como Realidade infinita, então surge um termo ilógico.

APREENSÃO DOS VALORES: SENTIDO E DETERMINAÇÃO

Sendo aceite a distinção entre ser e valor, necessariamente teríamos de encontrar uma nova faculdade diferente do entendimento (Verstand) para apreender o valor. Uma vez identificada esta com um sentimento especial, a apreensão axiológica seria alógica. O sentimento afectivo não se rege pelas leis da lógica.

Tudo isto porque o valor é ser e a faculdade do ser é o entendimento, que se rege pelas leis da lógica.

Para um melhor entendimento, observemos que, sendo o homem uno, não existem nele dois conhecimentos, nem dois sentimentos, um dos quais corresponderia ora à parte sensitiva, ora à intelectiva.

Na verdade, conhecimento e sentimento são essencialmente compostos pelo influxo de duas actividades realmente distintas, provenientes da entidade material e da espiritual.

Todavia, a acção da parte espiritual origina, não um novo conhecimento ou sentimento, mas completa o mesmo conhecimento.

Analisando a apreensão axiológica, distinguimos três momentos, dos quais nenhum deles goza de prioridade temporal. Em primeiro lugar, a apreensão da realidade sensível, que se determina segundo o processo abstractivo, a que nos referimos, ao tratar da apreensão do ser como verdadeiro; em segundo, a vontade reage a esta apreensão, com a qual se satisfaz; em terceiro, por meio do entendimento conhecemos a satisfação da vontade ou sentimento agradável e, logo, temos a noção de valor.

Não obstante a apreensão axiológica, não é constituída por três actos distintos, mas por um único acto, para o qual colaboram três actividades distintas, provenientes do princípio material, do entendimento e da vontade. Estas actividades estão unidas e são necessárias para o conhecimento do valor.

Sem o sentimento originado pela realização do apetite volitivo, seria impossível apreender o ser como um valor (valere) e, sem a actividade intelectual, o próprio sentimento não seria sentimento, visto ser desconhecido.

O sentimento tem necessariamente de ser intelectualizado e a apreensão dos valores não é "a-lógica". Enquanto, a satisfação do apetite ou sentimento é especificativo do ser como - valere -, justamente falamos de certa primazia deste, em ordem à apreensão dos valores.

Como o sentimento é tanto mais elevado, quanto mais se afasta da matéria e se aproxima do Espírito, que é a parte mais nobre do homem, segue-se que os valores serão tanto mais elevados, quanto mais imateriais.

Os fenomenologistas afirmam-no, porque desprezando o poder abstractivo da Verstand (entendimento), e pretendem haurir a noção de valor dos fenómenos da consciência pura, o que os manteve nos limites do subjectivismo.

A noção de valor (valere), embora presente na consciência, é haurido do objecto extrínseco, que se manifesta como "valioso", através da emoção sensível, será naturalmente a posteriori.

Semelhante resposta, poderemos fornecer acerca do carácter intuitivo desta apreensão. Porém, esta intuição é apenas do valor, como se apresenta na consciência, ou seja, da própria actividade subjectiva, que tem por termo a ideia, pela qual atingimos o valor extrínseco do objecto (Kant, 1981, pp.74-75).

Do valor extrínseco não temos uma verdadeira intuição, dado que não o atingimos como é em si, mas através do processo abstractivo.

Porém, como o acto do nosso conhecimento termina no próprio valor extrínseco do objecto, conclui-se que não podemos falar adequadamente da intuição ontológica do valor.

FUNDAMENTO DO VALOR : PELA AXIOLOGIA FENOMENOLOGICA

A palavra «valor», quando pronunciada, pode querer traduzir três coisas distintas (Hessen, 1974, p.43): a vivência de um valor, a qualidade de valor de uma coisa, ou a própria ideia de valor, em si mesma. O significado da palavra «vivência» permanece no domínio da consciência, da psicologia. Mas, se entendermos o «valor» como uma qualidade, isto é, como uma particularidade de ser das coisas, permanecemos no domínio do naturalismo, em que o valor é apenas uma qualidade real de certos objectos. Se entendermos por «valor» apenas a sua ideia, estamos a "coisificar" esses valores.

Roque Cabral diz que «o valor é um aspecto do bem, tanto no plano fenomenológico, como no ontológico. A "essência" fenomenológica do valor, consiste na estimabilidade ou amabilidade, "caracter das quais, que consiste em elas serem mais ou menos estimadas ou desejadas, merecerem mais ou menos estima, satisfazerem a um certo fim" (Lalande). Por sua vez, a natureza ontológica do valor reside na plenitude de ser ou de perfeição que lhe é própria (...). No sentido moderno do termo, valor acrescenta à referida noção de "aspecto do bem": a referencia a um sujeito (em ultima análise a o espírito): o valor vale "para alguém"; a estima efectiva da "importância" que o valor tem...» (Cabral, 2000, p. 250).

O valor é, sem dúvida, algo que é objecto da experiência de uma vivência, por parte do sujeito, por parte da pessoa, pois podemos ver o valor de uma personalidade, a beleza de uma paisagem, o carácter sagrado de um lugar. Neste caso, estamos, respectivamente, perante valores éticos, estéticos e religiosos. Podemos então dizer que só o valor por nós vivenciado é um facto real, isto é, quando o consideramos de qualidades valiosas (Hessen, 1974, p. 43), de um quale (Hessen, 1974, pp. 73-74) dos objectos em questão: homem, paisagem, lugar. É este quale que lhes determina o caracter e desperta em nós o sentimento respectivo ou a respectiva vivência. Existe ainda a ideia de valor, baseada no conceito do género, sob o qual assumimos o conteúdo de todas as nossas vivências da mesma espécie. Como ideias de valor nos exemplos referidos, temos os conceitos de bem, belo e santo.

Assim, o termo «pessoa» reúne esta série de «valores», contendo ambos os termos (pessoa e valor) uma conotação diferente. Porém, existem vários valores ou variadas espécies de valores. Para M. Scheler, existe uma relação íntima entre valor e dever-ser, «em que todo o dever-ser se funde num valor» (Hessen, 1974, p. 74). Mas este dever-ser é diferenciado de duas formas : uma ideal e outra normativa.

Podemos falar de um "dever-ser ideal" (idealessollen), quando o "dever-ser" se funde num valor por nós contemplado, no aspecto da sua relação com um possível "ser real". Mas, a este contrapõe-se outro "dever-ser", aquele por nós contemplado dentro de uma outra relação como o "dever ser de obrigação" (pflichtsollen). O primeiro destes dois "dever-ser" é o que aparece formulado, por exemplo, na proposição "o mal não deve existir"; o segundo, nesta:"não deves praticar o mal" (Hessen, 1974, p. 76).

Esta visão traduz que o "dever-ser ideal" se transforma num "dever-ser normativo", desde que o seu conteúdo passe a ser concebido, vivido (erlebt) por uma consciência apostada na sua possível realização ou inclinação por um qualquer impulso profundo (Hessen, 1974, p. 214).

Neste sentido, e seguindo o pensamento de M. Scheler, este é de opinião que o "dever-ser ideal" pertence à essência dos valores, desde que contemplados na relação com uma possível realidade, pois o dever-ser ideal tem principalmente o seu «fundamento na sua relação entre o valor e a realidade» (Hessen, 1974, p. 188). Isto é, os valores, quando contemplados em si, não abarcam ainda a conjuntura do dever ou da obrigação. Pelo contrário, todo o "deverser" depende da esfera da existência ou não existência dos valores.

Com efeito, «O homem vive entre os valores e vive de valores» (Lazcano, 1995, p. 345). Como todos os valores se referem ao sujeito humano, o homem, instituído por sensibilidade e espírito, abarca nele o pensar as ideias, a intuição e uma classe de actos volitivos e emocionais; bondade, amor, arrependimento e veneração (Bastos, 2000, p. 151). Neste sentido, podemos considerar estes valores em dois grupos fundamentais - "valores sensíveis" e "valores espirituais". Os valores sensíveis referem-se ao homem como simples ser da natureza. Os valores espirituais referem-se ao homem como um "ser espiritual". Assim, analisaremos especificamente o sentido terminológico da "pessoa" e "valor", tendo como referência a temática da antropologia filosófica de Kant e M. Scheler.

PESSOA COMO «VALOR EM SI MESMO»

A pessoa, por definição, não é uma coisa. As coisas têm um preço e o seu valor é relativo à capacidade de satisfazer as nossas necessidades. Pelo contrário, uma pessoa é um ser dotado de razão, é livre, detentora da capacidade de determinar por ela os fins das suas acções. É esta capacidade que lhe confere uma dignidade, um valor intrínseco, sem equivalente e, portanto, sem preço.

Mas «no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Aquilo que tem preço pode ser substituído por algo equivalente; (.) mas aquilo que constitui a condição para que algo seja fim em si mesmo, isso não tem meramente valor relativo ou preço, mas um valor interno, isto é dignidade. A moralidade é a condição sob a qual um ser racional pode ser fim em si mesmo, porque só por ela é possível ser membro legislador no reino dos fins. Assim, portanto, a moralidade e a humanidade, enquanto que esta for capaz de moralidade, é a única que possui dignidade» (Kant, 1991, pp. 76-77 ).

O respeito pela dignidade humana é uma lei universal que implica a necessidade prática de agir segundo este princípio, ou seja, o "dever". O dever que, segundo Kant, «não pertence ao chefe no reino dos fins, mas sim a cada membro e a todos em igual medida» (Kant, 1991, p. 76). A não violabilidade da dignidade humana expressa um postulado ou preceito incondicional para todas as condutas. Este preceito tem como condição apriori um alcance transcendental.

Podemos dizer, assim, que o homem, para além de ser o «lugar dos valores» (Gevaert, 2001, p. 195), é um valor em si mesmo, isto é, «a chave de todos os valores deve ser o valor absoluto das pessoas» (Kant). Este é o valor absoluto no mais pleno sentido da palavra (Cortina, 1995). Compreende-se, desta maneira, que o reconhecimento deste valor solicita, confere, que as pessoas não devam ser tratadas como instrumentos, mas possuidoras de uma dignidade, e é esta dignidade que lhes confere direitos (Cortina, 1995, p. 108). Esta afirmação significa que as pessoas são sujeitos de direitos, porque têm um valor.

Por sua vez, tais direitos consistem em proporcionar às pessoas viverem numa sociedade em paz e num meio ambiente saudável. Estes valores que estão incluídos, em tais direitos, são universais, tais como: o valor da vida, a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a paz e a tolerância activa (Cortina, 1995, p. 109).

Actualmente, as "diferentes sociedades", inseridas em diferentes contextos culturais, assumem, cada vez mais, que o seu pleno funcionamento depende do reconhecimento dos valores humanos dos seus cidadãos. A importância dos direitos humanos, fundamentados nos valores humanos, é um exemplo na constituição de muitos estados. Porém, é em cada situação concreta, através das suas escolhas, que o homem afirma a sua liberdade e estrutura a sua personalidade. O homem estrutura a sua personalidade adoptando, como princípio de referência dos seus actos, valores que comandam os seus julgamentos e as suas decisões sobre o que convém ou não fazer. Contudo, estes valores tornam-se mais importantes quando existe entre eles coerência; é esta coerência que confere consistência ao comportamento e impede que este seja apenas o resultado de escolhas aleatórias, apesar de bem intencionadas. Normalmente, a praxe de valores individuais está de acordo com a praxe de valores da comunidade na qual o homem vive.

Em suma, o homem não é só um "sujeito de valores" (Verges, 1993, p. 26), mas também um "valor pessoal". Com esta expressão, M. Scheler coloca o homem no centro de todos os valores. O homem, em virtude do seu humanismo, provido de autoconsciência e de liberdade, propriedades únicas do mundo racional, frente a todas as outras espécies de animais, é um valor único do seu género. Significa que o homem é uma espécie de «universo pessoal» (Verges, 1993, pp. 26-27) e a liberdade um valor fundamental. Como afirma José María Méndez: «os valores pertencem ao mundo da liberdade» (Méndez, 1995, p. 57).

Sendo o homem um ser em constante agir, isto é, actor de todas as suas acções, significa que o valor deve ser pensado em relação com a acção (Renaud, 1994, p. 300). O problema da acção e a questão dos valores encontram-se indissoluvelmente ligados. Agir pressupõe sempre uma opção, uma tomada de posição, uma valorização, implícita ou explícita. Reflectir sobre os diversos valores adoptados pelo homem é compreender melhor a sua acção. Não menos importante foi reflectir sobre a relação do homem com o mundo, que se reveste pelo descobrir do seu próprio "valor" de homem. Daí a importância em analisarmos o alcance desse "valor".

ALCANCE DO VALOR DA PESSOA

O deontologismo de Kant e dos seus seguidores provocou, no século XX, a reacção da "ética material" de M. Scheler. Ao contestar as teses das "éticas materiais" anteriores de "bens" e de "fins", Kant estaria a anexar, erradamente, a noção de "fim" ao de "valor". Segundo Max Scheler, os "bens" são "coisas" valiosas. A axiologia de Max Scheler ostenta uma independência entre os "valores" em relação aos "bens" e aos "fins" de Kant. Em M. Scheler, os "bens" são objectos que dispõem da presença de "valor" e por "fins" compreende-se todo o conteúdo do pensar, do perceber, do representar . Mas estes "fins" estão constituídos nos objectivos que, por sua vez, não são representativos e pertencem à ordem do querer. Neste sentido, os objectivos (Varges, 1993, p. 30) caracterizam-se como tendência a algo, e têm os valores enquanto fundamento. Por isso, os "valores", que não podem ser apartados dos "fins" nem tão pouco terem conteúdos representativos, existem nos objectivos e, portanto, não podem ter uma concepção subjectivista como a de Kant. É por este motivo que Max Scheler faz uma clarificação sobre o conceito de valor, entre o "formal" e o "material", refutando o racionalismo formal e realçando a "materialidade" dos valores.

Ora, face ao que foi dito, os "valores" são qualidades autênticas e verdadeiras a priori, são qualidades objectivas, independentes dos bens e dos fins e não aparentes nem falsas. São a priori, porque «o valor preexiste ao agir» (Renaud, 1994, p. 305), isto é, não é resultado da experiência indutiva, ou seja, denomina aquelas «unidades significativas e ideais que são dadas por si mesmas, em virtude do "conteúdo de uma intuição imediata"» (Verges, 1993, p. 30). Revela que o "ser"dos valores é independente das alterações da existência dos "bens". E os "fins" de uma acção moral não podem ser concebidos separadamente dos "valores" a serem realizados. Continuando o pensamento de M. Scheler, este defende que os valores, enquanto qualidades independentes (a priori) dos bens, relacionam-se, quer com os objectos do mundo, quer com as nossas reacções face a eles. Neste sentido, os valores são "imutáveis" e, deste modo, Max Scheler refuta as formas de subjectivismo axiológico que relativizam os valores. Para ultrapassar tais teses, abre mão da noção de "intencionalidade" do pensamento fenomenológico. O perceber sentimental (a abertura à captação do "valor"), enquanto facto psíquico, tende a um objecto irredutível à vivência. Assim, a abolição do perceber sentimental não equivale à extinção do "ser" do "valor". Rejeitando as formas de intelectualismo, que se fundamentam na estrita divisão do espírito em razão e sensibilidade, M. Scheler sugere uma nova via de acesso à captação dos valores cordis ordo, já descrita por Pascal. Porém, estes constituem-se como objectos emocionais e, como tal, apresentam-se inacessíveis à razão. Com efeito, a sua apreensão só é possível por um meio que se ajuste a eles, ou seja, através de um perceber sentimental.

Na verdade, M. Scheler situa o "valor de pessoa" no grau supremo da hierarquia axiológica, no vértice da pirâmide, local para o qual convergem todas as arestas, que ascendem progressivamente até ele. «O valor por si mesmo é, na essência, um valor pessoal» (Verges, 1999). A pessoa é o «autovalor», como fornecedor de referência obrigatório de todo o outro valor infra-humano. Sem a presença desse valor, todos os outros perdem consistência e significado. O alcance de tal "valor da pessoa", segundo o próprio texto scheleriano, inclui o valor do heilig1, sendo este situado como sendo o mais alto da axiologia de M. Scheler, juntamente «com os valores espirituais» (Verges, 1999, p. 247). Com efeito, Max Scheler descreve, como valor fundamental, «um valor por excelência» (Verges, 1999, p. 248), que é o de "pessoa", assentando este na atracção interna desse "autovalor de pessoa" relativamente aos outros valores, à semelhança do que ocorre com a atracção provocada por um íman sobre as partículas metálicas que se encontram ao seu alcance (Verges, 1999, p. 248).

Neste momento, afirma-se que essa supremacia do valor do homem responde à dignidade de "ser pessoa" e que dignidade e valor registam uma simbiose, tal que se interpenetram mutuamente. O valor da identidade de homem é agora proclamado por palavras translúcidas: «o valor do homem, assegura ele, é um valor único " (Verges, 1999, p. 248), em virtude do valor intrínseco da dignidade da pessoa, que transpõe qualquer comparação com o reino animal.

Mas se a pessoa é um projecto, um fazer-se constante, será um valor dinâmico ou, pelo contrário, um valor estático? Para responder a esta questão vamos analisar, de uma forma sucinta, o valor de homem como um progresso.

O PROGRESSO DO VALOR DE HOMEM

O termo "progresso" anuncia um dinamismo que Scheler inscreve no conceito de pessoa. Chega ao ponto de descrever a pessoa em termos de «autoconsciência que integra todas as classes possíveis de consciência: a cognitiva, a volitiva, a sentimental, a de amor e a de ódio» (Verges, 1999, p. 249). Essa elevação gradual termina no vértice mais alto da pessoa, que é o amor, com o seu antípoda (o ódio), que corresponde ao valor e ao seu anti-valor2, na mais absoluta assimetria.

Segundo M. Scheler, presidem à evolução progressiva do valor de homem dois estadios. No primeiro, a pessoa é descrita por Scheler como um valor pertencente a si mesma, como um valor individual. No segundo, o homem integra um elemento essencial: a sua abertura e reciprocidade comunicativa com os outros na esfera relacional. Verges Ramírez questiona se estes dois aspectos se opõem um ao outro. Estes dois aspectos são duas fases do dinamismo interno do valor de pessoa. A questão provoca, contudo, um corte vertical nos limites, que confrontam os variados estratos do conceito de valor inscritos por Scheler. Deste modo, descobre-se que nos primeiros estratos estão registados uma forma de cariz mais pessoal, sendo os últimos mais de carácter social (Verges, 1999, pp. 249-250).

Neste sentido, ambos os estadios completam-se mutuamente, seja pela lei da progressão do sistema de Scheler; seja pelo dinamismo activo da pessoa (Verges, 1999, p. 250). Mediante o conceito do valor da pessoa poderemos emitir um juízo acerca da evolução dinâmica do mesmo e poderemos dizer que o último é o mais importante e decisivo, porque Max Scheler se refere ao desenvolvimento progressivo do valor do homem, declarando sucessivamente a sua personalidade conforme vai descobrindo a dimensão da pessoa. Scheler coloca, acima de tudo, a "identidade" da pessoa como valor prioritário.

A DIMENSÃO DO VALOR : PELA IDENTIDADE DA PESSOA EM M. SCHELER

M. Scheler reconhece na pessoa um carácter dinâmico, pelo que não a reduz simplesmente a um conjunto de actos, mas declara de forma explícita o "valor da identidade" do homem. Esse dinamismo do homem é precisamente o sinal inequívoco de sua não involução (Verges, 1999, pp. 250-251). Compreende-se, assim, que a pessoa, para ser ela mesma e para alcançar maiores características de identidade, necessita de não se fechar em si mesma; pelo contrário, deve ter mais capacidade para sair de si mesma. Mas onde nasce e como se realiza essa identidade? Scheler responde que ela surge do valor da mesma identidade do homem.

Segundo Verges Ramírez, através da análise do que está na génese da identidade do homem, conclui-se que a base dessa identidade está na capacidade radical de relação (Verges, 1999, p. 251). O homem tem de construir o valor da identidade de pessoa. A forma como a pessoa se expressa faz "ser ela mesma", porque corresponde à essência do próprio valor de pessoa (Verges, 1999, p. 251).

De uma forma resumida, podemos dizer que M. Scheler acrescenta algumas novidades que residem em duas áreas: uma, na maneira de expor o valor da identidade (esta é concentrada na autoconsciência do homem), a outra, no desenvolvimento que faz do conteúdo do dito valor, pois pertence ao ser mais profundo da pessoa. Assim, o valor da identidade do homem está na linha do ser, como «valor por si e em si mesmo» (Verges, 1999, p. 251).

Além da dimensão de valor da identidade da pessoa, analisada até aqui, Max Scheler aborda uma outra dimensão, que frisa o valor de pessoa com um carácter introvertido ou é de cariz comunicativo. Scheler diz que a essência de tal valor não é unidimensional, mas sim intersubjectiva.

A DIMENSÃO DO VALOR INTERSÜBJECTIVO DA PESSOA

Segundo M. Scheler, o termo «intersubjectividade» mostra que a identidade da pessoa não é um «valor monolítico excluinte mas sim um valor mais universal» (Verges, 1999, p. 252). Por isso, Scheler acrescenta à noção inicial de pessoa a de «pessoa total», traduzindo esta um valor de pleno humanismo, de maneira que o homem não seria plenamente pessoa se não tivesse essa dimensão intersubjectiva, indispensável ao valor da sua identidade, que é particularmente intercomunicativa3.

Neste «progresso axiológico de pessoa» (Verges, 1999, p. 254), Scheler fala numa dupla área (pessoal e social) como a plena realidade dos outros, uma vez que cada um vive em si mesmo de uma forma originária como pessoa social, assim como pessoa íntima (Scheler, 1942, p. 383). O carácter social do homem dignifica-o de tal forma que o faz «ser ele mesmo», e, procurando a raiz da questão, desenvolve todas as virtudes da condição humana. Por isso, Scheler descreve esta abrangência pelo termo «pessoa total», designando assim, de uma forma precisa, esse valor total. Deste modo, a «pessoa total» é a autorealização4 do homem, em todas as suas dimensões, como o centro da plenitude humana. A este respeito, Vergés Ramírez cita A. Vergot, que sustenta que «o outro está inscrito no fundamento do eu intersubjectivo» (Verges, 1999, p. 253).

Em suma, M. Scheler responde à questão "o que é o homem?" equiparando o "valor de pessoa" com o da comunidade, e o "valor da sociedade" com o de "pessoa total". Neste sentido, podemos dizer que esta dimensão social é indispensável para a sua própria existência.

AMOR E VALOR DO HOMEM

Segundo Verges Ramírez, não seria compreensível o progresso do valor em Scheler, se este não estivesse previamente relacionado com o amor. Scheler define o amor, parafraseando S. Tomás de Aquino, como querer o bem, seja para mim mesmo, seja para os outros. Mas, porque razão Scheler associa o amor ao bem? Scheler fundamenta esta associação, em primeiro lugar, porque o bem é a expressão concreta do valor, que é universal e, em segundo, porque o bem constitui o fim do homem, que possui o valor da liberdade, perante os «bens concretos», e a distingue do bem universal (Verges, 1999, p. 255). O "bem" pode ser multifacetado, tanto para mim mesmo como para os outros. Mais uma vez Scheler intitula, como laço mediático do valor, «o amor do homem a si mesmo com o amor do outro, sem solução de continuidade» (Verges, 1999).

Só através da amizade, do amor da pessoa para com outra pessoa, o homem toma consciência de si e da própria dignidade humana. Com efeito, trata-se simplesmente de redescobrir a faceta do amor profundo, que é o seu carácter valioso.

Neste sentido, Max Scheler foi o único que «une o amor ao valor, pelo que o constitui na «pessoa», por um lado e na maneira de amar, por outro» (Verges, 1999, p. 256). O amor que se adquire no valor pessoal do outro, por si mesmo, está isento de todo o atributo evolutivo. O valor do amor é referenciado como intrínseco. Não são duas realidades independentes, que formam uma terceira, mas o amor da pessoa é um valor por si mesmo. Isto é, no sentido mais profundo do homem, como «pessoa total». Assim, Scheler sustenta que «todos os outros são o modo de uma pessoa total» (Verges, 1999, p. 256).

A este respeito, Verges Ramírez diz que E. Colomer comenta acertadamente o pensamento de Scheler sobre o amor heterocên-trico, ao descrever este como «a tendência a sair de si e entregar-se» (Verges, 1999, pp. 256-257), porque a condição de possibilidade do valor pessoal habita precisamente no amor do outro. A pessoa necessita, para a sua identidade plena, de viver o valor da sua vertente social, como "pessoa total", instalada no amor comunicativo (Verges, 1999, p. 257). Assim, ser amado por outra pessoa deve ser considerado como condição de base para a convivência humana e social, decorrendo daí a importância de analisarmos o valor da solidariedade.

Ortega y Gasset afirma que o valor é o cariz que sobre o objecto projectam os sentimentos de agrado e de desagrado do sujeito, isto porque aquilo que nos agrada parece-nos bom, porque encontramos nele o carácter valioso da bondade. Daqui a importância que tem para alguém o valor. Este aspecto subjectivo remete para a objectividade, perante o sujeito que valora, perfila-se algo para o valioso.

Segundo as características axiológicas, o objecto será sempre para o sujeito, dado que a objectividade dos valores será equivalente à subjectividade dos mesmos (Ortega y Gasset, 1943).

Valorizar algo por parte de um sujeito não faz desse objecto, nada mais do que um objecto de estima. O sujeito outorga a estimação, não a estimabilidade.

Segundo M. Scheler, a superioridade de um valor não estriba que seja preferido, mas em que seja preferível. Segundo este feno-menologista, vivemos sempre o abandono de um valor superior por outro inferior, como um envelhecimento ou uma debilidade. Será, pois, a característica essencial e primordial do valor mais alto e a característica mais alta, que é o valor absoluto.

Para M. Scheler, os valores não são, mas unicamente existem porque valem. O positivismo valioso deve existir e o negativismo valioso não deve existir. O filósofo da axiologia assinala variados critérios para diferenciar a categoria de um valor, como: duração (os valores inferiores são passageiros e os superiores são permanentes); divisibilidade (os bens materiais são divididos e distribuídos, os valores como a justiça, a paz, a ciência não se dividem); fundamentação (todos os valores possíveis radicam no valor de um espírito pessoal e infinito e de um universo de valores, do qual depende); profundidade da satisfação (aqui a satisfação refere o gozo espiritual, os valores mais elevados produzem uma satisfação mais profunda e intensa no coração do homem); grau de relatividade (os valores sensíveis guardam estreita relação com os sentidos, enquanto que os morais são independentes relativamente à nossa sensibilidade) (Scheler, 1966).

Os valores, segundo a leitura de López Quintas, não podem ser delimitados e localizados de forma inequívoca, como sucede com os entes matemáticos. Assim, nesta perspectiva, o "valor" alude a relevância, importância, dignidade, excelência, poder configurador e capacidade de impulso lúdico. Mercê do valor, as realidades adquirem características que sobressaiem, ao nível das realidades objectivas, destacando-se das acessórias ao ostentar uma justificação interna. O valor confere a certos actos humanos o enlevo do acontecimento e conduz-se, por cima, dos factos vulgares, que podem não fazer história.

O valor per se, como diz Von Hildebrand, encarna o verdadeiro e o objectivamente importante. Se, de facto, o valor é incarnação do que é, em definitivo, importante, verdadeiro, válido, então não poderemos cair no reducionismo de sustentar que, sempre que uma pessoa está motivada, é, na realidade, um valor o que lhe interessa. Em muitas situações concretas, parece que o ponto de vista do "valor" não motiva à pessoa. Naturalmente, enfrentamo-nos para um terceiro tipo fundamental de bonum distinto tanto do valor, quanto do subjectivamente satisfatório: o bem objectivo para a pessoa.

A diferença existente entre o bem objectivo, para a pessoa e a importância intrínseca do valor (valere) ou do desvalor (desvalere), não se modifica pelo facto de que ambos se encontram num e mesmo acto, nem pela profunda e necessária conexão entre ambos, nem menospreza o sentido essencial.

A diferença entre o único subjectivamente satisfatório e o bem objectivo para a pessoa, dado que depende da natureza da mesma, do valor ou da importância, não sendo equiparável à diferenciação entre um objecto, que possui, na realidade, algum tipo de importância e aquele que só aparentemente o possui.

A categoria da "importância", a que chamamos de bem ob-jectivo para a pessoa, prevalece, historicamente, no conceito de bonum, que de facto na realidade guarda uma relação secundária, relativamente ao valor.

O Bem objectivo, para a pessoa, pressupõe necessariamente o importante per se, isto é, o "valor" (valere).

Na nossa motivação, existem três categorias de importância essencialmente diversas. Trata-se de três razões possíveis que podem fundamentar a importância de um objecto. A grande diferença axiológica estriba-se em considerar o ponto de vista do valor ou daquilo que é subjectivamente satisfatório.

O valor, o bem objectivo para a pessoa unica e subjectivamente satisfatório, constituem três tipos diferentes de importância na nossa motivação. A clássica distinção definida por Aristóteles, na Ética a Nicómaco, retomada por S. Tomás de Aquino, alude ao bonum honestum, bonum delectabile et bonum utile (Aristételes, 1959). Por aqui se vê que existe uma escala hierárquica dos meios, referida não só à dignidade dos fins, senão, também, à aptidão dos mesmos.

No momento de estabelecer a escala de eficácia ou gradação na aptidão dos meios intervêm, entre outros, a maior segurança, que brinda com facilidade para obter o fim querido e, também, a circunstância dos efeitos colaterais negativos.

Esta motivação imperfeita, que toca o anti-valor, implica uma cegueira para a importância objectiva própria de qualquer objecto e entranha, portanto, uma "falsificação do universo". Fica claro que o carácter do bem objectivo para a pessoa não é só uma categoria da motivação humana, senão o bem objectivo que é a única característica do ser.

A bondade moral é o maior dos bens objectivos para a pessoa. Para compreender a relevância do bem objectivo, que é a bondade, exige-se a prévia apreensão do valor da bondade moral. Precisamente porque a bondade moral é um "valor" (valere) e possui-lo, constitui um bem objectivo para a pessoa. O valor é aqui o princi-pium, enquanto que o carácter ou importância do bem objectivo é o principiatum, isto é, por implicar valores é um bem objectivo, para a pessoa.

Exige-se, então, que o ser seja portador de um valor, para que seja capaz de converter-se num Bem objectivo para a pessoa. O carácter do bem objectivo funda-se no valor do objecto. Assim se passa com os bens objectivos superiores. Os bens elementares possuem um "valor indirecto", como meios de uma parte da existência humana, a qual possui valor.

Se se exige que o ser seja portador de um valor, então que seja capaz de se converter num bem objectivo para a pessoa. Isto é no que se refere aos bens objectivos superiores. Todos estes bens, indirectos e úteis, possuem um carácter de bens objectivos, para a pessoa, que se não fundamentam neste valor indirecto, senão por causa da sua "indispensabilidade elementar".

Perante o valor, nenhum bem objectivo será indiferente. Possui um valor positivo pela qualidade de "pró", como dom para a pessoa humana. O valor, que possui a pessoa humana, determina que todo o ser, que tenha este carácter benévolo, seja um dom para a pessoa, que adquira precisamente, por ela, um valor indirecto. A qualidade do bem objectivo não radica no valor indirecto, porque é um bem objectivo. Esta propriedade é a fonte do seu valor indirecto. Naturalmente, parece que aqui está o principiatum e a importância do bem objectivo como principium.

A última fonte deste valor é evidentemente a pessoa humana. Também aqui a base última desta importância indirecta é um "valor" (valere).

Na esfera dos valores, não só existe uma escala, como também uma "graduação hierárquica", em virtude da qual podemos dizer que um valor é superior e outro inferior, ou, segundo o valor inerente, de um bem superior e do outro inferior. Esta ordem hierárquica é de tal relevância, que o aderir ou não aderir a ela, na -ordo amoris - será, segundo S. Agostinho, a fonte da moralidade.

Existem diferentes domínios ou "famílias" de valor, cuja diferença os torna fundamentalmente distintos.

Outro critério axiológico repousa sobre o sentido dos temas, daqui que seja possível falar de valores estéticos intelectuais, morais, etc. Neste sentido, vemos como a humildade, pureza, justiça, prudência pertencem à mesma família dos valores morais, caracterizados pelo valor fundamental da bondade moral.

As "hierarquias axiológicas" poderão ser ascendentes ou descendentes, como se observa pelo esquema anteriormente apresentado. Qualquer uma das formas possui "determinação axiológica", porque evoluirá no agir e no ser.

Os mais significativos são os espirituais, que possuem graduação. Assim, a humildade é mais eminente do que a sinceridade, bem como a "profundidade espiritual", relativamente ao engenho, porque a humildade omnium virtutum mater, segundo S.Agostinho (Augustin, 1985, p. 289).

Como se viu, cada domínio tem a sua própria hierarquia. Daqui que distinguimos entre a hierarquia interna de uma e mesma família de valores e a hierarquia dos diversos domínios de valores. Naturalmente, surgem hierarquias internas e externas em "axiologia".

Perante o eminente valor de um ser pessoal, como tal, perante o valor ontológico da pessoa, a dignidade de um ser com alma espiritual, investido de razão e de livre vontade, não dúvida de que nos encontramos perante algo intrinsecamente importante.

Não existe nenhuma antítese qualitativa de elevado valor do ser humano. O ser impessoal carente deste valor não possui um carácter negativo. Não existe a oposição contrária à pessoa, somente a sua contraditória e esta não existência não é, enquanto tal.

De modo diverso, o valor moral, por um lado, e o valor on-tológico da pessoa são um reflexo de Deus. O eminente valor ontológico da pessoa humana reflecte Deus não de um modor tão directo, como os valores morais quanto pela sua realidade.

Neste sentido, o homem é imago Dei. Todos os valores, num ser criado, reflectem de modo específico Deus, que os reúne de modo eminente: "Nada é bom, sem Deus" (Lc 18, 19). Quoadse, o valor ontológico pressupõe Deus, enquanto que quoad nos conduz-nos a Deus, como ponto de partida ou uma indicação ou ordenação para este Ser. Em síntese, o valor ontológico é um esplendor da infinita bondade ontológica de Deus.

Outra característica fundamental revela-se nas diversas atitudes, que o homem deveria adoptar perante o seu próprio valor ontológico e para os próprios valores qualitativos. A verdadeira humildade estende um véu sobre todos os valores qualitativos, que mostra a nossa própria pessoa, como capax universi.

Assim, uma pessoa - subsistens in racionali natura - não possui valor ontológico, em grau superior, relativamente a outra, porque dentro de um valor ontológico específico, não existem graus.

Porém, diante dos valores morais poderemos falar de graus e dizer que um homem é mais leal, mais justo do que outro, isto é, possui esta virtude em grau superior a outra.

Com efeito, os valores ontológicos realizam-se mediante a existência de um ser humano. Nunca cessam. Os valores morais tornam-se reais, mediante as acções livres da pessoa, quando possuem uma virtude. Deixa de ser real, quando a pessoa perde tal expressão ontológica.

Um conhecimento claro e profundo dos valores exige mais requisitos morais que qualquer outro tipo de conhecimento. No domínio dos valores morais, exige-se mais, não somente é necessária em maior medida a reverência e a abertura do nosso espírito, perante a voz do ser, um maior grau de conspiração com o objecto, requerendo-se, também, uma disponibilidade da nossa vontade para nos adaptar à exigência dos valores, quaisquer que sejam estes.

Do coração do homem brotam as obras que o enobrecem e elevam ou as que o degradam. Tanto o bem como o mal são originados da interioridade pessoal. As disposições interiores revelam-se por meio de seus frutos, que são as obras.

Trata-se, pois, da trágica ambiguidade do coração. O bem é a fonte do valor moral do nosso agir ou pode converter-se em cúmplice da injustiça. O coração, que é o centro dos valores, deve ser purificado. O coração puro faz fecundar a luz da inteligência.

Onde está o teu tesouro, aí está o teu coração (Mt 6, 21). A direc-ão fundamental do coração leva consigo um compromisso total.

Assim, entende-se o coração como núcleo dinâmico da pessoa. O coração aparece e manifesta-se como o resumo, a fonte, a expressão e o fundo último dos pensamentos, das palavras e das acções. O homem vale, o que vale o seu coração.

Apreender um valor, estando consciente dele, reconhecer e compreender a sua importância intrínseca é uma participação única e relevante da pessoa no mundo dos valores (Dalt di Mangione, 2005, pp. 160-161).

Por muito significativa que seja a apreensão e compreensão dos valores, para plenitude de uma personalidade, estes não são uma participação, que outorgue valores morais à pessoa.

A apreensão do valor não inclui uma recta direcção da vontade. O conhecimento seguro e irrefutável dos valores não faze um homem bom, não contém o elemento de entrega pessoal e a transcendência própria da resposta ao valor.

A participação nos valores pressupõe a união alcançada na compreensão do mesmo e implica algo de novo, em novo grau de união mais íntima, profunda e superior à do conhecimento.

Os valores afectam um domínio de receptividade específico, um plano mais íntimo da nossa alma, um centro qualitativo e nitidamente diferente do que entra em jogo no caso do subjectiva-mente satisfatório. Trata-se do centro de onde emerge o amor. Ao sermos afectados pelos valores, transcendemo-nos e elevamo-nos sobre nós mesmos. Diverso é o caso quando nos afecta o subjec-tivamente satisfatório.

Sempre que somos afectados pelo valor, emerge um conteúdo novo na nossa alma. A experiência específica de ser comovido por a generosidade ou pureza de outra pessoa, será o facto de que o valor actua no coração de um modo mais íntimo, profundo e significativo, atravessando a crosta da minha indiferença e implica uma participação, um contacto novo e uma maior intimidade com o "valor" (valere).

O facto de que esperamos ser afectados por um valor determinado revela a maior intimidade da união alcançada, mediante este novo contacto e constitui a melhor disposição respeito ao influxo e profundidade de participação com o valor, que o alcançado mediante a simples apreensão, em boa medida da participação no mundo dos valores, que se materializa na resposta ao valor (Fragata, 1946, pp. 40-41).

A essência específica do valor motiva-nos e determina a qualidade do conteúdo da resposta. O conteúdo qualitativo da resposta ao valor corresponde necessariamente à essência do domínio do valor, a que esse valor pertence.

O grau de afirmação da nossa resposta refere-se ao núcleo próprio da palavra interior, intencional e significativa, da "resposta axiológica", que aqui se manifesta pela conexão necessária entre o valor e a palavra interior da resposta.

A palavra interior da resposta ao valor pela admiração e alegria, por exemplo, e o objecto dotado de valor, até aquele que se dirige a palavra guardam uma profunda e significativa relação. O objecto portador de um valor deve dar-se numa resposta positiva.

Todo o bem portador de um autêntico valor e todo o objec-to tido como desvalor exigem uma resposta adequada. A dita adequação não só engloba a conformidade do carácter positivo ou negativo da essência do domínio do valor com a resposta conveniente, como também a correspondência entre o domínio do valor e a profundidade da resposta entre o domínio do valor e o grau da nossa afirmação. Esta conformidade com a hierarquia dos valores alude à ordo amoris augustiniana, como fundamento ontológico da ética.

Ao compreender ou apreciar um valor, vamos mais além do plano ontológico para penetrar na axiologia. Resulta, pois, impossível apreciar um valor, procurando captá-lo por fora, desde um enfoque neutral como algo meramente existente.

Uma observação à nossa própria vida descobre-nos pela experiência de não poder permanecer indiferentes ou insensíveis frente ao valor de um objecto e isto determina maior capacidade para a resposta.

A consciência de que se exige uma resposta não se opõe ao movimento espontâneo do coração.

O engrandecimento do coração é o deleite da justiça. Isto é um dom de Deus, para que nos encontremos em seus preceitos, para que nos engrandeçamos na justiça e pela sua complacência, segundo S. Agostinho.

Toda a resposta ao valor está, em si mesma, dotada de valor e realiza a relação de exigência objectiva, a entrega de nós mesmos ao valor e participa do valor de modo único. Tudo isto outorga um valor ao próprio acto. Mas, este valor distingue-se do valor ao qual se responde. Qualquer resposta ao valor é per se portadora de um valor pessoal, mas tal não implica que toda a resposta esteja dotada de um valor moral.

Quando a resposta adequada ao valor seja per se portadora de um valor pessoal, não implica que toda a resposta ao valor esteja dotada de um valor moral. Toda a acção moralmente boa é uma "resposta axiológica", muito embora esta relação não pareça recíproca.

A desarmonia objectiva, materializada nesta resposta inadequada, distingue-se destes dois aspectos assinalados. Na verdade, a desarmonia encarnada numa resposta inadequada não se circunscreve às respostas dirigidas às pessoas.

Quando a desarmonia objectiva desemboca numa resposta incorrecta, que tem a sua raiz num erro de que a pessoa que emite não é responsável ou não tem consciência, focalizar a atenção nos desvalores intelectuais, sempre que manifestados na resposta errónea (Scheler, 1966).

Resulta importante ver que nem o valor moral nem o intelectual de uma resposta adequada fundam o princípio, segundo o qual o objecto portador de um valor exige uma resposta apropriada e harmónica. A resposta adequada é exigida em razão do objecto, não da pessoa que responde.

A SOLIDARIEDADE COMPASSIVA: ENTRE O DOM E O VALOR

Na humanização, existem dois graus de intersubjectividade e, naturalmente, três respostas diferentes sobre as implicações poiéticas da solidariedade. Assim, surgem diferentes respostas, desde uma inter-subjectividade simétrica à assimétrica, passando pela inter-subjectividade racémica.

Esta atrai para o "dia-lógos" sujeitos iguais, competentes e livres. Este é um elemento fundamental da humanização. Naturalmente que a realidade é outra, sendo essas condições ideais, anteriores ao próprio facto da "fala". Pela humanização, em saúde, falamos para nos entendermos, quer dizer, para nos fazermos compreender e chegarmos a um acolhimento na relação médico-doente. São como que as condições, quase transcendentais, que tornam possível levar o debate pelo caminho poiético do "consenso".

Percebe-se a inter-subjectividade simétrica metaforicamente dada no Sacerdote ou no Levita perante o Desvalido no Caminho, que na parábola se refere em Jesus Cristo. Certo é que o nomikós surge como expressão inter-subjectiva simétrica, de igual para igual, nas perguntas que faz para experimentar o "Mestre".

Para Hegel, o êxito de um momento emancipado verifica-se sempre que um sujeito é reconhecido pelo Outro e este, por sua vez, é reconhecido por aquele como elemento necessário da sua própria identidade.

Segundo a fenomenologia do espírito, uma pessoa começa o processo com uma consciência egoísta per se, consciência que tem que se sacrificar, se quisermos reconhecer o outro como consciência igual à nossa.

O processo humanizador afecta a consciência sofredora do Outro. Alcança-se a própria consciência, mediante a própria morte e a do outro. Assim, aparece simbolizada nos salteadores, que alcançam a própria consciência, mediante a própria morte e a do outro, segundo o espírito hegeliano.

Enquanto não se produzir esta "reflexão na unidade" do reconhecimento recíproco, ambas as consciências serão diferentes. Se uma autoconsciência é o patrão, a outra será o escravo, segundo Hegel, tal como se revela nos salteadores da parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37) (Borges de Meneses, 2005). A solidariedade que se gera tem características originais, simultaneamente simétrica e assimétrica. Segundo a humanização não se trata de repartir entre os menos-iguais o excedente dos mais-iguais, mas organizar o todo a partir dos direitos dos menos iguais. Não se trata de questionar a legitimidade desde a não funcionalidade, mas a funcionalidade desde o défice da legitimação.

Temos, portanto, dois modelos de solidariedade - por consenso ou "descendente" e por reconhecimento ou "ascendente" - que correspondem às duas versões da inter-subjectividade referidas: simétrica e assimétrica.

As acções do Bom Samaritano possuem tanto de simétrico, quanto de "assimétrico", dado que o "fazer" foi activo e passivo, respectivamente. Está dado na "voz média" pela esplancnofania, que vem de Deus-Pai, o "Pai da Misericórdias".

No Samaritano, a solidariedade da razão comunicativa representa uma acção inter-subjectiva simétrica, deve explicar o passado desde esse princípio inter-subjectivo e dedica-se activamente à construção do futuro. Há o ver e o acolher do Samaritano que é a solidariedade descendente. Mas, nele surge a "solidariedade ascendente", que se justifica pelo reconhecimento, que vem do Desvalido no Caminho.

A partir do Homo Viator, outra coisa será a solidariedade entendida de acordo com uma experiência histórica primária, como inter-subjectividade assimétrica, quer dizer, como relação entre sujeitos que lutam pelo seu reconhecimento.

Na humanização, poderá surgir que uns carecem de reconhecimento da sua dignidade, porque são "des-validos" e lutam por ela; outros têm-na formalmente, mas ao defrontar-se com aqueles que a não têm, comportam-se como dominadores e isto está presente na relação médico-doente (Osswald, 2002, pp. 16-17).

Tal como na humanização, a solidariedade é a necessidade de "reconhecimento mútuo" e isto manifesta-se na parábola do Bom Samaritano. Será a compaixão que marcará esse reconhecimento e define uma "solidariedade ascendente". Serão, na humanização, os "des-validos" os sujeitos axiológicos que constituem o princípio da solidariedade.

Necessário será dizer que a humanização, em saúde, é uma inter-subjectividade simétrica e assimétrica, simultaneamente, non sub eodem aspectu. Aqui temos uma inter-subjectividade "racémica" revelada numa " solidariedade anamnésica", que informa e dá vida à humanização.

Partindo da inter-subjectividade assimétrica, será possível de facto, uma solidariedade com o passado como - Leidensgeschichte -, na medida em que hoje assumimos esses direitos não satisfeitos, teremos acesso à dignidade de homens (doentes, etc.) e passaremos de "Desvalidos" a serem dignos.

A parábola do Bom Samaritano é uma "anamnése solidária" da - Leidensgeschichte - como - Leidensevangelium -, na leitura da SalvificaDoloris, porque narrativa da dor e do sofrimento.

A humanização, em saúde, é uma "Leidensgeschichte", que vai do doente e poderá atingir o médico, que tem um imperativo poiético: vai e faz misericórdia ao Desvalido. A "inter-subjectivi-dade racémica" implicará quer a solidariedade ascendente, quer a solidariedade descendente, que é visível no Samaritano, ora para com o Desvalido (ascendente), ora no Sacerdote e no Levita, para com o "meio morto" (descendente) (Beorlegui, 1994).

Assim entendida, a solidariedade não se opõe ao dinamismo da justiça, antes o reforça. Será uma solidariedade que propõe transformações estruturais, a fim de corrigir as assimetrias da realidade comportamental entre o Bom Samaritano e o "Desvalido do Caminho". A solidariedade contribucionista expressa-se pela humanização, no marco do puro dom, isto é, naquela que assume e ultrapassa a justiça do Sacerdote e do Levita, como referia a Torah e a prática do Templo de Jerusalém. O Samaritano ultrapassa, segundo o contribucionismo, as solidariedades e fixa-se na "solidariedade esplancnofânica". A humanização é um "contributo plesiológico" in solidum na relação dual e assimétrica médico-doente (Duvignaud, 1990). Será esta "revolução das vísceras" de um Samaritano bom, que determina a excelência da solidariedade, constituindo-o em Bom Samaritano. Esta excelência axiológica caracteriza a aretologia teológica, porque oferecida pelo Pai das misericórdias ao Desvalido no Caminho (Jesus Cristo), que, por sua vez, define a excelência do comportamento exemplar do Samaritano. Pernaturam suam, a humanização é solidariedade e excelência solidária (aretologia axiológica). A humanização hospitalar tem pessoas e condutas aretológicas. A solidariedade está entre o dom e o valor.

CONCLUSÃO

A análise efectuada, ao longo deste estudo, permite-nos dizer que Scheler sustenta a ideia de que a capacidade do homem para actuar está direccionada para o desenvolvimento total, mercê da articulação dos seus actos. Mas tudo isto é incompreensível sem a vinculação dessa pessoa aos seus "valores".

Neste processo, descobrir a pessoa significa entrar no mundo de todos os seus valores, hierarquizados por M. Scheler em diferentes categorias. Assim, segundo este pensador, situa-se o homem no centro de todos os valores, porque o homem, além de ser um "sujeito de valores", é 'um valor pessoal". O valor do homem é único, em virtude do valor intrínseco da dignidade da pessoa. Para Scheler o valor da identidade do homem está inscrito no ser, como "valor por si e em si mesmo". É através da participação activa que o homem tem de construir o valor da sua identidade de pessoa. É a forma de se expressar que faz a pessoa "ser ela mesma", correspondendo esta à essência do seu próprio valor de pessoa.

M. Scheler atribui uma maior relevância à dimensão axiológica da pessoa - no seu aspecto relacional. Segundo ele, o progresso do valor interpessoal encontra-se na comunidade, na sociedade, na chamada por Scheler, "pessoa total" e "pessoa valiosa", considerando a dimensão social do homem como essencial para a sua própria existência.

O amor e o valor "vivem" em união, pelo que Scheler o constitui na pessoa, por um lado, e na maneira de amar, por outro. O valor do amor é referenciado como intrínseco. Com efeito, o amor da pessoa é um valor, por si mesmo, no sentido mais profundo do homem, como «pessoa total».

Em M. Scheler, a solidariedade representa um passo à frente de significado profundo, porque manifesta a participação activa na promoção do outro, como de si mesmo se tratasse. Com efeito, a solidariedade deve ser interpretada como um movimento de reciprocidade que deve estabelecer-se entre todos os indivíduos.

A actuação do espírito humano manifesta-se em comportamentos ou atitudes. Os valores são conjunto de crenças e referências do homem a respeito da verdade, da beleza, do valor de todo o objecto, pensamento ou comportamento. São acções orientadas e dão uma direcção e uma medida à vida de cada um. Quando se afirma que os valores evoluem através de experiências pessoais e são o sustentáculo do comportamento humano, que têm uma componente intelectual e emocional.

O homem fica convencido dum valor, este é-lhe caro e ele está pronto a defendê-lo. Ao longo do ciclo vital, o homem perde, adquire ou transforma valores anteriores. Será necessário que cada um clarifique os seus valores, dado que estes permitem aumentar o nível da realização de si mesmo (Borges de Meneses, 2002).

O valor é algo que é objecto de uma experiência, de uma vivência por parte do sujeito ou por parte da pessoa. Podemos ver o valere de uma personalidade, a beleza de uma paisagem e o carácter sagrado de um lugar. Estamos perante valores éticos, estéticos e religiosos. E a nossa vivência destes valores é um facto real, quando inserida naquilo a que poderemos chamar de "qualidades axiológicas", de um quale dos objectos em questão: homem, paisagem ou lugares. É este quale que constitui o caracter e desperta em nós o sentimento respectivo ou a referida vivência.

O termo "pessoa" engloba toda esta série de valores, possuindo ambos os termos (pessoa e valor) um teor conotativo e denotativo, diferente, exigindo diversos valores ou diversas espécies de valores.

Para M. Scheler, existe uma relação íntima entre valor e "deve-ser", onde todo o "deve-ser" se apresenta como valor. Este "deve-ser" é distinguido de duas formas: uma ideal e outra normativa.

O "deve-ser" vive-se num valor por nós contemplado, no aspecto da sua relação com um possível ser real. Será, neste sentido, que podemos falar de um "dever ser ideal" (ideales sollen). Mas a este, contrapõe-se outro "dever-ser" por nós contemplado, dentro de uma outra relação: a que se estabelece entre ele, no seu conteúdo e um certo querer que se propõe realizar esse conteúdo, o dever ser da obrigação (pflichtsolen).

Scheler é, portanto, da opinião que o "dever ser" ideal pertence à essência dos valores, quando estes são contemplados na relação com uma possível realidade. O "dever ser" ideal tem o seu fundamento na relação entre o valor e a realidade. Assim, os valores, quando contemplados em si, não contêm o momento do dever ou obrigação. Como todos os valores se referem a um sujeito, poderemos classificar estes em duas classes fundamentais: valores sensíveis e valores espirituais. Os primeiros referem-se ao homem como simples ser da natureza. Os segundos são para o homem como um "ser espiritual". Esta análise corresponde à temática central da antropologia axiológica de M. Scheler, centrada na noção de pessoa como "acto axiológico".

A pessoa surge como unidade de ser, concreta e essencial de actos. Significa, que, para M. Scheler, a pessoa não é um simples conjunto de actos, que se unificam num centro comum, como os raios de luz convergem num só ponto. Assim, em M. Scheler, a pessoa é uma unidade concreta, isto é, possui uma identidade, considerada por Scheler como primeiro valor. Numa palavra, possui auto-consciência do ser pessoa, como realidade prioritária, significando que, por um lado, o homem se diferencia dos outros seres animais e, por outro, se relaciona com o mundo.

A convivência, com as outras pessoas, circunscrita no mundo das coisas, supõe-se uma "relação inter-subjectiva" com o Universo, como local obrigatório para o desenvolvimento de tal relação axiológica. A exclusividade da pessoa concede um valor, permite um progresso inédito no conceito de pessoa, atribuindo-lhe a noção de individualidade e de unicidade.

Segundo M. Scheler, não basta, para ser pessoa, auf dem Rücken, ter a capacidade de pensar nem a capacidade de pensamento reflexivo sobre si mesmo, mas significa muito mais: a autoconsciência. Só se é pessoa, quando esta integra todas as classes possíveis de consciência: a cognitiva, a volitiva, a sentimental, a do amor e do ódio. Significa que a autoconsciência é sinónimo de identidade, quando compreende todas as virtualidades da pessoa.

A pessoa, segundo Scheler, é acto unificado, como acto, essencialmente, de natureza unificada num caminho concreto particular. Os actos são as pessoas. Se um acto não pode ser um objecto, então a pessoa, que vive na execução de actos, a fortiori, nunca poderá ser um objecto (Spader, 2002, pp. 104-105).

Descobrir a pessoa significa entrar no mundo de todos os valores, hierarquizados, por M. Scheler, em diferentes graus.

Os valores são qualidades autênticas e verdadeiras apriori, não são aparentes nem falsas, mas sim objectivas, independentemente dos bens e dos fins. São a priori, porque nos indica que não são fruto da experiência indutiva, ou seja, designa aquelas unidades significativas e ideais, que são dadas, por si mesmas, em virtude do conteúdo de uma intuição imediata. Significa que o ser dos valores é independente das variações e transformações da existência dos bens, não se podendo conceber os fins de uma acção moral, separadamente dos valores a serem realizados.

O valor da pessoa coloca-se por M. Scheler, pelo grau supremo da hierarquia axiológica, no vértice da pirâmide, local onde convergem todas as arestas, que ascendem progressivamente até ele. Naturalmente, a pessoa é o "autovalor", como o fornecedor de referência de todo e qualquer valor infra-humano.

Pelo carácter dinâmico que M. Scheler reconhece na pessoa, não só a reduz a um conjunto de actos, mas explicita, de forma clara, o "valor da identidade", conforme aquele que ele mantém sobre a autoconsciência da pessoa. A pessoa adquire, maior sentido de identidade, na medida em que sai de si mesma. Para M. Sche-ler, ela surge do valor da própria identidade do homem. O valor do núcleo da pessoa é objecto da participação activa do homem.

Segundo M. Scheler e N. Hartmann, o valor realizado não se identifica com o objecto ou o ser em que se actualiza, este é o seu suporte e o seu portador.

Não constituem um mundo novo, porque o mundo dos valores se identifica com o mundo dos seres. Logo, não constituem um mundo desconhecido, porque o valor foi já profundamente estudado na filosofia medieval com o nome de bem.

Não negamos que esta corrente filosófica deixasse de trazer algumas vantagens e até verdades aproveitáveis. A aplicação do valor às ciências, além de ser causa do esclarecimento de muitos pontos obscuros, dirigiu-as para um fim mais prático, afastando-se assim o perigo do intelectualismo exagerado, tendente a manter-se em especulações estéreis.

Com razão se salienta a relação do valor ao sujeito, pois o valor aperfeiçoa o sujeito como bonum est perfectivum subiecti. Deste modo, originaram-se novas impulsões de realização e aperfeiçoamento, pois o homem, dotado de uma vontade que necessariamente abraça o Bem, tende espontaneamente para aquilo que participa do Bem, ou seja, que se lhe apresenta como valor.

Sem as bases ontológicas, que constituem o fundamento da verdadeira filosofia, a teoria dos valores não pode manter-se. A sua pujança, que ao princípio parecia avassaladora, depressa esmoreceu, de tal modo que esta corrente filosófica, quase se extinguiu. A filosofia dos valores será sempre um marco do pensamento filosófico. Outras ideias, das quais fará parte a "filosofia dos valores", dominam hoje o pensamento crítico. Mas, que dizer do valor que oscila, quanto ao fundamento, entre uma "aretologia axiológica", seguindo um caminho ético, e uma "axiologia ontológica", dominada pela interpretação metafísica do Bem. Cremos que assim será sempre a dupla orientação a reinar na Filosofia dos Valores, dado que todas elas buscam o sentido fenomenológico do Bonum.


1 Santo.

2 A expressão "anti-valor" é preferível à de "valor negativo", pois o anti-valor, em rigor, não "vale". (Cabral, 2000, pp. 150-151).

3 A este respeito, Scheler refere que esta intersubjectividade pode ser observada num duplo plano, por um lado, a realidade profunda da pessoa, isto é, a sua «capacidade radical» de se relacionar com os outros; por outro, o seu «comportamento disfuncional», relativamente a essa relação, motivada por causas multifactoriais, podem certamente distorcer o valor da pessoa, mas nunca o anular. Todos eles pertencem ao «actuar» e não ao «ser» da pessoa. Cfr. (Verges, 1999, pp. 250-252).

4 O termo autorealização pressupõe um conjunto de possibilidades humanas pré-determinadas, que devem ser actualizadas harmoniosamente. (Gevaeret, 2001, p. 194).


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